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Processo n.º 609/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Por Decisão Sumária do relator, de 15 de Julho de 
 
 2005, entendeu‑se que o presente recurso era inadmissível, pelo que não se podia 
 conhecer do seu objecto. Essa decisão é do seguinte teor:
 
  
 
 “1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 2 de Junho de 2005, que rejeitou, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal (CPP), por manifesta improcedência, o recurso 
 deduzido contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Dezembro de 
 
 2004, que, por seu turno, confirmara a condenação do recorrente, decretada pelo 
 acórdão do Tribunal do Círculo da Maia, de 12 de Novembro de 2003, na pena única 
 de oito anos de prisão, por prática de seis crimes de roubo (um deles em forma 
 tentada), três crimes de falsificação de documento e um crime de detenção ilegal 
 de arma de defesa.
 O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, 
 decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, 
 n.º 3, da LTC).
 No presente caso, o recurso é claramente inadmissível, o que permite a prolação 
 de decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC, sem 
 necessidade de prévia formulação de convite ao recorrente, ao abrigo do n.º 6 
 do artigo 75.º‑A da mesma Lei, para indicar os elementos exigidos pelos n.ºs 1 
 e 2 desse preceito que se encontram em falta (indicação da norma cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, da norma ou princípio 
 constitucional que se considera violado e da peça processual em que suscitou a 
 questão de inconstitucionalidade), uma vez que as razões que fundamentam a 
 decisão de não conhecimento são insusceptíveis de serem supridas pela correcção 
 dessas deficiências que afectam o requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
 2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões 
 de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
  
 
 3. Perante o tribunal recorrido o recorrente apresentou duas peças processuais: 
 a motivação do recurso penal para ele interposto (fls. 1504 a 1518) e a resposta 
 ao parecer do representante do Ministério Público no Supremo Tribunal de 
 Justiça que propugnara a rejeição do recurso (fls. 1567 e 1568). Ora, em 
 nenhuma delas é suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 o que logo determina a inadmissibilidade do presente recurso.
 Naquela motivação, as únicas referências que poderiam basear a suscitação de 
 uma questão de constitucionalidade são as que constam do seu n.º 20 – onde, após 
 no artigo precedente se acusar o acórdão da Relação de falta de exame crítico 
 das provas e de fundamentação, se afirma: «Ora, esta situação consubstancia uma 
 clara violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, na medida em que 
 coloca em causa as garantias de defesa do arguido, limitando o seu acesso ao 
 recurso, uma vez que, não podendo o arguido conhecer a forma como o tribunal 
 formou a sua convicção, vê desta forma limitado o seu direito de defesa» – e 
 das conclusões 2.ª e 3.ª, do seguinte teor:
 
  
 
 «2.ª – A falta de análise crítica da prova é, inclusivamente, reconhecida pelo 
 Venerando Tribunal da Relação do Porto, mas que, no entanto, entende que tal 
 facto não é suficiente para que seja reformulado o acórdão, uma vez que a 
 fundamentação é alcançada de “forma implícita”, o que é manifestamente [sic] e 
 contraria claramente quer a letra quer o espírito dos artigos 205.º, n.º 1, da 
 CRP, e 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
 
 3.ª – Existe uma violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, uma vez que 
 a falta de fundamentação da decisão do tribunal, além de violar claramente os 
 dispositivos supra indicados, consubstancia uma clara limitação das garantias 
 de defesa e do direito ao recurso.»
 
  
 Como é óbvio, nestas passagens não se suscita nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, imputando‑se a violação de comandos 
 constitucionais directamente à decisão judicial recorrida, que pretensamente 
 não teria procedido à análise crítica das provas e careceria de fundamentação. 
 Ora, como se referiu, a inconstitucionalidade de decisões judiciais ou de 
 condutas processuais, em si mesmas consideradas, não constitui objecto idóneo 
 de recurso de constitucionalidade.
 Por outro lado, na segunda peça processual produzida perante o tribunal 
 recorrido – a resposta ao parecer do Ministério Público –, nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade é suscitada.
 Logo por este motivo o presente recurso é manifestamente inadmissível, 
 situação esta que é insusceptível de ser ultrapassada por eventual 
 aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, razão pela qual 
 seria inútil a formulação de convite nesse sentido.
 
  
 
 4. A isto acresce que o acórdão ora recorrido, por um lado, se fundou em normas 
 cuja inconstitucionalidade o recorrente jamais suscitou, e, por outro lado, nem 
 sequer deu por verificado que os tribunais de instância houvessem adoptado a 
 conduta processual que o recorrente lhes imputa.
 Para o demonstrar basta atentar na fundamentação desse acórdão, que, apesar da 
 sua extensão, a seguir se transcreve:
 
  
 
 «II – (...)
 De novo inconformado, interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
 Nele, o recorrente, ao invés de perfilar os específicos fundamentos de um 
 recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – como lhe impunha o 
 disposto no artigo 412.°, n.° 1, do CPP –, no essencial, reeditou – fls. 1485 a 
 
 1518 – a fundamentação apresentada no recurso para a Relação, mas não 
 esgrimindo qualquer fundamento (novo) para alicerçar a sua discordância com o 
 ali decidido, assim confundindo a motivação do recurso agora interposto para o 
 Supremo Tribunal com a que apresentou perante o Tribunal de 2.ª instância, o 
 que significa que não existe fundamentação relevante, pelo que o presente 
 recurso tem de ser rejeitado nos termos dos artigos 412.°, n.° 1, 414.°, n.º 2, 
 e 420.º do CPP.
 Pode mesmo aqui falar‑se em verdadeira carência de motivação e objecto.
 
 É que a decisão verdadeiramente impugnada é, afinal, a da 1.ª instância, e a 
 impugnação a ela se dirige.
 Com efeito, o artigo 412.º do CPP dispõe que a motivação enuncia 
 especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de 
 conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do 
 pedido (n.º 1); e que, versando matéria de direito, as conclusões indicam 
 ainda, sob pena de rejeição: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em 
 que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada 
 norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou 
 com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma 
 aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser 
 aplicada (n.º 2).
 E, apesar de um “cumprimento” formal que não deixa lugar a qualquer correcção 
 das conclusões, tanto que a mesma linha é seguida na motivação, não deu o 
 recorrente cumprimento a esse dispositivo com referência ao acórdão recorrido, 
 o da Relação.
 Não se argumente, em sentido contrário, que os fundamentos são aqueles que já 
 apresentou no recurso para a Relação do Porto.
 Tendo esta decidido da causa, é ilegítima a reedição do mesmo tipo de 
 fundamentação para o Supremo Tribunal, não só porque são distintos os poderes 
 de cognição de uma e de outro (artigos 428.° e 434.° do CPP), como também 
 porque, versando o recurso para a Relação, também, matéria de facto, como in 
 casu aconteceu, a discussão sobre tal ponto está encerrada, por o Supremo 
 Tribunal, em princípio, só conhecer de direito.
 
 É, enfim, necessário que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto 
 de acórdão da Relação verse a questão suscitada pelo acórdão por esta proferido, 
 ou, pelo menos, a ela submetida em recurso prévio da decisão de 1.ª instância, e 
 não a reedição pura e simples dos fundamentos invocados no que foi interposto da 
 decisão da 1.ª instância, como se o acórdão da Relação não existisse, como se a 
 Relação não tivesse mediado pela decisão recorrida.
 Acrescente‑se, em outra via, que a Relação do Porto resolveu todas as questões 
 que lhe foram colocadas, mesmo indirectamente, e agora reeditadas. E fê‑lo de 
 forma adequada e isenta de críticas, que se sufraga, e, em nome da clareza, 
 aqui se transcreve a referente à única questão concreta que o recorrente agora 
 adita, mas que, como bem se expressa o parecer do Ministério Público junto deste 
 Supremo Tribunal, uma vez mais se reporta ao acórdão da 1.ª instância – a 
 alegada falta de análise critica da prova, enquanto consubstanciadora de 
 violação do disposto nos artigos 205.°, n.° 1, e 32.°, n.° 1, da CRP.
 Que é do seguinte teor:
 
  
 
 “Preceitua o n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal que: «Ao 
 relatório segue‑se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos 
 provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, 
 ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam decisão, 
 com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do 
 tribunal».
 A necessidade de fundamentação de uma decisão judicial tem como fundamento 
 imediatamente apreensível para a sua justificação a circunstância de aquela 
 dever‑se impor não só em razão da autoridade do órgão que a profere, mas 
 principalmente pela coerência lógico‑argumentativa dos motivos que desenvolve e 
 aduz no sentido de chegar à conclusão com que no caso concreto aplica o direito 
 aos factos, e do nível de compreensão (o mesmo é dizer de adesão), que é capaz 
 de suscitar perante aqueles que são os seus destinatários.
 O exame crítico das provas é uma exigência particular introduzida pela revisão 
 operada ao Código de Processo Penal em 1998, na decorrência de diversas 
 decisões do Tribunal Constitucional que julgaram não conforme ao texto 
 fundamental uma interpretação do n.º 2 daquele artigo «segundo a qual a 
 fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração 
 dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do 
 processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de 
 fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no n.º 1 do artigo 205.º da 
 Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 
 
 2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado 
 no n.º 1 do artigo 32.º, também da Constituição».
 Concorre, assim, neste domínio, um conjunto mais vasto de preocupações, onde 
 pontuam razões constitucionais e aspectos conexos com a recorribilidade das 
 decisões.
 Porém, em que se traduz tal exame crítico?
 Como será óbvio intuir, a simples enumeração das provas não será suficiente, já 
 que tal actividade não corresponde a uma actividade intelectual com a exigência 
 acima mencionada.
 A sua selecção de entre as várias produzidas em audiência corresponde a outro 
 nível que se lhe começa a aproximar, mas que só ficará satisfeita quando a essa 
 selecção se juntar a explanação ou justificação das razões que levaram o 
 tribunal a precisamente dar maior relevo a este sobre aquele meio, ou a não 
 conferir qualquer relevância a um outro.
 Será seguramente o que Marques Ferreira pretenderá significar, quando nas 
 Jornadas de Direito Processual Penal – o Novo Código de Processo Penal, Livraria 
 Almedina, págs. 229/30, se refere aos «elementos que em razão das regras de 
 experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que 
 conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou 
 valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em 
 audiência».
 Estas asserções, todavia, não resolvem por completo os problemas colocados com 
 o grau da exigibilidade e a extensão imposta na satisfação dessa análise 
 critica.
 Para Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II vol., 
 
 2.ª ed., págs. 536/7, «tendo em consideração o que se deixou dito, bem como o 
 escopo de tal alteração legal, afigura‑se‑nos que deve ela ser entendida não no 
 sentido de se traduzir num detalhado exame crítico do conteúdo da prova 
 produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua 
 posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação 
 subjectivada do tribunal, relatada tão‑só por um dos seus membros, sobre a 
 forma de “apreciação critica das provas” e a partir de meras indicações não 
 obrigatórias dadas por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame 
 crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e 
 credibilidade, por forma (como refere o Tribunal Constitucional, no citado 
 Acórdão n.° 680/98) a “explicitar (d)o processo de formação da convicção do 
 tribunal”».
 Na situação em apreço, diremos que o cumprimento dado pelo tribunal a tal 
 exigência está longe de poder ser considerado modelar.
 Começa por uma afirmação genérica «a matéria fáctica resultou da conjugação dos 
 depoimentos das testemunhas, documentadas em suporte magnético, com os 
 documentos existentes nos autos, sendo ainda de referir as declarações dos 
 arguidos, quanto às suas condições pessoais, e especialmente as do arguido 
 Paulo, que confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos que lhe 
 são imputados na acusação», de que apenas as declarações atribuídas aos 
 acusados têm um conteúdo especifico, para depois elencar, a propósito de cada 
 segmento factual, as provas que serviram de convicção ao tribunal.
 Mas não havendo na fundamentação da decisão recorrida qualquer menção a algo 
 que se possa chamar de forma expressa e clara um exame crítico das provas, tal 
 como justamente o evidencia o Digno Magistrado do Ministério Público nesta 
 Relação, da leitura decorrente das provas alinhadas em torno de cada uma das 
 acções apropriativas mencionadas, maxime, do conteúdo resumido do que foi o 
 teor das declarações das testemunhas, acaba‑se por alcançar, de forma 
 implícita, qual foi o raciocínio seguido pelo colectivo.
 Onde não existiu qualquer reconhecimento dos arguidos ou inexistiu qualquer 
 outro meio de prova que conduzisse à autoria dos factos, estes ficaram sem 
 responsável identificado, pressupondo‑se que, por exemplo, quando o acórdão 
 menciona que uma testemunha «descreveu como decorreu o assalto», o tribunal 
 teve como boa e credível a narração feita dos respectivos factos.
 Aliás, nas situações objecto dos presentes autos, não está tanto em causa o 
 facto de as apropriações terem existido, mas tão‑somente quem as cometeu.
 Ora, se o tribunal entendeu dar como provado determinado facto, haverá que 
 pressupor, daquilo que deixou explanado, que no seu critério, fundado na livre 
 apreciação da prova que perante si foi produzida, que as provas que alinhou têm 
 a virtualidade suficiente de, para além de toda a dúvida razoável, impor a sua 
 afirmação positiva, selecção essa que em si mesma já contém uma valoração 
 implícita.
 O caminho não é o melhor e haverá que nele não persistir.
 Todavia, porque está salvaguardada a ratio essencial daquele segmento normativo, 
 qual seja, o de assegurar de «que se não tratou de uma ponderação arbitrária das 
 provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção 
 do Tribunal», entendemos como não verificada a pretendida nulidade.”
 
  
 Ora, como resulta da transcrição (integral) do acórdão recorrido nessa parte, et 
 pour cause, está excluído que se lhe possa assacar qualquer ilegalidade no 
 processo de convicção e aquisição da matéria de facto dada como provada – ou 
 seja, que se constate a existência de nulidade decorrente de falta de 
 fundamentação, já que se acha efectivamente fundamentada (numa exposição tanto 
 quanto possível completa – artigos 379.°, n.° 1, alínea a), 374.°, n.° 2, e 
 
 97.°, n.° 4, do CPP) a decisão sobre a matéria de facto questionada pelo 
 recorrente.
 Em estrita observância do disposto no artigo 205.°, n.° 1, da CRP, que determina 
 que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas 
 na forma prevista na lei.
 E sem que se mostrem violadas as garantias de defesa do arguido, consagradas 
 no artigo 32.°, n.° 1, do mesmo diploma fundamental.
 Para mais quando, como no caso, para além do objecto do recurso já apreciado 
 pe1o tribunal ora recorrido, sem qualquer omissão de pronúncia sobre todas as 
 questões nele emergentes, não se vislumbram na decisão recorrida outros vícios a 
 que fosse mister dar resposta, sejam eles os alinhados no artigo 410.°, n.º 2, 
 do CPP, então oficiosamente.
 
  
 III – Não se mostram violadas as normas, como tal, elencadas pelo recorrente.
 Como assim, procede, nos descritos termos, a segunda questão prévia suscitada 
 pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, pelo que o recurso é de 
 rejeitar, nos termos previstos no artigo 420.°, n.° 1, do CPP, a tal não 
 obstando o facto de ter sido admitido no tribunal a quo – artigo 414.°, n.° 3, 
 do mesmo diploma legal.»
 
  
 Como se vê, o acórdão recorrido, por um lado, fundou a sua decisão nas normas 
 dos artigos 412.º, n.º 1, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do CPP, normas cuja 
 constitucionalidade o recorrente jamais impugnou, e, por outro lado, 
 demonstrou não corresponder à realidade registada nos autos ter o Tribunal da 
 Relação adoptado o comportamento processual que o recorrente lhe atribui.
 Assim, também por falta do segundo requisito específico de admissibilidade do 
 recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o presente 
 recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu 
 objecto.
 Acresce, aliás, que, constituindo o fundamento invocado em primeiro lugar pelo 
 acórdão ora recorrido para rejeitar o recurso (carência de motivação do recurso 
 por atacar a decisão da 1.ª instância e não a decisão da Relação) um fundamento 
 autónomo do a seguir aduzido como «outra via» de chegar à mesma conclusão 
 
 (manifesta improcedência do recurso, determinante da sua rejeição), sempre o 
 conhecimento do presente recurso seria inútil, pois, mesmo que obtivesse 
 provimento, seria insusceptível de alterar o sentido da decisão proferida 
 
 (rejeição do recurso), embora então limitada ao primeiro fundamento invocado.
 
  
 
 5. Nestes termos, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LCT, não 
 conhecer do objecto do recurso.”
 
  
 
                         2. Notificado desta decisão, o recorrente apresentou o 
 requerimento de fls. 1615 a 1618, onde, além de requerer a dispensa de pagamento 
 da multa devida pela prática do acto fora do prazo legal, aduziu – “visto o 
 disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil” – o 
 seguinte:
 
  
 
 “1. O douto despacho que antecede, que indefere liminarmente, sem necessidade 
 da apresentação de alegações, o recurso interposto para esse Colendo Tribuna1, 
 baseia‑se, entre outros, no facto de o recorrente, durante o processo «apenas» 
 fazer vagas referências ao princípio in dubio pro reo, bem como à violação do 
 artigo 205.º, n.º 1, e do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 
 2. Pelo que, em suma, era possível a esse Tribunal decidir acerca do mérito do 
 recurso sem necessidade da apresentação de alegações por parte do recorrente.
 
 3. Ora, o recorrente tem necessidade de saber o que motivou o entendimento de 
 V. Ex.as e se a dignidade constitucional de tais dispositivos é de tal forma 
 diminuta que se possa decidir acerca do seu mérito, mesmo sem que ao recorrente 
 seja dada a possibilidade de apresentar as suas motivações.
 
   4. A restrição da liberdade de um homem por oito anos, salvo melhor opinião, e 
 com o supremo respeito por decisão em contrário, não se poderá compadecer com 
 uma tão lacónica decisão.
 
 5. A liberdade é o bem supremo que qualquer ser humano tem direito, logo a 
 seguir ao direito à vida!
 
 6. No mínimo, como está plasmado na CRP, o arguido terá o direito de ver 
 fundamentado qualquer despacho que a ele diz respeito.”
 
  
 
                         3. O relator, considerando que, apesar da invocação do 
 artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC) – que permite 
 a qualquer das partes requerer o esclarecimento de alguma obscuridade ou 
 ambiguidade que a decisão judicial contenha –, o recorrente nenhuma obscuridade 
 ou ambiguidade apontava ao despacho reclamado, mas apenas falta de 
 fundamentação do mesmo, o que constitui arguição de nulidade do dito despacho, a 
 ser apreciada pela conferência (artigos 666.º, n.º 3, 668.º, n.ºs 1, alínea b), 
 e 3, primeira parte, do CPC), convolou oficiosamente aquele requerimento em 
 reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
                         Ouvido o representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional, emitiu o mesmo pronúncia no sentido de ser manifesta a 
 improcedência da reclamação, “já que se não aduzem quaisquer razões que possam 
 pôr em causa a decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos 
 pressupostos de admissibilidade do recurso interposto”.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         4. A decisão sumária ora reclamada fundamentou 
 desenvolvidamente o não conhecimento do objecto do recurso em três ordens de 
 razões: (i) não ter o recorrente suscitado, nas peças processuais que 
 apresentou perante o tribunal recorrido (das quais se transcreveram as 
 passagens que poderiam ter alguma relevância para o efeito), qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, limitando‑se a imputar, numa dessas peças, “a 
 violação de comandos constitucionais directamente à decisão judicial recorrida, 
 que pretensamente não teria procedido à análise crítica das provas e careceria 
 de fundamentação”, quando, “como se referiu, a inconstitucionalidade de decisões 
 judiciais ou de condutas processuais, em si mesmas consideradas, não constitui 
 objecto idóneo de recurso de constitucionalidade”; (ii) ter o acórdão recorrido 
 
 (de que se transcreveu na íntegra a fundamentação jurídica, apesar da sua 
 extensão), “por um lado, fund[ado] a sua decisão nas normas dos artigos 412.º, 
 n.º 1, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, normas cuja 
 constitucionalidade o recorrente jamais impugnou, e, por outro lado, 
 demonstr[ado] não corresponder à realidade registada nos autos ter o Tribunal 
 da Relação adoptado o comportamento processual que o recorrente lhe atribui”, 
 pelo que não se verificava o segundo requisito de admissibilidade do recurso 
 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, consistente em ter a 
 decisão recorrida feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões 
 normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente; e (iii) carecer o 
 conhecimento do recurso de utilidade, pois “constituindo o fundamento invocado 
 em primeiro lugar pelo acórdão ora recorrido para rejeitar o recurso (carência 
 de motivação do recurso por atacar a decisão da 1.ª instância e não a decisão da 
 Relação) um fundamento autónomo do a seguir aduzido como «outra via» de chegar 
 
 à mesma conclusão (manifesta improcedência do recurso, determinante da sua 
 rejeição), sempre o conhecimento do presente recurso seria inútil, pois, mesmo 
 que obtivesse provimento, seria insusceptível de alterar o sentido da decisão 
 proferida (rejeição do recurso), embora então limitada ao primeiro fundamento 
 invocado”.
 
                         Mostra‑se assim suficientemente fundamentada a decisão 
 sumária reclamada, raiando a litigância de má fé a afirmação do recorrente de 
 que tal decisão, por ele apelidada de “lacónica”, carecer de fundamentação.
 
  
 
                         5. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades der conta.
 
  
 Lisboa, 12 de Outubro de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos