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Processo n.º 439/2005
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Bravo Serra
 
  
 
  
 
                   1. Em 6 de Junho de 2005, o relator proferiu decisão com o 
 seguinte teor:-
 
  
 
                   “1. Pelo 9º Juízo Cível do Porto, intentou em 18 de Setembro 
 de 1996 A., contra a Companhia de Seguros B. (posteriormente, por fusão com a 
 Companhia de Seguros C., vindo a adoptar a sociedade assim constituída a firma 
 Companhia de Seguros D.) acção, seguindo a forma de processo ordinário, na qual 
 solicitou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de Esc. 12.939.624$00 
 relativos a determinados sinistros de furto que foram por esta participadas 
 
 àquela, pois que, segundo invocou, não obstante esta última, por contrato de 
 seguro firmado entre ambas, ter assumido o pagamento dos prejuízos decorrentes 
 de eventos tais como roubo e falta de entrega de mercadorias, recusou-se a ré a 
 pagar os montantes referentes àqueles sinistros, invocando que o contrato de 
 seguro se encontrava anulado.
 
  
 
                   Em 27 de Novembro de 2000 foi proferida sentença pelo Juiz do 
 
 1º Juízo do Tribunal de comarca da Maia (para onde os autos foram remetidos após 
 se ter declarado territorialmente incompetente aquele 9º Juízo Cível), sentença 
 essa que julgou improcedente, por não provada, a acção, em consequência 
 absolvendo a ré do pedido.
 
  
 
                   Do assim decidido apelou a autora para o Tribunal da Relação 
 do Porto.
 
  
 
                   Na sequência de requerimento formulado pela autora, o Juiz do 
 
 2º Juízo do Tribunal de comarca da Maia, por despacho de 12 de Julho de 2001, 
 declarou nulo o julgamento na parte relativa à recolha de depoimentos de sete 
 testemunhas, cuja gravação audio era inaudível.
 
  
 
                   Desse despacho agravou a ré para o Tribunal da Relação do 
 Porto.
 
  
 
                   O Desembargador Relator deste Tribunal de 2ª instância, por 
 despacho de 23 de Abril de 2003, proferido ao abrigo do artº 705º do Código de 
 Processo Civil, concedeu provimento ao recurso de agravo e negou-o quanto à 
 apelação.
 
  
 
                   Desse despacho arguiu a autora a respectiva nulidade, do mesmo 
 passo que interpôs recursos de agravo em segunda instância e de revista.
 
  
 
                   O Tribunal da Relação do Porto, em face da circunstância de 
 ter sido arguida a nulidade do despacho prolatado em 23 de Abril de 2003 pelo 
 Desembargador Relator, proferiu, em 19 de Janeiro de 2004, acórdão no qual, 
 conquanto reconhecesse que naquele despacho se não enfrentaram directamente as 
 questões atinentes à ‘interpretação funcional da nova Lei’ (queria reportar-se 
 ao Decreto-Lei nº 105/94, de 23 de Abril) e à ‘conformidade à Constituição do 
 entendimento’ que foi nele foi sufragado, manteve ‘todavia a solução final do 
 litígio’.
 
  
 
                   Tendo o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, 
 por despacho de 18 de Março de 2004, convertido o recurso em reclamação para a 
 conferência no tribunal da 2ª instância, o Tribunal da Relação do Porto, por 
 acórdão de 4 de Julho de 2005, decidiu revogar a sentença proferida na 1ª 
 instância, condenando a ré no pagamento à autora da quantia de € 64.542,58 e 
 juros.
 
  
 
                   Desse acórdão pediu a ré revista para o Supremo Tribunal de 
 Justiça.
 
  
 
                   Na resposta à alegação, a autora formulou as seguintes 
 
 «conclusões»:-
 
  
 
 ‘1ª A formalidade do envio do aviso previsto no artº 4º do DL 105/94, de 23 de 
 Abril, tem a natureza de documento ad substanciam, insubstituível por outro meio 
 de prova ou por documento que não seja de força probatória superior (artºs 364º, 
 nº 1, e 294º, do CC), por ser imprescindível para determinar a certeza do dies a 
 quo do prazo de resolução do contrato, na esteira do ac. STJ de 19.3.2002, in 
 CJ, 2002, tomo I, p. 142, e do ac. da RL de 6.3.96, in CJ, 1996, tomo 2, pgs. 
 
 161/2, pelo que o quesito 7º não podia ser dado como provado com base num 
 depoimento testemunhal;
 
 2ª À seguradora cabe o ónus de provar que o segurado foi avisado por carta 
 registada (comunicação formal) e in casu não foi feita essa prova nem 
 apresentado o registo do envio do aviso escrito, pelo que a falta de observância 
 das formalidades prescritas na lei quanto à resolução do contrato é a prevista 
 no artº 220º do CC e determina a manutenção da sua vigência;
 
 3ª O DL 162/84 é o antecessor do DL 105/94, aplicável in casu, e este diploma 
 apenas veio substituir ou «alterar o regime vigente por forma a diminuir os 
 prazos», como resulta do seu preâmbulo: Em nada mais alterou o regime do DL 
 
 162/84, mormente em termos de reduzir as garantias dos segurados quanto ao 
 regime do envio e de prova das formalidades de rescisão do contrato de seguro 
 até porque nem o poderia fazer, sob pena de inconstitucionalidade, por reduzir 
 as garantias de defesa dos cidadãos (artº 2º e 20º, nº 1, da CRP) e os direitos 
 dos consumidores (artº 60º, nº 1, da CRP), matérias que são da competência da 
 Assembleia da República [artº 165º, nº 1, alínea b) da CRP];
 
 4ª Mantendo-se o seguro vigente e tendo a recorrida feito prova perante a 
 recorrente dos sinistros, com o envio dos competentes justificativos, devia a 
 recorrente satisfazer a indemnização do respectivo valor, pois que os sinistros 
 estão cobertos pela apólice contratada;
 
  5ª O douto acórdão recorrido fez correcta apreciação dos factos e aplicação das 
 normas jurídicas citadas nas conclusões anteriores’. 
 
  
 
                   O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1 de Fevereiro 
 de 2005, concedeu a revista, por forma a ficar prevalecente a decisão da 
 
 ‘improcedência da acção decretada na 1ª instância’.
 
  
 
                   Em síntese, nesse aresto foi considerado:-
 
  
 
                   - que os Decretos-Leis números 105/94 (seus artigos 1º, nº 1, 
 
 4º, 5º, 11º e 12º) e 142/2000, de 15 de Julho (seus artigos 7º e 8º) 
 estabeleceram clara diferença, referentemente ao Decreto-Lei nº 162/84, de 18 de 
 Maio, na regulamentação da matéria ligada:
 
  
 
                            - à obrigação das seguradoras em avisar por escrito 
 os tomadores do seguro da data em que os prémios de seguro ou as fracções eram 
 devidos;
 
  
 
                            - à obrigatoriedade de dos «avisos» constarem as 
 consequências da falta de pagamento dos prémios, nomeadamente a data a partir da 
 qual o contrato era automaticamente resolvido;
 
  
 
                            - ao estabelecimento do ónus, a cargo das 
 seguradoras, de, em caso de dúvida, provarem o envio do «aviso»;
 
  
 
                            - ao estabelecimento, no caso de falta de pagamento 
 dos prémios ou fracções nas datas indicadas, da constituição em mora dos 
 tomadores do seguro e da automática resolução dos contratos de seguro, sem 
 possibilidade de reposição em vigor, nas situações em que hajam decorrido 
 sessenta dias desde a constituição em mora;
 
  
 
                   - que, se, perante o Decreto-Lei nº 162/84, se poderia 
 defender a natureza da formalidade ad substanciam do aviso de recepção da carta 
 registada que comunicava a suspensão da garantia decorrente do seguro, isso já 
 não era defensável no domínio do Decreto-Lei nº 105/84, pelo que as seguradoras 
 podem agora demonstrar o ónus de envio do «aviso» por qualquer forma, 
 nomeadamente por intermédio de prova testemunhal;
 
  
 
                   - que, como pelo Decreto-Lei nº 105/94 foi revogada toda a 
 anterior legislação que contrariasse o disposto nesse diploma, não se podia 
 sustentar que ele apenas veio alterar os prazos, mantendo o anterior regime de 
 
 «avisos» e seu registo;
 
  
 
                   - que se não via como podia  ‘afrontar o estado de direito 
 democrático e o princípio da confiança que nele está ínsito, impedir o acesso ao 
 direito e aos tribunais ou atentar contra os interesses e direitos dos 
 consumidores’, ‘a exigência, ou não, de um aviso de recepção na indicação da 
 data do pagamento do prémio de seguro - data já fixada na apólice - ’.
 
  
 
                   Notificada deste aresto, veio a autora interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, o que fez por intermédio de requerimento onde disse:-
 
  
 
 ‘(...)
 
                                      O recurso visa a apreciação do regime do DL 
 
 105/94, de 23 de Abril (maxime dos seus artºs 4º e 5º), que sucedeu ao DL 
 
 162/84, de 18 de Maio.
 
                                      A questão foi suscitada na resposta à 
 alegação do recurso de revista nos seguintes termos:
 
                                      - O DL 162/84 é o antecessor do DL 105/94, 
 aplicável in casu. E o DL 105/94 apenas veio substituir ou «alterar o regime 
 vigente por forma a diminuir os prazos», como resulta do seu preâmbulo. Era essa 
 a sua preocupação: «que as garantias do seguro sejam válidas sem que o prémio 
 tenha sido pago, para além de um determinado período de tempo considerado 
 razoável». Em nada mais alterou o regime do DL 162/84, mormente em termos de 
 reduzir as garantias dos segurados quanto ao regime do envio e de prova das 
 formalidades de rescisão do contrato de seguro.
 
                                      - E nem o poderia fazer, sob pena de 
 inconstitucionalidade, por reduzir as garantias de defesa dos cidadãos (artº 2º 
 e 20º, nº 1, da CRP) e os direitos dos consumidores (artº 60º, nº 1, da CRP), 
 matérias que são da competência da Assembleia da República [artº 165º, nº 1, 
 alínea b) da CRP] . É um caso paralelo ao da citação postal simples implantada 
 pelo DL 183/2000, só que muito mais frágil e perigoso (no caso do DL 105/94), 
 porque a expedição ou envio do aviso não estão sequer rodeados das cautelas 
 mínimas que o legislador colocou na citação (artº 236º-A). 
 
                                      Conclusão 3ª :O DL 162/84 é o antecessor do 
 DL 105/94, aplicável in casu, e este diploma apenas veio substituir ou «alterar 
 o regime vigente por forma a diminuir os prazos», como resulta do seu preâmbulo: 
 Em nada mais alterou o regime do DL 162/84, mormente em termos de reduzir as 
 garantias dos segurados quanto ao regime do envio e de prova das formalidades de 
 rescisão do contrato de seguro até porque nem o poderia fazer, sob pena de 
 inconstitucionalidade, por reduzir as garantias de defesa dos cidadãos (artº 2º 
 e 20º, nº 1, da CRP) e os direitos dos consumidores (artº 60º, nº 1, da CRP), 
 matérias que são da competência da Assembleia da República [artº 165º, nº 1, 
 alínea b) da CRP].
 
                                      O STJ, conhecendo da questão, entendeu que 
 não ver laivo de inconstitucionalidade.
 
                                      O problema tinha sido levantado em termos 
 idênticos na apelação’.
 
  
 
                   O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por 
 despacho de 3 de Maio de 2005, admitiu o recurso, tendo os autos sido remetidos 
 ao Tribunal Constitucional em 23 seguinte.
 
  
 
  
 
                   2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 
 
 78º-A da Lei nº 28/82.
 
  
 
                   Como se viu, pretende a ora recorrente que este Tribunal 
 aprecie o «regime» do Decreto-Lei nº 195/94, nomeadamente os seus artigos 4º e 
 
 5º.
 
  
 
                   Em primeiro lugar, não pode, de todo em todo, ser considerado 
 como objecto adequado de um recurso de fiscalização concreta a apreciação da 
 globalidade de um regime constante de um dado diploma legal se, como na situação 
 sub specie acontece, a ratio juris da decisão pretendida impugnar se esteou tão 
 só em determinado ou determinados preceitos desse diploma.
 
  
 
                   É certo que, no requerimento de interposição do recurso, a 
 impugnante utilizou a menção ‘(maxime artºs 4º e 5º)’, reportados ao Decreto-Lei 
 nº 105/94.
 
  
 
                   Todavia, como resulta do resumo da fundamentação carreada pelo 
 aresto ora querido colocar sob a censura deste Tribunal, a questão por ele 
 decidida prendeu-se com a de saber se, em face do que se consagra naqueles 
 preceitos, conexionadamente com o artº 1º e com a revogação, operada pelo artº 
 
 11º, este como aquele, ainda do mesmo diploma, de toda a legislação anterior 
 sobre a matéria e que contrariasse o nele disposto, era de considerar que ainda 
 era de exigir que o «aviso», por escrito, da seguradora ao tomador (e esse 
 
 «aviso» unicamente se podia consubstanciar naquele a que se refere o nº 1 do 
 artº 4º), havia de ser expedido por correio registado com aviso de recepção.
 
  
 
                   Ora sobre esta questão, o Alto Tribunal a quo entendeu, num 
 primeiro passo, que a regulação posterior à revogação do Decreto-Lei nº 162/84 
 apontava no sentido de o «aviso» a expedir pelas seguradoras para os tomadores 
 do seguro («aviso» esse no qual se haveriam de dar as indicações da data em que 
 os prémios ou fracções era devidos e das consequências da falta do respectivo 
 pagamento - que eram as de os tomadores, para além daquela data, se constituírem 
 em mora e, decorridos 60 dias, ficarem os contratos de seguro automaticamente 
 resolvidos sem possibilidade de serem repostos em vigor) não tinha de o ser por 
 meio de correio registado com aviso de recepção. Num segundo passo, considerou o 
 acórdão que com aquela regulação se eliminou qualquer prazo de suspensão tal 
 como o previsto no artº 5º do Decreto-Lei nº 162/84. E, num terceiro, ponderou 
 que, atento o que se estipula no nº 3 do artº 4º, a prova do mencionado «aviso» 
 
 (ainda que se entendesse que, no domínio do falado Decreto-Lei nº 162/84, era 
 uma formalidade ad substanciam dever ser o «aviso» remetido por correio 
 registado com aviso de recepção) poderia ser feita pela seguradora por qualquer 
 meio de prova, incluindo a prova testemunhal.
 
  
 
                   Foi, pois, com esta dimensão interpretativa que a questão foi 
 decidida.
 
  
 
                   E, como deflui das cabidas pelas processuais elaboradas pela 
 recorrente e de que acima se fizeram as pertinentes transcrições, um tal sentido 
 interpretativo nunca por ela foi, qua tale, equacionado do ponto de vista da sua 
 conformidade constitucional.
 
  
 
  
 
                   2.1. Todavia, mesmo que, com benevolência, se entenda o 
 contrário, ou seja, que, efectivamente, foi desiderato da impugnante suscitar a 
 questão da inconstitucionalidade do já citado sentido, e que é a ele que se 
 refere no requerimento de interposição do vertente recurso, então haverá de 
 concluir-se que este é manifestamente infundado.
 
  
 
                   Anotando-se desde logo que não compete a este Tribunal 
 sindicar se, a nível do direito ordinário, a interpretação sufragada na decisão 
 recorrida é, ou não, a mais defensável - já que os seus poderes cognitivos se 
 circunscrevem a saber se a interpretação concretamente prosseguida é 
 constitucionalmente censurável - o que é certo é que não é concebível que uma 
 disposição de carácter meramente procedimental, tal como a estabelecida no nº 1 
 do artº 5º do Decreto-Lei nº 162/84 (ou seja, a de o «aviso» dever ser remetido 
 por correio registado com aviso de recepção), possa ser visualizada como sendo 
 inerente à consagração inarredável de qualquer direito ou garantia fundamentais 
 dos cidadãos, inserindo-se essa matéria (e, note-se, o próprio Decreto-Lei 
 nº162/84, que prescreveu essa formalidade, não foi emitido pelo órgão 
 parlamentar) na competência legislativa da Assembleia da República. 
 Sequentemente, também a alteração de tal procedimento não se lobriga que 
 houvesse de ser reservada a esse órgão legiferante.
 
  
 
                   E, mesmo tomando como parâmetro o nº 1 do artigo 60º da 
 Constituição, na perspectiva de terem os consumidores direito à informação, 
 igualmente se não divisa em que é que, com a regulação vigente após o 
 Decreto-Lei nº 150/94 - e dado que nela se continua a exigir que as seguradoras 
 informem por escrito os tomadores dos seguros, com, pelo menos, dez dias de 
 antecedência, das datas de pagamento dos prémios ou fracções e das consequências 
 do não pagamento -, a alteração procedimental sobre a forma de expedição do 
 
 «aviso» haveria de ser incluída na reserva de competência relativa do 
 Parlamento.
 
  
 
                   É que, não existe nenhuma «diminuição» da garantia dos 
 
 «consumidores/tomadores» dos seguros, pois que, como se viu, continua a 
 exigir-se a dação de informação das datas de pagamento dos prémios e fracções e 
 da totalidade das consequências do não pagamento. Aliás, o não pagamento não 
 redunda numa imediata resolução dos contratos de seguro, mas sim, em primeiro 
 lugar, na constituição em mora por banda dos tomadores e, só passados sessenta 
 dias, é que operará a automática resolução.
 
  
 
                   Não é, desta arte, «tocado», «constrito» ou restringido pela 
 alteração «adjectiva» em causa, qualquer «núcleo» essencial do direito à 
 informação dos «consumidores/tomadores» dos seguros, sendo certo que (e 
 independentemente de, como se assinalou, a formalidade consistente no envio do 
 aviso por correio registado anteriormente constar de diploma também não emanado 
 da Assembleia da República) o ónus de prova do envio do aviso recai sobre as 
 seguradoras, não incumbindo, pois, aos tomadores efectuarem o que poderia, em 
 abstracto, ser considerado como uma «prova diabólica», no sentido de sobre eles 
 incidir o ónus de demonstração de que não foram avisados das datas de pagamento 
 dos prémios ou fracções e das consequências da conduta omissiva.
 
  
 
                   Por outro lado, não se lobriga minimamente em que é que - 
 ainda que se admita que, no âmbito do Decreto-Lei nº 162/84, o envio do aviso 
 por via de correio registado fosse considerado uma formalidade as substanciam - 
 o diverso procedimento no tocante ao aviso (e mesmo a supressão da suspensão da 
 garantia concedida pelos contratos de seguro) introduzido a partir da vigência 
 do Decreto-Lei nº 105/94 vai, por qualquer forma, coarctar os 
 
 «consumidores/tomadores» dos seguros num direito de acesso aos tribunais 
 
 (ilustrativo desta asserção é, aliás, a existência dos presentes autos), quando, 
 como já se expôs, o ónus da prova do envio do aviso recai sobre as seguradoras.
 
  
 
  
 
                   2.1.1. Esgrime ainda a recorrente com a ofensa do artigo 2º da 
 Lei Fundamental, pela circunstância de, com a nova regulamentação, serem 
 
 «reduzidas» ‘as garantias de defesa dos cidadãos’.
 
  
 
                   Para além de já se ter visto que essa redução não operava, 
 sempre se poderia impostar a questão de saber se, com a invocação do indicado 
 artigo 2º, não quereria a impugnante brandir com um argumento segundo o qual os 
 tomadores de seguro foram «surpreendidos» com a alteração da regulamentação no 
 que se reporta à anterior exigência de o «aviso» ser expedido por via de correio 
 registado com aviso de recepção (e de ter desaparecido o período de suspensão do 
 contrato de seguro), pelo que a sua confiança na manutenção do anterior satus 
 quo, adveniente do pretérito regime, se mostraria abalada.
 
  
 
                   Ora, mesmo que fosse este o hipotético desiderato da 
 recorrente, ao fazer a invocação do artigo 2º do Diploma Básico, também neste 
 particular a questão se mostraria manifestamente infundada.
 
  
 
                   Na realidade, como tem sido jurisprudência deste Tribunal, o 
 princípio da confiança ínsito no Estado de direito democrático não aponta, sem 
 mais, para que não seja permitido ao legislador ordinário proceder à alteração 
 nos regimes jurídicos existentes, ainda que com repercussão nas situações 
 jurídicas (ou nos efeitos das situações) constituídas à sombra do antecedente 
 regime.
 
  
 
                   O que aquele princípio da protecção da confiança condensado no 
 falado artigo 2º postula é ‘uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e 
 da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo 
 de certeza e de segurança no direitos das pessoas e nas expectativas que a elas 
 são juridicamente criadas’ (cfr., por entre muitos outros, o Acórdão nº 303/90, 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º volume, 65 a 95).
 
  
 
                   E, para se continuarem a utilizar as palavras do citado 
 aresto, em face daquela ideia, ‘a normação que, por sua natureza, obvie de forma 
 intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva, àqueles mínimos de certeza e 
 segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como 
 dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida 
 como não consentida pela Lei Básica’.
 
  
 
                   Também teve o Tribunal ocasião de dizer, no Acórdão nº 17/84 
 
 (citados Acórdãos ... , 2º volume, 375 a 382),  que ‘o cidadão deve poder prever 
 as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e 
 preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua actuação 
 de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça 
 em todas as suas consequências jurídicas relevantes’.
 
                   
 
                   Porém, porque a ordem jurídica não é, nem pode ser, imutável, 
 há que reconhecer ao legislador uma ampla margem de liberdade conformadora, como 
 será o caso da adopção de medidas que, no domínio procedimental ou adjectivo, 
 tornem este mais eficaz e célere, com os inerentes benefícios  para a 
 prossecução do próprio interesse público geral, medidas essas que, sob pena de 
 perder de em vista a consecução desses objectivos, haverão de aplicar-se a 
 situações já passadas ou em curso.
 
  
 
                   Ponto é que, como se depara límpido e resulta da 
 jurisprudência deste Tribunal, a normação posterior (cfr., por exemplo, Acórdão 
 nº 86/84, nos Acórdãos ... , 4º volume, 81 a 133) não venha, acentuada ou 
 patentemente, a alterar o conteúdo das situações de facto já alcançadas como 
 consequência do direito anterior.
 
  
 
                   E, por isso, em casos, quer de retroactividade, quer de 
 retrospectividade (e afora as situações em que, constitucionalmente, está vedada 
 a retroactividade, como são os domínio penal e da proibição de criação de 
 impostos retroactivos), o que o princípio de que curamos obstacula é que as 
 alterações impostas represente algo de intolerável, arbitrário ou patentemente 
 opressivo.
 
  
 
                   O que, seguramente, se não verifica com a mera supressão da 
 formalidade de envio da comunicação por meio de correio registado com aviso de 
 recepção, ficando a cargo das seguradoras o ónus de provar que tal comunicação 
 foi efectuada.
 
  
 
                   Neste contexto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a 
 impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades 
 de conta.”
 
  
 
                   Da transcrita decisão reclamou, ao abrigo do nº 3 do artº 
 
 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a A., fazendo-o nos seguintes termos:-
 
  
 
 “(...)
 
                            1. Resulta evidente do recurso que o que se visa é a 
 fiscalização concreta dos artºs 4º e 5° do DL 105/94, de 23 de Abril, e não de 
 todo um regime legal (fls. 552), e que o problema nada tem a ver com a alteração 
 inesperada da legislação (fls. 555).
 
                            2. A redução das garantias fundamentais dos cidadãos 
 
 (f1s. 553/4) resulta precisamente do facto de, não se exigindo o aviso de 
 recepção para a prova das formalidades de rescisão do seguro, a prova poder ser 
 feita por qualquer meio, nomeadamente testemunhal, como foi neste processo, por 
 um qualquer funcionário da companhia de seguros, que nada teve a ver com o caso 
 e que se baseou única e exclusivamente nas rotinas e no sistema informático (ver 
 fundamentação de facto de fls. 314 c segs.).
 
                            E nem se diga o não pagamento não redunda numa 
 imediata resolução dos contratos, mas apenas na constituição em mora (f1s. 554), 
 pois que o aviso é feito simultaneamente da mora e da resolução é feito 
 simultaneamente no mesmo documento e por isso não se recebendo a resolução não 
 deixa de ser automática (doc. de 16.6.95, junto na 1.ª audiência de julgamento).
 
                            Não se trata, pois de uma questão de informação dos 
 consumidores, mas de prova do envio e da comunicação dessa informação.
 
                            Ora, como é óbvio, ao deixar de se exigir o envio 
 registado do aviso, automaticamente são diminuídas as garantias de defesa do 
 consumidor, seja quanto ao envio efectivo, seja quanto à própria prova de que 
 essa formalidade foi cumprida.
 
                   Nessa medida se arguiu oportunamente a inconstitucionalidade”.
 
  
 
                   Ouvida sobre a reclamação, a Companhia de Seguros D., não veio 
 a efectuar qualquer «pronúncia».
 
  
 
                   Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                   2. Diz a reclamante que com o presente recurso se visa a 
 fiscalização concreta da compatibilidade com a Constituição por parte dos 
 artigos 4º e 5ºdo Decreto-Lei nº 105/94, de 23 de Abril e não de todo o regime 
 legal estabelecido por aquele diploma e que a questão «nada tem a ver com a 
 alteração inesperada da legislação».
 
  
 
                   Ora, a decisão agora impugnada não deixou de se pronunciar, 
 quer sobre a disciplina introduzida pelos citados artigos 4º e 5º, com a 
 projecção decorrente da revogação do Decreto-Lei nº 162/84, acarretando uma 
 eventual violação do princípio da confiança, quer sobre a também eventual 
 diminuição sobre os «direitos dos consumidores» que aquela disciplina poderia 
 consequenciar, diminuição essa resultante de se ter deixado de exigir que o 
 
 «aviso» fosse expedido por correio registado, ficando, porém, a cargo das 
 seguradoras a prova do envio do aviso.
 
  
 
                   Entende o Tribunal que a decisão ora reclamada não merece 
 censura, seja em relação ao seu teor decisório, seja em relação à fundamentação 
 a ela carreada, não se vislumbrando que a peça reclamatória tenha aduzido 
 qualquer argumento susceptível de infirmar aquela decisão, sendo evidente que, 
 no tocante ao ónus da prova a cargo das seguradoras, é estranho à competência 
 deste órgão de administração de justiça a questão da forma concreta e específica 
 como foi, pela ordem dos tribunais judiciais, dado como provado o envio do 
 
 «aviso» à tomadora do seguro.
 
  
 
                   Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a 
 impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte 
 unidades de conta.
 
                   
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício