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Processo n.º 245/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         I – Relatório
 
                         1. A União Indiana solicitou à República Portuguesa, ao 
 abrigo da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à 
 Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, 
 aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 
 
 40/2001, de 5 de Abril de 2001, e ratificada pelo Decreto do Presidente da 
 República n.º 31/2001, de 25 de Junho (doravante designada por Convenção de Nova 
 Iorque), a extradição do seu nacional A. a fim de ser julgado pelos crimes nesse 
 pedido elencados, alguns dos quais abstractamente puníveis com pena de morte e 
 pena de prisão perpétua.
 
                         O Procurador-Geral da República emitiu parecer (fls. 3 a 
 
 12) no sentido da admissibilidade do pedido, por, relativamente aos crimes 
 abstractamente puníveis com pena de morte, resultar do artigo 34.º-C do 
 Extradition Act de 1962, da União Indiana, a comutação dessa pena em pena de 
 prisão perpétua, e por, relativamente aos crimes puníveis com prisão perpétua 
 
 (quer directamente cominada, quer resultante da comutação ex lege da pena de 
 morte), existirem garantias bastantes das autoridades indianas no sentido da não 
 execução dessa pena. Entendeu-se, porém, não ser admissível o pedido quanto aos 
 crimes cujo procedimento, nos termos da lei portuguesa, se encontrava extinto 
 por prescrição, e quanto aos crimes puníveis com pena de prisão perpétua que 
 não cabiam no âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque, por, estando por 
 esse motivo prejudicado o exercício da faculdade prevista no n.º 2 do seu artigo 
 
 9.º e não existindo outra base convencional vigente entre a União Indiana e a 
 República Portuguesa, não estarem verificados, quando a estes crimes, os 
 requisitos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
                         Foi com o âmbito assim delimitado que a Ministra da 
 Justiça, por despacho de 28 de Março de 2003 (publicado no Diário da República, 
 II Série, n.º 86, de 11 de Abril de 2003, págs. 5662-5663 – cf. fls. 53 e 54 
 destes autos), considerou admissível o pedido de extradição.
 
                         Tendo o Ministério Público requerido ao Tribunal da 
 Relação de Lisboa a concessão da extradição assim delimitada (cf. fls. 20 a 
 
 34), procedeu-se à audição do extraditando, que declarou não dar o seu 
 consentimento à extradição e não prescindir da regra da especialidade (fls. 101 
 a 104).
 
                         O extraditando deduziu, por escrito, oposição ao pedido 
 de extradição (fls. 142 a 174), tendo, após diversas diligências instrutórias, 
 sido proferido o acórdão de 4 de Fevereiro de 2004 (fls. 898 a 908), pelo qual 
 o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu autorizar a extradição do extraditando 
 para a União Indiana para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido 
 formulado pelo Ministério Público, com excepção dos puníveis com pena de morte 
 ou com pena de prisão perpétua (crimes indicados sob os n.ºs I-1, I-2, I-3, I-5, 
 I-6, I-7, VII-1 a VII-5 do relatório desse acórdão).
 
                         Este acórdão foi anulado por acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça, de 9 de Junho de 2004 (fls. 1130 a 1158), face à procedência dos 
 vícios de falta de fundamentação de facto e de omissão de pronúncia.
 
  
 
                         2. Na sequência dessa anulação, o Tribunal da Relação de 
 Lisboa proferiu o acórdão de 14 de Julho de 2004 (fls. 1171 a 1189), com o mesmo 
 conteúdo decisório do anterior acórdão.
 
                         Após elencar a matéria de facto tida por provada e por 
 não provada, o Tribunal da Relação de Lisboa passou a apreciar os fundamentos 
 da oposição à extradição deduzidos pelo extraditando, relativos a: (i) 
 inexistência de reciprocidade; (ii) inexistência de garantia formal de que a 
 pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado; (iii) falta de 
 garantia de que a pessoa reclamada não será detida por factos diversos dos que 
 fundamentam o pedido; (iv) ausência de garantias de que não serão aplicadas ao 
 extraditando a pena de morte ou a pena de prisão perpétua; (v) ausência de 
 garantias de que ele não será julgado por um tribunal de excepção; (vi) violação 
 das garantias estabelecidas na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos 
 do Homem e das Liberdades Fundamentais; e (vii) risco de agravamento da 
 situação processual do extraditando.
 
                         Sobre as questões da reciprocidade e das garantias de 
 não aplicação de pena de morte ou de pena de prisão perpétua – únicas que 
 interessam ao presente recurso de constitucionalidade – o Tribunal da Relação 
 de Lisboa expendeu o seguinte:
 
  
 
             “A questão da reciprocidade
 
             12 – O primeiro fundamento invocado pelo extraditando para se opor 
 ao pedido formulado pelo Ministério Público é o de ausência de reciprocidade no 
 que se refere a todos os processos por crimes não abrangidos pelo artigo 2.º da 
 
 «Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba», ou 
 seja, por todos aqueles que foram incluídos naquela peça processual, excepção 
 feita aos que são objecto dos processos n.ºs RC-1(S)93 e CR144/95.
 
             Analisemos então a questão colocada.
 
             De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 144/99, de 31 de 
 Agosto, «as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º», entre as quais 
 se conta a extradição, «regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos 
 internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou 
 insuficiência, pelas disposições deste diploma».
 
             Embora alguns autores considerem que o Estado Português e a União 
 Indiana, em matéria de extradição, ainda se encontram vinculados pelo tratado 
 celebrado entre o nosso país e o Reino Unido em 17 de Outubro de 1892, 
 modificado e estendido ao território da União Indiana pela Convenção de 20 de 
 Janeiro de 1932 [V., nesse sentido, nomeadamente Serrano, Mário Mendes, in 
 
 «Extradição – regime e praxis», in Cooperação Internacional Penal, CEJ, Lisboa, 
 
 2000, p. 23 e notas 37 e 39, e Delgado, Filomena, in “A Extradição”, in BMJ, n.º 
 
 367, p. 57], o certo é que tal tratado, de duvidosa vigência [Sobre a sucessão 
 de tratados no caso de Estados que recentemente acederam à independência 
 veja-se, nomeadamente, Shaw, Malcolm N., in International Law, Fourth Edition, 
 Cambridge University Press, United Kingdom, 1997, p. 692 e segs., e a Convenção 
 de Viena Sobre a Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 23 de Agosto de 
 
 1978, se bem que não assinada nem ratificada por Portugal (para consulta do seu 
 texto veja-se, nomeadamente, Escarameia, Paula, in Colectânea de Leis de Direito 
 
  Internacional, 3.ª edição, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2003, p. 77 
 e segs.)], não foi invocado nem por um nem por outro dos Estados [Considerando 
 até a União Indiana que nenhum tratado bilateral entre os dois Estados está 
 actualmente em vigor (ver fls. 21 do Apenso I)], que apenas fundamentaram o 
 pedido e a sua satisfação na referida «Convenção Internacional para a Repressão 
 de Atentados Terroristas à Bomba» [Aprovada para ratificação pela Resolução da 
 Assembleia da República n.º 40/2001, de 25 de Junho, e ratificada pelo Decreto 
 do Presidente da República n.º 31/2001, da mesma data] e no princípio da 
 reciprocidade.
 
             A ausência de um tratado de extradição entre os dois países não 
 impede, no entanto, em geral, a cooperação uma vez que o nosso ordenamento 
 constitucional apenas exige a celebração de uma convenção internacional no caso 
 de a extradição ter na base um crime punível, segundo a lei do Estado 
 requerente, com «pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da 
 liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida» (artigo 33.º, n.º 4). 
 Fora desse âmbito, a cooperação internacional em matéria penal funda-se na 
 mencionada Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.
 
             Assim sendo, a procedência do pedido formulado pelo Ministério 
 Público depende, quanto aos crimes atrás mencionados que não são objecto dos 
 processos RC-1(S)93 e CR 144/95, do preenchimento das condições estabelecidas 
 nesse diploma, uma das quais é, de facto, a existência de reciprocidade (n.º 1 
 do artigo 4.º [De acordo com este preceito «a cooperação internacional em 
 matéria penal regulada no presente diploma releva do princípio da 
 reciprocidade»]).
 
             No caso concreto, a garantia de reciprocidade consta do próprio 
 pedido de extradição apresentado em nome da União Indiana pelo seu Ministro dos 
 Negócios Estrangeiros [Ver a redacção do original na fls. 2 do Apenso I]. Mas, 
 mesmo que se considerasse que essa garantia não se encontrava aí 
 suficientemente expressa, ela resultaria, conforme se explica na carta do 
 primeiro secretário da Embaixada da Índia, junta a fls. 116, do facto de, ao 
 abrigo do artigo 3.º da Lei de Extradição da União Indiana, ter sido aprovado e 
 publicado o Despacho GRS-822(E), de 13/12/2002, em que se determina a aplicação 
 dessa mesma lei à República Portuguesa, diploma esse que assegura o respeito 
 pelo princípio da reciprocidade.
 
             Mas, mesmo que nenhuma dessas garantias existisse, a ausência de 
 reciprocidade não impediria, só por si, a cooperação.
 
             Na realidade, como flui do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 144/99, de 
 
 31 de Agosto, a exigência de reciprocidade pode ser dispensada pelo Ministro da 
 Justiça [Uma vez que é o Ministro da Justiça que, nos termos do n.º 2 do artigo 
 
 4.º, «solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem»] 
 nas situações enunciadas nas três alíneas desse mesmo preceito.
 
             Nesses casos, nomeadamente quando o poder político entenda que 
 existe a necessidade de lutar contra determinadas formas de criminalidade, o 
 Estado Português pode, mesmo assim, cooperar com o Estado estrangeiro.
 
             Daí que, mesmo nesse caso, tendo Sua Excelência a Ministra da 
 Justiça aceite o pedido de extradição apresentado pela União Indiana, não seria 
 a inexistência de reciprocidade que obstaria à sua admissibilidade.
 
  
 
             (...)
 
             A ausência de garantias de que não serão aplicadas ao extraditando a 
 pena de morte ou a pena de prisão perpétua
 
             14 – A Constituição da República Portuguesa proíbe a extradição «por 
 crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de 
 morte ou pena de que resulte lesão irreversível da integridade física» [Artigo 
 
 33.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa], proibição essa que 
 fundamenta, de acordo com a lei ordinária, a recusa de cooperação [Alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto].
 
             No caso concreto, cinco dos crimes por que foi pedida pelo 
 Ministério Público a extradição são puníveis, em abstracto, em face do Código 
 Penal indiano, com pena de morte.
 
             Porém, o artigo 34.º-C da Lei de Extradição Indiana, aplicável a 
 este pedido por força do mencionado Despacho de 13 de Dezembro de 2002, altera 
 as penas previstas nas normas incriminadoras, prevendo que, em casos como o 
 presente, os mencionados crimes passem a ser puníveis, em abstracto, com pena de 
 prisão perpétua [Ver fls. 20 do Apenso I].
 
             Não se verifica, assim, o obstáculo à cooperação previsto na alínea 
 e) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei de Cooperação Internacional em Matéria Penal.
 
  
 
             15 – Como já se referiu anteriormente, a nossa Lei Fundamental, na 
 redacção ainda vigente [Note-se que durante o último processo de revisão 
 constitucional, cujo texto ainda não foi publicado, foi aprovada uma nova 
 redacção do n.º 4 do artigo 33.º da Constituição, em que a expressão «em 
 condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que 
 o Estado requisitante» é substituída pela expressão «se, nesse domínio, o Estado 
 requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja 
 vinculado»], apenas permite «a extradição por crimes a que corresponda, segundo 
 o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou 
 restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em 
 condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que 
 o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança 
 não será aplicada ou executada» [Artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da 
 República Portuguesa].
 
             A Constituição exige, portanto, dois requisitos para a 
 admissibilidade, nesse caso, da extradição:
 
             – Condições de reciprocidade estabelecidas em convenção 
 internacional;
 
             – Garantias prestadas pelo Estado requerente de que a pena ou a 
 medida de segurança não serão, em concreto, aplicadas ou executadas.
 
             Analisemos então o primeiro requisito exigido por essa disposição, o 
 relativo à existência de uma convenção internacional em que se assegure o 
 respeito pelo princípio da reciprocidade.
 
             Diga-se antes do mais que uma tal convenção, por incidir sobre 
 matérias relativas a direitos, liberdades e garantias e ao processo criminal 
 
 [Alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República 
 Portuguesa], deverá ser aprovada pela Assembleia da República [Alínea i) do 
 artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa] e ratificada pelo 
 Presidente da República [Alínea b) do artigo 135.º da Constituição da República 
 Portuguesa], órgãos de cuja vontade depende, portanto, a vinculação do Estado 
 Português.
 
             Uma vez que, como se disse, o próprio Estado Indiano não considera 
 vigente a convenção celebrada pela potência colonial antes da declaração de 
 independência [Ver o preâmbulo do Despacho de 13 de Dezembro de 2002], o 
 instrumento requerido pela Constituição da República Portuguesa só poderia neste 
 caso ser a já mencionada «Convenção Internacional Para a Repressão de Atentados 
 Terroristas à Bomba», aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 
 
 40/2001 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, ambos 
 publicados em 25 de Junho.
 
             De acordo com o n.º 2 do seu artigo 9.º, «se um Estado Parte, que 
 condiciona a extradição à existência de um tratado, receber um pedido de 
 extradição formulado por um outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer 
 tratado de extradição, o Estado Parte requerido poderá, se assim o entender, 
 considerar a presente Convenção como a base jurídica para a extradição 
 relativamente aos crimes previstos no artigo 2.º. A extradição ficará sujeita 
 
 às restantes condições previstas pelo direito interno do Estado requerido».
 
             Pareceria assim, à primeira vista, estar encontrada a base legal que 
 permitia o deferimento do pedido formulado no que se refere aos onze crimes 
 abrangidos pela previsão do artigo 2.º dessa Convenção e puníveis, em 
 abstracto, com prisão perpétua.
 
             A pretensão de encontrar neste instrumento a fonte legitimadora da 
 extradição quanto a esses crimes depara porém com um obstáculo que se nos 
 afigura incontornável. De facto, embora essa convenção tenha sido aprovada pela 
 Assembleia da República e ratificada pelo Presidente da República, o vínculo que 
 com base nela se estabelece entre o Estado Português e a União Indiana não 
 resulta da aprovação e ratificação mas, no que a Portugal respeita, do despacho 
 de Sua Excelência a Ministra da Justiça. A convenção, só por si, apenas admite a 
 possibilidade de a extradição poder ser concedida.
 
             Quer isto dizer que os órgãos que para o efeito estão 
 constitucionalmente legitimados não manifestaram a vontade de vincular o Estado 
 Português ao dever de extraditar para a União Indiana pessoas acusadas de factos 
 puníveis, em abstracto, com prisão perpétua, o que é exigido pelo artigo 33.º, 
 n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
 
             Outro entendimento acabaria por legitimar a delegação da competência 
 reservada à Assembleia da República e ao Presidente da República num membro do 
 Governo, no caso o Ministro da Justiça, o que constituiria uma contravenção ao 
 disposto no n.º 2 do artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa.
 
             Por tudo isto, considera-se que não existe fundamento 
 constitucionalmente legítimo para conceder a extradição do arguido A. (ou A.) 
 para a União Indiana para ele aí ser julgado pelos crimes puníveis (quer 
 directamente, quer em resultado do funcionamento do disposto no artigo 34.º-C 
 da Lei de Extradição Indiana) com pena de prisão perpétua (crimes indicados sob 
 os n.ºs I-1, I-2, I-3, I-5, I-6, I-7 e VII-1 a VII-5 do relatório).
 
  
 
             16 – A questão que ainda nesta sede se pode colocar é a de saber 
 quais são as consequências a extrair da existência de requisitos negativos da 
 cooperação quanto a alguns dos crimes englobados no pedido de extradição. 
 Deverão eles impedi-la apenas quanto a esses crimes ou, pelo contrário, 
 deve-lhes ser atribuído um carácter mais geral, obstando a toda e qualquer 
 cooperação com o Estado requerente no caso concreto?
 
             Poder-se-ia, por um lado, argumentar que, sendo negada a extradição 
 do arguido com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99, 
 de 31 de Agosto, deveria ser «instaurado procedimento penal pelos factos que 
 fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos 
 necessários» [Cfr. n.º 5 do artigo 32.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto], o 
 que poderia conduzir à aplicação ao arguido de uma pena de 25 anos. Nesse caso, 
 a concessão de extradição poderia traduzir-se numa forma ínvia de acabar por 
 impor uma pena de prisão, pelo menos, tendencialmente perpétua.
 
              Tal argumento não nos parece ser, neste caso, pertinente uma vez 
 que o disposto no n.º 5 do artigo 32.º da Lei da Cooperação [Que amplia o 
 anteriormente previsto no n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 43/91, de 22 de 
 Janeiro] e o regime previsto na alínea e) do artigo 5.º do Código Penal 
 
 [Redacção introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro] não são aplicáveis a 
 crimes cometidos antes da sua entrada em vigor, razão pela qual não existe 
 fundamento legal para julgar o arguido em Portugal pelos mencionados crimes.
 
             Ora, assim sendo, a completa negação da cooperação conduzia à 
 impunidade mesmo por crimes em relação aos quais, quando considerados 
 isoladamente, nada havia que a impedisse.
 
  
 
             17 – Poder-se-ia também dizer que, vindo a ser concedida a 
 extradição apenas por alguns dos crimes, o Estado requerente não estaria 
 impedido de julgar o extraditado por outros crimes, desde que contidos no 
 pedido de cooperação, uma vez que foi essa a extensão que deu ao compromisso 
 que prestou [Ver fls. 112], aparentemente reafirmado no articulado apresentado 
 pelos seus mandatários [Ver fls. 387], que parecem até não ter tomado 
 conhecimento do indeferimento parcial do pedido resultante da decisão de Sua 
 Excelência a Ministra da Justiça, o que não seria sequer contrariado pelo teor 
 literal do n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, disposição 
 em que se consagra a regra da especialidade.
 
             Também essa objecção se nos afigura não ser pertinente uma vez que 
 se deve entender que as garantias prestadas e a norma citada se referem aos 
 termos da decisão de entrega e não aos termos do pedido formulado (n.º 3 do 
 artigo 16.º), o que, de resto, está conforme com o sentido da alínea a) do 
 artigo 21.º da Lei Indiana de Extradição e foi reafirmado pelo Tribunal Supremo 
 da União Indiana.
 
  
 
             18 – Diga-se ainda que, sendo imputada ao extraditado uma 
 pluralidade de crimes, cada um deles punível com pena de prisão não inferior a 1 
 ano [De acordo com o disposto no n.º 3 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, «se a 
 extradição tiver por fundamento vários factos distintos, cada um deles punível 
 pela lei do Estado requerente e pela lei portuguesa com uma pena privativa de 
 liberdade e se algum ou alguns deles não preencherem a condição referida no 
 número anterior (punição com pena privativa de liberdade de duração não 
 inferior a um ano), pode também conceder-se a extradição por estes últimos»], 
 importaria conhecer as regras que disciplinam, na União Indiana, a situação de 
 concurso e a sua punição para assim nos podermos certificar de que, pela via da 
 cumulação material das penas, não viria a ser aplicada ao extraditando uma pena 
 de prisão superior ao da sua esperança de vida, o que a transformaria numa pena 
 perpétua.
 
             Tal não se torna, porém, necessário uma vez que a União Indiana 
 assegurou ao Estado Português que, caso fosse aplicado pelos tribunais uma pena 
 superior, esta seria reduzida a 25 anos de prisão.
 
             Nada obsta, portanto, a que se apreciem os restantes aspectos do 
 pedido apresentado pela União Indiana.”
 
  
 
                         E, tendo sido julgadas improcedentes as questões 
 suscitadas pelo extraditando quanto à inexistência de garantia formal de que a 
 pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado, à falta de garantia 
 de que a pessoa reclamada não será detida por factos diversos dos que 
 fundamentam o pedido, à ausência de garantias de que ele não será julgado por um 
 tribunal de excepção, à violação das garantias estabelecidas na Convenção 
 Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e 
 ao risco de agravamento da situação processual do extraditando, a extradição 
 acabou por ser autorizada nos termos limitados atrás indicados.
 
  
 
                         3. Foram interpostos dois recursos contra o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça: um, pelo 
 Ministério Público (fls. 1195 a 1221), propugnando o deferimento do pedido de 
 extradição “também quanto aos crimes punidos com pena de morte ou prisão 
 perpétua”; outro, pelo extraditando (fls. 1326 a 1385), sustentando a 
 declaração de nulidade do acórdão recorrido (por omissão de pronúncia e falta 
 de fundamentação), o reconhecimento da violação do princípio da especialidade e 
 dos demais requisitos substanciais necessários à concessão do pedido de 
 extradição, com consequente indeferimento deste pedido na sua totalidade, 
 ordenando-se o seu julgamento em Portugal por todos os crimes relativamente aos 
 quais foi ordenado o seu julgamento na União Indiana.
 
                         Quer o Ministério Público (fls. 1537 a 1555), quer o 
 extraditando (fls. 1561 a 1577) responderam às motivações dos recursos 
 apresentados pela outra parte.
 
  
 
                         4. No Supremo Tribunal de Justiça, o respectivo 
 Conselheiro Relator proferiu, em 17 de Dezembro de 2004, o seguinte despacho 
 
 (fls. 1620):
 
  
 
 “Como é sabido, a Constituição da República Portuguesa só admite a extradição 
 por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena 
 restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida se, além 
 do mais, o Estado requisitante oferecer «garantias de que tal pena não será 
 aplicada ou executada» (artigo 33.º, n.º 4).
 O texto constitucional, porém, «não esclarece se a apreciação da suficiência 
 das garantias incumbe exclusivamente ao Governo ou se o tribunal também se pode 
 
 [e deve] pronunciar sobre essa matéria» (cfr. Cooperação Internacional Penal, 
 CEJ, 2000, p. 91).
 Ora, uma das questões suscitadas no recurso do extraditando tem, justamente, a 
 ver com «a validade, a suficiência e o poder vinculativo das garantias 
 prestadas pelo Estado requerente ao Estado Português, quanto à 
 insusceptibilidade do extraditando vir a ser condenado numa pena superior a 25 
 anos de prisão, por força da cumulação das penas aplicáveis:
 Apesar de a decisão recorrida, na sua estrutura, ter agora maior 
 correspondência com as exigências de um acórdão, o tribunal a quo voltou a não 
 se pronunciar sobre a validade, a suficiência e o poder vinculativo das 
 garantias prestadas pelo Estado requerente ao Estado Português, quanto à 
 insusceptibilidade de o extraditando vir a ser condenado a uma pena superior a 
 
 25 anos de prisão, por força da cumulação das penas aplicáveis aos crimes 
 relativamente aos quais for ordenada a sua extradição. O ora recorrente tem 
 sérias dúvidas sobre o poder vinculativo dessas garantias do próprio Estado 
 requerente, contestando a legitimidade do Vice-Primeiro-Ministro B. para, no 
 dia 17 de Dezembro de 2002, apresentar a garantia constante de fls. 6 e 7 do 
 pedido de extradição, como sendo vinculativa do Governo e da própria União 
 Indiana.»
 Num Estado de direito, o Governo de um Estado (ou o Governo central de uma união 
 de Estados, como a União Indiana) jamais poderá garantir a não aplicação, pelos 
 tribunais, de uma pena de prisão perpétua ou indefinida.
 E. mesmo num Estado ou união de Estados a quem compita, segundo seu direito 
 interno (que não será sequer o Estado requerente), a execução das sentenças 
 condenatórias dos tribunais criminais, uma garantia «de carácter político e 
 diplomático» da não execução de uma eventual pena de prisão perpétua também 
 depara com dificuldades de tomo: desde logo, a de uma alteração desse regime que 
 confira a execução das sentenças criminais aos próprios tribunais e, outrossim, 
 a de à partida não ser (seriamente) garantível pelo respectivo governo central, 
 num Estado ou união de Estados em que a comutação das penas caiba 
 constitucionalmente ao chefe do Estado ou ao presidente da União, a futura 
 outorga, por quem então o for, dessa benesse ao antigo extraditado.
 Daí que, neste domínio, só uma (outra) garantia (suplementar) se afigure 
 inequívoca: a de o Estado requerente «aceitar [como integrante do pedido de 
 extradição] a conversão das penas [se, efectivamente, de morte ou de prisão 
 perpétua ou indefinida], por um tribunal português, segundo as disposições da 
 lei portuguesa aplicáveis aos crimes [que, eventualmente, venham a motivar uma 
 tal condenação]» (cf. artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 144/99, de 31 de 
 Agosto).
 Assim sendo, importará, antes de se avançar para a decisão do recurso, que:
 
             a) se requisite, à Amnistia Internacional (fls.1395), segunda via do 
 
 «parecer» que se anunciou acompanhar – mas não terá acompanhado – a sua carta 
 n.º 752/2004 dirigida em 2 de Agosto de 2004 à Relação de Lisboa,
 
             b) e se oiçam os mandatários, no processo, da União Indiana (fls. 
 
 1397 e ss.) para que, em cinco dias, se pronunciem sobre a viabilidade da 
 sugerida garantia suplementar e, em caso afirmativo, sobre o prazo mínimo de que 
 ainda carecerão para (se for caso disso) a obterem, através da sua Embaixada em 
 Lisboa, do Estado requerente.”
 
  
 
                         5. Em resposta a esta última solicitação, a União 
 Indiana apresentou, em 28 de Dezembro de 2004, o seguinte requerimento (fls. 
 
 1662 a 1666):
 
  
 
             “1. A União Indiana considera que prestou à República Portuguesa – 
 com base nas suas disposições constitucionais e legais, bem como tendo em conta 
 as disposições constitucionais e legais portuguesas e a jurisprudência dos 
 nossos Tribunais superiores – garantias válidas, seguras, credíveis e 
 suficientes, no sentido de que, caso a extradição venha a ser autorizada, o 
 Senhor A. não será sujeito a uma pena superior a 25 anos de prisão, a pena 
 máxima admitida pelo Direito Português.
 
             2. De um lado, no que respeita aos crimes puníveis, em abstracto e 
 em teoria, com pena de morte, essa pena é insusceptível de ser aplicada pelos 
 Tribunais indianos in casu, uma vez que o artigo 34.º-C da Lei de Extradição 
 Indiana procede, como demonstrado e reconhecido nos autos, a uma alteração da 
 estatuição de tais normas incriminadoras, convertendo automaticamente a pena de 
 morte em pena de prisão perpétua.
 
             3. Deste modo, e como o artigo 34.º-C da Lei de Extradição Indiana é 
 parte integrante do ordenamento jurídico indiano, estando os Tribunais Indianos 
 obrigados a tomá-la em consideração caso a extradição seja autorizada, a 
 aplicação da pena de morte é, summo rigore, uma impossibilidade jurídica.
 
             4. De outro lado, quanto aos crimes puníveis, em abstracto, com pena 
 de prisão perpétua, a garantia prestada por Sua Excelência o Senhor Vice 
 Primeiro-Ministro do Governo da União Indiana assegurando à República 
 Portuguesa a não execução desta pena – nos termos e de acordo com os artigos 
 
 72.º e 73.º da Constituição Indiana, os artigos 432.º, n.º 1, 433.º, alíneas a) 
 e b), do Código de Processo Penal Indiano e o artigo 34.º-C da Lei da Extradição 
 Indiana, tudo conforme já evidenciado nos autos – é uma garantia válida e 
 vinculativa à luz do Direito constitucional e legal indiano (cfr. nomeadamente 
 o Parecer subscrito pelo eminente Jurisconsulto indiano Dr. N. M. Ghatate, já 
 junto aos autos).
 
             5. Tal garantia foi prestada pela entidade competente de acordo com 
 o sistema político-constitucional de distribuição de poderes e competências 
 vigente na União Indiana, pois o artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da Constituição 
 Indiana confere ao Presidente da Índia os poderes necessários para, 
 designadamente, conceder perdões, anular penas ou comutar sentenças, mas o 
 artigo 74.º da referida Constituição prescreve que a decisão do Presidente, 
 nesta matéria como noutras, está vinculada à decisão prévia do Governo, mesmo 
 que aquele com esta não concorde, pelo que é o Governo o órgão verdadeiramente 
 competente para prestar a garantias dos autos, conforme reconhece 
 jurisprudência pacífica e consolidada (Caso Maru Ram v. UOI 1981 I SCC 107 e 
 Kehar Singh v UIO 1989 I SCC 204).
 
             6. A garantia prestada pela União Indiana, enquanto Estado Soberano, 
 
 é fundada em preceitos legais e é vinculativa para o actual e para futuros 
 Presidentes e Governos, como resulta das regras de Direito Internacional 
 Público que exigem que garantias soberanas solenes prestadas entre Estados 
 Soberanos sejam respeitadas no futuro e como exige a tradicional estoppel 
 doctrine, pelo que permanece válida e eficaz independentemente da pessoa que 
 momentaneamente ocupa este ou aquele cargo.
 
             7. A União Indiana considera ainda que a garantia prestada satisfaz 
 as condições e os requisitos estabelecidos pelo Direito Português, na medida em 
 que o artigo 6.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 144/99, de 31 Agosto, admite que 
 o Estado requerente ofereça garantias de que a pena de prisão perpétua não será 
 aplicada ou executada, dispondo o n.º 3 do mesmo artigo que a apreciação da 
 suficiência de tais garantias terá em conta, nomeadamente, nos termos da 
 legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de indulto, 
 perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado 
 requerente.
 
             8. A União Indiana reitera ainda que o sistema processual penal 
 indiano não procede à alegada, e não demonstrada ou sequer indiciada, soma 
 aritmética das penas em que o extraditando viesse, porventura, a ser condenado, 
 caso fosse autorizada a sua extradição, pois entende-se que tais penas correm 
 simultaneamente.
 
             9. Foi com base em todos estes pressupostos que a União Indiana 
 prestou as garantias constantes dos presentes autos, que considerou bastantes, 
 não tendo, por isso, prestado outras garantias.
 
             10. Além disso, nomeadamente no que se refere à garantia prevista no 
 artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, a União 
 Indiana considerou, porventura erradamente, que a mesma se aplicaria apenas a 
 casos de cooperação judiciária internacional relativos a agentes já condenados, 
 e não a casos de extradição para julgamento dos agentes no Estado requerente.
 
             Contudo,
 
             11. Sem prejuízo do que se expôs, caso se entenda que se mantém a 
 necessidade de prestar outras garantias, tendo em conta a presente solicitação 
 do Supremo Tribunal de Justiça, a União Indiana está inteiramente disponível 
 para prestar ao Estado Português quaisquer garantias adicionais, compatíveis com 
 o Direito Internacional e com o Direito Indiano, no sentido de dar maior 
 conforto às autoridades portuguesas de que o Senhor A. não será, em qualquer 
 caso, sujeito a uma pena de prisão superior a 25 anos.
 
             12. Para que a União Indiana possa prestar a garantia adicional 
 agora solicitada em conformidade com o seu Direito interno – no caso, 
 evidentemente, de o Supremo Tribunal de Justiça entender que tal garantia é 
 necessária –, requer-se a Vossas Excelências, respeitosamente, que esclareçam e 
 clarifiquem o modo como a mesma deve ser prestada, o respectivo conteúdo e a 
 forma como seria executada.
 
             13. Desde já se indica o prazo de 30 dias como o prazo mínimo 
 necessário para levar a cabo todos os trâmites necessários à prestação de uma 
 garantia dessa natureza.”
 
  
 
                         6. Em complemento a este requerimento, a União Indiana 
 veio a apresentar, em 5 de Janeiro de 2005, o seguinte requerimento (fls. 1689 a 
 
 1691):
 
  
 
             “1. A União Indiana apresentou, na passada semana, perante este 
 Supremo Tribunal, e na sequência de notificação para o efeito, um requerimento 
 relativo à prestação de garantias de que o Extraditando, o Senhor A., não será 
 sujeito, uma vez extraditado para a União Indiana, a uma pena de prisão superior 
 a 25 anos, a pena máxima admitida pelo Direito Português.
 
             2. No seguimento de tal requerimento, e ainda a respeito da validade 
 e da suficiência das garantias já prestadas pelo Governo Indiano, vem a União 
 Indiana, pelo presente, prestar o seguinte esclarecimento adicional.
 
             3. O artigo 77.º da Constituição Indiana regula a atribuição de 
 poderes ao Governo Indiano e aos seus membros individualmente considerados, bem 
 como certos aspectos da relação entre o Governo e o Presidente.
 
             4. Com relevância para o caso dos autos, o n.º 1 do referido 
 preceito constitucional refere que todas as acções executivas do Governo são 
 efectuadas em nome do Presidente da Índia.
 
             5. Estabelecendo o n.º 3 do mesmo artigo que o Presidente criará 
 regras para uma conveniente gestão dos assuntos do Governo Indiano, procedendo à 
 distribuição de poderes e competências pelos vários Ministros.
 
             6. O então Presidente da União Indiana, no exercício dos poderes que 
 lhe confere o artigo 77.º da Constituição Indiana, aprovou o «Allocation of 
 Business Rules Act, 1961», onde constam as regras, datadas de 1961, relativas à 
 repartição de poderes pelo Governo Indiano, as quais se mantêm em vigor ainda 
 hoje.
 
             7. De acordo com o parágrafo segundo das referidas regras, as 
 matérias relativas a Direito Penal e Direito Processual Penal, incluindo as 
 matérias relativas a concessão de perdões, indultos, anulação de penas e 
 comutação de sentenças, são da competência do Ministro dos Assuntos Internos.
 
             8. Deste modo, o então Vice Primeiro-Ministro, o Senhor B., à data 
 da prestação da garantia constante destes autos também titular da pasta dos 
 Assuntos Internos, era, nos termos constitucionais e legais indianos, a pessoa 
 competente para prestar a garantia de que não será aplicada ao Extraditando, o 
 Senhor A., pena de prisão superior a 25 anos.
 
             9. E tal garantia é, consequentemente, válida e vinculativa para o 
 actual e para futuros Governos da União Indiana (bem como para as demais 
 entidades relevantes, conforme já explicado nos autos).
 
             10. É de notar que o n.º 2 do artigo 77.º da Constituição Indiana 
 refere expressamente que a validade dos actos executados pelo Governo em nome do 
 Presidente nos termos das referidas normas não poderá ser posta em causa com o 
 fundamento de que não foram executados pelo próprio Presidente.
 
             11. Pelo exposto, requer-se a junção aos autos de uma cópia do 
 artigo 77.º da Constituição Indiana, acompanhada da respectiva tradução para 
 língua Portuguesa.
 
             12. A União Indiana juntará, se for considerado necessário, as 
 aludidas normas aprovadas pelo Presidente da Índia em 1961 ao abrigo do artigo 
 
 77.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição Indiana, bem como tudo mais que for julgado 
 pertinente.”
 
  
 
                         Em anexo a este requerimento foi junta tradução de 
 inglês para português do artigo 77.º da Constituição Indiana (fls. 1693 e 1694).
 
                         Na sequência de despacho do Conselheiro Relator do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 2005 (fls. 1702), foram os 
 recorrentes/recorridos notificados da junção do aludido documento, o que não 
 suscitou qualquer reacção.
 
  
 
                         7.  Por acórdão de 27 de Janeiro de 2005 (fls. 1711 a 
 
 1731), o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu provimento ao recurso do 
 Ministério Público e negou-o ao do extraditando, autorizando a extradição deste 
 para a União Indiana “com vista ao seu julgamento com vista à totalidade dos 
 crimes identificados no pedido do Ministério Público”.
 
                         Esta alteração do decidido no acórdão recorrido assentou 
 na seguinte fundamentação:
 
  
 
             “10. Crimes puníveis com pena de morte
 
             10.1. «Relativamente aos crimes puníveis com pena de morte ou, em 
 alternativa, com prisão perpétua, os tribunais indianos estão obrigados a 
 aplicar, em caso de extradição de A., o disposto no artigo 34.º-C do 
 Extradition Act, 1962 (ou na Secção 34-C da Lei de Extradição da Índia de 
 
 1962», ou seja, a converter em prisão perpétua a pena de morte que 
 eventualmente venha a caber [abstractamente] a algum ou alguns dos seus 
 crimes.
 
             10.2. Com efeito, e como bem aduz o MP na motivação do seu recurso, 
 
 «nos termos do artigo 34.º-C da Lei de Extradição Indiana (Extradition Act, 
 
 1962), quem seja entregue ao Estado Indiano na sequência de um pedido de 
 extradição por crimes a que corresponda a pena de morte não poderá ser 
 condenada nessa pena se as leis do Estado requerido não sancionarem a prática 
 desse crime com a pena de morte». Ante, pois, a inaplicabilidade da pena de 
 morte, pelos tribunais indianos, a crimes cometidos aos extraditados 
 provenientes de países que a não cominem genérica ou especificamente, «não se 
 poderá sequer dizer» – como concluiu, e bem, a Relação de Lisboa – «que 
 
 [quaisquer d]os crimes pelos quais se requer a extradição sejam 
 
 [concretamente] puníveis com pena de morte».
 
             10.3. Nem se obtempere – como fez o extraditando na sua resposta ao 
 recurso do MP – que a ressalva que abre o artigo 34.º-C da «Extradition Act, 
 
 1962» («Sem prejuízo do conteúdo de qualquer outra lei à data em vigor, quando 
 um criminoso fugitivo que tenha cometido um crime punível com pena de morte na 
 
 Índia for submetido ou devolvido por um Estado Estrangeiro, a pedido do Governo 
 Central, e as leis desse Estado Estrangeiro não prevejam a pena de morte 
 relativamente a esse mesmo crime, o respectivo criminoso será passível de 
 condenação a prisão perpétua apenas no que diz respeito a esse crime») obsta a 
 que «se possa concluir, sem mais, por uma conversão automática da pena de morte 
 em pena de prisão perpétua» (na medida em que «outra lei à data em vigor» 
 poderia vir a contrariar essa prevista conversão).
 
             10.4. É que não poderá dar-se a tal ressalva – por força dos 
 princípios gerais universais do direito penal (maxime, o da não retroactividade 
 de lei desfavorável) – um tal alcance. Mas, antes, o de que – vigorando à data 
 da condenação «outra lei» mais favorável – será essa a aplicável (e não a de 
 prisão perpétua decorrente da conversão da pena de morte prevista, para o 
 crime, à data da extradição).
 
  
 
             11. Crimes puníveis com pena de prisão perpétua
 
             11.1. Nos termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição, «só é 
 admitida a extradição, por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado 
 requisitante, pena (...) privativa ou restritiva da liberdade com carácter 
 perpétuo ou de duração indefinida, em condições (...) estabelecidas em convenção 
 internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal 
 pena (...) não será aplicada ou executada».
 
             11.2. E é com base na Convenção Internacional para a Repressão de 
 Atentados Terroristas à Bomba (Nova Iorque, 12 de Janeiro de 1998), de que são 
 signatários (entre outros) Portugal e a União Indiana que esta pede àquele a 
 extradição – por crimes puníveis, segundo o seu direito, com pena de prisão 
 perpétua ou de morte (obrigatoriamente convertível em prisão perpétua) – do ora 
 recorrente A..
 
             11.3. Porém, esta Convenção distingue entre os Estados Partes que 
 condicionam a extradição à existência de um tratado (bilateral) de extradição 
 
 (em que o Estado requerido, ao receber um pedido de extradição formulado por 
 outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer tratado de extradição, poderá, 
 se assim o entender, considerar a Convenção como a base jurídica para a 
 extradição relativamente a «atentados terroristas à bomba») e os Estados Partes 
 que não condicionam a extradição à existência de um tratado (que reconhecerão 
 tais crimes como passíveis de extradição nas condições previstas pelo direito 
 interno do Estado requerido).
 
             11.4. Ora, Portugal não condiciona a extradição, de um modo geral, à 
 existência de um tratado (bilateral). Com efeito, «as formas de cooperação a 
 que se refere o artigo 1.º [da Lei n.º 144/99]» – nelas se incluindo a 
 
 «extradição» – regem-se pelas normas tanto dos «tratados», como das «convenções 
 ou acordos internacionais que vinculem o Estado Português», como ainda, na sua 
 falta (ou insuficiência), «pelas disposições deste diploma» (artigo 3.º, n.º 1).
 
             11.5. É certo que a Constituição, relativamente a crimes «a que 
 corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena (...) privativa ou 
 restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida», só 
 admite a extradição «em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção 
 internacional».
 
             11.6. Mas já não condiciona a extradição à [pré]existência de um 
 específico tratado (bilateral) de extradição, antes se bastando com uma 
 qualquer convenção internacional, que, não constituindo um tratado de 
 extradição (mas visando outros objectivos, como, por exemplo, a repressão de 
 atentado terroristas à bomba), imponha aos Estados Partes, em condições de 
 reciprocidade, a extradição de nacionais (artigo 33.º, n.º 3) ou de 
 estrangeiros (artigo 33.º, n.º 4).
 
             11.7. Daí que não se aplique ao caso – contra o que o tribunal a quo 
 pressupôs – o n.º 2 do artigo 9.º da «Convenção de Nova Iorque, 1998».
 
             11.8. E daí, pois, que Portugal, não condicionando a extradição à 
 existência de um específico «tratado de extradição», haja – ao assinar essa 
 Convenção – reconhecido como passíveis de extradição, «nas condições previstas 
 pelo [seu] direito interno», os crimes previstos no n.º 2 («Comete um crime nos 
 termos da presente Convenção quem, de forma ilegal e intencional, distribuir, 
 colocar, descarregar ou fizer detonar um explosivo ou outro instrumento letal 
 dentro ou contra um local público, uma instalação do Estado ou pública, um 
 sistema de transporte público ou uma infra-estrutura: a) com o propósito de 
 causar a morte ou lesões físicas graves; b) ou com o propósito de obter 
 elevados níveis de destruição de tal local, instalação, sistema ou 
 infra-estrutura [...]»).
 
             11.9. Ao ratificá-la, o Estado português comprometeu-se, aliás, a 
 conceder aos demais Estados Partes «a mais ampla cooperação no tocante a 
 procedimentos de extradição instaurados relativamente a crimes previstos no 
 artigo 2.º» (artigo 10.º, n.º 1), «em conformidade com o respectivo direito 
 interno» (n.º 2).
 
             11.10. A obrigação de extradição ficaria, no entanto, ressalvada se 
 o Estado Parte requerido tivesse ou viesse a ter [e, no caso, não teve nem tem] 
 
 «sérios motivos para crer que o pedido de extradição (...) havia sido formulado 
 com o propósito de (...) punir qualquer pessoa com base na raça, religião, 
 nacionalidade, origem étnica ou opinião política» ou tivesse «razões para crer 
 que a satisfação do pedido poderia prejudicar a situação da pessoa em causa por 
 qualquer uma destas razões» (artigo 12.º).
 
  
 
             12. Garantias
 
             12.1. No entanto, a extradição por crimes a que corresponda, segundo 
 o direito interno do Estado requisitante, prisão perpétua ou de duração 
 indefinida, não se basta com a satisfação das condições exigidas em convenção 
 internacional, mas exige ainda, da parte do Estado requisitante, o 
 oferecimento de «garantias de que tal pena não será aplicada ou executada» 
 
 (artigo 33.º, n.º 4, da Constituição).
 
             12.2. Como o Governo da União Indiana não pode garantir que tal pena 
 não venha a ser aplicada pelos seus tribunais (independentes), apenas dele será 
 
 de exigir a garantia de que, na eventualidade da sua aplicação, recorrerá, para 
 a confinar, às medidas legais ao seu alcance («indulto, perdão, comutação da 
 pena ou medida análoga»).
 
             12.3. A Relação, como instância de facto, reconheceu que «o Governo 
 da União Indiana garantiu, em conformidade com o direito interno indiano e a 
 prática nacional em matéria de execução de penas, que a pena de prisão perpétua 
 será comutada, exercendo, para esse efeito, os poderes que lhe são conferidos 
 ao abrigo dos artigos 432.° e 433.°, alínea b), do Código de Processo Penal 
 Indiano de 1973» e, mais ainda, que «as autoridades indianas prestaram 
 solenemente ao Governo Português garantias formais segundo as quais, em caso de 
 extradição, A. não será punido nem com pena de morte nem com pena de prisão 
 global superior a 25 anos».
 
             12.4. Acontece que, «para efeitos de apreciação da suficiência das 
 garantias [de que tal pena não será executada] ter-se-á em conta, nos termos da 
 legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação 
 da pena ou de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de 
 indulto, perdão, comutação da pena ou medida análoga, previstas na legislação 
 do Estado requerente» (artigo 6.º, n.º 3, da LCIP).
 
             12.5. É do seguinte teor o artigo 77.º (Condução da actividade do 
 Governo da Índia) da Constituição da União Indiana: «(1) Toda a actividade 
 executiva do Governo da Índia é exercida de forma expressa em nome do 
 Presidente; (2) Despachos e outros instrumentos elaborados e subscritos em nome 
 do Presidente serão autenticados do modo que vier especificado no regulamento 
 a elaborar pelo Presidente, e a validade de um despacho ou instrumento 
 autenticado deste modo não será posta em causa com o fundamento de que não se 
 trata de um despacho ou instrumento elaborado e subscrito pelo Presidente. (3) 
 O Presidente elaborará um regulamento no sentido de uma condução mais 
 conveniente da actividade do Governo da Índia e para distribuir a referida 
 actividade entre os vários Ministros».
 
             12.6. Ora, «o então presidente da União Indiana, no exercício dos 
 poderes que lhe conferia o artigo 77.º da Constituição Indiana, aprovou o 
 
 “Allocation of Business Rules Act, 1961”, donde constam as regras, que se 
 mantêm em vigor ainda hoje, relativas à repartição de poderes pelo Governo 
 Indiano; de acordo com o seu § 2.º, as matérias relativas a direito penal e 
 direito processual penal, incluindo as matérias relativas a concessão de 
 perdões, indultos, anulação de penas e comutação de sentenças, são da 
 competência do ministro dos Assuntos Internos; deste modo, o então vice 
 primeiro-ministro, B., à data titular da pasta dos Assuntos Internos, era, nos 
 termos constitucionais e legais indianos, a entidade competente para prestar a 
 garantia de que não seria aplicada ao extraditando, A., pena de prisão superior 
 a 25 anos».
 
             12.7. Não consentirá o artigo 77.º, n.º 2, da Constituição da União 
 Indiana, assim, que a validade dessa «garantia» venha a ser «posta em causa com 
 o fundamento de que não se trata de um (...) instrumento elaborado e subscrito 
 pelo Presidente». Pois que, se bem que o seu artigo 72.º, n.º 1, alínea b), 
 confira ao Presidente os poderes necessários para conceder perdões, anular penas 
 ou comutar sentenças, já o seu artigo 74.º prescreve que «a decisão do 
 Presidente, nesta matéria como noutras, está vinculada à decisão prévia do 
 Governo, pelo que é este o órgão verdadeiramente competente para prestar a 
 garantia dos autos, conforme reconhece jurisprudência pacífica e consolidada 
 
 (casos Mam Ram v. UOI 1981  SCC 107 e Kehar Singh v. UIO 1989 I SCC 204)».
 
             12.8. Daí, em suma, que «a garantia prestada pela União Indiana, 
 enquanto Estado soberano, seja vinculativa para o actual e para futuros 
 presidentes e governos, como decorre da tradicional estoppel doctrine e resulta 
 das regras de Direito Internacional Público que exigem que as garantias 
 soberanas solenes prestadas entre Estados soberanos sejam respeitadas no 
 futuro» (ibidem). 
 
             12.9. Acresce, em benefício da «suficiência das garantias 
 prestadas», que «o sistema processual penal indiano não procede à (...) soma 
 aritmética [nem jurídica] das penas». Estas, diversamente, «correm 
 simultaneamente» – e não sucessivamente (ibidem).
 
             12.10. De qualquer modo, mais uma vez se recorda que «a admissão e a 
 concessão da extradição levam implícito – na decorrência da própria aceitação 
 das garantias oferecidas – o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, 
 pelo Estado requisitante, de tais garantias», condicionamento que conferirá ao 
 Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado) – na eventualidade 
 de o Estado requerente vir a incumprir o seu compromisso de definição 
 
 (nomeadamente, limitando-a a 25 anos) de eventual pena perpétua ou de duração 
 indefinida – o «direito de, oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou 
 judiciários), exigir a restituição do extraditado».
 
             
 
             13. Decisão
 
             13.1. Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em 
 conferência para apreciar os recursos opostos à decisão da Relação de Lisboa 
 que, em 14 de Julho de 2004, «autorizou [com limitações] a extradição de A. 
 
 (aliás, A.) para a União Indiana», autoriza, na procedência do recurso do MP e 
 na improcedência do recurso do extraditando, a sua extradição para a União 
 Indiana com vista ao seu julgamento pela totalidade dos crimes identificados no 
 pedido do MP (cfr., supra, 1).
 
             13.2. Fica, porém, explícito que a admissão e a concessão da 
 extradição – na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas – 
 ficam condicionadas (resolutivamente) ao cumprimento, pelo Estado 
 requisitante, das garantias prestadas, condicionamento que conferirá ao Estado 
 requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de 
 inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou 
 judiciários), exigir a devolução do extraditado.”
 
  
 
                         8. Notificado deste acórdão, veio o extraditando arguir 
 a sua nulidade e requerer a sua correcção (fls. 1744 a 1753). A nulidade 
 radicaria em ter sido proferido sem que fosse dado conhecimento ao extraditando 
 da apresentação, pela União Indiana, das peças processuais de fls. 1662-1666 e 
 
 1689-1691, com preterição do princípio do contraditório, logo suscitando a 
 questão da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 32.º, 
 n.º 5, da CRP, de eventual interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, 
 da Lei n.º 144/99, “que entenda não ser extensível ao processo de extradição o 
 princípio do contraditório previsto no artigo 327.º do CPP e no artigo 3.º, n.º 
 
 3, do Código de Processo Civil”. A correcção visava a indicação, na parte 
 dispositiva do acórdão, das disposições legais aplicáveis ao abrigo das quais 
 foi admitido o pedido de extradição.
 
                         Por acórdão de 3 de Março de 2005 (fls. 1831 a 1834), o 
 Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a arguição de nulidade, mas corrigiu o 
 anterior acórdão. Após transcrever as passagens do acórdão recorrido, da 
 motivação do recurso do Ministério Público e da resposta do extraditando, que 
 aludiam à prestação de garantia pelo Vice-Primeiro-Ministro indiano, concluindo 
 o extraditando por referir a conveniência de estar junta aos autos a lei que 
 confere poderes ao Governo indiano para a prestação de garantias de comutação de 
 penas, pondera o Supremo Tribunal de Justiça:
 
  
 
             “1.3. Caberia, pois, ao tribunal de recurso – suprindo o 
 correspondente «dever de procura» do tribunal recorrido – «obter, oficiosamente, 
 o respectivo conhecimento» (artigo 348.º, n.º 1, do Código Civil). E foi o que 
 fez, ainda que competisse ao MP, que invocara (mas não identificara) esse 
 
 «direito estrangeiro», «fazer a prova da sua existência e conteúdo» (idem).
 
             1.4. E assim se chegou ao «Allocation of Business Rules Act, 1961», 
 que «o então Presidente da União Indiana, no exercício dos poderes que lhe 
 conferia o artigo 77.º da Constituição Indiana, aprovara com vista ao 
 estabelecimento das regras relativas à repartição de poderes pelo Governo 
 Indiano».
 
             1.5. Ora, de acordo com o seu § 2.º, as matérias relativas a direito 
 penal e direito processual penal, incluindo as matérias relativas a concessão de 
 perdões, indultos, anulação de penas e comutação de sentenças, passaram – e 
 continuam – a ser da competência do ministro dos Assuntos Internos, donde que o 
 então vice primeiro-ministro, B., titular da pasta dos Assuntos Internos à data 
 do pedido de extradição, fosse, nos termos constitucionais e legais indianos, a 
 entidade competente para prestar – como prestou – a garantia de que não seria 
 aplicada ao extraditando, A., pena de prisão superior a 25 anos.
 
             1.6. Tratando-se, assim, de direito estrangeiro, cujo conhecimento 
 oficioso incumbia ao tribunal, não se vê que o Supremo, ao aplicá-lo (como a 
 Relação, aliás, já aplicara, embora sem identificação dos respectivos diploma e 
 
 §), dele devesse dar prévio conhecimento ao extraditando.
 
             1.7. É certo que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de 
 todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso 
 de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que 
 de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre 
 elas se pronunciarem» (artigo 3.º, n.º 3, do CPC). 
 
             1.8. Só que essa «questão» (a da competência – perante o respectivo 
 direito interno – do Ministro dos Assuntos Internos da União Indiana para 
 prestar ao Estado requerido a «garantia» de que eventual pena perpétua seria 
 objecto de «perdão» ou «indulto» de modo a que a pena a executar não excedesse 
 
 25 anos de prisão) não só não constituía «questão nova» como sobre ela já as 
 partes se haviam pronunciado abundantemente. Aliás, o requerido A., como 
 cidadão indiano que era e é, estava particularmente bem posicionado – tanto 
 mais que fizera um «estudo» a esse propósito – para «conhecer» o estatuto 
 infraconstitucional do relacionamento institucional entre o Presidente e o 
 Governo da União Indiana.
 
             1.9. Além de que a observância do contraditório é dispensável em 
 
 «caso de manifesta desnecessidade». E, no caso, o Supremo, na avaliação da 
 
 «garantia» prestada, atendera, mais que à «competência» da entidade que a 
 concedera (que, aliás, seria de «presumir», ante os princípios de «boa fé» e de 
 
 «lealdade» que presidem, no direito internacional, ao relacionamento entre os 
 Estados em geral e, de um modo particular, entre os Estados democráticos), à 
 consideração de que «a admissão e a concessão da extradição levam implícito – 
 na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas – o seu 
 condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais 
 garantias», condicionamento que conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente 
 ou a pedido do interessado) – na eventualidade de o Estado requerente vir a 
 incumprir o seu compromisso de definição (nomeadamente, limitando-a a 25 anos) 
 de eventual pena perpétua ou de duração indefinida – o «direito de, 
 oportunamente (e pelos canais diplomáticos ou judiciários), exigir a restituição 
 do extraditado».
 
             1.10. Por outro lado, nem sequer havia que dar conhecimento ao 
 extraditando dos memoranda da União Indiana de fls. 1689/1691 e 1662/1666, pois 
 que produzidos no âmbito de um incidente suscitado pelo relator em 17 de 
 Dezembro de 2004 e por ele «abandonado» logo que se deu conta de que a 
 disposição em que para tanto se estribara – a do artigo 6.º, n.º 2, alínea c), 
 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – pressupunha um pedido de extradição (que 
 não era o sub specie) que visasse a execução de penas – já aplicadas – 
 
 «privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida».
 
             1.11. E se o acórdão ora reclamado os reportou foi simplesmente como 
 forma indirecta de – em benefício, afinal, do extraditando – «vincular» a União 
 Indiana, como que em reforço das garantias já prestadas, aos seus próprios 
 
 «protestos» de reafirmação e estrito cumprimento dessas garantias.
 
             1.12. Acresce que o Supremo, ao assim proceder, não conheceu de 
 qualquer questão de que hão pudesse tomar conhecimento (pois que apenas tratou 
 de questões colocadas nos recursos, ainda que com apelo a normas que, até aí 
 implicitamente invocadas, só nele vieram a ser explicitamente identificadas), 
 
 única situação em que, nessa parte, o acórdão poderia ter incorrido em 
 
 «nulidade» (artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP).”
 
  
 
                         Quanto ao pedido de correcção, reconheceu-se neste 
 acórdão de 3 de Março de 2005:
 
  
 
             “2. Correcção
 
             2.1. Se bem que a sentença deva terminar por um dispositivo que 
 contenha, além do mais, «as disposições legais aplicáveis» (artigo 374.º, n.º 
 
 3, alínea a), do CPP), a «decisão» (artigo 425.º, n.º 3) de um recurso não 
 constitui, propriamente, uma «sentença» nem os artigos 423.º, n.º 5, 424.º, n.º 
 
 2, e 425.º, n.º 4, obrigam, na sua redacção, à observância dos «requisitos da 
 sentença» (artigo 374.º, n.º 2).
 
             2.2. De qualquer modo, será de aproveitar este ensejo para prestar, 
 a propósito das disposições legais aplicadas, dois esclarecimentos:
 
             2.2.1. O primeiro para dar conta de que o acórdão se fundou, ao 
 invocar os «termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição» (item's 11.1, 11.5 e 
 
 11.6), na versão [conferida pela Lei Constitucional n.º 1/2001] da Constituição 
 da República Portuguesa em vigor à data do pedido de extradição e da decisão 
 recorrida («Só é admitida a extradição, por crimes a que corresponda, segundo 
 o direito do Estado requisitante, pena (...) privativa ou restritiva da 
 liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições (...) 
 estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante 
 ofereça garantias de que tal pena (...) não será aplicada ou executada»). E 
 fê-lo justamente por razões de «segurança jurídica» e, por isso, de aplicação 
 ao caso dos parâmetros constitucionais do próprio pedido de extradição. Se bem 
 que a redacção dada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, àquela 
 norma constitucional («Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, 
 segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa 
 ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, 
 nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que 
 Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de 
 segurança não será aplicada ou executada») mais não tenha que «corroborado», 
 autenticamente, a interpretação que o anterior texto, apesar de alguma 
 ambiguidade, já merecia (e que o Supremo, no caso, lhe concedeu).
 
             2.2.2.. E o segundo para, oficiosamente (artigos 425.º, n.º 4, e 
 
 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP), identificar a norma (que, por evidente lapso, 
 não se identificou explicitamente no acórdão) do n.º 3 do artigo 9.º da 
 Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, que 
 
 (a par, entre outras, das dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99, de 31 
 de Agosto) efectivamente aplicou (em detrimento da do n.º 2 do mesmo artigo, que 
 a Relação aplicara) nos item’s 11.2 e seguintes do acórdão, que, por isso, 
 deverão passar a ser lidos assim:
 
  
 
             «11.2. E é com base na Convenção Internacional para a Repressão de 
 Atentados Terroristas à Bomba (Nova Iorque, 12 de Janeiro de 1998), de que são 
 signatários (entre outros) Portugal e a União Indiana, que esta pede àquele a 
 extradição – por crimes puníveis, segundo o seu direito, com pena de prisão 
 perpétua ou de morte (obrigatoriamente convertível em prisão perpétua) – do ora 
 recorrente A.. 
 
             11.3. Porém, esta convenção distingue entre os Estados Partes que 
 condicionam a extradição (artigo 9.º, n.º 2) à existência de um tratado 
 
 (bilateral) de extradição (em que o Estado requerido, ao receber um pedido de 
 extradição formulado por outro Estado Parte com o qual não tenha qualquer 
 tratado de extradição, poderá, se assim o entender, considerar a Convenção como 
 a base jurídica para a extradição relativamente a “atentados terroristas à 
 bomba” e os Estados Partes que não condicionam a extradição (artigo 9.º, n.º 3) 
 
 à existência de um tratado (que reconhecerão tais crimes como passíveis de 
 extradição nas condições previstas pelo direito interno do Estado requerido).
 
             11.4. Ora, Portugal não condiciona a extradição, de um modo geral, â 
 existência de um tratado (bilateral). Com efeito, “as formas de cooperação a que 
 se refere o artigo 1.º [da Lei n.º 144/99]” – nelas se incluindo a “extradição” 
 
 – regem-se pelas normas tanto dos “tratados”, como das “convenções ou acordos 
 internacionais que vinculem o Estado Português”, como ainda, na sua falta (ou 
 insuficiência), “pelas disposições deste diploma” (artigo 3.º, n.º 1).
 
             11.5. É certo que a Constituição [antes da Lei Constitucional n.º 
 
 1/2004], relativamente a crimes “a que correspond[esse], segundo o direito do 
 Estado requisitante, pena (...) privativa ou restritiva da liberdade com 
 carácter perpétuo ou de duração indefinida», só admitia a extradição «em 
 condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional”.
 
             11.6. Mas já não condiciona(va) a extradição à [pré]existência de 
 um específico tratado (bilateral) de extradição, antes se bastando com uma 
 qualquer convenção internacional, que, não constituindo um tratado de 
 extradição (mas visando outros objectivos, como, por exemplo, a repressão de 
 atentados terroristas à bomba), imp[usesse) aos Estados Partes, em condições de 
 reciprocidade, a extradição de nacionais (artigo 33.º, n.º 3) ou de 
 estrangeiros (artigo 33.º, n.º 4).
 
             11.7. Daí que não se aplique ao caso – contra o que o tribunal a 
 quo pressupôs – o n.º 2 [mas, sim, o n.º 3] do artigo 9.º da “Convenção de Nova 
 Iorque, 1998”.
 
             11.8. E daí, pois, que Portugal, não condicionando a extradição à 
 existência de um específico “tratado de extradição” [Convenção, artigo 9.º, n.º 
 
 3], haja – ao assinar essa Convenção – reconhecido como passíveis de 
 extradição, “nas condições previstas pelo [seu] direito interno', os crimes 
 previstos no n.º 2 (“Comete um crime nos termos da presente Convenção quem, de 
 forma ilegal e intencional, distribuir, colocar, descarregar ou fizer detonar um 
 explosivo ou outro instrumento letal dentro ou contra um local público, uma 
 instalação do Estado ou pública, um sistema de transporte público ou uma 
 infra-estrutura: a) com o propósito de causar a morte ou lesões físicas graves; 
 b) ou com o propósito de obter elevados níveis de destruição de tal local, 
 instalação, sistema ou infra-estrutura [...]”).»
 
  
 
                         9. O extraditando interpôs, ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – doravante designada por LTC), 
 recursos para o Tribunal Constitucional, quer do acórdão do STJ, de 27 de 
 Janeiro de 2005, que autorizou a sua extradição para a União Indiana a fim de aí 
 ser julgado pela totalidade dos crimes constantes do pedido formulado pelo 
 Ministério Público, quer do acórdão do STJ, de 3 de Março de 2005, na parte em 
 que indeferiu arguição de nulidade por ele deduzida contra o anterior acórdão.
 
                         De acordo com os respectivos requerimentos de 
 interposição de recurso, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie:
 
                         1) No primeiro recurso, a inconstitucionalidade – por 
 violação dos artigos 33.º, n.ºs 4 [na redacção da Lei Constitucional n.º 1/2001, 
 de 12 de Dezembro] e 6, 111.º, n.º 2, 135.º, alínea b), 161.º, alínea i), e 
 
 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP), – das 
 normas constantes do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção Internacional para a 
 Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova 
 Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, aprovada, para ratificação, pela Resolução da 
 Assembleia da República n.º 40/2001, de 5 de Abril de 2001, e ratificada pelo 
 Decreto do Presidente da República n.º 31/2001, de 25 de Junho (doravante 
 designada por Convenção de Nova Iorque), e do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e 
 b), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional em Matéria Penal (doravante designada por LCJIMP), sendo aquela 
 primeira norma quer “na interpretação (…) segundo a qual (…) obrigaria Portugal 
 
 à extradição por crimes a que é abstractamente aplicável a pena de morte, 
 mesmo que, dado o teor na norma indiana constante dos autos (artigo 34.º-C do 
 Extradiction Act de 1962), não exista uma impossibilidade jurídica de ela vir a 
 ser aplicada”, quer “quando interpretada no sentido (…) de obrigar Portugal a 
 extraditar uma pessoa por factos a que corresponde, abstractamente, a pena de 
 prisão perpétua, mesmo na ausência de um compromisso convencionado entre as 
 Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias de não 
 aplicação ou execução de tal pena”, questões de inconstitucionalidade que 
 teriam sido suscitadas durante o processo e concretamente na resposta à 
 motivação do recurso do Ministério Público, embora reportadas ao n.º 2 do 
 referido artigo 9.º, cujo fim e sentido são em tudo idênticos ao da norma do n.º 
 
 3, sendo a diversidade das hipóteses num e noutro contempladas irrelevantes para 
 o conteúdo cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, e sendo certo 
 que ao longo do processo sempre se discutiu a aplicabilidade da norma do n.º 2, 
 pelo que não lhe era exigível que impugnasse a constitucionalidade de uma norma 
 
 (a do n.º 3) que só veio a ser aplicada, pela primeira vez, no acórdão 
 recorrido; e
 
                         2) No segundo recurso, a inconstitucionalidade – por 
 violação dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5, e 33.º, n.º 4, da CRP – das normas 
 constantes dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da LCJMP, “as quais remetem 
 para os artigos 4.º e 327.º do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação 
 
 (…) segundo a qual tais normas não obrigam ao cumprimento do princípio do 
 contraditório, com tradução expressa no artigo 327.º do CPP e, em sede de 
 recurso, no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por 
 força do artigo 4.º do CPP, por manifesta desnecessidade e por nos encontrarmos 
 no âmbito de matéria que se insere no âmbito de cognição do tribunal 
 recorrido”, questão de inconstitucionalidade que teria sido suscitada no 
 requerimento de arguição de nulidade do primeiro acórdão.
 
                         No Tribunal Constitucional, o relator, nos despachos que 
 determinaram a elaboração de alegações em ambos os recursos, convidou 
 recorrente e recorridos a pronunciarem-se sobre as seguintes questões prévias:
 
                         1) No primeiro recurso: (i) exclusão do objecto do 
 recurso da questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 6.º, n.º 2, 
 alíneas a) e b), da LCJIMP, “por tal questão não ter sido suscitada pelo 
 recorrente, perante o tribunal recorrido, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer, designadamente na resposta à motivação do recurso interposto pelo 
 Ministério Público para o STJ, peça por ele especificadamente indicada como 
 sendo aquela onde teria suscitado as questões de inconstitucionalidade que 
 pretende ver apreciadas”; e (ii) não conhecimento da questão de 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova 
 Iorque “por, durante o processo, e designadamente na mencionada peça 
 processual, o recorrente haver suscitado a questão da inconstitucionalidade da 
 norma do n.º 2 (e não da do n.º 3) desse preceito”; e
 
                         2) No segundo recurso: não conhecimento do seu objecto, 
 
 “quer por a violação da Constituição ser imputada, não a qualquer norma ou 
 interpretação normativa, mas à própria decisão judicial, em si mesma 
 considerada, quer por o acórdão recorrido não ter aplicado, como ratio 
 decidendi, a dimensão normativa cuja conformidade constitucional se pretende 
 ver apreciada”.
 
  
 
                         10. Relativamente ao primeiro recurso, o recorrente 
 apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. O presente recurso deve conhecer da questão da 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Convenção 
 Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba.
 
             2. Como resulta do acórdão final que se pronunciou sobre a arguição 
 de nulidade e correcção do acórdão, em 3 de Março de 2005, a norma aplicada é 
 efectivamente aquela que motiva o presente recurso para o Tribunal 
 Constitucional: a norma contida no artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova 
 Iorque.
 
             3. Durante o processo, concretamente na resposta apresentada ao 
 recurso interposto pelo Ministério Público, o ora recorrente suscitou a 
 inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 9.º da Convenção de 
 Nova Iorque, na interpretação pretendida e que motivou a interposição de 
 recurso pelo Ministério Público.
 
             4. E fê-lo unicamente quanto à norma expressa no artigo 9.º, n.º 2, 
 da referida Convenção, porquanto essa fora a única norma invocada quer no 
 recurso interposto pelo Ministério Público, quer no acórdão da Relação de 
 Lisboa, que deferiu parcialmente o pedido de extradição, negando, porém, a 
 extradição por crimes que implicassem a aplicação de penas de morte e prisão 
 perpétua, precisamente por ausência de conformidade do mencionado artigo 9.º, 
 n.º 2, da Convenção de Nova Iorque com as exigências constitucionais em matéria 
 de extradição.
 
             5. A questão da inconstitucionalidade foi adequadamente suscitada 
 relativamente à norma contida no n.º 2 do artigo 9.º da Convenção de Nova 
 Iorque, o que resulta do texto e claramente do contexto em que a arguiu.
 
             6. O extraditando, na mesma peça processual – resposta ao recurso do 
 Ministério Público – aderiu expressamente à parte da fundamentação do acórdão 
 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, quanto aos crimes puníveis 
 com pena de prisão perpétua, declarou a inconformidade do artigo 9.º, n.º 2, da 
 Convenção com o artigo 33.º, n.ºs 4 e 6, da Constituição.
 
             7. O fim e sentido de ambas as normas (a do artigo 9.º, n.º 2, que 
 foi sendo discutida ao longo do processo e a do artigo 9.º, n.º 3) são em tudo 
 idênticos à norma contida no artigo 9.º, n.º 3, da referida Convenção, aplicada 
 no acórdão recorrido, diferindo apenas as respectivas hipóteses, de forma 
 irrelevante para o conteúdo cuja inconstitucionalidade se pretende ver 
 apreciada.
 
             8. Isto é, ambas as normas visam, na concreta interpretação que lhes 
 foi dada, a concessão da extradição por factos puníveis com pena de prisão 
 perpétua, pelo que os motivos da inconstitucionalidade são os mesmos e valem 
 indistintamente para ambas as hipóteses.
 
             9. As razões que motivaram o extraditando a arguir a 
 inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 2, da Convenção são, portanto, as 
 mesmas, valendo ipsis verbis quanto à inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 
 
 3, da mesma Convenção Internacional, que ora se pretende ver declarada.
 
             10. Pelo que se pode concluir que o recorrente suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade «durante o processo», tendo o recorrente cumprido o ónus 
 da correcta e atempada suscitação da inconstitucionalidade durante o processo.
 
             11. Quando assim não se entenda – o que só por mera hipótese se 
 admite, sem conceder –, então, sempre se terá de concluir que não pôde o 
 extraditando prevenir a questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver 
 declarada, porquanto, tendo impugnado a constitucionalidade da norma cuja 
 aplicabilidade foi sendo discutida ao longo do processo, não lhe era exigível 
 que impugnasse a constitucionalidade de uma norma cuja aplicação nunca havia 
 sido suscitada durante o mesmo, até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
 
             12. O presente recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade deve abranger (também) e a título complementar a 
 interpretação que, no acórdão recorrido, é consagrada a propósito do artigo 
 
 6.º, n.º 2, alíneas b) e c), da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em 
 Matéria Penal.
 
             13. A aceitação da fiscalização da interpretação de tais normas – 
 artigos 6.º, n.º 2, alíneas a) e b) – resulta, assim, de forma indirecta, na 
 medida em que tais normativos, é hoje unânime, estão de acordo com as imposições 
 constitucionais em matéria de extradição, as quais ocupam a primazia ou o topo 
 da pirâmide em matéria de hierarquia na apreciação de um pedido de extradição.
 
             14. Assim, porque em primeiro plano se situa a violação imediata do 
 artigo 33.º, n.ºs 4 e 6, da Constituição da República Portuguesa, só 
 mediatamente, pela remissão do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque 
 para o direito interno português, resulta a violação do artigo 6.º, n.º 2, 
 alíneas a) e b), da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria 
 Penal, no âmbito de conhecimento do recurso devem também ser incluídas as normas 
 constantes do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), do diploma por último citado.
 
             15. O presente recurso tem como finalidade aferir da compatibilidade 
 da norma contida no n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, na 
 interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu 
 acórdão de 27 de Janeiro de 2005, corrigido por acórdão de 3 de Março do mesmo 
 ano, como ratio da decisão de autorizar a extradição do recorrente para a União 
 Indiana por crimes abstractamente puníveis com pena de morte ou pena de prisão 
 perpétua.
 
             16. Visa-se assim aferir da compatibilidade da norma do artigo 9.º, 
 n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, com o disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 33.º 
 da Constituição.
 
             17. Contrariamente ao que se sustenta no acórdão recorrido a 
 aplicação de pena de morte não conforma uma «verdadeira impossibilidade jurídica 
 
 à luz do sistema legal do Estado requerente, como vem sendo exigido pela 
 jurisprudência constitucional» (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 417/95).
 
             18. Do teor do artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962 não se pode 
 concluir que há uma conversão automática, ope legis, da pena de morte em pena 
 de prisão perpétua, pois a própria norma impõe uma condição: não existir outra 
 norma em vigor, desconhecendo-se se existe outra norma ou algum 
 condicionalismo ou obstáculo à mencionada conversão.
 
             19. É com base na Convenção de Nova Iorque que a União Indiana 
 reclama o extraditando para aí ser julgado por crimes a que é aplicável pena de 
 prisão perpétua, directamente ou por via de conversão de penas de morte, nos 
 termos do artigo 34.º-C do Extradition Act de 1962 (cf. ponto 11.2 do acórdão 
 recorrido).
 
             20. Considerando o texto de tal norma, seria fundamental que na 
 matéria de facto dada como provada ficasse a constar que inexistissem outras 
 leis aplicáveis aos factos onde se derrogasse aquela comutação, tendo-se 
 limitado, quer o Tribunal da Relação da Lisboa, quer o tribunal recorrido a 
 consignar que a referida norma do artigo 34.º-C da Lei de Extradição de 1962 se 
 encontra em vigor na União Indiana.
 
             21. O tribunal recorrido, ao analisar os argumentos trazidos pelo 
 extraditando (desde o início, já aquando da dedução da oposição), quanto à 
 questão da susceptibilidade de aplicação da pena de morte, incorre no erro de 
 considerar que, sobrevindo norma àquela constante no artigo 34.º-C da Lei de 
 Extradição indiana que derrogue a hipótese de comutação, esta terá 
 obrigatoriamente conteúdo mais favorável, para, assim, lançar mão do princípio 
 universal de direito penal da «não retroactividade da lei penal da lei de 
 conteúdo mais desfavorável».
 
             22. Considerando que os crimes mais antigos por que é reclamado o 
 extraditando remontam ao ano de 1991, quid iuris, se entre 1962 e as datas a 
 que se reportam os vários crimes constantes do pedido de extradição (pelo 
 menos, 29 anos), tiver entrado qualquer norma em vigor que derrogue aquela 
 hipótese automática de comutação?!
 
             23. Será esta, manifestamente, a lei aplicável, por ser a lei em 
 vigor à data da prática do facto, donde resulta nem ser compaginável qualquer 
 aplicação de princípio de não aplicação retroactiva de lei de conteúdo mais 
 desfavorável.
 
             24. Assim, a norma do dito n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de Nova 
 Iorque, quando interpretada no sentido de que Portugal se encontra obrigado a 
 conceder a extradição de pessoas por factos a que cabe, abstractamente, a pena 
 de morte, dada a garantia de não aplicação dessa pena contida no artigo 34.º-C 
 do Extradition Act (1962) indiano, não é compatível com o artigo 33.º, n.º 6, da 
 CRP e deve, nessa medida, ser considerada inconstitucional.
 
             25. Independentemente do que supra se analisou quanto à 
 inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção – na interpretação 
 que lhe é dada no acórdão recorrido –, por incompatibilidade com o artigo 33.º, 
 n.º 6, da Constituição, cumpre analisar autonomamente, a possibilidade de 
 extradição por onze crimes (6 crimes a que se aplica directamente, mais 5, por 
 via de conversão de pena de morte) em que é aplicável pena de prisão perpétua.
 
             26. E, assim, da compatibilidade da interpretação que quanto ao 
 mesmo artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque é feita no acórdão 
 recorrido, com as implicações constitucionais em matéria de extradição por 
 crimes que impliquem a aplicação de penas de prisão perpétua, nos termos do 
 artigo 33.º, n.º 4, da Lei Fundamental.
 
             27. Considera o extraditando que a Lei Constitucional aplicável aos 
 presentes autos é a redacção do artigo 33.º, n.º 4, na versão da Lei 
 Constitucional n.º 1/2001, e não a sua versão actual, introduzida pela Lei 
 Constitucional n.º 1/2004.
 
             28. É o que se impõe, designadamente, pelo facto de ser a lei 
 aplicável aquando da apresentação do pedido de extradição pela União Indiana, 
 por ter sido a Lei aplicada pelo acórdão recorrido (tal como resulta do acórdão 
 final corrigido, proferido no dia 3 de Março), em nome dos princípios da 
 segurança e da confiança jurídicas, da «unidade da Constituição», bem como por 
 ser a lei de conteúdo mais favorável aos interesses do extraditando.
 
             29. A norma efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, 
 no segmento do acórdão recorrido (pontos 11.1 a 11.10) em que trata a matéria 
 ora em análise, é a contida no artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, 
 tal como resulta do acórdão final proferido a 3 de Março de 2005.
 
             30. De tal norma resulta que Portugal é incluído no grupo de países 
 que não condiciona a extradição, de um modo geral, à existência de um tratado 
 
 (bilateral), donde resulta uma obrigação para Portugal de considerar como 
 crimes passíveis de extradição aqueles que vêm elencados no artigo 2.º da 
 Convenção de Nova Iorque.
 
             31. Há, assim, que cotejar o conteúdo dessa norma com as normas 
 internas que regulam a extradição, tanto constitucionais (artigo 33.º, n.º 4), 
 como as que resultam da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria 
 Penal (artigos 6.º, n.º 2, alíneas a) e b)).
 
             32. Sabendo que a Convenção de Nova Iorque nem se trata de 
 convenção cujo fim principal seja a extradição, nada na referida Convenção deve 
 ser interpretado, sem mais, como obrigação de extraditar, havendo sempre que 
 aferir «... das condições previstas pelo direito interno do Estado requerido», 
 isto é, da sua compatibilidade com o disposto no artigo 33.º, n.º 4, da CRP.
 
             33. O acórdão recorrido, ao sufragar o entendimento de que em 
 matéria de extradição por crimes a que seja aplicável pena de prisão perpétua, o 
 Estado português se basta com uma mera convenção, precludiu a imposição 
 constitucional expressa no segmento «condições de reciprocidade estabelecidas 
 em convenção internacional».
 
             34. A doutrina mais autorizada vem reconhecendo que esta exigência, 
 em Estados como o Português, em que não existe pena de prisão perpétua, se 
 concretiza e «se reflecte sobre as garantias consideradas suficientes, uma vez 
 que estas terão que ser vinculativas por força de uma convenção ou acordo 
 internacional».
 
             35. Não basta, portanto, haver reciprocidade, a qual, aliás, não 
 precisa de estar consubstanciada sob a forma de tratado ou convenção 
 internacional (conforme resulta do artigo 4.º da Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional), mas sim, quanto a esta «especial reciprocidade», que a mesma 
 esteja corporizada sob a específica forma de «convenção internacional».
 
             36. Uma coisa é a mera existência de convenção; outra, bem diferente 
 e com consequências bem mais vastas, é a mesma Convenção servir de base 
 convencional por crimes que impliquem a aplicação de pena de prisão perpétua.
 
             37. No presente caso, há convenção constitucionalmente válida, 
 todavia, quanto à questão da aplicação da pena de prisão perpétua, não há 
 condições de reciprocidade definidas em Convenção Internacional.
 
             38. Do âmbito de aplicação da Convenção, não se pode concluir que 
 aprovação e posterior ratificação se tenham também estendido a crimes que 
 impliquem aplicação de pena de prisão perpétua.
 
             39. Pelo que, necessariamente, para que, nesta matéria, a Convenção 
 fosse constitucionalmente válida teria de haver intervenção da Assembleia da 
 República ou do Presidente da República, ou quando muito teria de haver 
 autorização legislativa ao Governo, visto estarmos no âmbito dos direitos 
 fundamentais (artigos 135.º, alínea b), 161.º, alínea i), e 165.º, n.º 1, 
 alíneas b) e c), da Lei Fundamental).
 
             40. Uma vez que as convenções internacionais devem ser aprovadas 
 pela Assembleia da República e ratificadas pelo Presidente da República, são 
 esses os órgãos legitimados para legislar em matéria penal e, assim, para 
 decidir os casos e em que casos em que o Estado português aceita extraditar por 
 crimes a que seja aplicável a pena de prisão perpétua.
 
             41. Não basta uma qualquer convenção internacional, mas sim uma 
 Convenção internacional onde especificamente se estabeleçam garantias de que 
 tal pena não poderá ser aplicada ou executada: «condições de reciprocidade 
 estabelecidas em Convenção Internacional».
 
             42. Assim, a norma contida no n.º 3 do artigo 9.º da Convenção de 
 Nova Iorque, quando interpretada no sentido, que lhe deu o acórdão recorrido, 
 de obrigar Portugal a extraditar uma pessoa por factos a que corresponde, 
 abstractamente, a pena de prisão perpétua, mesmo na ausência de um 
 compromisso convencionado entre as Partes de proceder a tal extradição 
 mediante a prestação de garantias de não aplicação ou execução de tal pena, é 
 inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 33.º da Constituição, na 
 redacção que lhe deu a Lei Constitucional n.º 1/2001.
 
             43. A interpretação acolhida no acórdão recorrido dos mencionados 
 normativos: artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque e artigo 6.º, n.º 2, 
 alíneas a) e b), da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal 
 violou, portanto, o disposto no artigo 33.º, n.ºs 4 e 6, e nos artigos 111.º, 
 n.º 2, 135.º, alínea b), 161.º, alínea i), e 165.º, n.º 1, alíneas b) e c), 
 todos da Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 
                         11. Relativamente a este primeiro recurso, o 
 representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou 
 contra-alegações, concluindo:
 
  
 
             “1.° – Está excluída a possibilidade do conhecimento do recurso 
 relativamente à norma do artigo 6.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Lei n.° 144/99, 
 de 31 de Agosto, uma vez que a questão da inconstitucionalidade não foi 
 suscitada de modo processualmente adequado.
 
             2.° – De igual forma não se pode tomar conhecimento do recurso 
 quanto à norma do n.° 3 do artigo 9.° da Convenção Internacional, por falta do 
 preenchimento do requisito da sua invocação adequada, sendo certo que não 
 integra o conceito da decisão surpresa o facto do Supremo Tribunal de Justiça a 
 ter efectivamente aplicado.
 
             3.° – Para a hipótese remota do Tribunal Constitucional entender 
 tomar conhecimento do recurso é manifesto que nenhuma norma ou princípio 
 constitucional foi violado, quer tomando como parâmetro a redacção das normas 
 dos n.ºs 4 e 6 do artigo 33.° da Constituição, de acordo com a revisão de 2001, 
 quer tendo em consideração a que lhe foi introduzida pela revisão de 2004, em 
 vigor à data da decisão recorrida, que aplicou as normas cuja conformação 
 constitucional foi suscitada.
 
             4.° – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
                         12. Ainda relativamente ao primeiro recurso, a União 
 Indiana apresentou contra-alegações (fls. 2029 a 2076), no termo das quais 
 formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1.ª O presente recurso de constitucionalidade interposto pelo 
 extraditando contra o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 27 de 
 Janeiro de 2005 não cumpre os necessários pressupostos processuais de 
 admissibilidade contidos no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da 
 República Portuguesa e artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pelo que o Tribunal Constitucional não deve dele tomar 
 conhecimento.
 
             2.ª Com efeito, no que concerne à a1egada inconstitucionalidade das 
 normas contidas no artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 144/99, de 31 
 de Agosto, não se vislumbra qualquer referência a essa questão, directa ou 
 indirecta, na resposta apresentada ao recurso do Ministério Público para o STJ, 
 ou em qualquer outra peça processual anterior ao acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de modo que o extraditando não observou o ónus de suscitação atempada 
 e adequada da questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada pelo 
 Tribunal Constitucional (cfr. Ponto I., (i) das Alegações, págs. 5 e 6).
 
             3.ª Quanto à pretensa inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da 
 Convenção de Nova Iorque, na parte relativa aos crimes puníveis, teoricamente e 
 em abstracto, com a pena de morte (ponto 5. do requerimento de interposição de 
 recurso), o presente recurso não deve ser conhecido, em primeiro lugar, porque 
 percorrendo a reposta do extraditando ao recurso do MP para o Supremo, não se 
 vê, uma vez mais, qualquer alusão a uma eventual inconstitucionalidade desta 
 norma (ou de qualquer outra, nomeadamente a do artigo 9.º, n.º 2, da mesma 
 Convenção) na parte relativa à conversão ope legis operada pelo artigo 34.º-C da 
 Lei de Extradição Indiana.
 
             4.ª Nessa peça processual, o extraditando limita-se a contestar que 
 o artigo 34.º-C da Lei de Extradição Indiana seja apto a preencher o conceito 
 de impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte – conceito pressuposto 
 na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa –, o que é coisa bem diferente de 
 observar o ónus de suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade.
 
             5.ª Por outro lado, e em segundo lugar, resulta claro do acórdão 
 recorrido que o artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque não foi aplicado 
 na dimensão normativa cuja conformidade constitucional o extraditando pretende 
 ver apreciada, pois o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, como já havia 
 decidido, nesta parte, o Tribunal da Relação de Lisboa, que o artigo 34.º-C da 
 Lei de Extradição Indiana implica uma verdadeira e própria impossibilidade 
 jurídica de aplicação da pena de morte e, por isso e nessa medida, autorizou a 
 extradição também por estes crimes.
 
             6.ª Deste modo, não é verdade que o acórdão por ora posto em crise 
 tenha interpretado o artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque no sentido 
 de obrigar Portugal à extradição por crimes a que é abstractamente aplicável a 
 pena de morte «mesmo que não exista uma impossibilidade jurídica de ela vir a 
 ser aplicada», o que, aliás, revela bem que o que o extraditando pretende é 
 discutir a interpretação feita pelo Supremo do aludido artigo 34.º-C da Lei de 
 Extradição Indiana, isto é, fiscalizar a constitucionalidade da própria decisão 
 judicial (cfr. Ponto I., (ii), a) das Alegações, págs. 7 a 13).
 
             7.ª Quanto à parte do recurso relativa à pretendida 
 inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque, 
 interpretado no sentido de permitir a extradição por crimes puníveis, em 
 abstracto, com pena de prisão perpétua, «... mesmo na ausência de um compromisso 
 convencionado entre as Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação 
 de garantias...», cabe frisar que esta concreta questão de constitucionalidade 
 não foi colocada pelo extraditando, nesta dimensão normativa, antes do Acórdão 
 do STJ.
 
             8.ª  Por um lado, o artigo 9.º, n.º 2, da Convenção de Nova Iorque 
 não é idêntico ao n.º 3 do mesmo artigo e a questão de inconstitucionalidade não 
 se coloca nos mesmos termos em relação às duas normas: o n.º 2 prevê uma 
 faculdade que carece de ser exercida pelos Estados-Contratantes, o que foi 
 decisivo na decisão do Tribunal da Relação a que o extraditando diz ter 
 aderido, pois este Tribunal entendeu que a inconstitucionalidade radicaria no 
 exercício dessa faculdade incumbir ao Governo e não à Assembleia da República.
 
             9.ª  No n.º 3, pelo contrário, está em causa uma obrigação que 
 decorre directamente da Convenção, isto é, da aprovação e ratificação pela 
 Assembleia da República e Governo, de modo que já não se coloca a questão de 
 constitucionalidade acerca do órgão competente para exercer o direito contido 
 no n.º 2.
 
             10.ª Isto é, a dimensão normativa do artigo 9.º, n.º 2, que o 
 extraditando diz ter reputado inconstitucional na resposta ao recurso do 
 Ministério Público nada tem que ver com a dimensão normativa efectivamente 
 aplicada pelo STJ ao abrigo do artigo 9.º, n.º 3, e (agora) arguida de 
 inconstitucional.
 
             11.ª Finalmente, não se pode considerar que a dimensão efectivamente 
 aplicada pelo STJ fosse «de todo em todo» inesperada, de tal modo que não lhe 
 fosse exigível suscitar a sua inconstitucionalidade antecipadamente, tendo em 
 conta o carácter controvertido desta questão, a proximidade entre o artigo 9.º, 
 n.º 2 e o n.º 3, e o modo como o pedido de extradição foi originariamente 
 configurado e subsequentemente promovido pelo Ministério Público junto do 
 Tribunal da Relação.
 
             12.ª Por outro lado, a concreta inconstitucionalidade que o 
 extraditando agora imputa ao artigo 9.º, n.º 3, poderia – e deveria, para 
 permitir o recurso para o TC – ter sido suscitada, nos seus exactos termos, em 
 relação ao n.º 2, a norma que este julgava ser aplicável, e não o foi (cfr. 
 Ponto I., (ii), b) das Alegações, págs. 13 a 19).
 
             13.ª  Sem prescindir, caso Vossas Excelências entendam tomar 
 conhecimento do objecto do recurso, deve o mesmo ser julgado improcedente e 
 confirmada a decisão recorrida, pois o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou 
 qualquer norma inconstitucional.
 
             14.ª Na parte do recurso relativa aos crimes puníveis, teoricamente 
 e em abstracto, com pena de morte, cabe salientar que, como já foi reconhecido 
 nos autos, por força das disposições conjugadas do artigo 34.º-C da Lei de 
 Extradição Indiana e artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa, não 
 se pode sequer dizer que algum dos crimes pelos quais se requer a extradição 
 seja punível com pena de morte, sendo esta pena juridicamente inaplicável, 
 porque substituída pela pena de prisão perpétua.
 
             15.ª Nem sequer se está perante uma garantia prestada pela União 
 Indiana, pois o artigo 34.º-C da Lei de Extradição faz parte do corpo normativo 
 a que os tribunais indianos estão rigorosamente adstritos; dá que, 
 rigorosamente, segundo o direito do Estado requisitante, entendido este na sua 
 globalidade e integralidade (i. e., incluindo o artigo 34.º-C da Lei de 
 Extradição), a pena de morte não é aplicável a qualquer dos crimes incluídos no 
 pedido de extradição dos autos.
 
             16.ª O significado do segmento inicial do artigo 34.º-C «Sem 
 prejuízo do conteúdo de qualquer outra lei à data em vigor» («Notwithstanding 
 anything contained in any other law...», na versão inglesa), é o de fazer 
 prevalecer esta norma sobre as demais, não admitindo qualquer derrogação em 
 contrário, e não, como pretende o extraditando, abrir a hipótese de existirem 
 normas que excepcionem o que aí está estatuído.
 
             17.ª O extraditando, porventura baseando-se numa dificuldade ou 
 imprecisão de tradução, parece ignorar que o artigo 34.º-C visa precisamente 
 salvaguardar a possibilidade de obter a extradição de Estados que, como 
 Portugal, a recusam quando os crimes em causa são puníveis com pena de morte e 
 que essa finalidade ficaria irremediavelmente posta em causa na insólita 
 interpretação aventada nas alegações.
 
             18.ª Finalmente, o extraditando parece também ignorar que o artigo 
 
 34.º-C da Lei de Extradição foi, como desde sempre se encontra demonstrado nos 
 autos, introduzido apenas em 1993, por força do «Amendment Act de 1993», não 
 estando em vigor, como erroneamente é afirmado, desde 1962 (cfr. Ponto II. (i) 
 das Alegações, págs. 22 a 29).
 
             19.ª Quanto à  última   questão constante do recurso, desde a 
 Revisão Constitucional de 1997 que, em matéria de extradição, a tutela 
 constitucional do valor da liberdade passou a ser um pouco mais ténue do que a 
 tutela do valor da vida, tendo o legislador constituinte criado um direito 
 constitucional mais permissivo para a extradição por crimes a que seja aplicável 
 pena de carácter perpétuo, mediante reciprocidade e garantias.
 
             20.ª O requisito constitucional «reciprocidade constante em 
 convenção internacional» deve ser entendido não quanto à prestação de garantias 
 relativas à não aplicação da pena de prisão perpétua, mas quanto ao próprio 
 dever de extraditar, exigindo-se, deste modo, que Portugal e o Estado Requerente 
 em causa sejam partes numa Convenção Internacional que reciprocamente imponha o 
 dever de extraditar pelos mesmos crimes.
 
             21.ª Esta interpretação do artigo 33.º, n.º 5, veio a ser confirmada 
 pela Revisão Constitucional de 2004, que, nesta parte, não inovou, limitando-se, 
 como acertadamente decidiu o STJ, a esclarecer as justificadas dúvidas e 
 ambiguidades que a anterior redacção suscitava, não tendo criado direito 
 constitucional novo «mais permissivo», como resulta claramente dos trabalhos 
 preparatórios.
 
             22.ª Sendo este o correcto sentido da norma constitucional, antes e 
 depois da Lei Constitucional n.º 1/2004, torna-se claro que o Supremo Tribunal 
 de Justiça não aplicou uma dimensão normativa do artigo 9.º, n.º 3, da 
 Convenção de Nova Iorque inconstitucional.
 
             23.ª O Estado Português ficou juridicamente vinculado ao conteúdo 
 normativo desta Convenção Internacional, nomeadamente ao artigo 9.º, n.º 3, 
 quando concluiu os mecanismos internos de adesão, sendo certo que essa 
 vinculação se deu, do ponto de vista jurídico-internacional, através da 
 Resolução da Assembleia da República n.º 40/2001 (artigo 161.º, alínea i), da 
 CRP) e posterior ratificação pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2001 
 
 (artigo 135.º, alínea b), da CRP).
 
             24.ª Deste modo, quanto aos crimes previstos no artigo 2.º da 
 Convenção de Nova Iorque, se puníveis com prisão perpétua, verifica-se, por 
 força dessa Convenção, em relação a todos os Estados-Parte, o requisito 
 
 «reciprocidade estabelecida em convenção internacional» ou, por outras 
 palavras, e mais propriamente, «o Estado requisitante [é] parte de convenção 
 internacional a que Portugal esteja vinculado» (cfr. Ponto II., (ii) das 
 Alegações, págs. 29 a 41).
 
             25.ª Assim, e concluindo, tendo em conta que o artigo 33.º, n.º 4, 
 da anterior redacção da CRP, se correctamente interpretado, não exige, como 
 pretende o extraditando, que a possibilidade de oferecer garantias de não 
 aplicação da pena de prisão perpétua esteja especificadamente prevista em 
 convenção internacional, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou uma dimensão 
 normativa do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque inconstitucional ao 
 autorizar a extradição por crimes puníveis com pena de prisão perpétua mediante 
 a prestação de garantias relativas à sua não aplicação que foram consideradas 
 válidas e suficientes.”
 
  
 
                         13. Relativamente ao segundo recurso, o recorrente 
 apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. O recorrente, notificado do acórdão final proferido pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, sob o título de «Garantias», foi confrontado com normas e 
 institutos jurídicos nunca antes invocados pela União Indiana e que não 
 instruíram o pedido de extradição e que, nessa medida, não fundamentaram nem o 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, nem sequer o recurso interposto pelo 
 Ministério Público.
 
             2. Sendo tal acórdão final insusceptível de recurso, o recorrente 
 tentou alertar o tribunal a quo, pela via da arguição de nulidade, que uma tal 
 preclusão do direito do contraditório, como a verificada, sempre feriria tal 
 segmento decisório do acórdão de inconstitucionalidade, dando assim ao 
 tribunal a quo «oportunidade» de suprir a omissão do contraditório, fundamento 
 que motivou o recorrente a suscitar a questão da inconstitucionalidade (no mesmo 
 sentido, veja-se Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 93/99 – Proc. n.º 
 
 676/98, da 2.ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
             3. Na tentativa, assim, de prevenir uma interpretação 
 inconstitucional de normas, o recorrente identificou as normas e a respectiva 
 interpretação, concretamente dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de 
 Cooperação Internacional em Matéria Penal, em conjugação com os artigos 3.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Civil, operada a remissão através do artigo 4.º do 
 Código de Processo Penal, para justificar o imperativo de cumprimento do 
 princípio do contraditório.
 
             4. Em resposta a tal requerimento, por acórdão final proferido no 
 dia 3 de Março de 2005, o tribunal a quo veio responder de forma em que se pode 
 concluir claramente que considera expressamente aplicável no âmbito de 
 processos de extradição o princípio do contraditório, por força do artigo 3.º, 
 n.º 3, do CPC (cf. ponto 1.7. do acórdão final), princípio esse naturalmente 
 aplicável em resultado da conjugação das normas constantes dos artigos 4.º do 
 CPP e 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional 
 em Matéria Penal.
 
             5. Todavia, o mesmo acórdão consagra o entendimento de que não 
 estava obrigado a cumprir tal princípio, integrando tais questões em matéria do 
 seu conhecimento oficioso e por manifesta desnecessidade, sob pretexto de que as 
 partes já se teriam pronunciado abundantemente sobre tal questão (garantias de 
 que a pena de prisão perpétua ou pena de morte não poderiam ser aplicáveis).
 
             6. O recorrente suscita, portanto, uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, resultante de uma concreta interpretação do 
 artigo 3.º, n.º 3, do CPC, em resultado da remissão dos artigos 3.º, n.º 2, e 
 
 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação e do artigo 4.º do CPP, ao considerar-se que o 
 tribunal não estava obrigado a cumprir o contraditório, por manifesta 
 desnecessidade, quando se trata de matéria de garantias em processo de 
 extradição.
 
             7. Ao suscitar a questão de inconstitucionalidade nos termos 
 delimitados pelo requerimento de interposição de recurso, resulta, pois, 
 claramente que em causa está uma concreta interpretação de normas ou conjunto de 
 normas efectivamente aplicadas no acórdão recorrido e não, directamente, a 
 própria decisão judicial, sendo precisamente a dimensão normativa ou ratio 
 decidendi aplicada no acórdão recorrido cuja conformidade constitucional 
 pretende ver apreciada.
 
             8. O presente recurso visa a fiscalização concreta das normas 
 contidas nos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional quando interpretadas no sentido de exonerarem o tribunal 
 recorrido de cumprir o contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, 
 por remissão do artigo 4.º do CPP, por manifesta desnecessidade.
 
             9. Quando se trata de matéria relativa às garantias prestadas pela 
 União Indiana, no âmbito de um processo de extradição, com referência a normas 
 nunca antes invocadas, o que viola o direito e as garantias de defesa do 
 extraditando, bem como o condicionalismo exigido pela Lei Fundamental quanto à 
 extradição por crimes que impliquem a pena de prisão perpétua «garantias de que 
 tal pena não será aplicada ou executada», sendo por isso inconstitucional, por 
 violação dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5, e 33.º, n.º 4, da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
             10. O Tribunal Constitucional tem admitido a extensão ao processo de 
 extradição e ao extraditando das garantias constitucionais relativas ao 
 processo criminal e ao arguido (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 2 de 
 Outubro de 1987).
 
             11. Para bem se perceber a importância e necessidade do cumprimento 
 do princípio do contraditório, tratando-se de invocação de novas normas ou leis 
 no âmbito de um pedido de extradição, vejam-se a título de exemplo os artigos 
 
 6.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), e 3, e 23.º, n.º 1, alínea f), todos da Lei de 
 Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.
 
             12. Não se pode concluir que é inócuo surgirem novas normas e que as 
 mesmas não carecem de ser notificadas ao extraditando, sob pena de se verem 
 gorados princípios fundamentais com tutela constitucional, como o princípio de 
 defesa do extraditando e o princípio da igualdade.
 
             13. Para aferir da validade das garantias prestadas há que 
 necessariamente convocar e analisar precisamente as normas do Estado 
 requerente, no caso da União Indiana, no sentido de verificar «nos termos da 
 legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação 
 da pena ... a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida 
 análoga, previstos na legislação do Estado Requerente».
 
             14. Notificado do acórdão recorrido, constatou o recorrente que, no 
 ponto 12., sob o título «Garantias», o mesmo consagrou a propósito matéria nova, 
 não trazida ao seu conhecimento, não obstante ter sido especificamente impugnada 
 pelo extraditando em sede de recurso.
 
             15. O acórdão recorrido supre o problema da eventual insuficiência 
 da garantia, remetendo, em nota de rodapé, para os «Memorandos» de fls. 1689 a 
 
 1691 e de fls. 1662 a 1666, os quais alegadamente remetem para normas e 
 institutos da Lei Indiana que nunca foram invocados em momento anterior (nem 
 no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nem no recurso 
 interposto pelo Ministério Público que dedica um capítulo à validade da 
 garantia), que não constam do processo e, sobretudo, não foram dados a conhecer 
 ao extraditando para sobre os «mesmos» se pronunciar.
 
             16. A factualidade referente à garantia é fundamental para a defesa 
 do extraditando, na medida em que no pedido de extradição constam inúmeros 
 crimes em que é aplicável, em abstracto, pena de prisão perpétua (directamente, 
 ou por via da conversão das penas de morte por força do artigo 34.º-C do 
 Extradiction Act, de 1962), o que implica a verificação da sua conformidade 
 com as exigências constitucionais, tendo refracções directas no âmbito de 
 aceitação do presente pedido de extradição.
 
             17. O acórdão recorrido não poderia ter tomado em consideração tais 
 factos novos ou adicionais sem antes ter dado conhecimento ao extraditando do 
 seu teor para que, quanto aos mesmos, se pudesse pronunciar, sobretudo estando 
 em causa matéria «tão cara» e fundamental para a apreciação do seu pedido de 
 extradição.
 
             18. O tribunal a quo, antes da prolação da decisão final, estava, 
 assim, obrigado a dar cumprimento ao princípio do contraditório, procedendo à 
 notificação ao extraditando de fls. 1620, 1662 a 1666 e de 1689 a 1691, para 
 que sobre os teor dos mesmos se pudesse posicionar, dizendo o que se lhe 
 afigurasse necessário (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 6 de Maio de 
 
 1993, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 427, pág. 57).
 
             19. Quaisquer factos novos ou elementos adicionais que surjam em 
 fase de recurso hão-de, e por maioria de razão, forçosamente ser submetidos ao 
 princípio do contraditório, por força do princípio geral do contraditório 
 previsto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao 
 processo penal por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, 
 igualmente aplicável aos processo de extradição por força dos artigos 3.º, n.º 
 
 2, e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99.
 
             20. No caso em apreço, o não cumprimento do princípio do 
 contraditório, apesar das melhores intenções do tribunal a quo expressas no 
 acórdão que incidiu sobre a «reclamação» de 3 de Março de 2005 (cf. ponto 1.11), 
 tem efeitos verdadeiramente perversos e graves.
 
             21. É que, dispondo directamente a Lei Fundamental que só será 
 admissível a extradição por crimes que impliquem pena de prisão perpétua se 
 
 «... o Estado requisitante oferecer garantias de que tal pena ou medida de 
 segurança não será aplicada ou executada», no caso em apreço, forçoso será 
 concluir que essas garantias não foram oferecidas pelo Estado requerente, a 
 União Indiana, mas sim por mero requerimento dos seus mandatários, no âmbito 
 dos poderes limitados de intervenção que lhes são conferidos neste processo (cf. 
 artigo 47.º, n.º 4, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional).
 
             22. Porquanto a nova lei apenas citada no acórdão recorrido, 
 Allocation of Business Rules Act, de 1961, não consta sequer do processo.
 
             23. Por outro lado, o suposto «reforço» de garantias colhido pelo 
 tribunal a quo vai de encontro a todos os obstáculos desde o início suscitados 
 pelo extraditando, concretamente, quando alega que o «Vice Primeiro-Ministro» 
 não tem (nunca teve) competência para prestar uma garantia (como a que consta 
 dos autos) de que «ao extraditando não será aplicada pena de prisão superior a 
 
 25 anos», por essa garantia não ser válida e vinculativa para o Estado 
 requerente e, por maioria de razão, para o Estado português.
 
             24. Porquanto, pela primeira vez, no acórdão recorrido se faz 
 constar que «... o então, vice primeiro-ministro, B., à data titular da pasta 
 dos Assuntos Internos (?!) era, nos termos constitucionais e legais indianos, a 
 entidade competente para prestar a garantia de que não seria aplicada ao 
 extraditando A. pena de prisão superior a 25 anos».
 
             25. Sabendo que a garantia soberana solene de 17 de Dezembro de 2002 
 
 é indubitavelmente subscrita por B., na qualidade de Vice-Primeiro-Ministro 
 
 (cf. fls. 6 e 7 dos autos de extradição) e não na qualidade de Ministro dos 
 Assuntos Internos.
 
             26. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, ao proferir o 
 acórdão recorrido, sem antes ter dado conhecimento ao extraditando de elementos 
 novos resultantes das peças processuais já mencionadas de fls. 1662 a 1666 e 
 
 1689 a 1691, com referência à garantia soberana solene, a uma lei nunca antes 
 invocada e não constante sequer dos autos, bem como a um artigo da Constituição 
 Indiana nunca antes invocado e que nem tem correspondência com os actos 
 efectuados pelo Governo da União Indiana nos presentes autos, preteriu o 
 principio do contraditório, princípio esse com tutela constitucional, 
 decorrência do princípio do Estado de Direito democrático, que lhe impunha 
 cumprir nos termos dos 2.º, 32.º, n.º 1, e 33.º, n.º 4, da Lei Fundamental.
 
             27. A interpretação acolhida no acórdão recorrido dos mencionados 
 normativos: artigo 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária 
 Internacional em Matéria Penal, 4.º do CPP e 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável aos 
 processos de extradição por força dos normativos anteriores, ao ter decidido que 
 não era obrigatório dar cumprimento ao princípio do contraditório que emana do 
 artigo 3.º, n.º 3, do CPC é inconstitucional, porquanto viola o disposto nos 
 artigos 2.º, 32.º, n.º 1, e 33.º, n.º 4, todos da Constituição da República 
 Portuguesa.”
 
             
 
                         14. Relativamente a este segundo recurso, o 
 representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional apresentou 
 contra-alegações, concluindo:
 
  
 
             “1. Não tendo as normas, cuja inconstitucionalidade se suscita, sido 
 aplicadas na dimensão normativa invocada, como ratio decidendi pelo acórdão 
 recorrido, questionando-se no fundo a própria decisão em si, num recurso que só 
 pode versar sobre conformação normativa à Lei Fundamental, não deverá 
 conhecer-se do seu objecto.
 
             2. Termos em que nunca o presente recurso poderia proceder.”
 
  
 
                         15. Também a União Indiana apresentou contra-alegação 
 relativamente ao segundo recurso, concluindo do seguinte modo:
 
  
 
             “1.ª O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das 
 normas contidas nos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 
 de Agosto, quando interpretadas no sentido de exonerarem o tribunal recorrido de 
 cumprir o princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código 
 de Processo Civil (CPC), por remissão do artigo 4.º do Código de Processo Penal 
 
 (CPP), por manifesta desnecessidade.
 
             2.ª Não está preenchido o pressuposto processual que exige a 
 aplicação pelo Tribunal recorrido da norma cuja inconstitucionalidade se 
 pretende ver apreciada, como ratio decidendi ou fundamento normativo da decisão 
 judicial reflexamente posta em crise.
 
             3.ª Sendo que o que o recorrente pretende ver apreciado não é a 
 interpretação de qualquer norma mas sim a decisão judicial do tribunal a quo, 
 a apreciação e valoração do STJ relativamente ao princípio do contraditório, ou 
 seja, a própria decisão recorrida.
 
             4.ª O Tribunal a quo configurou a norma referente ao princípio do 
 contraditório em toda a sua extensão, isto é, como admitindo uma excepção a 
 tal princípio em casos de manifesta desnecessidade. Simplesmente, atendendo à 
 matéria em causa, considerou, precisamente, desnecessário tal contraditório.
 
             5.ª Falece também assim o requisito da aplicação pelo tribunal 
 recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo uma vez que a dimensão normativa que o recorrente 
 pretende ver analisada, que afirma ser a interpretação do artigo 3.º, n.º 3, do 
 CPC, em resultado da remissão dos artigos. 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei da 
 Cooperação e do artigo 4.º do CPP, não foi a aplicada no acórdão recorrido como 
 ratio decidendi.
 
             6.ª Pelo exposto, não deve o presente recurso ser admitido, por não 
 estarem reunidos e verificados os necessários pressupostos processuais 
 previstos no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República 
 Portuguesa e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
             7.ª Foi o próprio recorrente quem, na resposta ao recurso do 
 Ministério Público, interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 
 de Julho de 2004, que autorizou parcialmente a extradição requerida, levantou a 
 questão da validade das garantias prestadas, pelo que a mesma não pode ser 
 considerada uma «questão nova».
 
             8.ª Os «Memorandos» apresentados pelos mandatários da União 
 Indiana, a que o recorrente se refere, surgiram no seguimento e em cumprimento 
 de um despacho do STJ, no qual aquele Tribunal, manifestando dúvidas 
 relativamente às garantias já prestadas, sugeriu uma eventual garantia 
 suplementar, concedendo um prazo aos mandatários da União Indiana para sobre tal 
 se pronunciarem.
 
             9.ª A questão que o recorrente coloca em causa, o saber quem teria 
 competência, no direito interno da União Indiana, para prestar a garantia de 
 que certas penas não serão executadas, é uma questão presente desde o início do 
 processo a que nos estamos a reportar, quer na sua fase administrativa, quer na 
 sua fase judicial e que o extraditando várias vezes colocou em relevo.
 
             10.ª A aplicação de normas e institutos do direito interno da União 
 Indiana, pela decisão do STJ, não deve ser considerada imprevisível ou 
 insólita, devido precisamente às várias questões já suscitadas a propósito das 
 garantias.
 
             11.ª Não é desrazoável exigir ao recorrente que contasse com tal 
 aplicação, nomeadamente tendo em conta o conhecimento oficioso que cabia ao 
 tribunal fazer relativamente ao direito estrangeiro.
 
             12.ª Tem manifesta aplicação a excepção ao princípio do 
 contraditório, ou seja, o ser um caso de manifesta desnecessidade, por não ser 
 matéria nova, por ser de conhecimento oficioso e por sobre ela já as partes se 
 terem pronunciado, tendo vindo do extraditando, por via do seu recurso, o 
 impulso para se analisar, novamente, a questão.
 
             13.ª A conjugação destes factores permite aferir da manifesta 
 desnecessidade de dar cumprimento ao princípio do contraditório.
 
             14.ª Não foram os mandatários a oferecer quaisquer garantias 
 suplementares, tendo somente respondido ao que lhes foi solicitado pelo STJ, 
 em despacho, prestando esclarecimentos relativamente à garantia já prestada e 
 demonstrando a disponibilidade da União Indiana para prestar uma garantia 
 suplementar, caso assim se entendesse.
 
             15.ª É de notar o próprio Ex.mo Conselheiro Relator, na sequência 
 dos esclarecimentos prestados pela União Indiana, «abandonou» o incidente que 
 havia suscitado quando se deu conta que a disposição em que se baseara para 
 suscitar tal incidente (o artigo 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 144/99, de 31 
 de Agosto) pressupunha um pedido de extradição, que visava a execução de penas 
 já aplicadas «privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração 
 indefinida», o que não era o caso em análise.
 
             16.ª Também por esse motivo não haveria que dar conhecimento ao 
 recorrente de tais «Memorandos».
 
             17.ª Deste modo, e em conclusão, o Supremo Tribunal de Justiça não 
 aplicou qualquer norma inconstitucional, nomeadamente por violação do 
 princípio do contraditório, não tendo havido qualquer violação dos artigos 
 
 32.º, n.ºs 1 e 5, e 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ou de 
 quaisquer outras normas constitucionais.
 
             Nestes termos, não deve o presente recurso ser admitido, por não 
 estarem verificados os necessários pressupostos processuais, ou, quando assim 
 não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente e, consequentemente, 
 mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos.”
 
  
 
                         16. Foram juntos aos autos dois pareceres jurídicos: um, 
 pelo extraditando, ainda no STJ, logo após a apresentação do requerimento de 
 interposição do primeiro recurso para o Tribunal Constitucional, da autoria do 
 Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (fls. 1767 a 1821); outro, pela União 
 Indiana, na sequência da apresentação das suas contra-alegações neste Tribunal, 
 da autoria do Prof. Doutor Vital Moreira (fls. 2080 a 2133). O extraditando, ora 
 recorrente, foi notificado, nos termos do artigo 526.º do Código de Processo 
 Civil, da apresentação deste último parecer, tendo-lhe no mesmo acto (cf. fls. 
 
 2134) sido remetidas cópias das contra-alegações da União Indiana, o que não 
 lhe suscitou qualquer reacção.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         II – Fundamentação
 
  
 
                         A) – Recurso do acórdão do STJ de 3 de Março de 2005
 
  
 
                         17. Começar-se-á pela apreciação do recurso do acórdão 
 do STJ de 3 de Março de 2005, pois, embora interposto em segundo lugar, 
 reporta-se a um momento processual (o da eventual audição do recorrente sobre 
 
 “elementos” trazidos aos autos pelos mandatários da União Indiana) que, na 
 tramitação normal do recurso perante o STJ, se localizaria antes da prolação do 
 acórdão que apreciou o mérito dos recursos interpostos do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa.
 
                         E a primeira questão que o recurso ora em análise 
 levanta é a da sua admissibilidade, logo suscitada no despacho do relator que 
 determinou a apresentação de alegações e a que se associaram os recorridos.
 
                         Recorde-se que foi o Conselheiro Relator do STJ que, por 
 despacho de 17 de Dezembro de 2004 (cf. supra, n.º 4), determinou a audição dos 
 mandatários da União Indiana para se pronunciarem sobre a viabilidade da 
 prestação de garantia suplementar, que, na perspectiva do autor do despacho, se 
 mostrava necessário que fosse prestada de forma inequívoca – “a de o Estado 
 requerente «aceitar [como integrante do pedido de extradição] a conversão das 
 penas [se, efectivamente, de morte ou de prisão perpétua ou indefinida], por um 
 tribunal português, segundo as disposições da lei portuguesa aplicáveis aos 
 crimes [que, eventualmente, venham a motivar uma tal condenação]» (cf. artigo 
 
 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto)”.
 
                         Em resposta a este convite, os mandatários da União 
 Indiana apresentaram os requerimentos de fls. 1662-1666 e 1689-1691 (cf., supra, 
 n.ºs 5 e 6), em que, não obstante reiterarem a opinião de já haver sido prestada 
 garantia suficiente, manifestam disponibilidade para prestação de garantia 
 adicional, se reputada necessária, não sem aludir (cf. n.º 10 do primeiro 
 requerimento) a que sempre haviam entendido que a garantia prevista no artigo 
 
 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 144/99, se aplicava “apenas a casos de 
 cooperação judiciária internacional relativos a agentes já condenados, e não a 
 casos de extradição para julgamento dos agentes no Estado requerente”.
 
                         Foi por, de seguida, ter sido proferido o acórdão de 27 
 de Janeiro de 2005, que concedeu provimento ao recurso do Ministério Público, 
 que conteria, no ponto 12., sob o título “Garantias”, “matéria nova”, 
 remetendo para os aludidos dois requerimentos, sem que ao extraditando tivesse 
 sido notificada a apresentação dos mesmos, que o extraditando veio arguir a 
 nulidade desse acórdão, por preterição do princípio do contraditório, referindo 
 ainda que “uma interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 
 
 144/99, de 31 de Agosto, que entenda não ser extensível ao processo de 
 extradição o princípio do contraditório previsto no artigo 327.º do CPP e no 
 artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 
 
 4.º do CPP, sempre se encontraria ferida de inconstitucionalidade, por violação 
 dos artigos 32.º, n.º 1, e 32.º, n.º 5, da Lei Fundamental” (cf., supra, n.º 
 
 8).
 
                         Esta arguição de nulidade foi desatendida pelo acórdão 
 do STJ de 3 de Março de 2005, com a seguinte fundamentação: (i) as considerações 
 contidas no ponto 12. (“Garantias”) do precedente acórdão inserem-se no âmbito 
 da indagação, que oficiosamente lhe compete, do direito estrangeiro (no caso, 
 do direito interno do Estado requerente da extradição com relevância para o 
 apuramento da suficiência da garantia prestada no sentido da não aplicação da 
 pena de prisão perpétua), não sendo imposto que “o Supremo, ao aplicá-lo (como a 
 Relação, aliás, já aplicara, embora sem identificação dos respectivos diploma e 
 
 §), dele devesse dar prévio conhecimento ao extraditando”; (ii) tratava-se de 
 questão que “não só não constituía «questão nova» como sobre ela já as partes se 
 haviam pronunciado abundantemente”; (iii) a observância do contraditório é 
 dispensável em caso de desnecessidade, e, no caso, os requerimentos apresentados 
 pelos mandatários da União Indiana foram “produzidos no âmbito de um incidente 
 suscitado pelo relator em 17 de Dezembro de 2004 e por ele «abandonado» logo que 
 se deu conta de que a disposição em que para tanto se estribara – a do artigo 
 
 6.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – pressupunha um 
 pedido de extradição (que não era o sub specie) que visasse a execução de penas 
 
 – já aplicadas – «privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração 
 indefinida»”; (iv) as alusões feitas no acórdão a algumas afirmações contidas 
 nesses requerimentos tiveram por propósito “de forma indirecta (...) – em 
 benefício, afinal, do extraditando – «vincular» a União Indiana, como que em 
 reforço das garantias já prestadas, aos seus próprios «protestos» de 
 reafirmação e estrito cumprimento dessas garantias”; (v) o STJ, “ao assim 
 proceder, não conheceu de qualquer questão de que não pudesse tomar conhecimento 
 
 (pois que apenas tratou de questões colocadas nos recursos, ainda que com apelo 
 a normas que, até aí implicitamente invocadas, só nele vieram a ser 
 explicitamente identificadas), única situação em que, nessa parte, o acórdão 
 poderia ter incorrido em «nulidade» (artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, 
 alínea c), do CPP)”.
 
                         Atenta a fundamentação deste acórdão e os termos em que 
 a questão de constitucionalidade em causa no presente recurso foi colocada pelo 
 recorrente – quer na peça processual (arguição de nulidade do primeiro acórdão) 
 em que a suscitou (aludindo à “interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, 
 n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que entenda não ser extensível ao 
 processo de extradição o princípio do contraditório previsto no artigo 327.º do 
 CPP e no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do 
 artigo 4.º do CPP”), quer no requerimento de interposição de recurso (cf., 
 supra, n.º 9, aludindo à interpretação das mesmas normas que entenda que elas 
 
 “não obrigam ao cumprimento do contraditório (...) por manifesta desnecessidade 
 e por nos encontrarmos no âmbito de matéria que se insere no âmbito de cognição 
 do tribunal recorrido”), quer nas correspondentes alegações (cf., supra, n.º 
 
 13, aludindo à interpretação das mesmas normas no sentido de que nos processos 
 de extradição “não era obrigatório dar cumprimento ao princípio do 
 contraditório”, sem mais) –, e mesmo admitindo que as alegadas violações da 
 Constituição não são directamente reportadas à decisão judicial recorrida e que 
 
 é possível discernir, apesar das oscilações registadas na sua identificação, um 
 critério normativo cuja conformidade constitucional foi questionada, entende-se 
 que, no caso, não existe coincidência entre a dimensão normativa questionada e 
 a dimensão normativa aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida.
 
                         A norma central aqui em causa é a do artigo 3.º, n.º 3, 
 do Código de Processo Civil (CPC), já que as normas dos artigos 3.º, n.º 2, e 
 
 25.º, n.º 2, da LCJIMP se limitam a considerar subsidiariamente aplicáveis as 
 disposições do CPP, e a norma do artigo 327.º do CPP, invocada pelo recorrente, 
 reafirma a operatividade do princípio do contraditório na decisão das questões 
 incidentais sobrevindas no decurso da audiência de julgamento e na produção de 
 meios de prova apresentados em audiência de julgamento (neste contexto, seria 
 mais adequada, para sustentar a aplicabilidade do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a 
 invocação do artigo 4.º do CPP).
 
                         Ora, a norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC (“O juiz deve 
 observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do 
 contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, 
 decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, 
 sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”) 
 contém uma regra, condicionada a um pressuposto, e uma excepção. O pressuposto é 
 o de que o tribunal tenha de decidir questão sobre a qual as partes ainda não 
 tiveram possibilidade de se pronunciar; a regra é a de que, nesses casos, o 
 tribunal não deve decidir sem conceder às partes possibilidade de se 
 pronunciarem; a excepção é a de que o tribunal pode não ouvir as partes, mesmo 
 que se trate de questão sobre a qual elas ainda não se pronunciaram, se 
 considerar essa audição manifestamente desnecessária.
 
                         O acórdão recorrido, no seu ponto 1.8 (transcrito, 
 supra, no n.º 8), entendeu – e esta foi a sua primeira e principal ratio 
 decidendi – que sobre a questão em causa “já as partes se haviam pronunciado 
 abundantemente”, pelo que nem sequer se verificava o pressuposto de aplicação 
 da regra do n.º 3 do artigo 3.º do CPC. Só como fundamentação adjuvante ou 
 reforçativa é que, no subsequente ponto 1.9, o STJ refere que a observância da 
 regra do contraditório (supondo que fosse operativa no presente caso, o que já 
 fora afastado no número anterior) é dispensável em caso de manifesta 
 desnecessidade, e, em seguida, desenvolve as razões pelas quais entende que, 
 mesmo na hipótese de ser devido o acatamento dessa regra, o mesmo seria de 
 reputar manifestamente desnecessário.
 
                         Ora, o recorrente, no requerimento de interposição deste 
 recurso de constitucionalidade (referenciado supra, n.º 9) – quando já estava 
 na posse de todos os elementos necessários para identificar a dimensão 
 normativa aplicada pelo STJ e em que, portanto, já não podia beneficiar da 
 compreensão por eventual menos rigor nessa identificação que se justificava 
 quando, perante uma mera omissão de actuação processual do STJ (falta de 
 notificação das respostas dos mandatários da União Indiana), teve de, na 
 arguição dessa nulidade, suscitar pela primeira vez a questão de 
 inconstitucionalidade –, nenhuma questão de inconstitucionalidade suscita a 
 propósito da primeira e principal ratio decidendi do acórdão do STJ: a de que, 
 por se tratar de questão sobre a qual as partes já se haviam pronunciado, não 
 era sequer aplicável a regra do contraditório. Na verdade, nesse requerimento, 
 o recorrente apenas suscita a inconstitucionalidade das referidas normas, “na 
 interpretação (...) segundo a qual tais normas não obrigam ao cumprimento do 
 princípio do contraditório (...) por manifesta desnecessidade e por nos 
 encontrarmos no âmbito de matéria que se insere no âmbito de cognição do 
 tribunal recorrido”. Mas, como se demonstrou, não foi essa a ratio decidendi do 
 acórdão recorrido.
 
                         Não tendo o recorrente englobado no âmbito do presente 
 recurso a inconstitucionalidade da interpretação normativa em que se baseou o 
 principal fundamento da decisão ora em apreço – a de que não se aplica a regra 
 do contraditório, consagrada no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, quanto a decisão de 
 questões (identificada a “questão” como sendo a da “competência – perante o 
 respectivo direito interno – do Ministro dos Assuntos Internos da União Indiana 
 para prestar ao Estado requerido a «garantia» de que eventual pena perpétua 
 seria objecto de «perdão» ou «indulto» de modo a que a pena a executar não 
 excedesse 25 anos de prisão”) sobre as quais as partes já se pronunciaram –, é 
 manifesto que se verifica uma situação de não identidade entre a dimensão 
 normativa aplicada como ratio decidendi determinante e a dimensão normativa 
 arguida de inconstitucionalidade, que obsta à admissibilidade do recurso e ao 
 conhecimento do seu objecto.
 
                         Acresce que, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse 
 a apreciar a constitucionalidade da dimensão normativa invocada em segunda 
 linha pelo acórdão recorrido (se valesse a regra do contraditório, a sua 
 observância seria de considerar, no caso, manifestamente desnecessária), e 
 mesmo que viesse a conceder provimento ao recurso, tal decisão nenhuma 
 repercussão teria no sentido final da decisão impugnada, uma vez que esta sempre 
 se manteria, com o mesmo conteúdo, ancorada no primeiro fundamento.
 
                         Por estas razões, o recurso interposto do acórdão do STJ 
 de 3 de Março de 2005 surge como inadmissível, pelo que dele não se tomará 
 conhecimento.
 
  
 
                         B) – Recurso do acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 2005
 
  
 
                         18. Relativamente a este recurso, foram suscitadas pelo 
 relator, no despacho que determinou a apresentação das respectivas alegações 
 
 (cf., supra, n.º 9), as questões prévias de eventual não conhecimento, por não 
 adequada suscitação pelo recorrente, perante o tribunal recorrido, das questões 
 de constitucionalidade, quer das normas do artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), 
 da LCJIMP, quer da norma do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque.
 
                         A inadmissibilidade do recurso quanto à primeira questão 
 
 é patente: percorrendo quer a motivação do recurso do extraditando para o STJ 
 quer a sua resposta à motivação do recurso do Ministério Público (peça por ele 
 especificamente referida como sendo aquela onde teria suscitado tal questão), 
 nenhuma alusão é feita ao artigo 6.º, n.º 2, alíneas a) e b), da LCJIMP, 
 designadamente à sua eventual inconstitucionalidade. A referência a esta questão 
 de inconstitucionalidade surge, pela primeira vez, no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o que, como é sabido, 
 não constitui momento oportuno para esse efeito.
 
                         Por estas razões, não se conhecerá de tal questão no 
 
 âmbito do presente recurso.
 
  
 
                         19. Diferente é a questão a dar à segunda “questão 
 prévia” suscitada.
 
                         Dispõe o artigo 9.º da Convenção de Nova Iorque, de que 
 Portugal e a União Indiana são partes:
 
  
 
             “1 – Os crimes previstos no artigo 2.º serão considerados como 
 crimes passíveis de extradição em qualquer tratado de extradição celebrado entre 
 Estados Partes antes da entrada em vigor da presente Convenção. Os Estados 
 Partes comprometem-se a considerar tais crimes como passíveis de extradição em 
 qualquer tratado de extradição a ser subsequentemente celebrado entre eles.
 
             2 – Se um Estado Parte, que condiciona a extradição à existência de 
 um tratado, receber um pedido de extradição formulado por outro Estado Parte com 
 o qual não tenha qualquer tratado de extradição, o Estado Parte requerido 
 poderá, se assim o entender, considerar a presente Convenção como a base 
 jurídica para a extradição relativamente aos crimes previstos no artigo 2.º. A 
 extradição ficará sujeita às restantes condições previstas pelo direito interno 
 do Estado requerido.
 
             3 – Os Estados Partes que não condicionem a extradição à existência 
 de um tratado reconhecerão os crimes previstos no artigo 2.º como passíveis de 
 extradição nas condições previstas pelo direito interno do Estado requerido.
 
             (...).”
 
  
 
                         São distintos o âmbito de aplicação e a prescrição 
 contidos nos n.ºs 2 e 3: o n.º 2 aplica-se aos Estados que condicionam a 
 extradição à existência de um tratado, e faculta-lhes a possibilidade de 
 considerarem a Convenção como base jurídica para a extradição relativamente aos 
 crimes previstos no artigo 2.º; o n.º 3 aplica-se aos Estados que não 
 condicionam a extradição à existência de um tratado e impõe-lhes o dever de 
 considerarem esses crimes como passíveis de extradição.
 
                         Ao longo de todo o presente processo, quer na fase 
 administrativa, quer na judicial, até à prolação do acórdão ora recorrido, 
 todos os intervenientes partiram do pressuposto de que era aplicável a norma do 
 n.º 2 do artigo 9.º. Desde logo, o parecer do Procurador-Geral da República, 
 acolhido no despacho da Ministra da Justiça, refere o artigo 9.º, n.º 2, da 
 Convenção de Nova Iorque, e parte do pressuposto de que Portugal condiciona a 
 extradição à existência de um tratado (cf., supra, n.º 1).
 
                         O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, recorrido 
 para o STJ, também expressamente reconhece que é aplicável esse n.º 2 do artigo 
 
 9.º, e, aliás, o fundamento para a recusa de autorizar a extradição quanto aos 
 crimes puníveis com pena de morte ou com pena de prisão perpétua, utilizado 
 nesse acórdão, só é compreensível no âmbito desse preceito: é por se entender 
 que a Convenção apenas possibilita (não vincula) o Estado Português a conceder 
 a extradição que se considerou, nesse acórdão, que a vinculação para a conceder, 
 no presente caso, não podia provir de um acto de um membro do Governo (a 
 Ministra da Justiça), mas sim dos órgãos constitucionalmente habilitados a 
 vincular o Estado Português, que são, atentas as matérias em causa (direitos, 
 liberdades e garantias e processo criminal), a Assembleia da República e o 
 Presidente da República.
 
                         Também toda a motivação do recurso interposto pelo 
 Ministério Público foi estruturada na base da subsunção do caso à previsão do 
 n.º 2 do artigo 9.º (cf. conclusão 6.ª), e, naturalmente, foi na mesma 
 perspectiva que o extraditando elaborou a sua resposta a esse recurso e suscitou 
 a questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 9.º da Convenção 
 de Nova Iorque, em termos, aliás, coincidentes com os aduzidos no acórdão do 
 Tribunal da Relação.
 
                         Efectivamente, só no acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 
 
 2005 é que, pela primeira vez em todo o processo, se alude ao n.º 3 do artigo 
 
 9.º da Convenção de Nova Iorque e, mais, se considera ser o mesmo aplicável ao 
 caso dos autos. Como se demonstra nos n.ºs 11.2. a 11.8. desse acórdão (objecto 
 de correcção pelo acórdão de 3 de Março de 2005 – cf. supra, n.º 8), “Portugal 
 não condiciona a extradição, de um modo geral, à existência de um tratado 
 
 (bilateral)” (n.º 11.4), e “daí que se não aplique ao caso – contra o que o 
 tribunal a quo pressupôs – o n.º 2 [mas, sim, o n.º 3] do artigo 9.º da 
 
 «Convenção de Nova Iorque, 1998»” (n.º 11.7.).
 
                         Neste contexto, se não se pode afirmar que a aplicação 
 da norma do n.º 3 do citado artigo 9.º fosse totalmente imprevisível, anómala ou 
 insólita (antes aparecendo até eventualmente como a mais correcta), é certo que 
 ela foi inesperada, por nunca antes aventada nos autos. E isto é quanto basta 
 para que não se vede ao extraditando a possibilidade de ver apreciada pelo 
 Tribunal Constitucional a constitucionalidade de uma interpretação normativa 
 acolhida, pela primeira vez, oficiosamente, no acórdão recorrido, sem sequer ter 
 sido sugerida ou defendida pelos restantes intervenientes processuais.
 
                         Conhecer-se-á, pois do recurso interposto do acórdão do 
 STJ de 27 de Janeiro de 2005, embora com o respectivo âmbito circunscrito à 
 questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de 
 Nova Iorque, quer “na interpretação (…) segundo a qual (…) obrigaria Portugal à 
 extradição por crimes a que é abstractamente aplicável a pena de morte, mesmo 
 que, dado o teor na norma indiana constante dos autos (artigo 34.º-C do 
 Extradiction Act de 1962), não exista uma impossibilidade jurídica de ela vir a 
 ser aplicada”, quer “quando interpretada no sentido (…) de obrigar Portugal a 
 extraditar uma pessoa por factos a que corresponde, abstractamente, a pena de 
 prisão perpétua, mesmo na ausência de um compromisso convencionado entre as 
 Partes de proceder a tal extradição mediante a prestação de garantias de não 
 aplicação ou execução de tal pena”.
 
                         A circunstância de, relativamente à primeira dimensão 
 normativa indicada, o acórdão recorrido não ter reconhecido a inexistência de 
 impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte prende-se já com o mérito 
 do recurso, não justificando essa divergência de juízos, entre tribunal 
 recorrido e recorrente, quanto à existência ou inexistência de tal 
 impossibilidade jurídica, que se considere que, por falta de coincidência 
 entre a dimensão normativa aplicada e a impugnada, o recurso também era 
 inadmissível nesta parte, como sustentam os recorridos.
 
  
 
                         20. Entrando na apreciação do mérito deste recurso, 
 cumpre, antes de mais, determinar o parâmetro constitucional aplicável, uma vez 
 que os crimes imputados ao extraditando abstractamente puníveis com pena de 
 morte ou de prisão perpétua foram cometidos nos anos de 1992, 1993 e 1995, na 
 vigência da versão da CRP de 1989, o pedido de extradição foi apresentado e o 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido na vigência da versão de 
 
 2001 e, por último, o acórdão do STJ, ora recorrido, foi prolatado já na 
 vigência da versão de 2004 da CRP. Ora, partindo do pressuposto (aventado nos 
 autos e cuja correcção será adiante analisada) de que a versão de 2004, sendo 
 mais facilitadora da concessão de extradição, é mais desfavorável para o 
 extraditando, coloca-se o problema da aplicação no tempo das sucessivas versões 
 constitucionais.
 
                         Questão aparentada com a presente já foi suscitada 
 perante o Tribunal Constitucional face à expressa consagração do princípio da 
 irretroactividade da lei fiscal na revisão de 1997, embora então a alteração 
 constitucional fosse de sinal contrário à ora pressuposta: enquanto a versão de 
 
 2004, na apontada perspectiva, seria mais desfavorável para o extraditando, a 
 alteração da constituição fiscal em 1997 foi mais favorável para os 
 contribuintes, já que, antes dela, se entendia (designadamente a jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional) que nem toda a irretroactividade fiscal era 
 inconstitucional, mas só aquela que ofendesse de modo inadmissível e intolerável 
 a confiança e a segurança jurídicas. O Tribunal Constitucional começou – nos 
 Acórdãos n.ºs 275/98, 540/98, 620/98 e 689/98 – por considerar inadmissível a 
 atendibilidade da nova redacção por as decisões judiciais então recorridas serem 
 anteriores à entrada em vigor da revisão constitucional de 1997. No Acórdão n.º 
 
 172/2000, em que, pela primeira vez, apesar de a decisão da 1.ª instância ser 
 anterior à entrada em vigor do texto da 4.ª Revisão Constitucional, a decisão 
 judicial recorrida (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo) fora proferida 
 já na vigência da revisão constitucional de 1997, o Tribunal Constitucional 
 entendeu que essa decisão devia ter utilizado como parâmetro do juízo de 
 constitucionalidade o texto da Constituição resultante dessa revisão, 
 derivando do novo artigo 103.º, n.º 3, a inconstitucionalidade superveniente de 
 normas retroactivas em matéria fiscal. Deste entendimento viria a afastar-se o 
 Acórdão n.º 193/2001, utilizando basicamente os fundamentos desenvolvidos no 
 voto de vencido aposto pelo Cons. Cardoso da Costa naquele Acórdão n.º 
 
 172/2000, e no mesmo sentido do Acórdão n.º 193/2001, e com a mesma 
 fundamentação, viriam a decidir os Acórdãos n.ºs 284/2001 e 306/2001, tendo, 
 por último, o Acórdão n.º 110/2002, em recurso para o plenário interposto, ao 
 abrigo do art. 79.º-D da LTC, contra o Acórdão n.º 306/2001, com fundamento em 
 oposição com o decidido no Acórdão n.º 172/2000, confirmado aquele Acórdão n.º 
 
 306/2001. Para a solução prevalecente, para além de considerações ligadas às 
 indesejáveis consequências de a diferença de tratamento de situações 
 tributárias contemporâneas acabar por derivar tão-somente da diversidade do 
 momento da prolação, em cada caso, das últimas decisões judiciais, foi 
 determinante a consideração de que “no contencioso administrativo, a 
 intervenção judicial se faz para apreciação da legalidade de uma decisão da 
 Administração que foi produzida num determinado momento e no quadro de um 
 ordenamento jurídico então vigente, de acordo com o princípio, assente 
 pacificamente, do tempus regit actum”, pelo que não haveria “qualquer razão 
 para os princípios e normas constitucionais especificamente reguladoras desse 
 contencioso se não regerem quanto à sua aplicação no tempo pelas mesmas regras 
 que disciplinam o direito administrativo infraconstitucional”. Não deixou, 
 porém, a aludida declaração de voto (e os posteriores acórdãos que a ela 
 aderiram) de assinalar que o princípio da não retroactividade, isto é, o de que 
 as leis só valem, em princípio, para o futuro, também aplicável às normas 
 constitucionais, como o evidencia o artigo 282.º, n.º 2, da CRP, não excluía de 
 todo a ocorrência de excepções, dando justamente como exemplo paradigmático “o 
 caso do domínio penal, quando aí caiba aplicar o princípio consignado na parte 
 final do artigo 29.º, n.º 4, ainda da Constituição”.
 
                         Revertendo ao caso ora em análise, há que assinalar que, 
 diversamente dos limites dos poderes de cognição então impostos aos tribunais 
 administrativos (e tributários) no âmbito da impugnação de actos administrativos 
 
 (e tributários), cingidos à apreciação da legalidade do acto impugnado, tendo 
 em conta a realidade de facto e o quadro jurídico existentes à data da prática 
 desse acto, os tribunais judiciais gozam de poderes de plena jurisdição quando 
 apreciam pedidos de extradição, pelo que, em regra, deverão atender ao quadro 
 jurídico vigente à data da prolação da decisão judicial. Mas, sendo isto certo, 
 não menos certo é que, nesse específico domínio, estão sujeitos ao princípio da 
 legalidade, consagrado, explicitamente para o domínio penal, pelo n.º 4 do 
 artigo 29.º da CRP, mas que – adiante-se desde já – há que considerar aplicável 
 também a, pelo menos, certa categoria de normas processuais penais, às quais se 
 devem equiparar as normas que regulam a admissibilidade de extradição.
 
                         Quanto ao primeiro aspecto, as primeiras decisões 
 proferidas pelo Tribunal Constitucional foram no sentido de considerar que 
 aquele artigo 29.º, n.º 4, da CRP apenas respeitava à aplicação da lei criminal, 
 não valendo para os preceitos processuais, para os quais regia o artigo 32.º, 
 que não previa qualquer princípio de aplicação retroactiva de normas mais 
 favoráveis: cf. Acórdãos n.ºs 155/88 e 70/90, que não julgaram inconstitucional 
 a norma do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, 
 enquanto impedia a aplicação aos processos pendentes das normas dos artigos 
 
 215.º e 217.º do Código de Processo Penal por ele aprovado, apesar de 
 estabelecerem prazos de prisão preventiva mais favoráveis para os arguidos, 
 tendo o Acórdão n.º 70/90 sido objecto de anotação crítica de J. J. Gomes 
 Canotilho (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 123.º, n.º 3792, 
 págs. 94 a 96), que, na esteira do ensinamento de Figueiredo Dias (Direito 
 Processual Penal, vol. I, Coimbra, 1981, pág. 32; Direito Processual Penal, 
 policopiado, Coimbra, 1988/89, pág. 10), preconizou a extensão daquele 
 princípio “às normas ou fragmentos de normas processuais penais de natureza 
 substantiva”, como tais se considerando “as normas processuais penais que 
 condicionem a responsabilidade penal ou contendam com os direitos fundamentais 
 do arguido ou do recluso”.
 
                         Posteriormente, o Tribunal Constitucional veio a admitir 
 a aplicabilidade do princípio do artigo 29.º, n.º 4, da CRP a determinadas 
 categorias de normas processuais penais. Assim, pelos Acórdãos n.ºs 250/92 e 
 
 451/93 foi julgada inconstitucional, também por violação desse preceito 
 constitucional, a norma do referido artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 78/87, 
 agora na parte em que mandava aplicar aos processos pendentes regras do artigo 
 
 667.º do CPP de 1929, que admitiam a reformatio in pejus em condições 
 postergadas pelo novo CPP, já que estava em causa “a questão de 
 constitucionalidade de normas que têm a ver directamente com a pena aplicável”, 
 acolhendo-se a opinião de Figueiredo Dias de que “(...) importa que a aplicação 
 da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas 
 se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não 
 contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. 
 Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto 
 ou situação processual que ocorra em processo pendente, sempre que da nova lei 
 resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, numa 
 limitação do seu direito de defesa”.
 
                    A extensão do princípio da aplicação do regime mais favorável 
 a normas processuais sobre direito de recurso, por este, “enquanto garantia de 
 defesa, prefigura[r] uma questão de natureza processual «quase substantiva»”, 
 foi admitida pelo Acórdão n.º 207/94, embora, no caso, não tenha sido emitido 
 juízo de inconstitucionalidade por entre o questionado Assento de 24 de Janeiro 
 de 1990 e a norma por ele interpretada (artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 605/75, 
 de 3 de Novembro) não se verificar uma situação de sucessão de regimes jurídicos 
 distintos, formando o Assento e a norma um complexo normativo incindível.
 
                    Esta extensão do princípio do n.º 4 do artigo 29.º da CRP ao 
 processo penal foi reafirmada pelo Acórdão n.º 183/2001, a propósito de 
 alteração operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, ao artigo 400.º, n.º 1, 
 alínea d), do CPP, de que resultaria a admissibilidade de recurso que até aí não 
 era contemplado. A esse propósito, expendeu-se nesse Acórdão:
 
  
 
 “De acordo com a perspectiva da recorrente (perspectiva essa pressuposta pela 
 decisão recorrida), o recurso que não era admissível em face do artigo 400.º, 
 n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, na versão originária, sê-lo-ia à 
 luz da redacção conferida a esse preceito pela Lei n.º 59/98.
 Colocada a questão nestes termos, é legítimo suscitar o problema de saber se 
 não se deverá submeter ao disposto no artigo 29.º, n.º 4, in fine, da 
 Constituição, este tipo de casos, aplicando-se, então, obrigatoriamente o regime 
 mais favorável ao arguido (...). Estará, assim, posto em causa, por eventual 
 violação do artigo 29.º, n.º 4, in fine, da Constituição, o próprio critério de 
 aplicação da lei no tempo, constante do mencionado artigo 6.º, n.º 2, da Lei 
 n.º 59/98.
 
             A esta hipótese poder-se-ia, desde logo, objectar com a 
 circunstância de a matéria em questão respeitar ao processo penal, enquanto o 
 artigo 29.º, n.º 4, da Constituição, apenas se referir ao direito penal 
 substantivo.
 
             Uma tal visão do problema não pondera, porém, que existem normas 
 processuais penais materiais que, assim como as normas de direito penal, também 
 afectam os direitos fundamentais. É o caso paradigmático das normas relativas à 
 prisão preventiva, mas é também, segundo alguma doutrina, o caso das normas 
 referentes aos graus de recurso, na medida em que conferem (ou não) 
 possibilidades acrescidas de o arguido ver o seu caso reapreciado e decidido em 
 sentido favorável (cf., quanto a este aspecto, Taipa de Carvalho, Sucessão de 
 Leis Penais, 2.ª ed. revista, 1997, p. 260 e ss., onde esse autor autonomiza as 
 normas processuais penais formais das normas processuais penais materiais; cf., 
 também, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por 
 Maria João Antunes, 1988, p. 80 e ss., em que o autor afasta a possibilidade de 
 recurso à analogia no direito processual penal «na medida imposta pelo conteúdo 
 de sentido do princípio da legalidade e, portanto, sempre que o recurso venha a 
 traduzir-se num enfraquecimento da posição ou numa diminuição dos direitos 
 processuais do arguido»).
 
             Relativamente às normas processuais penais que afectam (ou que são 
 susceptíveis de afectar) direitos fundamentais poderá existir, assim, 
 justificação para a aplicação do princípio de imposição da retroactividade da 
 lei penal mais favorável. Os princípios da necessidade e da intervenção mínima 
 do Direito, no que respeita à limitação dos direitos, liberdades e garantias 
 
 (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), decorrente do princípio geral da 
 liberdade, e ainda o princípio da igualdade, subjacentes à solução da aplicação 
 retroactiva da lei penal mais favorável, poderão justificar, também, a aplicação 
 de tal regra constitucional no âmbito das denominadas normas processuais penais 
 materiais, uma vez que aí está igualmente em causa a tutela de direitos, 
 liberdades e garantias (cf. Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 101 e ss.).”
 
  
 
                    Assente a aplicabilidade do princípio do artigo 29.º, n.º 4, 
 da CRP às “normas processuais penais materiais”, resta recordar que desde sempre 
 o Tribunal Constitucional reconheceu natureza penal à fase judicial do processo 
 de extradição. Fê-lo quando julgou (Acórdãos n.ºs 45/84, 192/85 e 147/86) e 
 depois declarou, com força obrigatória geral (Acórdão n.º 54/87), 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, a norma do 
 artigo 33.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, que estabelecia 
 a ordem de intervenção do extraditando e do Ministério Público para alegações, 
 dando a última palavra ao Ministério Público. Como se lê no Acórdão n.º 54/87, 
 que procedeu à generalização dos anteriores juízos de inconstitucionalidade:
 
  
 
             “O processo judicial de extradição visa decidir da legitimidade da 
 entrega de um cidadão estrangeiro às autoridades de um Estado estrangeiro, 
 para aí ser julgado por certo crime ou para cumprir pena a que tenha sido 
 condenado (Decreto-Lei n.º 437/75, artigo 2.º). É, portanto, um processo de 
 escopo inquestionavelmente penal. No processo de extradição não se julga 
 criminalmente nem se condena o extraditado, mas é manifesto que é através da 
 extradição que o extraditado pode vir a ser julgado e condenado ou obrigado a 
 cumprir uma pena.
 
             Por conseguinte, o processo judicial de extradição tem a ver 
 directamente com a liberdade pessoal do extraditando. Não apenas porque em 
 consequência da extradição pode vir a ser condenado a prisão ou ter de cumprir 
 a pena a que já tenha sido condenado, mas também, e desde logo, porque a 
 extradição implica a sua saída forçada do País e a sua transferência para outro 
 país, o que tudo se traduz em sacrifícios da sua liberdade pessoal. Aliás, o 
 processo de extradição integra naturalmente como acto necessário a prisão do 
 extraditando (Decreto-Lei n.º 437/75, artigos 11.º, 12.º e 28.º, n.º 3, e CRP, 
 artigo 27.º, n.º 3, alínea b)).
 
             A natureza criminal do processo de extradição revela-se também em 
 alguns aspectos do seu regime legal. A lei processual penal comum é referida em 
 várias disposições a título supletivo (cf. os artigos 14.º, 34.º, n.º 2, e 50.º, 
 n.º 1, do Decreto-Lei n.º 437/75).
 
             O recurso das decisões da Relação faz-se para a secção criminal do 
 Supremo Tribunal de Justiça (artigos 26.º, n.º 3, e 33.º, n.º 2).
 
             A favor da natureza penal do processo judicial de extradição 
 pronuncia-se a melhor doutrina. No Acórdão n.º 192/85 transcreve-se a seguinte 
 posição de um autor, que não é de mais reproduzir também aqui:
 
  
 
             «A fase judicial do processo de extradição fundado num crime é sem 
 dúvida, tanto formal como substancialmente, processo penal, mesmo no seu sentido 
 mais estrito: por isso mesmo, a tendência é hoje para integrar as normas do 
 processo de extradição nos códigos de processo penal (...) ou, pelo menos, para 
 fazer constar daqueles uma norma de reenvio para legislação especial em matéria 
 de extradição.» (J. Figueiredo Dias, in Revista de Legislação e de 
 Jurisprudência, ano 118.º, p. 14, nota, 3.]
 
  
 
             Foi com base neste conjunto de considerações que os acórdãos que 
 estão na base do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade com 
 força obrigatória geral concluíram pela caracterização penal do processo de 
 extradição.”
 
  
 
                    De quanto se expôs conclui-se que a regra a adoptar quanto à 
 aplicação no tempo das normas constitucionais relativas à autorização de 
 extradição deve ser a de considerar relevante a redacção da Constituição 
 vigente à data da formulação do pedido de extradição, só sendo aplicáveis normas 
 constitucionais supervenientes se se mostrarem mais favoráveis para o 
 extraditando. Selecciona-se como elemento relevante a data do pedido de 
 extradição, e não a data da prática dos crimes que o fundamentam, pois é aquele 
 pedido que coloca o caso em conexão com a ordem jurídica portuguesa e a 
 consideração desse momento é suficiente para acautelar eficazmente os valores 
 que estão na base desta específica dimensão do princípio da legalidade, 
 designadamente o objectivo de evitar manipulações legislativas posteriores 
 intencionalmente orientadas para o agravamento da posição do extraditando. A 
 aplicação imediata de normas constitucionais adoptadas após a formulação do 
 pedido de extradição e que viessem permitir a extradição em situações antes 
 constitucionalmente proibidas colidiria com os princípios constitucionais da 
 segurança jurídica e da legalidade penal, inexistindo interesses jurídicos 
 relevantes que justifiquem o sacrifício desses valores, uma vez que o Estado 
 requerente, quando formulou o pedido, apenas podia legitimamente contar com a 
 aplicação do quadro constitucional e legal a essa data vigente.
 
                    Há, pois, que considerar como parâmetro constitucional 
 relevante, no presente caso, a redacção constitucional vigente à data do pedido 
 de extradição, isto é, a redacção constitucional emergente da revisão de 2001, 
 só sendo de aplicar as alterações introduzidas pela revisão de 2004 se estas se 
 mostrassem mais favoráveis ao extraditando.
 
  
 
                    21. Não cumpre, na economia do presente acórdão, fazer uma 
 exposição detalhada da evolução verificada nas diversas versões da Constituição 
 em matéria de extradição nem dos divergentes pronunciamentos jurisprudenciais e 
 doutrinais que suscitou (cf., sobre o tema, Filomena Delgado, “A Extradição”, 
 Boletim do Ministério da Justiça, n.º 367, Junho de 1987, pp. 23-93; Jorge de 
 Figueiredo Dias, “Extradição e non bis in idem”, Direito e Justiça, vol. IX, 
 tomo I, 1995, pp. 213-222; Jorge Miranda e Miguel Pedrosa Machado, “Processo de 
 extradição e recurso para o Tribunal Constitucional: admissibilidade e tema do 
 recurso”, mesma revista, pp. 223-243; Carlos Fernandes, A Extradição e o 
 Respectivo Sistema Português, Lisboa, 1996; Pedro Caeiro, “Proibições 
 constitucionais de extraditar em função da pena aplicável (O estatuto 
 constitucional das proibições de extraditar fundadas na natureza da pena 
 correspondente ao crime segundo o direito do Estado requerente, antes e depois 
 da Lei Constitucional n.º 1/97)”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, 
 fasc. 1.º, Janeiro-Março 1998, pp. 7-25; Mário Mendes Serrano, “Extradição – 
 Regime e praxis”, em Cooperação Internacional Penal, vol. I, Centro de Estudos 
 Judiciários, 2000, págs. 13-112; Frederico Alcântara de Melo, Extradição: o 
 Regime Português nos Casos de Pena de Morte e de Prisão Perpétua, policopiado, 
 Lisboa, 2001; e Paulo Saragoça da Matta, “O sistema português de extradição após 
 a publicação da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto”, em Maria Fernanda Palma 
 
 (coord.), Casos e Materiais de Direito Penal, Coimbra, 2004, pp.239-258). 
 Apenas há que, especificamente quanto às condicionantes constitucionais à 
 extradição de cidadãos estrangeiros por crimes abstractamente puníveis, no 
 Estado requerente, com pena de morte ou de prisão perpétua, apreciar se a 
 interpretação acolhida no acórdão recorrido se mostra constitucionalmente 
 conforme.
 
                    Relativamente aos crimes abstractamente puníveis com pena de 
 morte, a Constituição começou por proclamar, no n.º 3 do artigo 23.º da sua 
 versão originária, que “Não há extradição por crimes a que corresponda pena de 
 morte segundo o direito do Estado requisitante”, formulação que transitou, com 
 a revisão de 1982, para o n.º 3 do artigo 33.º, e aí foi mantida pela revisão 
 de 1989, sempre sem alteração de redacção.
 
                    Foi nesse quadro que se firmou a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, desde o Acórdão n.º 417/95 – a que se seguiram os Acórdãos n.ºs 
 
 430/95 e 449/95 (tendo estes três acórdãos julgado inconstitucional “a norma do 
 artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, por 
 violação do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição, na parte em que permite a 
 extradição por crimes puníveis no Estado requerente com a pena de morte, havendo 
 garantia da sua substituição”) e que culminou com o Acórdão n.º 1146/96 (que 
 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da referida 
 norma, ainda em vigor no Território de Macau, “na parte em que permite a 
 extradição de crimes puníveis no Estado requerente com a pena de morte, havendo 
 garantia da sua substituição, se essa garantia, de acordo com o ordenamento 
 penal e processual penal do Estado requerente, não for juridicamente vinculante 
 para os respectivos tribunais”) – no sentido de condicionar a extradição à 
 impossibilidade jurídica de aplicação da pena de morte pelos tribunais do Estado 
 requerente.
 
                    A extensão desse regime rigoroso aos casos de extradição por 
 crimes puníveis com pena de prisão perpétua, operada pelo Acórdão n.º 474/95, 
 provocou conhecidas reacções, tendo, no âmbito da revisão constitucional de 
 
 1989, sido apresentadas propostas visando assumidamente contrariar a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, admitindo um “sistema de garantias” 
 capaz de ultrapassar a proibição de extradição, quer por crimes puníveis com 
 pena de morte, quer por crimes puníveis com pena de prisão perpétua, tentativa 
 que, como desenvolvidamente se dá conta no Acórdão n.º 1/2001, só logrou sucesso 
 nesta segunda parte. Instituiu-se, assim, na revisão de 1997, uma dualidade de 
 regimes nos n.ºs 4 e 5 do artigo 33.º: no primeiro (“Não é admitida a extradição 
 por motivos políticos, nem por crimes a que corresponda, segundo o direito do 
 Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da 
 integridade física”) conservou-se a base de sustentação da anterior 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a extradição por crimes 
 puníveis com pena de morte; no segundo (“Só é admitida a extradição por crimes a 
 que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de 
 segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de 
 duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção 
 internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal 
 pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada”) consagrou-se a 
 admissibilidade de um “sistema de garantias”.
 
                    O n.º 5 do artigo 33.º da versão de 1997 transitou, com a 
 revisão de 2001, para o n.º 6 do mesmo preceito, apenas com o aditamento da 
 expressão “nem a entrega a qualquer título” a seguir a “Não é admitida a 
 extradição”, e assim foi mantida na revisão de 2004.
 
                    
 
                    22. Há, pois, que apurar se, no presente caso, se verificam 
 os requisitos a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional – que ora se 
 reitera – tem condicionado a admissibilidade da extradição por crime 
 abstractamente punível com pena de morte. Utilizando formulações do Acórdão n.º 
 
 1146/96, “a extradição só é consentida quando, segundo o direito interno do 
 Estado requerente, a pena susceptível de, em concreto, ser aplicada ou já 
 aplicada ao caso não seja a pena de morte”, entendendo-se a expressão “segundo o 
 direito do Estado requisitante”, usada no então n.º 3 do artigo 33.º da CRP, 
 
 “como sendo o direito internamente vinculante desse Estado, constituído, tão-só, 
 pelo respectivo corpo de normas penais, de que conste a possibilidade abstracta 
 da pena de morte, e por quaisquer mecanismos – e só eles – que se inscrevam 
 vinculativamente no direito e processuais, ainda que decorrentes do direito 
 constitucional ou do direito jurisprudencial do Estado requisitante, dos quais 
 resulte que a pena de morte não será devida no caso concreto, porque nunca pode 
 ser aplicada”; em suma, deve entender-se que a Constituição “proíbe a extradição 
 por crimes cuja punição com pena de morte seja juridicamente possível, de acordo 
 com o ordenamento penal e processual penal do Estado requisitante, sendo, por 
 isso, incompatível com quaisquer garantias de não aplicação ou de substituição 
 da pena capital prestadas pelo Estado requerente, que não se traduzam numa 
 impossibilidade jurídica da sua aplicação”.
 
                    O acórdão recorrido – tal como, aliás, já o entendera o 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – considerou que da disposição do 
 artigo 34º-C da Lei de Extradição indiana resultava a impossibilidade jurídica 
 da aplicação da pena de morte, pois ela procedeu à comutação automática em pena 
 de prisão perpétua das penas de morte aplicáveis a crimes pelos quais é 
 requerida a extradição, para a União Indiana, a Estado que não preveja a pena de 
 morte. Mais entendeu o acórdão recorrido, no âmbito da sua função de 
 identificação e interpretação do direito estrangeiro aplicável, que a expressão 
 inicial desse preceito (aceitando a tradução, constante dos autos, da expressão 
 
 “Notwithstanding anything contained in any other law for the time beeing in 
 force ...” por “Sem prejuízo do conteúdo de qualquer outra lei à data em vigor 
 
 ...”), jamais poderia ser interpretada como possibilitando que qualquer outra 
 lei posterior poderia contrariar essa conversão automática de penas, pois a tal 
 se oporiam os princípios gerais universais do direito penal, maxime o da não 
 retroactividade de lei desfavorável, devendo antes ler-se como significando que 
 se à data da condenação vigorasse outra lei mais favorável, seria essa a 
 aplicável (e não a de prisão perpétua). Por isso se entendeu verificar-se uma 
 situação de impossibilidade jurídica de aplicação, pelos tribunais indianos, de 
 pena de morte, o que possibilitava a autorização da extradição sem violação do 
 artigo 33.º, n.º 6, da CRP.
 
                    Enquanto pressuposto do juízo de constitucionalidade, o 
 Tribunal Constitucional pode sindicar a correcção dessa interpretação, mas, 
 situando-nos nesse domínio, não pode deixar de aceitar-se a sua bondade.
 
                         Ao mesmo resultado se chegaria, aliás, se se preferisse 
 uma outra tradução, eventualmente mais correcta, da palavra Notwithstanding por 
 
 “não obstante” ou “apesar de”, em vez de “sem prejuízo de”, que tornaria ainda 
 mais claro que o sentido da norma é de assegurar sempre supremacia à conversão 
 automática da pena de morte por pena de prisão perpétua, não obstante a (ou 
 apesar da) existência de outras normas em sentido contrário, e nunca a de 
 permitir a revogação futura e absolutamente livre dessa regra de garantia. 
 Interpretação esta última que, aliás, seria perfeitamente ilógica, pois 
 representaria a autodestruição da garantia que, com a norma em causa, a União 
 Indiana se dispôs a prestar aos Estados cuja cooperação pretendia assegurar no 
 
 âmbito da extradição.
 
                         Alega o recorrente que se ignora se entre 1962, data da 
 Lei de Extradição indiana, e a prática dos crimes puníveis com pena de morte 
 terá sido editada norma que derrogue aquela comutação automática de penas, 
 norma essa que poderia ser aplicada sem ofensa da proibição da retroactividade 
 da lei desfavorável. Acontece que, apesar de a Lei de Extradição indiana datar 
 de 1962, o artigo 34.º-C agora em causa apenas lhe foi aditado pelo Amendment 
 Act de 1993, e iniciou a sua vigência em 18 de Dezembro de 1993 (cf. parecer 
 jurídico de N. M. Ghatate, a fls. 375-381), portanto em data posterior à prática 
 dos crimes puníveis com pena de morte (cometidos entre Dezembro de 1992 e Abril 
 de 1993). Assim, para além de não existir qualquer indício da edição de norma, 
 posterior ao aditamento do citado artigo 34.º-C, que visasse derrogar este 
 preceito, o certo é que no ordenamento jurídico indiano vigoram princípios 
 vinculativos que sempre impediriam a não aplicação ao recorrente da aludida 
 comutação automática da pena de morte em pena de prisão perpétua. Desde logo, o 
 artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da Índia consagra expressamente os 
 princípios da legalidade penal e da proibição da aplicação retroactiva da lei 
 penal mais desfavorável (na versão inglesa: “No person shall be convicted of 
 any offence except for violation of a law in force at the time of the commission 
 of the act charged as an offence, nor be subjected to a penalty greater than 
 that wich might have been inflicted under the law in force at the time of the 
 commission of the offence”). Depois, a Índia é parte, desde 10 de Julho de 1979, 
 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, assinado em Nova 
 Iorque em 7 de Outubro de 1976 (aprovado, para ratificação, pela Lei n.º 29/78, 
 de 12 de Junho), que dispõe no seu artigo 15.º, n.º 1 (na tradução oficial 
 portuguesa): “Ninguém será condenado por actos ou omissões que não constituam um 
 acto delituoso, segundo o direito nacional ou internacional, no momento em que 
 forem cometidos. Do mesmo modo não será aplicada nenhuma pena mais forte do que 
 aquela que era aplicável no momento em que a infracção foi cometida. Se 
 posteriormente a esta infracção a lei prevê a aplicação de uma pena mais 
 ligeira, o delinquente deve beneficiar da alteração”.
 
                         Neste contexto, o entendimento do acórdão recorrido de 
 que se verifica uma situação de impossibilidade jurídica – observada na 
 perspectiva de um Estado de direito – de aplicação ao extraditando, pelos 
 tribunais indianos, de pena de morte, respeita o condicionamento de que a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional tem feito depender a admissibilidade 
 da extradição por crimes abstractamente puníveis com pena de morte, pelo que a 
 interpretação e aplicação dadas ao artigo 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova 
 Iorque não viola qualquer princípio ou norma constitucionais, designadamente a 
 do n.º 6 do artigo 33.º da CRP.
 
  
 
                         23. Relativamente aos crimes abstractamente puníveis com 
 pena de prisão perpétua, quer directamente cominada, quer resultante da 
 conversão, por força do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana, é que se 
 poderia colocar a questão da determinação do parâmetro constitucional atendível, 
 atenta a diversidade de redacção dos preceitos constitucionais pertinentes. Com 
 efeito, à data da formulação do pedido de extradição, vigorava a versão dada 
 pela Lei Constitucional n.º 1/2001, que transferiu para o n.º 4 do artigo 33.º 
 da Constituição, sem qualquer alteração de redacção, o n.º 5 do mesmo preceito, 
 introduzido pela revisão de 1997, a que já se fez referência (“Só é admitida a 
 extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado 
 requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade 
 com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade 
 estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante 
 ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou 
 executada”), enquanto à data do acórdão recorrido já vigorava a redacção dada 
 
 àquele n.º 4 pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho (“Só é admitida 
 a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado 
 requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade 
 com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado 
 requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja 
 vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será 
 aplicada ou executada”). Tendo sido mantido o sentido da parte final do 
 preceito (oferecer o Estado requisitante garantias de que a pena ou medida de 
 segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de 
 duração indefinida não será aplicada ou executada), a alteração cifrou-se na 
 substituição da expressão “em condições de reciprocidade estabelecidas em 
 convenção internacional” pela expressão “se, nesse domínio, o Estado 
 requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja 
 vinculado”.
 
                         Essa alteração constitucional teve origem no Projecto de 
 revisão constitucional n.º 3/IX, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, que 
 propunha a adopção da fórmula “se o mesmo Estado mantiver com Portugal convenção 
 internacional sobre a matéria”. Na apresentação dessa proposta, o seu alcance 
 foi assim explicitado pelo Deputado António Montalvão Machado (Diário da 
 Assembleia da República, IX Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, II Série-RC, 
 n.º 5, de 4 de Fevereiro de 3004, pp. 152-153):
 
  
 
             “Sr. Presidente, quanto à proposta em si mesma, ela resulta de uma 
 aparente dificuldade derivada da letra do n.º 4 do artigo 33.º, ao aludir às 
 condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional.
 
             Cremos que a interpretação do n.º 4 do artigo 33.º implica, sem 
 dúvida, que a extradição só deve ser admitida estando em causa pena ou medida 
 de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo, ou 
 duração indefinida, desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que 
 tal pena ou medida de segurança não vai ser aplicada ou executada e em condições 
 de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional.
 
             Ora, como é sabido, Portugal, em bom rigor, jamais poderia celebrar 
 qualquer acordo ou convenção internacional em termos de reciprocidade a 
 propósito da pena privativa de liberdade com carácter perpétuo ou duração 
 indefinida, o que tem gerado dificuldades de interpretação e de aplicação do 
 dispositivo. É que, não tendo Portugal, como não tem, prisão perpétua, nenhuma 
 convenção poderia estabelecer condições de reciprocidade a tal respeito, 
 vinculando os Estados para com Portugal.
 
             A letra que se propõe, ou o texto que se propõe é esclarecedor, 
 pois vai no sentido de tornar claro que a convenção internacional não é, 
 certamente, a propósito da prisão perpétua mas, sim, a propósito da matéria da 
 própria extradição, por isso se estatui que «Só é admitida a extradição por 
 crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou 
 medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo 
 ou duração indefinida, se o mesmo Estado mantiver com Portugal convenção 
 internacional sobre a matéria e ofereça garantias de que tal pena ou medida de 
 segurança não será aplicada ou executada.»
 
             Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estes os dois argumentos. De 
 facto, para Portugal não basta que haja da parte do Estado requisitante a 
 garantia de que não executa uma pena privativa da liberdade com carácter 
 perpétuo; é preciso saber que Estado é que está a solicitar esta extradição – 
 tem de ser, portanto, um Estado que tenha com Portugal convénio acerca 
 justamente da execução da extradição.”
 
  
 
                         Como resulta desta intervenção, a alteração proposta 
 revestir-se-ia de propósitos meramente clarificadores do sentido da expressão 
 
 “em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional”, 
 constante da versão anterior. Na verdade, essa reciprocidade poderia 
 reportar-se ao dever de extraditar, ou ao tipo de crimes identificados pelas 
 penas aplicáveis, ou às garantias. Interpretada no segundo sentido (isto é: no 
 sentido de que Portugal só extraditaria por crimes puníveis com prisão perpétua 
 se o Estado requerente estivesse obrigado, por convenção, a extraditar para 
 Portugal pessoas acusadas por crimes puníveis com igual pena), a regra seria de 
 facto inaplicável dada a inexistência dessa pena na ordem jurídica portuguesa. 
 O sentido da alteração foi, assim, o de assumir que a reciprocidade respeita ao 
 dever de extraditar “nesse domínio” [a substituição da fórmula inicialmente 
 proposta (“se o mesmo Estado mantiver com Portugal convenção internacional 
 sobre a matéria”) pela finalmente adoptada (“se, nesse domínio, o Estado 
 requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja 
 vinculado”) visou, como resulta do debate parlamentar, englobar, para além de 
 convenções bilaterais entre Portugal e o Estado requerente, também as convenções 
 a que estejam vinculados por pertencerem a organizações internacionais 
 outorgantes desses instrumentos].
 
                         Neste contexto, é possível, desde já, concluir que a 
 nova redacção não é mais favorável para o extraditando. Ela será idêntica à 
 anterior se, como no ponto seguinte se apurará, já perante a redacção de 
 
 1997/2001 se devesse reportar a reciprocidade ao dever de extraditar; e será 
 mais desfavorável se se entender, como o recorrente sustenta, que as condições 
 de reciprocidade constantes de convenção respeitavam às garantias. De uma forma 
 ou de outra, não sendo a versão de 2004 mais favorável, ela, de acordo com o 
 critério definido supra, no n.º 20, não será aplicável ao caso dos autos, mas 
 sim a redacção de 1997/2001.
 
                         
 
                         24. Como se referiu, foi com a introdução do n.º 5 do 
 artigo 33.º da CRP pela revisão de 1997, transferido, sem alteração de redacção, 
 para o n.º 4 do mesmo preceito pela revisão de 2001, que essa matéria passou a 
 ser tratada de forma expressa no texto constitucional. A formulação do 
 preceito, na sua literalidade, desde logo aponta para a sujeição da 
 admissibilidade da extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito 
 do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da 
 liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida a dois requisitos 
 distintos, de verificação cumulativa: (i) existência de “condições de 
 reciprocidade estabelecidas em convenção internacional”; e (ii) oferecimento 
 pelo Estado requisitante de “garantias de que tal pena ou medida de segurança 
 não será aplicada ou executada”.
 
                         Relativamente a este último requisito – prestação de 
 garantias de não aplicação ou de não execução da pena em causa –, o Tribunal 
 Constitucional já teve oportunidade de proceder à sua densificação em termos que 
 merecem reiteração. Fê-lo no Acórdão n.º 1/2001, onde, depois de reconhecer ter 
 sido intenção do legislador constituinte de 1997 não alterar a doutrina do 
 Tribunal Constitucional relativa à extradição por crimes a que seja aplicável a 
 pena de morte, mas “criar direito constitucional diferente mais permissivo para 
 a extradição por crimes a que seja aplicável pena ou medida de segurança de 
 carácter perpétuo”, e de registar as passagens mais relevante dos trabalhos 
 parlamentares, incluindo a audição do Presidente do Tribunal Constitucional, 
 concluiu:
 
  
 
             “Torna-se nítido, assim, que a permissão do n.º 5 claramente excede 
 a anterior doutrina do Tribunal; e que tal ocorre quando admite que as garantias 
 sejam apenas de direito internacional público e relativas à mera não execução da 
 pena, mesmo em casos onde esta ainda pode ser aplicada pelos tribunais. Tais 
 serão as garantias anteriores à condenação relativas à aplicação de medidas que 
 pressupõem uma prévia condenação, como sejam o indulto, o perdão, a comutação de 
 pena, a amnistia e análogas medidas de clemência que, por definição, não são 
 obrigatórias do ponto de vista do direito interno, isto é, não são juridicamente 
 decretáveis pelos tribunais, embora possam ser prometidas e devidas a um Estado 
 estrangeiro e, uma vez decretadas, sejam juridicamente vinculantes para os 
 tribunais. As garantias diplomáticas de tais medidas são garantias de direito 
 internacional público – e nesse sentido não são meramente políticas –, mas não 
 são garantias de direito interno imediatamente vinculantes para os tribunais.”
 
  
 
                                     De acordo com este entendimento, que se 
 mantém, a extradição por crime punível com pena de prisão perpétua não depende 
 da verificação de uma situação de impossibilidade jurídica de aplicação dessa 
 pena pelos tribunais do Estado requerente. Mesmo existindo a possibilidade 
 jurídica de aplicação dessa pena, para que a extradição possa ser concedida 
 basta a prestação de garantia de não execução de tal pena, garantia que não pode 
 ser meramente política, mas sim de direito internacional público (o que abrange 
 as garantias diplomáticas), juridicamente vinculativa do Estado requerente 
 perante o Estado requerido e que, uma vez executada (designadamente por 
 comutação, pelo órgão do Estado requerente constitucionalmente competente para 
 o efeito, da pena de prisão perpétua em pena de duração limitada), seja 
 juridicamente vinculativa para os tribunais do Estado requerido. 
 
                                     Mais complexo é o entendimento a dar ao 
 primeiro requisito apontado: existência de condições de reciprocidade 
 estabelecidas em convenção internacional.
 
                                     Já atrás se assinalou o triplo aspecto a que 
 teoricamente este requisito podia ser reportado: ao dever de extraditar, ao tipo 
 das penas ou às garantias. 
 
                                     E também já se apontou o absurdo do segundo 
 entendimento, atenta a inexistência desse tipo de pena no ordenamento jurídico 
 português (já no citado Acórdão n.º 1/2001 se constatara que: “Pelo que 
 respeita, entretanto, à exigência de «reciprocidade» – também feita no n.º 5 do 
 artigo 33.º – não pode ter o sentido de reciprocidade nas condições de 
 extradição por pena ou medida perpétua, pois tal não existe na ordem jurídica 
 portuguesa.”). 
 
                                     A passagem seguinte do referido Acórdão – 
 passagem que se pode considerar, de certo modo, lateral, por versar aspecto que 
 não integrava o objecto do pedido (que incidia apenas sobre as normas relativas 
 
 à possibilidade de extradição por crimes puníveis com pena de morte) – parece 
 apontar para o entendimento de serem “as garantias consideradas suficientes” 
 que teriam de “ser vinculativas por força de uma convenção ou acordo 
 internacional”. Entende-se, porém, que as condições de reciprocidade que devem 
 estar estabelecidas em convenção internacional respeitam ao dever de 
 extraditar. Na verdade, na economia do preceito constitucional, o requisito da 
 prestação de garantias é autónomo e cumulativo relativamente ao requisito da 
 existência de condições de reciprocidade estabelecidas em convenção 
 internacional.
 
                                     Isto é: Portugal aceita extraditar pessoas 
 acusadas de crimes abstractamente puníveis com pena de prisão perpétua se, 
 cumulativamente: (i) o Estado requerente também estiver vinculado, por convenção 
 internacional, a aceitar pedidos de extradição formulados por Portugal 
 
 (obviamente por crimes puníveis por outras penas que não a de prisão perpétua, 
 inexistente no nosso País), designadamente quanto à mesma espécie de crimes em 
 causa no pedido de extradição [o inciso “neste domínio”, adoptado na revisão de 
 
 2004, é interpretado por Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa 
 Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 369) como exigindo que “o crime”, para cujo 
 julgamento seja pedida a extradição, “conste de convenção internacional a que 
 tanto o Estado requisitante como o Estado português se encontram vinculados”]; 
 e (ii) oferecer garantias de que a pena de prisão perpétua não será aplicada. O 
 primeiro requisito compreende-se porque o regime geral da extradição prevê que a 
 falta de reciprocidade não impede a satisfação de um pedido de cooperação 
 judiciária internacional em matéria penal (uma das formas da qual é a 
 extradição) nos casos elencados no n.º 3 do artigo 4.º da LCJIMP. Da norma 
 constitucional resulta, pois, que, estando em causa a extradição por crimes a 
 que é aplicável pena de prisão perpétua, nesses casos é sempre exigível a 
 existência de reciprocidade do dever de extraditar, constante de convenção 
 internacional.
 
                                     Esse é, aliás, o conceito juridicamente 
 corrente do princípio da reciprocidade – do ut des. Como refere Francisco Bueno 
 Arus (“El principio de reciprocidad en la extradición y la Legislación 
 española”, Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, tomo XXXVII, fasc. I, 
 Janeiro-Abril de 1984, pp. 67-79), citando Schultz: “O princípio da 
 reciprocidade estabelece a regra de que uma extradição não é lícita senão 
 quando o Estado requerido obtém do Estado requerente a garantia de que este lhe 
 entregará um fugitivo perseguido por factos idênticos e com as mesmas 
 qualidades pessoais que o perseguido cuja extradição é pedida”.
 
                                     O condicionamento da extradição por crime 
 punível com prisão perpétua à existência de condições de reciprocidade 
 estabelecidas em convenção internacional que      ligue Portugal ao Estado 
 requerente é suficiente para satisfazer as preocupações relacionadas com a base 
 de confiança e com a credibilidade que este Estado deve merecer. Por outro lado, 
 quanto à suficiência de garantias, o que é exigível – como, aliás, o próprio 
 Acórdão n.º 1/2001 assinalou – é que elas sejam vinculativas para o Estado 
 requerente face ao direito internacional público. Ora a vinculação internacional 
 dos Estados não se opera apenas através da celebração de convenções bilaterais 
 ou multilaterais, podendo também resultar de actos unilaterais.
 
                                     A doutrina e a jurisprudência 
 internacional-publicistas de há muito reconhecem aos actos jurídicos unilaterais 
 dos Estados natureza jurídica vinculativa, independentemente de os caracterizar, 
 ou não, também como fonte de direito internacional, e entre esses actos 
 inclui-se a promessa, entendida como a declaração unilateral de vontade pela 
 qual certo sujeito se compromete a agir ou não agir de certo modo ou como o 
 compromisso assumido por um Estado de tomar no futuro determinada atitude (cf. 
 André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional 
 Público, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pp. 265-268; Jorge Miranda, Curso de Direito 
 Internacional Público, 2.ª edição, Lisboa, 2004, pp. 50-53; e Albino de Azevedo 
 Soares, Lições de Direito Internacional Público, 4.ª edição, Coimbra, 1988, pp. 
 
 191-193).
 
                                     Cingindo-nos aos actos jurídicos unilaterais 
 autónomos, isto é, cuja eficácia não depende da aceitação de outrem, entre os 
 quais as promessas (ou garantias), a sua vinculatividade, em termos de direito 
 internacional público, assenta essencialmente no princípio da boa fé. Como 
 refere Eric Suy (Les Actes Juridiques Unilatéraux en Droit International 
 Public, Paris, 1962, p. 151): “O interesse superior da segurança das relações 
 internacionais exige que a promessa seja obrigatória desde que se torne 
 conhecida pelos sujeitos interessados, e esse interesse traduz-se no princípio 
 da boa fé que deve reger todas as relações internacionais. Alargando a noção do 
 pactum, queremos dizer que a norma fundamental, a fonte da promessa, é a norma 
 consuetudinária que prescreve que os compromissos internacionais devem ser 
 respeitados”. Desde que subjacente à promessa esteja a vontade do órgão do 
 Estado de assumir um compromisso e desde que ela seja levada ao conhecimento 
 dos interessados (o que é diferente de ficar dependente da sua aceitação), o 
 princípio da boa fé, internacionalmente reconhecido, constitui o fundamento da 
 vinculatividade jurídico-internacional do compromisso assumido (cf. Paul Reuter, 
 Droit International Public, Paris, 1983, pp. 142-144; e Nguyen Quoc Dinh, 
 Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit International Public, 6.ª ed., Paris, 
 
 1999, p. 359), sendo comummente assinalado que a ausência de formalismo é a 
 regra nos actos unilaterais (Jean-Paul Jacqué, “Acte et norme en droit 
 international public”, Académie de Droit International, Recueil des Cours, 
 
 1991, II, pp. 357-417, em especial p. 379). As específicas categorias de 
 promessas que se traduzem na renúncia ao exercício de um direito são não só 
 admitidas pela prática dos Estados como a doutrina lhes atribui carácter 
 obrigatório, com base na confiança que deve presidir às relações internacionais 
 e a própria natureza dos sujeitos internacionais em causa – os Estados – 
 justifica que à promessa seja atribuída uma eficácia jurídica mais vasta do que 
 a normalmente reconhecida pelos direitos internos a promessas de sujeitos 
 privados (cf. G. Venturini, “La portée et les effets juridiques des attitudes et 
 des actes unilatéaux des États”, Académie de Droit International, Recueil des 
 Cours, 1964, II, pp. 363-461, em especial pp. 394-405).
 
                                     Neste contexto, nenhum razão válida existe 
 para exigir que a prestação de garantia de não execução de pena de prisão 
 perpétua conste de convenção internacional, sendo igualmente vinculativos, à luz 
 do direito internacional público, os compromissos assumidos pelas entidades 
 constitucionalmente competentes para obrigar o Estado requerente através da 
 emanação de actos unilaterais, como as promessas, observados os requisitos atrás 
 enunciados.
 
                                     Conclui-se, assim, não ser 
 constitucionalmente exigível que a prestação de garantias esteja estabelecida em 
 convenção internacional. Desta apenas tem de constar a consagração do princípio 
 da reciprocidade quanto ao dever de extraditar: do ut des.
 
  
 
                                     25. Esclarecidos os requisitos de que 
 depende a autorização de extradição por crime punível com pena de prisão 
 perpétua, de acordo com a versão constitucional de 1997/2001, resta apreciar se 
 os mesmos são respeitados pela interpretação acolhida no acórdão recorrido os 
 respeita.
 
                         Quanto ao primeiro, exigindo a Constituição o 
 estabelecimentos das condições de reciprocidade em convenção internacional, e 
 não necessariamente através de tratado bilateral, esse requisito constitucional 
 mostra-se satisfeito pelo facto de Portugal e União Indiana serem Partes da 
 Convenção de Nova Iorque, que prevê, em condições de reciprocidade para os 
 Estados subscritores, o dever de extraditar pelos crimes em causa nestes autos.
 
                         Quanto à garantia de não aplicação ou execução da pena 
 de prisão perpétua, resulta do exposto no número precedente que essas garantias 
 não têm de estar previstas em tratado bilateral ou outra convenção 
 internacional, bastando que sejam prestadas, caso a caso, pelas autoridades do 
 Estado requerente, em termos que juridico-internacionalmente o vinculem.
 
                         Da natureza judicial do processo de extradição (n.º 7 do 
 artigo 33.º da CRP), resulta que o juízo da suficiência da garantia há-de caber 
 ao tribunal e não às autoridades políticas ou administrativas do Estado 
 requerido. Esse juízo cabe naturalmente ao tribunal comum competente para 
 autorizar a extradição, em cujo âmbito de cognição se insere a interpretação do 
 direito do Estado requerente pertinente para ajuizar da consistência jurídica da 
 garantia oferecida. Neste domínio, entendendo-se, como se entende, que esse 
 juízo de suficiência da garantia formulado pelo tribunal penal não se impõe 
 sempre, como um dado indiscutível, ao Tribunal Constitucional, a intervenção 
 deste Tribunal cinge-se, no entanto, aos aspectos em que esse juízo interfira 
 directamente com os requisitos constitucionais, tendo sempre presente que não 
 lhe compete apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas, mas apenas dos critérios normativos por elas aplicados.
 
                         No presente caso, o STJ, após identificação e 
 interpretação das disposições constitucionais e legais da União Indiana concluiu 
 que a garantia dada pelo Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Assuntos 
 Internos, de acordo com as regras constitucionais próprias de cooperação e 
 interdependência entre o Presidente da União Indiana e os membros do Governo, 
 vinculava juridico-internacionalmente o Estado requerente a, na hipótese de o 
 extraditando vir a ser condenado em pena de prisão perpétua, ser a mesma 
 comutada em pena de prisão em caso algum superior a 25 anos, sendo essa garantia 
 vinculante para o actual e futuros Presidentes e Governos.
 
                         Contra este juízo judicial de suficiência jurídica da 
 garantia prestada não são aduzidos pelo recorrente quaisquer argumentos que 
 pudessem ser ponderados pelo Tribunal Constitucional, na específica função de 
 fiscalizador da constitucionalidade normativa.
 
                         Pelo que, também nesta última perspectiva, não se possa 
 dar por verificada qualquer violação do artigo 33.º, n.º 4, da CRP.
 
  
 
                         III – Decisão
 
                         26. Em face do disposto, acordam em:
 
                         a) Não conhecer do recurso interposto do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Março de 2005;
 
                         b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 9.º, 
 n.º 3, da Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à 
 Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, em 12 de Janeiro de 1998, 
 aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 
 
 40/2001, de 5 de Abril de 2001, e ratificada pelo Decreto do Presidente da 
 República n.º 31/2001, de 25 de Junho, interpretada no sentido de que obriga 
 Portugal à extradição do recorrente para a União Indiana, por crimes, previstos 
 no seu artigo 2.º, a que é abstractamente aplicável pena de morte, quando, por 
 força do artigo 34.º-C da Lei de Extradição indiana, existe impossibilidade 
 jurídica de aplicação dessa pena, e por crimes a que é abstractamente aplicável 
 pena de prisão perpétua, quando exista reciprocidade do dever de extraditar 
 consagrada em convenção internacional da qual Portugal seja igualmente parte e 
 o Estado requerente ofereceu garantia jurídico-internacionalmente vinculante 
 da não aplicação de pena de prisão de duração superior a 25 anos; e, 
 consequentemente,
 
                         c) Negar provimento ao recurso interposto do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 2005.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 Maria Fernanda Palma (Vencida nos termos da declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 Tem voto de conformidade do Ex.mo Cons. Paulo Mota Pinto, que não assina por não 
 estar presente. – Mário Torres
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
                         Perante as dúvidas sobre a constitucionalidade do artigo 
 
 9.º, n.º 3, da Convenção de Nova Iorque – na interpretação segundo a qual 
 Portugal estaria obrigado a extraditar uma pessoa por factos a que corresponda, 
 abstractamente, a pena de prisão perpétua, sem que exista compromisso 
 convencionado entre Portugal e a União Indiana de proceder a tal extradição 
 mediante a prestação de garantias de não aplicação ou execução de tal pena – 
 decidi não contribuir para a maioria que se formou. As minhas dúvidas radicam 
 nos seguintes pontos:
 
                         1.º  Só tem verdadeiramente sentido considerar que o 
 artigo 33.º, n.º 4, da Constituição, na versão vigente à data do pedido de 
 extradição, é a norma constitucional aplicável, mesmo após a nova redacção 
 conferida pela Revisão Constitucional de 2004, se se entender que existe uma 
 verdadeira sucessão de normas constitucionais no tempo, sendo a norma 
 actualmente vigente menos favorável. Se o conteúdo normativo for idêntico, o 
 parâmetro é sempre o mesmo, ou seja, o estabelecido pela versão vigente à data 
 da decisão recorrida (a actual versão);
 
                         2.º  A consideração de elementos literais e históricos 
 na interpretação do artigo 33.º, n.º 4, na versão da Revisão Constitucional de 
 
 2001, leva-me a concluir que eram suportadas pela norma constitucional, então 
 vigente, interpretações segundo as quais a possibilidade de extradição por 
 crimes a que correspondesse no Direito do Estado requisitante a prisão perpétua 
 dependia de convenção internacional, em que o Estado português e o Estado 
 requisitante fossem partes, pela qual se estabelecessem efectivas condições de 
 reciprocidade relativamente ao dever de extradição por tais crimes;
 
                         3.º  Ora, as relações de reciprocidade relativamente ao 
 dever de extraditar por crimes punidos dessa forma pelo Estado requisitante só 
 poderiam ser concebíveis, num contexto lógico-jurídico, se fossem conexionadas 
 com garantias de que tal pena ou medida de segurança não viesse a ser aplicável;
 
                         4.º  O facto de o artigo 33.º, n.º 4, na versão agora 
 considerada, acrescentar à exigência de reciprocidade a exigência de que o 
 Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena não será aplicada ou 
 executada não permite por si concluir que a reciprocidade estabelecida em 
 convenção internacional prescindiria desse tipo de garantias;
 
                         5.º  No contexto histórico que suscitou a Revisão 
 Constitucional, aliás, apenas se justificava eliminar a exigência, decorrente de 
 interpretação da versão anterior da Constituição pelo Tribunal Constitucional, 
 de uma vinculação de fonte jurídica interna do Estado requisitante, recolocando 
 o problema ao nível dos mecanismos da cooperação penal internacional;
 
                         6.º  Foi essa a perspectiva que me levou a subscrever o 
 Acórdão n.º 1/2001, que interpretou o artigo 33.º, n.º 4, após a Revisão 
 Constitucional de 2001, e é esse o sentido que, a meu ver, justificou o consenso 
 formado à volta da ideia de que bastariam as garantias juridicamente vinculantes 
 no plano do Direito Internacional Público;
 
                         7.º  A passagem do plano da vinculatividade das 
 garantias na dimensão jurídica interna para o plano da vinculatividade conferida 
 pelo Direito Internacional Público não significa senão o reconhecimento do 
 valor da cooperação jurídica internacional penal e não um retrocesso, a esse 
 nível, para a mera lógica político-diplomática ancestral do Direito 
 Internacional Público. Só, aliás, o entendimento de que não teria sido 
 suficiente essa alteração de planos justifica a nova redacção da Constituição, 
 como resulta claro da discussão parlamentar;
 
                         8.º  Negar que a Revisão Constitucional de 2004 se 
 orientou num sentido menos garantista no plano jurídico, sendo meramente 
 clarificadora, é negar a evidência do contexto da Revisão. Mesmo que a nova 
 versão apenas viesse impedir interpretações como a que defendi, isso sempre 
 significaria que essas interpretações eram sustentáveis e que, in dubio pro 
 libertate, deveriam ser admitidas.
 
                         Todas estas razões de dúvida profunda quanto à 
 argumentação do Acórdão levam-me a não poder, em consciência, e sem prejuízo de 
 ulterior estudo do problema, fazer parte da maioria que decidiu não julgar 
 inconstitucional a norma agora considerada.
 
  
 Maria Fernanda Palma