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Processo n.º 98/03
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 19 de 
 Setembro de 2002, “completado pelo acórdão de 9 de Janeiro de 2003”, que negou a 
 revista pedida do Acórdão da Relação de Coimbra, de 22 de Janeiro de 2002, 
 acórdão este que, por seu lado, negara a apelação interposta da sentença de 1ª 
 instância que, sob requerimento da credora Caixa Geral de Depósitos, declarara a 
 recorrente em estado de falência.
 
  
 
             2 – Tal como foi fixado no acórdão que deferiu a reclamação da 
 recorrente contra a decisão sumária de não conhecimento do recurso proferida 
 pelo relator, no Tribunal Constitucional, este tem por objecto a norma contida 
 no art.º 8º, n.º 1 e 3 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da 
 Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de 
 Outubro, “segundo a qual o processo de falência pode ser instaurado quando 
 outros processos, nomeadamente, de execução [fiscal] foram instaurados [contra o 
 devedor declarado falido]”.
 
  
 
             3 - Sempre que dispôs de uma oportunidade processual (articulado de 
 oposição ao pedido de declaração de falência; recurso de agravo do despacho 
 judicial que ordenou o prosseguimento do processo de falência a que alude o 
 art.º 25º do CPEREF; articulado de embargos à sentença de decretação da 
 falência; alegações de recurso para a Relação da sentença que julgou 
 improcedentes os embargos; requerimento de reacção à junção ao processo de 
 falência do processo de execução fiscal anteriormente instaurado para a cobrança 
 da dívida da Caixa Geral de Depósitos – CGD – cuja falta de pagamento foi 
 alegada como causa de pedir da falência; alegações apresentadas no recurso de 
 revista para o STJ do acórdão da Relação que negou provimento ao recurso de 
 apelação interposto da decisão de improcedência dos embargos; pedido de reforma 
 do acórdão do STJ que negou tal revista, pedido esse baseado na não aplicação 
 dessa legislação especial invocada – fls.268),  a recorrente sustentou as teses 
 de que estavam em vigor, no momento da instauração de execução fiscal que diz 
 ter ocorrido em 31/3/93 (fls. 215), os artigos 6º do Decreto n.º 16 899, de 27 
 de Maio de 1929, e 3º do Decreto n.º 20 879, de 13 de Fevereiro de 1932, por o 
 seu regime ter sido mantido pelo Decreto-Lei n.º 48 953, de 5 de Abril de 1969 
 
 (art.º 75º), pelo Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro (art. 18º e 25º) e 
 pelo Decreto n.º 694/70, de 31 de Dezembro (art.º 161º ), e ainda por o mesmo 
 ter sido ressalvado pelo art.º 9º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de 
 Agosto (diploma este que aprovou os actuais Estatutos da CGD), e de que da 
 regulação neles estabelecida resultava a impossibilidade de a CGD “abandonar a 
 acção executiva” (fiscal) e instaurar por sua iniciativa e com base no mesmo 
 crédito exequendo, acção de falência contra a executada”, pelo que não lhe era 
 aplicável o disposto (relativamente a essa matéria) no art.º 8º, n.ºs 1 e 3 do 
 CPEREF, e finalmente, de que essas normas “excluíam a aplicação a estas 
 execuções da norma de remessa e junção a eventual processo de falência contra a 
 mesma entidade”.
 
  
 
             4 – Apreciando esta questão o acórdão recorrido discreteou do 
 seguinte jeito:
 
  
 
   «O facto de estarem pendentes execuções promovidas pela embargada não impedia 
 que esta requeresse a falência.
 A embargante está equivocada nesta parte.
 O art. 870º do CPC apenas reconhece a qualquer credor a faculdade de obter a 
 suspensão de execução pendente desde que tenha sido requerido processo de 
 falência do executado.
 Por seu lado, o art.4º do DL 132/93 alterou o art. 264º do C. de Processo 
 Tributário, mandando este sustar os processos de execução fiscal desde que seja 
 declarada a falência.
 Nem vem ao caso o art. 80º da CR.
 Como credora, a embargada tinha o direito de requerer a falência, o que terá 
 feito certamente por se convencer de que assim mais rapidamente poderia reaver 
 pelo menos parte do que emprestou à embargante.
 
  
 Dos interesses da embargada é ela própria quem está em melhores condições para 
 fazer uma avaliação correcta.
 Normalmente os bancos estão bem informados sobre a solvabilidade das empresas.
 Se o 'estrangulamento e impasse que ainda se mantém' da embargante (expressão 
 por ela utilizada na oposição à declaração de falência, segundo a sentença de 
 fl. 136 e seg.) é devida, como afirma, ao facto de a embargada se ter recusado a 
 conceder mais crédito, não pode por aí censurar-se a CGD, que se terá convencido 
 da inutilidade de maior espera no cumprimento da empresa.
 Esta reconheceu nessa oposição a sua impossibilidade para já de pagar o que deve 
 
 à CGD.
 Na mesma sentença (fl. 140) se afirma não dispor a embargante de crédito 
 bancário.
 
  
 Não vêm também ao caso os diplomas relativos à CGD.
 Eles nada têm que ver com o direito de aquela requerer a falência.
 
  
 Não pode assim pôr-se em dúvida o direito de a CGD requerer a falência».
 
  
 
             5 – E tendo a mesma recorrente requerido a aclaração desta decisão, 
 o Supremo Tribunal de Justiça veio ainda a dizer no acórdão em que concluiu pelo 
 indeferimento de tal pedido:
 
             
 
 «A recorrente continua a não entender que a legislação especial da CGD não 
 afasta as regras da falência.
 Esses diplomas conferiram à CGD direitos que outros credores não têm, mas não 
 lhe retiraram por esse facto os direitos comuns de qualquer credor. 
 Nada mais há que dizer a este respeito .
 
  
 A citação do art. 80º da CR tem um intuito demasiado transparente...
 Desatende-se o requerido.
 Custas do incidente pela recorrente».     
 
  
 
             6 - Alegando no Tribunal Constitucional sobre o objecto do recurso 
 de constitucionalidade, a recorrente sintetizou o seu discurso argumentativo nas 
 seguintes conclusões:
 
  
 
   «1ª - O douto acórdão recorrido manteve as decisões das instâncias que haviam 
 decretado a falência da recorrente, com base em requerimento apresentado pela 
 Caixa Geral de Depósitos, nos termos do artigo 8º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do 
 CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, então em vigor, 
 com fundamento num crédito para cuja cobrança coerciva havia também instaurado, 
 e estava pendente, acção de execução fiscal.
 
  
 
 2ª - A Caixa Geral de Depósitos, então qualificada como instituto de crédito do 
 Estado, gozava de determinadas prerrogativas e, de acordo com legislação 
 especial (designadamente o artigo 1º, parágrafo único, do Decreto n.º 16899, de 
 
 27 de Maio de 1929, substituído pelo artigo 61º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 48953, de 5 de Abril de 1969), podia recorrer à acção de execução fiscal para 
 cobrança coerciva dos seus créditos, sendo representada pelo Ministério Público 
 e pelo Chefe de Repartição de Finanças.
 
  
 
 3ª- Essa legislação especial foi mantida em vigor pelos diplomas subsequentes, 
 relativamente às execuções fiscais já instauradas.
 
  
 
 4ª - No uso dessa prerrogativa, a Caixa Geral de Depósitos instaurou em 31 de 
 Março de 1993, na Repartição de Finanças de --------, acção de execução fiscal 
 para cobrança daquele mesmo crédito, emergente de financiamento à construção 
 concedido, tendo sido penhorados nesse processo os imóveis a que se destinou o 
 financiamento, os quais aí foram avaliados em valor que, segundo despacho de 16 
 de Junho de 1999, exarado nos autos pelo próprio Chefe da Repartição de Finanças 
 era suficiente para a liquidação do crédito exequendo e legais acréscimos.
 
  
 
 5ª - Encontrando-se devidamente acautelada a pretensão daquela entidade, podendo 
 obter nesse processo a satisfação do seu crédito através da venda do bem 
 penhorado, revela-se desnecessário, desproporcional e mesmo arbitrário, o pedido 
 para declaração de falência da executada que a mesma entidade apresentou em 8 de 
 Outubro de 1999.
 
  
 
 6ª - Dispondo, segundo lei especial, de um meio eficaz e seguro para realizar o 
 seu interesse, e que causaria menor dano à ora recorrente, a Caixa Geral de 
 Depósitos recorreu a um meio mais lesivo e gravoso, conducente à eliminação de 
 uma outra entidade do mundo jurídico.
 
  
 
 7ª - A falência constitui o meio mais lesivo ao alcance dos credores, que só 
 deve ser utilizado como última ratio e caso os meios coercivos menos lesivos se 
 revelem insuficientes, em nome do princípio da proporcionalidade, da 
 razoabilidade e da proibição de excesso, de modo a garantir a sobrevivência das 
 empresas e da economia em geral.
 
  
 
 8ª - Ao contrário, a utilização desse meio em casos em que, por via de um 
 privilégio executivo específico, se mostra assegurado o interesse da credora, 
 representa uma acumulação de prerrogativas e um abuso da posição de supremacia 
 económica, neste caso de uma instituição de crédito do Estado, susceptível de 
 aniquilar o equilíbrio que deve presidir à economia e de atentar contra a 
 preservação da vida das empresas.
 
  
 
 9ª - Permitindo que uma entidade financiadora pública possa provocar a extinção 
 da entidade financiada, mesmo não estando em perigo a satisfação do seu crédito, 
 num evidente abuso de uma posição hegemónica ofensiva da coexistência do sector 
 público e do sector privado.
 
  
 
 10ª - A utilização desproporcional e desnecessária do requerimento de falência 
 ofende os princípios fundamentais da organização económico-social estabelecidos 
 no art. 80º da Constituição da República Portuguesa, designadamente nas alíneas 
 a) e b), que enformam a constituição económica democrática e que emanam do 
 princípio mais geral do Estado de Direito Democrático, estabelecido no artigo 2º 
 da Lei Fundamental.
 
  
 
 11ª - A possibilidade conferida ao credor pelo artigo 8º, n.º 1, alínea a), e 
 n.º 3, do CPEREF, de requerer a falência de empresa que considere em situação de 
 inviabilidade económica em caso de incumprimento que indicie a impossibilidade 
 de satisfação das obrigações, numa interpretação que abranja hipóteses em que o 
 crédito se mostra devidamente garantido em execução fiscal a que a mesma credora 
 por força de lei especial podia recorrer, viola aquele preceito constitucional.
 
  
 
 12ª - Ao considerar que a requerente Caixa Geral de Depósitos tinha, não 
 obstante verificar-se essa situação, o direito de requerer a falência da 
 recorrente, com fundamento no citado artigo 8º, n.º 3, conjugado com o n.º 1, 
 alínea a), do CPEREF, e ao decretar a falência com base nesse requerimento e 
 nesse crédito, o douto acórdão recorrido violou o citado artigo 80º da 
 Constituição.
 
  
 
  
 
 ***
 
  
 Nestes termos, deverá ser julgada inconstitucional a norma do artigo 8º, n.º 3, 
 conjugado com o n.º 1, alínea a), do CPEREF, aprovado pelo Decreto-lei n.º 
 
 315/98, de 20 de Outubro, na dimensão normativa com que foi aplicada pelo douto 
 acórdão recorrido, por ofender o artigo 80º, alínea a) e b), da Constituição, 
 que contém os princípios da constituição económica democrática e que constituem 
 emanação do princípio mais geral do Estado de Direito Democrático, daí se 
 extraindo as devidas consequências».
 
  
 
             7 – A recorrida Caixa Geral de Depósitos, S.A., contra-alegou, 
 defendendo o julgamento de não inconstitucionalidade, até porque as normas do 
 CPEREF foram já “sobejamente sindicadas” neste sentido pelo Tribunal e não se vê 
 qual seja “a relação lógico-jurídica” entre a natureza da CGD e a previsão das 
 normas que integram o art.º 80º da Constituição.
 
  
 
             Tudo visto cumpre decidir.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             8 – O art.º 8º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código dos Processos 
 Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro (transcreve-se a totalidade do preceito 
 para facilidade de apreensão do seu sentido), dispõe do seguinte modo:
 
  
 
 «Artigo 8º
 Iniciativa dos credores ou do Ministério Público
 
 
 
 1 - Qualquer credor, seja qual for a natureza do seu crédito, pode requerer, 
 em relação à empresa que considere economicamente viável, a aplicação 
 da providência de recuperação adequada, desde que se verifique algum 
 dos seguintes factos reveladores da situação de insolvência do devedor: 
 
 
 a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante 
 ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o 
 devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; 
 
 
 b) Fuga do titular da empresa ou dos titulares do seu órgão de gestão, 
 relacionada com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de 
 substituto idóneo, ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a 
 sua principal actividade;
 
  
 c) Dissipação ou extravio de bens, constituição fictícia de créditos ou 
 qualquer outro procedimento anómalo que revele o propósito de o devedor 
 se colocar em situação que o impossibilite de cumprir pontualmente as suas 
 obrigações.
 
  
 
  2 – O Ministério Público pode requerer a adopção da providência de recuperação 
 adequada, em representação dos interesses que lhe estão legalmente confiados, 
 podendo requerê-la também quando a empresa tenha sido declarada em situação 
 económica difícil e haja interesse económico e social na manutenção da sua 
 actividade.
 
  
 
 3 - Sempre que se verifique algum dos factos referidos nas alíneas a), b) e c) 
 do n.º 1, pode a falência da empresa ser requerida por qualquer credor, ainda 
 que preferente e seja qual for a natureza do seu crédito, quando a não 
 considere economicamente viável, e também pelo Ministério Público, nos 
 termos do disposto na primeira parte do número anterior.
 
  
 
 4 – A falência pode ainda ser oficiosamente decretada pelo tribunal, nos casos 
 especialmente previstos na lei.
 
  
 
   5 – O disposto na primeira parte do n.º 2 e na parte final do n.º 3 não 
 prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do 
 n.º 2 do art.º 22º».
 
  
 
             Com interesse para a compreensão da questão de constitucionalidade – 
 e até porque foi com base em tais normas que o acórdão recorrido manteve a 
 decisão de declaração de falência da recorrente – importa notar o que dispõem os 
 n.ºs 1 e 2 do art.º 1º do CPEREF.
 
             Rezam tais preceitos:
 
             
 
   «1 - Toda a empresa em situação económica difícil ou em situação de falência 
 pode ser objecto de uma medida ou de uma ou mais providências de recuperação ou 
 ser declarada em regime de falência.
 
   2 – Só deve ser decretada a falência da empresa insolvente quando ela se 
 mostre inviável ou se não considere possível, em face das circunstâncias, a sua 
 recuperação financeira”.
 
  
 
             A recorrente defende que a norma constante daqueles n.º 1, alínea a) 
 e n.º 3 do art.º 8º do CPEREF afronta o disposto nas alíneas a) e b) do art.º 
 
 80º da Constituição da República Portuguesa que têm o seguinte teor:
 
  
 
 «ARTIGO 80º
 
 (Princípios fundamentais)
 
  
 
             A organização económico-social assenta nos seguintes princípios:
 a)      Subordinação do poder económico ao poder político democrático;
 b)      Coexistência do sector público, do sector privado e do sector 
 cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;
 c)      ....
 d)      ...
 e)      ...
 f)       ...
 g)      ....».
 
  
 
 9 - Antes de se avançar, convém deixar precisado que não cabe nos poderes do 
 Tribunal Constitucional aferir da correcção do juízo subsuntivo que foi 
 efectuado pelo tribunal a quo, no sentido de considerar que o quadro factual 
 averiguado nos autos integrava os pressupostos normativamente definidos para que 
 pudesse ser decretada a falência da recorrente. 
 Nesta perspectiva, não pode o Tribunal pronunciar-se nem sobre a correspondência 
 
 à verdade dos factos estabelecidos nem sobre a relevância normativa que lhes foi 
 conferida. 
 Do mesmo passo - e independentemente de poder sustentar-se que o valor da 
 avaliação, atribuído pela autoridade exequente aquando da realização da penhora, 
 dificilmente será igual ou superior àquele que virá a obter-se efectivamente 
 através da sua venda, como pressupõe a recorrente, e que mal se entende que 
 algum credor utilize meios processuais que vão contra os interesses de rápida 
 cobrança dos créditos, como aconteceria se a CGD, podendo obter o integral 
 pagamento do seu crédito através de um processo, lançasse mão de outro processo 
 bem mais complexo como é o de falência -,  não cabe nos seus poderes (que, no 
 caso, são de apreciação da alegada inconstitucionalidade normativa) saber se é 
 correcta a afirmação da recorrente de que o pagamento da dívida da Caixa Geral 
 de Depósitos se achava devidamente acautelada porquanto o Chefe de Repartição de 
 Finanças de --------- havia considerado suficiente para a liquidação do crédito 
 a penhora efectuada contra a ora recorrente de certos imóveis.
 A este respeito, poderá pensar-se que a atitude da Caixa Geral de Depósitos de 
 requerer a falência da ora recorrente, depois de haver lançado mão do processo 
 de execução fiscal, possa ter ficado a dever-se, como hipotizou o acórdão 
 recorrido, ao facto de “[a credora] se convencer de que assim mais rapidamente 
 poderia reaver pelo menos parte do que emprestou à embargante”, sendo que “dos 
 interesses da embargada é ela própria quem está em melhores condições para fazer 
 uma avaliação correcta”, como  também, ou até prevalentemente, a outras razões, 
 designadamente, a de uma eventual intenção de poder beneficiar, em caso de 
 verificação da por si pressuposta insuficiência do produto de liquidação de 
 todos os bens da falida para solver as suas dívidas, do regime de extinção dos 
 privilégios creditórios de que gozam certos créditos do Estado, das autarquias 
 locais e das instituições de segurança social, que está previsto no art.º 152º 
 do CPEREF apenas para a hipótese de declaração de falência.
 Em causa está, pois, apenas a questão de saber se a norma contida no art.º 8º, 
 n.º 1, alínea a), e n.º 3 do Código Especial de Recuperação de Empresas e 
 Falências (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, 
 
 “segundo a qual o processo de falência pode ser instaurado quando outros 
 processos, nomeadamente, de execução [fiscal] foram instaurados [contra o 
 devedor declarado falido]”, afronta o disposto nas alíneas a) e b) do art.º 80º 
 da Constituição.
 Ora, não se vê, seguramente, em que possa a possibilidade de a ora recorrida CGD 
 poder lançar mão sucessivamente dos meios processuais da execução fiscal e do 
 processo de falência a fim de poder obter o pagamento, na medida do possível, do 
 montante do seu crédito violar os referidos preceitos das alíneas a) e b) do 
 art. 80º da Constituição.
 Escrevendo sobre o seu sentido, dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pp. 394):
 
  
 
 «II. A subordinação do poder económico ao poder político democrático (al. a) 
 significa, essencialmente, fazer prevalecer o poder democraticamente legitimado 
 sobre o poder fáctico proporcionado pela riqueza ou pelas posições de domínio 
 económico. É esta a chave de toda a constituição económica, a começar por alguns 
 dos restantes princípios aqui definidos, que a este podem ser reconduzidos ou 
 nele encontram explicação (por exemplo, os das als. b, c e f). O poder económico 
 só é subordinável ao poder político democrático desde que este o possa 
 controlar, o que depende quer da dimensão que aquele assuma, quer das posições 
 que ocupe na organização económica. Para impedir preventivamente que o poder 
 económico se venha a tornar incontrolável a CRP, entre outras coisas, estabelece 
 a exigência de eliminação dos monopólios e dos latifúndios (arts. 81º/e e 97º), 
 incumbindo o Estado de assegurar uma equilibrada concorrência entre as empresas 
 
 (art. 81º/f), e veda o acesso do capital privado a sectores básicos da economia 
 
 (art. 87º/3). 
 III. A coexistência de diversos sectores de propriedade de meios de produção 
 
 (al. b), é também, em alguma medida, um princípio que vai ao encontro da mesma 
 preocupação de controlo do poder económico, através da sua diversificação. 
 Garantindo a existência de três sectores de propriedade e de organização 
 económica  (v. especialmente, art. 82º), a Constituição procura gerar também uma 
 espécie de policentrismo económico ou de divisão de poderes a nível da 
 constituição económica, que, de algum modo, contribui para prevenir a emergência 
 de poderes económicos hegemónicos».
 
  
 Entende a recorrente que essa violação decorreria do facto de a CGD poder lançar 
 mão de um processo de execução especial, como é o processo de execução fiscal, e 
 de, nele, poder ser representada pelo Ministério Público e pelo Chefe de 
 Repartição de Finanças.
 Mas, independentemente de saber-se se o que a recorrente designa por 
 
 “representação” da exequente pelo chefe de repartição de finanças não 
 corresponde, na economia do processo de execução fiscal, a uma mera oficiosidade 
 de actuação do órgão administrativo-fiscal a quem compete a prática dos actos 
 executivos de natureza não jurisdicional (já que os que tenham esta natureza são 
 da competência dos tribunais tributários, como sempre se tem entendido no 
 respectivo contencioso), que encontra a sua razão de ser em razões de celeridade 
 e simplificação processuais, e se o Ministério Público tinha legitimidade para 
 representar a exequente CGD (o que é mais do que duvidoso e nem o acórdão 
 recorrido o considera), sempre essa possibilidade de “representação” não  exime 
 a exequente do cuidado de, em vista dos ganhos de  celeridade processual que 
 enforma este tipo de processo,  dar conhecimento a tal órgão de todos os 
 elementos de facto úteis ao prosseguimento do processo de execução e de, para 
 tanto, se poder fazer representar por mandatário judicial no processo. 
 Note-se, no entanto, que os princípios da celeridade e da simplificação 
 processuais não constituem princípios específicos do processo de execução 
 fiscal, sendo antes princípios gerais de todas as formas de processo, cuja fonte 
 se localiza no próprio direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado 
 no art. 20º da CRP, e que a recente reforma da acção executiva levada a cabo 
 pela mão do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, se baseou, em grande medida, 
 na sua afirmação, tendo para tanto desjurisdicionalizado, paralelamente ao que 
 sucedia no processo de execução fiscal, o processo de execução comum no que 
 tange aos actos de natureza não jurisdicional. Assim, para obter esses ganhos, o 
 legislador não deixou cometer a prática desses actos não jurisdicionais ou aos 
 funcionários judiciais ou aos solicitadores de execução.
 O que seguramente não se vê é que a possibilidade daquela intervenção, de cariz 
 estritamente processual, tenha o condão de colocar a CDG numa situação de 
 supremacia jurídica perante a recorrente, diferente daquela de que usufruiria, 
 como qualquer credor no processo de execução comum, relativamente à 
 possibilidade de realização do seu direito de crédito sobre a mesma recorrente. 
 E diz-se isto porque nem a exequente, atenta a dimensão económico-financeira da 
 sua empresa, teria quaisquer dificuldades adicionais relativamente aos demais 
 credores, de cuja existência pudessem beneficiar directamente os seus devedores 
 em geral e a recorrente em particular, em poder socorrer-se de mandatários 
 judiciais que requeressem as pertinentes diligências processuais, nem o seu 
 direito de crédito beneficia de qualquer modificação no que respeita ao regime 
 de garantia de cumprimento da respectiva obrigação (garantia geral ou garantias 
 especiais de que porventura goze) pelo facto de vir a ser cobrado coercivamente 
 em processo de execução fiscal (cf. neste sentido, Acórdãos do STA, proferidos 
 nos procs. n.ºs 20 174, 24 128, 22 019, 25 236 e 24 879, respectivamente, de 
 
 13/11/1996, 12/01/2000, 10/5/2000, 31/01/2001 e 16/1/2202, todos disponíveis, 
 alguns em texto completo, em www.dgsi.pt/jsta). 
 
             Dentro da mesma linha importa, ainda, acentuar que a impossibilidade 
 de a falência do executado poder ser decretada em processo de execução fiscal 
 tem apenas que ver, essencialmente, com as circunstâncias de o processo de 
 falência constituir uma execução universal a favor de todos os credores do 
 património do falido e de o legislador considerar que a sede mais adequada para 
 tal execução será a forma de processo civil de declaração de falência, em 
 virtude de, eventualmente, poderem suscitar-se e haverem que decidir-se, a 
 título principal, diversas questões de direito privado, relacionadas não só com 
 a existência dos créditos e as suas garantias mas também com a propriedade dos 
 bens ou direitos apreendidos para a massa falida e de, ainda, em regra, a 
 maioria dos créditos e dos seus titulares estar sujeita ao regime de direito 
 comum.
 Note-se, no entanto, que no que tange à impossibilidade de o credor poder 
 requerer a declaração de falência do devedor nem sequer existe qualquer 
 diferença entre as duas formas de processo (fiscal ou comum). 
 
 É que, não obstante o credor comum haver instaurado processo de execução comum, 
 não fica ele, também, impedido de requerer a declaração de falência do devedor, 
 mediante pedido autónomo a ser efectuado em processo especial de recuperação de 
 empresa e de falência (cf. art.º 870º do CPC, na versão anterior e posterior à 
 reforma do CPC de 1995) ou seja, fora do processo de execução civil. 
 E a tudo isto acresce que, declarada que seja a falência, tanto o credor que 
 haja de demandar o devedor em processo de execução fiscal como aquele que tenha 
 de utilizar o processo comum ficam, exactamente, na mesma situação de apenas 
 poderem reclamar o pagamento dos seus créditos na execução universal.
 A opção do legislador de atribuir aos tribunais fiscais, desde o art.º 1º do 
 Decreto n.º 16 899, de 27 de Maio de 1929, e sempre mantida nas subsequentes 
 alterações que o Estatuto da mesma Caixa sofreu até à entrada em vigor (mas com 
 ressalva das execuções pendentes) do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, a 
 competência para conhecer da execução coerciva de dívidas da Caixa Geral de 
 Depósitos e de a sujeitar ao processo de execução fiscal, deveu-se ao seu 
 entendimento de que a cobrança dos créditos que visavam prosseguir ou satisfazer 
 finalidades de interesse público devia ser cometida a tais tribunais e ser 
 efectuada mediante tal processo, em virtude de este estar estruturado, 
 comparativamente ao homónimo de processo civil, em termos de exigir uma menor 
 intervenção das partes durante o seu desenvolvimento (cf. Jorge Lopes de Sousa, 
 Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, 3ª edição, revista e 
 aumentada, 2002, pp. 755).
 Na verdade, a Caixa Geral de Depósitos, até ao referido Decreto-Lei n.º 287/93 – 
 diploma este que procedeu à sua conversão em sociedade anónima de capitais 
 exclusivamente públicos e à cisão dos serviços de seguida mencionados -  foi um 
 instituto público a quem a lei atribuía deveres de ordem pública, como, entre 
 outros, os de administrar a Caixa Geral de Aposentações e o Montepio dos 
 Servidores do Estado (art. 4º do Decreto-Lei n.º 48 953, de 5-4-69), “colaborar 
 na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo 
 e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvimento económico e 
 social, na acção reguladora dos mercados monetário e financeiro e na 
 distribuição selectiva do crédito” (art. 3º do mesmo diploma), e “cooperar na 
 resolução do problema habitacional, mediante o crédito para construção ou 
 aquisição de residência própria, o financiamento à construção civil para 
 edificação de habitações destinadas à venda ou arrendamento em condições 
 acessíveis, e a aplicação de fundos da Caixa Nacional de Previdência na 
 construção ou aquisição de casas para funcionários do Estado e dos corpos 
 administrativos” (art. 7º, n.º 16, do mesmo diploma) (cf., Jorge Lopes de Sousa, 
 op. cit. pp. 755).
 Tendo o legislador cometido à CGD a satisfação destas necessidades públicas, não 
 se mostra, de modo algum, abusivo, arbitrário ou manifestamente 
 desproporcionado, que, simultânea e diferentemente do que se passa relativamente 
 
 às outras entidades bancárias, a tenha aliviado de certos encargos processuais 
 com a cobrança dos créditos com que, pelo menos em parte, satisfazia essas 
 necessidades públicas.
 De resto, a atribuição dessas prerrogativas processuais não deixa de constituir, 
 precisamente, uma expressão de afirmação da subordinação constitucional do poder 
 económico ao poder político, na medida em que elas representam uma contrapartida 
 pelo prosseguimento por parte da CGD dos interesses públicos que são 
 predeterminadamente definidos pelo legislador, em concretização de valores que a 
 Constituição de 1976 não deixou de igualmente assumir como direitos sociais ou 
 como injunções constitucionais (cf., artºs 65º e 101º, da CRP, na versão 
 actual). 
 Por outro lado, não se descortina, na atribuição legislativa à CGD da 
 possibilidade de poder requerer a execução coactiva dos seus créditos em 
 processo de execução fiscal, qualquer posição de agravamento substantivo da 
 situação do devedor, dado que este – no caso, a recorrente – continua apenas a 
 estar obrigado a cumprir a obrigação nos mesmos termos em que o estaria se a 
 execução houvesse de obedecer, como hoje acontece, ao regime do processo comum 
 de execução.
 Mesmo a admitir-se sem discussão a possibilidade de as entidades bancárias 
 
 “poderem contribuir para a destruição de pequenas empresas que careçam de 
 recorrer aos seus serviços” (para utilizar as palavras da recorrente), ela em 
 nada se altera só porque a CGD tem a possibilidade de lançar mão do processo de 
 execução fiscal e outras empresas têm de socorrer-se do processo comum. 
 O que poderia sair afectado, a não haverem razões para atribuir um meio 
 processual tido por menos oneroso para o credor, seriam os princípios 
 constitucionais da igualdade e da concorrência salutar entre as entidades 
 bancárias [art. 13º e 99º, alínea a), da CRP].
 Todavia, um tal resultado hipotético será completamente estranho à situação  
 jurídico-material dos devedores, como a da recorrente (lembre-se, a propósito, 
 que o Tribunal Constitucional sempre se pronunciou pela negativa quanto àquela 
 questão – cf., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 371/94, 508/94, 509/94 e 
 
 579/94, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 A posição de o legislador subtrair à CGD a possibilidade de requerer a 
 declaração de falência do devedor, no caso de se verificarem os pressupostos 
 estabelecidos na lei respectiva, só pelo facto de ter direito de utilizar um 
 processo de execução tendencialmente menos oneroso do que o processo de execução 
 comum, seria, ao contrário do que sustenta a recorrente, querer colocá-la em uma 
 posição mais gravosa do que a conferida aos outros credores, não obstante estes 
 não estarem obrigados a prosseguir políticas públicas de satisfação de 
 interesses colectivos, na medida em que se lhe retirava a possibilidade de poder 
 usufruir do regime de extinção dos privilégios creditórios, de que acima se 
 falou, e de, eventualmente, poder vir a ser paga do seu crédito com precedência 
 aos credores munidos apenas desses privilégios. 
 Finalmente, não decorre dos parâmetros constitucionais invocados pela recorrente 
 que o legislador ordinário haja de tolerar a existência de empresas que não 
 cumprem as obrigações de pagamento das suas dívidas para com as outras empresas 
 do tecido económico, pondo em risco a subsistência destas e, reflexamente, a de 
 muitos outros interesses, alguns de natureza pública.
 A posição defendida pela recorrente conduziria ao absurdo de, não obstante  se 
 considerar compatível com os parâmetros constitucionais, de acordo com a 
 referida jurisprudência constitucional, a atitude legislativa de atribuir à CGD 
 o direito de executar os seus créditos através do processo de execução fiscal 
 para lhe propiciar a mais fácil arrecadação dos seus créditos e  assim poder 
 prosseguir os ditos fins públicos, se vir depois, por força da mesma Lei 
 fundamental, ao fim e ao cabo, a colocá-la em uma posição mais gravosa do que a 
 dos demais credores obrigados a utilizarem o processo de execução comum para a 
 cobrança dos seus créditos, ao vedar-lhe a possibilidade de não poder requerer a 
 falência e aproveitar-se daquele regime de extinção dos privilégios creditórios.
 Por último, a solução defendida pela recorrente conduziria, igualmente, à 
 situação paradoxal de ser conforme com os alegados parâmetros constitucionais a 
 solução de a CGD ter, obrigatoriamente, de reclamar o seu crédito em processo de 
 falência quando este fosse instaurado por outro credor, porventura titular de 
 créditos incumpridos muitíssimo inferiores aos seus, com a possibilidade, então, 
 do consequente aproveitamento do referido regime de extinção dos privilégios 
 creditórios, mas já ser desconforme com os mesmos parâmetros constitucionais a 
 regra de poder ela mesma requerer a declaração de falência do devedor quando 
 entenda que essa declaração é a melhor solução para a defesa dos seus 
 interesses, mesmo de natureza pública.
 Temos de concluir, portanto, que a norma impugnada não afronta a Constituição.
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 10 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 
             a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 8º, n.º 
 
 1, alínea a), e n.º 3 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da 
 Empresas e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de 
 Outubro, no sentido segundo o qual o processo de falência pode ser instaurado 
 quando a CGD tenha instaurado anteriormente processo de execução fiscal contra o 
 devedor para cobrança do mesmo crédito;
 
  
 b) Negar provimento ao recurso;
 
  
 c) Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UCS.
 
  
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos