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Processo n.º 667/05
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
  
 Em 6 de Setembro de 2005 foi proferida neste processo a seguinte decisão 
 sumária:
 
  
 A. foi condenado no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, pela prática de três 
 crimes de homicídio qualificado (um na forma consumada e dois na forma tentada), 
 na pena única de vinte e cinco anos de prisão. Inconformado, interpôs recurso 
 para a Relação de Guimarães que, quanto à decisão final, manteve a condenação, 
 negando provimento ao recurso.
 De novo inconformado, recorreu para ao Supremo Tribunal de Justiça que, por 
 acórdão proferido em 16 de Junho de 2005, decidiu conceder parcial provimento ao 
 recurso no tocante à qualificação dos crimes, à medida das penas impostas e à 
 medida da pena única, condenando-o na pena única de dezassete anos de prisão.
 Ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC), pretende agora recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça e do antecedente acórdão da Relação de Guimarães.
 Todavia, o recurso interposto do acórdão da Relação de Guimarães, apesar de 
 admitido, não pode ter seguimento; na verdade, desse acórdão houve recurso 
 ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que só da decisão deste 
 Tribunal cabe recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. n. 2 do artigo 70º da 
 LTC).
 Quanto ao recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, invoca o recorrente 
 no seu requerimento o seguinte:
 
  
 
 “O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 127º do CPP com o 
 sentido de que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração em 
 julgamento de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de 
 nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do CPP.
 Interpretou ainda a norma constante do artigo 147º do CPP – constituindo um meio 
 de prova – como não sendo necessário cumprir os formalismos definidos nessa 
 norma mesmo que no decorrer do inquérito e instrução também, esses formalismos, 
 tenham sido preteridos.
 Essa interpretação não encontra correspondência no artigo 147º do CPP.
 Acresce que esta interpretação contende com o estatuído no artigo 32º nºs. 1 e 5 
 da CRP. 
 
 (…) Além do mais, o douto tribunal ao interpretar o artigo 127º e 147º com o 
 sentido da desnecessidade do cumprimento do estatuído nesta norma está a invadir 
 os poderes do legislador e assim, esta interpretação, contender com o estatuído 
 no artigo 2º da CRP.
 O recorrente suscitou a inconstitucionalidade destas normas nas motivações e 
 conclusões dos seus recurso para o Venerando Tribunal da Relação e Supremo 
 Tribunal de Justiça.”
 
  
 Perante um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da 
 LTC, impõe-se previamente verificar se o acórdão recorrido aplicou as referidas 
 normas do Código de Processo Penal com a interpretação normativa invocada pelo 
 recorrente e arguida de inconstitucional.
 Pode ler-se, no que ora releva, na decisão recorrida:
 
  
 
 '(...) 
 De resto, o reconhecimento disciplinado no art. 147º do CPP é um meio de prova 
 e, se fosse de realizar em audiência de julgamento, não tendo sido indicado na 
 acusação ou na contestação, teria que obedecer ao preceituado no art. 340º do 
 CPP, de acordo com o qual o tribunal, oficiosamente ou sob requerimento procede 
 
 à produção dos meios de prova que se afigurarem necessários à descoberta da 
 verdade e à boa decisão da causa e se ele, tribunal, considerar necessária a 
 produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da 
 contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos 
 processuais e fá-lo constar da acta.
 Ora, não tendo sido esse o caso (até porque, como vimos, o reconhecimento é 
 essencialmente um meio de prova a produzir na fase de investigação), não tendo 
 sido indicado pela acusação nem pela defesa, nem ficado a constar da acta, o 
 reconhecimento a que se faz referência na motivação da convicção não foi usado 
 como meio de prova, mas como instrumento ou meio acessório de verificação, nos 
 termos atrás assinalados e constantes do acórdão recorrido.'
 
  
 E mais adiante acrescenta: 
 
  
 
 [...] O que neste [refere-se ao acórdão da Relação de Guimarães] se considerou 
 com toda a clareza foi que o reconhecimento feito em audiência de julgamento não 
 obedece ao formalismo do art. 147º do CPP, pois tal forma de reconhecimento não 
 passa de um elemento aferidor da credibilidade do depoimento prestado por 
 determinada testemunha e a avaliar nos termos do art. 127º do mesmo diploma 
 legal. Essa situação poder-se-ia descrever como aquela em que o juiz pergunta a 
 certa testemunha como é que conhece o arguido, de onde o conhece, como o 
 reconhece, pedindo-lhe para descrever o arguido no aspecto físico que tinha no 
 passado e compará-lo com o aspecto físico actual, para tanto socorrendo-se mesmo 
 de fotografias juntas aos autos e, através delas, pedir à testemunha para 
 salientar a evolução sofrida, em termos de imagem, pelo mesmo arguido.
 Ora, esta situação não configura um reconhecimento no sentido específico que lhe 
 dá o art. 147º do CPP, ao estatuí-lo como meio de prova. É apenas um elemento 
 auxiliar para controle da verificação do depoimento, como acima dissemos.
 
 […] Por outro lado, não se vê como tenham sido postergados, ou sequer diminuídos 
 os direitos de defesa, incluído o contraditório, na amplitude conferida pelo 
 art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República, em sintonia com a consagrada 
 fórmula constitucional do Estado de direito democrático, que decorre do art. 2 
 da mesma lei fundamental.
 Como se acentua na decisão recorrida, o recorrente teve oportunidade de exercer 
 o direito de defesa e o contraditório, este como modalidade específica daquele, 
 pois não lhe foi sonegada a possibilidade de se defender das afirmações feitas 
 pelas testemunhas, como de as submeter ao «fogo» do contraditório, com a 
 faculdade, a mais ninguém reconhecida, de as contra-interrogar em último lugar 
 e, assim, deixar no tribunal a derradeira impressão causada por essa instância 
 das testemunhas.'
 
  
 
 É assim de concluir que a interpretação normativa questionada pelo recorrente 
 não foi efectivamente a aplicada na decisão recorrida, pelo que se não mostram 
 verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
  
 
 É desta decisão que A. reclama, nos termos do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC para 
 a conferência, nos seguintes termos:
 
  
 
 [...] 
 Recurso interposto do Tribunal da Relação de Guimarães
 Com efeito, entendeu a douta decisão agora censurada, que não pode conhecer do 
 recurso constitucional interposto do douto acórdão da Relação de Guimarães, por 
 se ter seguido um recurso ordinário para o STJ e por isso só deste, caberia 
 recurso para o TC.
 Salvo o devido respeito, entendemos que bem andou o recorrente ao interpor, 
 naquele caso, o requerimento de interposição de recurso Constitucional logo no 
 Tribunal da Relação de Guimarães.
 Prescreve o n.º1 do art. 76° da LTC o seguinte:
 Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão 
 do respectivo recurso.
 Prescreve o n.º1 alínea c) do art. 400° do CPP:
 
  1. Não é admissível recurso:
 a)...
 b)...
 c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à    
 
     causa;
 A questão que veio a ser decidida pela Relação de Guimarães e que mereceu 
 recurso directo para o TC, integra-se na previsão das normas acima transcritas e 
 não no âmbito de aplicação do n.º 2 do art. 70° da LTC.
 
 É que a Relação de Guimarães decidiu em ultima instância no caso dos recursos 
 intercalares interpostos antes do acórdão final da 1ª instância. No caso 
 concreto, tratou-se de um recurso interposto na primeira sessão da audiência 
 
 (fls. 1388 e ss.) e que veio a ser admitido com subida deferida.
 Deste recurso interlocutório, veio o douto acórdão da Relação de Guimarães 
 conhecer a fls. 40,41,42 e 43.
 Foi desta decisão que o arguido veio a interpor para o TC, por a relação de 
 Guimarães ter decidido em última instância, não se admitindo aqui, mais recursos 
 ordinários.
 Assim, o recorrente entregou o seu requerimento de recurso junto do Tribunal da 
 Relação de Guimarães, que por intermédio do Sr. Juiz desembargador Relator, 
 competia apreciar e admitir o recurso para o TC.
 Deveria pois o recurso interposto da Relação, salvo o devido respeito por 
 diversa opinião, ter sido julgado por este Tribunal Constitucional.
 Recurso interposto do Supremo Tribunal de Justiça
 O recorrente entende, salvo o devido respeito, que o trecho que veio a ser 
 transcrito pela decisão sumária agora reclamada, não obstante equivaler à 
 conclusão final do acórdão preferido pelo STJ, não reflecte, quer a argumentação 
 deste, quer o entendimento da Relação de Guimarães quanto à questão da aplicação 
 ou não do artigo 147° do C.P.P.
 No fundo, aquilo que com o devido respeito queremos dizer, é que quer o Ac. da 
 Relação de Guimarães, quer o douto acórdão do STJ, implicitamente (ao menos) 
 entenderam o que se passou em audiência como um reconhecimento tipificado no 
 art. 147°.
 Mas não foi só o arguido que entendeu assim.
 Também o MP junto da Relação de Guimarães, na sua resposta ao recurso do ora 
 reclamante, escreveu:
 
 5-A única questão onde, eventualmente. se poderia suscitar alguma discórdia 
 seria a do reconhecimento feito em audiência.
 O S.T.J. entende, em diversos arestos, que o reconhecimento feito em audiência 
 não se encontra sujeito aos requisitos do art.° 147 do CPP. A disciplina de tal 
 normativo só se aplicaria nas fases de inquérito e de instrução.
 Ora, como acabamos de verificar, o MºPº junto da Relação entendeu que o acórdão 
 ai recorrido, tinha decidido de uma forma que admitia discórdia, ao validar um 
 reconhecimento efectuado em audiência, sem o cumprimento de qualquer formalidade 
 prevista no art. 147°.
 O douto acórdão do STJ, decidiu no mesmo sentido, ou seja, considerou que se o 
 arguido já estava identificado, mesmo que não tenha havido em anteriores fases 
 um reconhecimento formal e positivo, não há que proceder ao reconhecimento nos 
 termos do art. 147°, em audiência.
 Recorde-se, que o reclamante colocou em causa perante este Tribunal 
 Constitucional, foi o alcance do art. 127° numa situação concreta de 
 reconhecimento em audiência, sem qualquer diligência de reconhecimento (art. 
 
 147°) em anteriores fases processuais, ou em audiência.
 O douto Ac. da Relação de Guimarães, para a mesma situação concreta, chamou 
 reconhecimento (art. 147º) ao que se passou em audiência, o douto Ac. do S.T.J., 
 raciocinou da mesma forma, mas, escreveu que não a considera como uma diligência 
 de reconhecimento prevista no art. 147°.
 Parece-nos, salvo o devido respeito, que o Tribunal Constitucional não pode 
 ficar refém de uma defesa formal, neste caso, e na nossa opinião do reclamante, 
 levada a cabo pelo douto acórdão do S.T.J.
 Por outro lado:
 Ultrapassando as questões formais atrás referidas, a interpretação normativa 
 levantada pelo recorrente pode-se, considerar ainda aplicada pelo acórdão 
 recorrido.
 Para nós, aquilo que o douto acórdão do S.T.J. avaliza, é uma possibilidade de o 
 princípio da livre apreciação da prova (art.127°), alcançar e substituir um 
 reconhecimento formal (art. 147°).
 O raciocínio do douto acórdão recorrido, vai no sentido de considerar que o 
 arguido, uma vez que já está identificado (fls. 23 do douto acórdão recorrido), 
 não fazer sentido chamar reconhecimento, ao acto de apontar o dedo em audiência.
 Mas, se por um lado admitimos que o arguido já se encontra identificado para o 
 Tribunal, já não admitimos, que o arguido se encontra identificado para a 
 testemunha. Até porque, essa mesma testemunha, em fases anteriores, não 
 reconheceu (art.147°) o arguido.
 Pelo que, também por aqui, o que se passou em audiência, corporiza um verdadeiro 
 reconhecimento para aquela testemunha, não tendo sido em nenhuma, fase do 
 processo, cumprido qualquer formalidade prevista no art. 147° do CPP. 
 Aliás, não estando o arguido identificado (ou reconhecido) para aquela 
 testemunha, a lei obriga a que se proceda ao reconhecimento previsto no art. 
 
 147°. Tendo o douto acórdão recorrido considerado tal ser desnecessário, é 
 legitimo considerar a violação do art. 2° da CRP.
 
  
 
  
 O representante do Ministério Público neste Tribunal entende que a reclamação é 
 manifestamente improcedente. 
 
  
 Importa decidir.
 
  
 Suscita em primeiro lugar o recorrente a questão do conhecimento do recurso 
 interposto do acórdão proferido na Relação de Guimarães. 
 Diz o reclamante que interpôs em 5 de Julho de 2005 recurso para o Tribunal 
 Constitucional da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu em 
 
 última instância recursos intercalares e da qual já não cabia recurso ordinário. 
 Acontece, porém, que o recurso de inconstitucionalidade que, já em 2 de Novembro 
 de 2004, tentara interpor do aludido acórdão da Relação de Guimarães (fls. 
 
 2003), não fora admitido por despacho do Desembargador relator de 24 de 
 Novembro, com fundamento na circunstância de caber ainda recurso ordinário do 
 acórdão impugnado. O recorrente conformou-se com o despacho de não recebimento 
 do seu recurso, pelo que se mostra definitivamente decidida no processo essa 
 questão.  
 O recorrente interpõe agora, novamente, recurso do aludido aresto. Ora, nesta 
 fase, e tal como se disse na decisão reclamada, não cabe dessa decisão o recurso 
 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
 É, assim, de manter a decisão reclamada, nesta parte.
 
  
 No que respeita ao recurso interposto do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça, haverá que reconhecer que a reclamação não ataca verdadeiramente o 
 fundamento da decisão sumária, pois o reclamante não contesta que a 
 interpretação por si questionada não foi a aplicada no acórdão recorrido. O que 
 diz, é que “a interpretação normativa levantada pelo recorrente se pode 
 considerar ainda aplicada pelo acórdão recorrido”, insistindo na tese de que o 
 
 “reconhecimento” feito na audiência de julgamento, por uma testemunha, constitui 
 o reconhecimento previsto no artigo 147º do Código de Processo Penal, que foi 
 valorado como tal. Ora, o aresto recorrido é bem claro quanto a esta questão, 
 quando refere que “tal forma de reconhecimento não passa de um elemento aferidor 
 da credibilidade do depoimento prestado por determinada testemunha e a avaliar 
 nos termos do artigo 127º do mesmo diploma legal” e que “não foi usado como meio 
 de prova, mas como instrumento ou meio acessório de verificação”.
 
  É, por isso, de entender, como se faz na decisão ora em reclamação, que o 
 Tribunal recorrido não aplicou a norma com a interpretação impugnada.
 
  
 Improcede, nestes termos, a reclamação, pelo que se decide manter integralmente 
 a decisão de não conhecer do objecto dos recursos.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em _20_ UC.
 
  
 Lisboa, 10 de Novembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos