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Processo n.º 767/04 
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão 
 
  (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)
 
  
 
  
 Acordam, na 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
 
  
 I – Relatório.
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A., ora 
 recorrido, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, 
 emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra a 
 B., ora recorrente, pedindo a condenação desta última a restituir-lhe o trabalho 
 e as funções de repórter e redactor, a reconhecer o carácter remuneratório de 
 determinadas prestações, bem como a insusceptibilidade de ser reduzido o 
 respectivo montante, e ainda a pagar-lhe certas quantias a título de sanção 
 pecuniária compulsória, diferenças salariais, retribuições e danos patrimoniais, 
 tudo acrescido de juros de mora. Por sentença do 1º Juízo do Tribunal de 
 Trabalho de Lisboa, de 16 de Julho de 2001, foi a acção foi julgada parcialmente 
 procedente, tendo a ré sido condenada nos termos constantes de fls. 418 e 419.
 
  
 
 2. Inconformada, a ré, ora recorrente, interpôs recurso de apelação para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe negou provimento por acórdão de 9 de 
 Outubro de 2002. 
 
  
 
 3. Ainda inconformada, a Recorrente interpôs recurso de revista para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 16 de Junho de 2004, constante de 
 fls. 1359 e seguintes, decidiu “conceder parcial provimento ao recurso, 
 revogando-se o acórdão recorrido na parte relativa à condenação dos juros de 
 mora, os quais são devidos em relação às remunerações em dívida desde o 
 vencimento de cada uma das prestações, e em relação à indemnização por danos não 
 patrimoniais desde a sentença da 1ª instância”. O Supremo Tribunal de Justiça 
 sustentou assim, para o que agora releva, a sua decisão:
 
 “2. Da admissibilidade, ou não da gravação da audiência
 
 [...] E não se diga, como a recorrente, que a interpretação jurisprudencial no 
 sentido da inadmissibilidade da gravação da prova, no domínio do CPT/81 é 
 inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e de 
 acesso aos tribunais, podendo mesmo afectar a garantia constitucional da 
 utilização de um processo equitativo.
 Em relação ao primeiro dos princípios invocados, importa ter presente que a 
 interpretação normativa acolhida trata de igual modo todas as partes que estejam 
 na mesma situação: isto é, em processo laboral, ao qual seja aplicável o CPT/81, 
 independentemente das partes, não é admissível a gravação da prova, ou, ainda 
 que se tenha procedido à mesma, tal constitui um acto inútil, não vinculando o 
 tribunal superior a reapreciar a prova com base nessa gravação.
 Daí que não se possa falar em tratamento discriminatório, ou até arbitrário, por 
 parte do tribunal, sendo certo que a violação do princípio da igualdade não pode 
 resultar «... da comparação entre os resultados de uma interpretação normativa 
 tida por correcta pelo interessado, mas tão só da comparação, relativamente a 
 cada uma dessas interpretações, do tratamento dado às diversas categorias de 
 destinatários, postergando diferenciações de tratamento não materialmente 
 fundadas».
 De igual modo, não se pode ter por violado o princípio de acesso aos tribunais, 
 ou de utilização de um processo equitativo, uma vez que de tais princípios não 
 pode decorrer o direito das partes a recorrerem de toda e qualquer decisão 
 judicial.
 Ademais, o facto de nas situações jurídicas em causa, não ser admissível a 
 gravação da audiência, não impede, como já se deixou implícito supra, que a 
 decisão da matéria de facto possa vir a ser alterada (cfr. artigos 712º, 722º, 
 n.º 2, e 729º, n.º 3, do CPC).
 De resto, no domínio do diploma em causa (CPT/81), sempre que as partes têm a 
 faculdade de requerer que a matéria de facto seja julgada por três juízes, ou 
 seja, com intervenção do tribunal colectivo (cfr. artigo 63º, do CPT).
 Improcede, por consequência, a alegada inconstitucionalidade, na interpretação 
 que considera inadmissível a gravação da prova no domínio do CPT de 1981.[...]
 
 3. Da categoria profissional do autor/recorrido
 
 [...] Concluindo nós, como concluímos, que a ré retirou ilegitimamente ao autor 
 as funções de redactor e repórter que ele vinha exercendo, daí decorre, como 
 consequência, a reconstituição da situação que existiria caso esse acto 
 ilegítimo não fosse praticado, ou seja, o autor colocado novamente nas funções 
 de redactor e repórter e, referente ao período em que foi retirado das funções, 
 a reposição da situação como se tivesse exercido as mesmas funções.
 Ao fim e ao cabo, trata-se de colocar o autor na mesma situação que existiria se 
 não houvesse o acto ilegítimo da ré, em equiparação com os outros trabalhadores 
 da ré que tinham isenção de horário de trabalho (cfr. artigo 562º, do CC).
 Por isso, a comparação do autor, a fazer-se, deverá ser com aqueles outros 
 trabalhadores que se encontravam em regime de isenção de horário de trabalho, e 
 não, como faz a recorrente, com a daqueles trabalhadores sem isenção de horário 
 de trabalho em que ao autor foi ilegitimamente colocado.
 De outro modo, estar-se-ia a «premiar» o comportamento ilegítimo de uma entidade 
 patronal, que não sofreria as consequências dos seus actos.
 
  O que se deixa afirmado vale por dizer, mutatis mutandis, em relação às 
 restantes remunerações acessórias que a ré retirou ao autor, por virtude de o 
 colocar na «Secção de agenda».”
 
  
 
 4. Novamente inconformada, veio a ora recorrente, “ao abrigo do artigo 70º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional”, interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das 
 seguintes normas:
 
 “a) A norma extraída da conjugação do artigo 63º, n.º 1, do Código de Processo 
 de Trabalho de 1981, com a do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de 
 Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, na 
 interpretação que é inadmissível a gravação da prova no domínio daquele Código 
 de Processo de Trabalho de 1981, por o regime do mesmo Código rejeitar tal 
 gravação; esse conjunto normativo, na interpretação acolhida no Douto Acórdão 
 recorrido, viola os princípios constitucionais da igualdade e de acesso aos 
 tribunais (artigos 13º e 20º, n.º 1, da Constituição), podendo ainda afectar a 
 garantia constitucional de utilização de um processo equitativo;
 b) O artigo 39º, n.º 1, da Lei de Regime do Contrato de trabalho (LCT de 1969), 
 bem como artigos 11º, n.º 1, e 14º da mesma Lei, na interpretação acolhida no 
 Acórdão recorrido e que postula que o Recorrido tem direito aos valores que este 
 receberia a título de isenção de horário de trabalho, como se tivesse 
 efectivamente assim desempenhado o trabalho, considerando que esses artigos, com 
 a interpretação referida, violam o princípio constitucional «a trabalho igual, 
 salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição;
 c) O artigo 21º, n.º 1, alínea c), da mesma LCT, conjugado com o disposto nos 
 artigos 39º e 82º, n.º 1, do mesmo diploma, bem como o artigo 11º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 409/71, normas repetidas na cláusula 36ª, n.º 2, alínea a), do 
 Contrato Colectivo de Trabalho celebrado em 1993 entre a Associação de Imprensa 
 Diária e o Sindicato dos Jornalistas de 1993, na interpretação que postula que a 
 entidade patronal não podia baixar ao A. recorrido a «retribuição» paga a título 
 de trabalho nocturno; tal interpretação viola não só o disposto na alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 56º da Constituição, como o princípio constitucional «a trabalho 
 igual, salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da 
 Constituição;
 d) O artigo 21º, n.º 1, conjugado com o disposto nos artigos 82º, n.º 1, 39º, 
 n.º 1, da Lei do Regime do Contrato de Trabalho (LCT), lidas à luz da cláusula 
 
 36ª, n.º 2, alínea b), do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado em 1993, com 
 a interpretação dada pelo Acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de a 
 R. diminuir a retribuição do A. no montante atribuído a subsídio de deslocação. 
 Tal conjunto normativo, na interpretação acolhida, viola o princípio 
 constitucional «a trabalho igual, salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 
 
 1, alínea a), da Constituição;
 e) A norma do artigo 21º, n.º 1, alínea c), da Lei do Regime do Contrato 
 Individual de Trabalho, em conjugação com os artigos 39º e 82º, n.º 1, do mesmo 
 LTC, lida à luz da cláusula 36ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, no que toca 
 ao subsídio de «fecho de edição». A norma em causa nessa referida interpretação 
 viola o princípio constitucional «a trabalho igual, salário igual» consignado no 
 artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição;
 f) O artigo 21º, n.º 1, alínea c), da Lei do Regime do Contrato de Trabalho 
 
 (LCT), conjugado com os artigos 39º e 82º, n.º 1, do mesmo diploma, lida à luz 
 da cláusula 36ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, com a interpretação de que a 
 Recorrente não podia baixar a «retribuição ao A., pagar a «título de pagamento 
 extra recibo»; as normas em causa, na interpretação acolhida, violam não só o 
 disposto no artigo 56º, n.º 1, alínea a), da Constituição, como o princípio 
 constitucional «a trabalho igual, salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 
 
 1, alínea a), da Constituição;”.
 
  
 
 5. Notificada para o efeito, a recorrente apresentou as respectivas alegações, 
 que concluiu, para o que agora importa, da seguinte forma:
 
 “[...] XXII. A norma extraída da conjugação do artigo 63º, n.º 1, do Código de 
 Processo de Trabalho de 1981, com a do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, 
 de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, na 
 interpretação acolhida no douto Acórdão recorrido de que é inadmissível a 
 gravação da prova no domínio daquele Código de Processo de Trabalho, por o 
 regime do mesmo Código rejeitar tal gravação, viola os princípios 
 constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais (artigos 13º e 20º, n.º 
 
 1, da Constituição), podendo ainda afectar a garantia constitucional de 
 utilização de um processo equitativo e, implicitamente, o princípio da 
 prevalência da interpretação da leis segundo a constituição, o princípio da 
 proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade 
 e o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica. [...]
 XXXI. Consequentemente, o artigo 39º, n.º 1, da Lei de Regime do Contrato de 
 trabalho (LCT de 1969), bem como artigos 11º, n.º 1, e 14º do Decreto-Lei n.º 
 
 409/71 – Lei de Duração do Trabalho (LDT) – implementado pelo 24º do Contrato 
 Colectivo de Trabalho celebrado em 1993 entre a Associação de Imprensa Diária e 
 o Sindicato dos Jornalistas de 1993 (CCT), na interpretação acolhida no Acórdão 
 recorrido, que postula que o A. tem direito aos valores que este receberia a 
 título de isenção de horário de trabalho, como se tivesse efectivamente assim 
 desempenhado o trabalho, não estando efectivamente sujeito àquele regime e 
 beneficiando de um horário normal de trabalho, viola o princípio constitucional 
 da igualdade e, em particular, o princípio «a trabalho igual, salário igual» 
 consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição. [...]
 XXXVII. O artigo 21º, n.º 1, alínea c), da mesma LCT, conjugado com o disposto 
 nos artigos 39º e 82º, n.º 1, do mesmo diploma, bem como o artigo 11º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 409/71 (LDT), normas repetidas na cláusula 36ª, n.º 2, alínea 
 a), do CCT, na interpretação do douto acórdão recorrido, que postula que a 
 entidade patronal não podia baixar ao A. recorrido a «retribuição» paga a título 
 de trabalho nocturno, viola o princípio constitucional da igualdade e, em 
 particular, o princípio «a trabalho igual, salário igual» consignado no artigo 
 
 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição. [...]
 XL. O artigo 21º, n.º 1, conjugado com os artigos 82º, n.º 1, 39º, n.º 1, da Lei 
 do Regime do Contrato de Trabalho (LCT), lidas à luz da cláusula 36ª, n.º 2, 
 alínea b), do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado em 1993, com a 
 interpretação dada pelo Acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de a R. 
 
 «diminuir» a retribuição do A. no montante atribuído a subsídio de deslocação, 
 viola o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio «a 
 trabalho igual, salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da 
 Constituição. [...]
 XLV. A norma do artigo 21º, n.º 1, alínea c), da Lei do Regime do Contrato 
 Individual de Trabalho (LCT), em conjugação com os artigos 39º e 82º, n.º 1, do 
 mesmo diploma, lida à luz da cláusula 36ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, no 
 sentido da impossibilidade de a R. «diminuir a retribuição» do A. no montante 
 atribuído a subsídio de fecho de edição viola o princípio constitucional da 
 igualdade e, em particular, o princípio «a trabalho igual, salário igual» 
 consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição. [...]
 XLIX. O artigo 21º, n.º 1, alínea c), da Lei do Regime do Contrato de Trabalho 
 
 (LCT), conjugado com os artigos 39º e 82º, n.º 1, do mesmo diploma, lido à luz 
 da cláusula 36ª, n.º 2, alínea a), do CCT de 1993, com a interpretação dada pelo 
 douto Acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de a R. «diminuir a 
 retribuição» do A. no montante pago a «título de pagamento extra recibo», viola 
 o princípio constitucional da igualdade e, em particular, o princípio «a 
 trabalho igual, salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da 
 Constituição.
 L. Como consequência necessária e implícita das inconstitucionalidades atrás 
 enunciadas, o artigo 70º, n.º 1, do CCT de 1982 conjugado com o artigo 63º, n.º 
 
 2, do CCT de 1993, na interpretação dada pelo douto acórdão recorrido no sentido 
 de que o A. tem direito às retribuições com base nos valores pagos antes de 
 entrar em baixa prolongada (1/10/93) é inconstitucional por violação do 
 princípio constitucional da igualdade e, em particular, do princípio «a trabalho 
 igual, salário igual» consignado no artigo 59º, n.º 1, alínea a) da 
 Constituição.”
 
  
 
 6. O recorrido apresentou igualmente alegações, pugnando pela improcedência do 
 recurso no que respeita às questões a que se referem as alíneas b) a f) do 
 requerimento de interposição de recurso, mas reconhecendo razão à recorrente 
 quanto à que consta da alínea a) do mesmo.
 
  
 
 7. Admitindo a hipótese de não poder conhecer de parte do recurso, a Relatora 
 inicial do presente processo fez notificar o seguinte despacho:
 
 “[...] 2. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie 
 a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que 
 foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido 
 suscitada a sua inconstitucionalidade «durante o processo» (al. b) citada), e 
 não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da 
 lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de 
 exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
 É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de 
 ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 
 
 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, 
 respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 
 
 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido «suscitada durante o processo» 
 
 (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de 
 ter sido colocada «de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» 
 
 (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
 
 3. Ora é plausível que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do recurso 
 interposto, relativamente às questões colocadas nas alíneas b) a f) do 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, atrás 
 transcrito, pelas seguintes razões:
 
 – Em primeiro lugar, porque da leitura dessas alíneas resulta que a recorrente 
 está a questionar a constitucionalidade do resultado da aplicação dos preceitos 
 que indica, ou seja a constitucionalidade da decisão que os aplicou, e não das 
 próprias normas aplicadas; 
 
 – Em segundo lugar, porque, ainda que assim não fosse, a verdade é que a 
 descrição feita nas referidas alíneas não traduz o sentido com que o Supremo 
 Tribunal de Justiça aplicou os referidos preceitos, o que sempre impediria o 
 conhecimento do recurso. 
 Com efeito, quando a recorrente se refere ao reconhecimento de que o autor da 
 acção tinha direito a determinados valores «a título de isenção de horário de 
 trabalho» – al. b) –, ou à conclusão de que lhe não poderiam ser retiradas as 
 retribuições pagas a título de trabalho nocturno – al. c) – , subsídio de 
 deslocação – al. d) –, subsídio de «fecho de edição» – al. e) –, ou de  
 
 «pagamento extra recibo» – al. f) –, está a omitir que o Supremo Tribunal de 
 Justiça  justificou tais decisões por ter considerado que «a ré/recorrente 
 t[inha] colocado ilegitimamente o autor a desempenhar as funções na ‘secção de 
 agenda», assim não respeitando o seu «direito ao lugar», nos termos constantes 
 do acórdão recorrido.
 Não pode, pois, dizer-se que o acórdão recorrido tenha simplesmente decidido que 
 a ora recorrente estava impossibilitada de diminuir a retribuição do ora 
 recorrido nos montantes em causa, não obstante ele não prestar o trabalho 
 correspondente; o que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou foi, antes, a 
 impossibilidade de retirar tais quantias na sequência de um acto ilícito da 
 recorrente. 
 Note-se, aliás, que a recorrente não incluiu no objecto do recurso de 
 constitucionalidade as normas com base nas quais o acórdão recorrido concluiu 
 que o trabalhador tinha sido «colocado ilegitimamente a desempenhar» funções 
 diversas das que se deviam considerar compreendidas no seu contrato de trabalho.
 
 4. Relativamente às alíneas c) a f) do requerimento de interposição de recurso, 
 acresce que a recorrente inclui nos «conjuntos normativos» cláusulas de 
 instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, para cujo conhecimento o 
 Tribunal Constitucional não é competente, pelas razões constantes dos seus 
 acórdãos n.º 172/93 (Diário da República, II série, de 18 de Junho de 1993), ou, 
 mais recentemente, n.ºs 637/98 e 284/99 (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
 5. Finalmente, a recorrente aponta, nas conclusões das suas alegações, o «24º do 
 Contrato Colectivo de Trabalho celebrado em 1993 entre a Associação de Imprensa 
 Diária e o sindicato dos Jornalistas de 1993 (CCT)» (cfr. conclusão XXXI) e «o 
 artigo 70º, n.º 1, do CCT de 1982 conjugado com o artigo 63º, n.º 2, do CCT de 
 
 1993» (cfr. conclusão L).
 Ora, conforme vem sendo afirmado por este Tribunal, o requerimento de 
 interposição de recurso limita o seu objecto às normas nele indicadas (cfr. 
 artigo 684º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 
 
 69º da Lei n.º 28/82, conjugado com o nº 1 do artigo 75º-A desta última), sem 
 prejuízo de esse objecto, assim delimitado, vir a ser restringido nas conclusões 
 das alegações (cfr. citado artigo 684º, nº 3). O que a recorrente não pode fazer 
 
 é, nas alegações, ampliar o objecto do recurso antes definido (neste sentido, 
 cfr., por exemplo, os acórdãos n.ºs 366/96 e 589/99 (Diário da República, II 
 Série, respectivamente, de 10 de Maio de 1996 e de 20 de Março de 2000).
 Assim, ainda que não ocorresse o obstáculo referido no n.º anterior, sempre não 
 poderia conhecer-se do recurso nesta parte.
 
 6. Assim, notifique as partes, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 704º do 
 Código de Processo Civil, para se pronunciarem, querendo, sobre os obstáculos ao 
 conhecimento de parte do objecto do recurso que foram apontados.”
 
  
 
 8. A recorrente veio então tomar posição sobre os obstáculos ao conhecimento de 
 parte do objecto do recurso nele apontados. Em síntese, esclareceu não se ter 
 nunca conformado com a decisão de ter sido ilícita a colocação do autor, ora 
 recorrido, no desempenho de funções diferentes daquelas que, como foi julgado, 
 lhe deveriam ter sido atribuídas; e que só não tinha incluído tal questão no 
 recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional por este não abranger a 
 apreciação de inconstitucionalidades atribuídas às próprias decisões judiciais, 
 como era o caso. E disse ainda manter a posição de que estão reunidas as 
 condições necessárias para que o Tribunal Constitucional conheça da totalidade 
 do objecto do recurso, mas reconhecer que a questão mais relevante é a que 
 colocou na alínea a) do requerimento de interposição.
 
  
 O recorrido não se pronunciou.
 
  
 
 9. Tendo havido mudança de relator, por vencimento, cumpre formular a decisão do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 II – Fundamentação.
 
  
 
 10. Em primeiro lugar há que considerar que, pelas razões constantes do despacho 
 da Relatora inicial supra transcrito no ponto 7, não postas em causa pela 
 resposta da recorrente, não se conhece do recurso relativamente às questões 
 definidas nas alíneas b) a f) do requerimento de interposição do recurso. Fica 
 assim o objecto limitado à questão referida às normas dos artigos 63º, n.º 1, do 
 Código de Processo do Trabalho de 1981 e 24º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º329-A/95, 
 aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, cujo teor é o seguinte:
 
 “Artigo 63º
 
 (Instrução, discussão e julgamento da causa pelo juiz singular)
 
 1. A instrução, discussão e julgamento são feitos perante o juiz singular e a 
 este pertence, exclusivamente, o julgamento da matéria de facto, excepto quando 
 as partes requeiram, no prazo estabelecido para oferecer a prova, a intervenção 
 do tribunal colectivo.”
 
  
 
 “Artigo 24º
 
 (Registo das audiências)
 
 É imediatamente aplicável aos processos de natureza civil, pendentes em 
 quaisquer tribunais na data da entrada em vigor do presente diploma, o disposto 
 no Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, no que respeita ao registo de 
 audiências.”
 
  
 A recorrente entende que a “interpretação acolhida no douto Acórdão recorrido de 
 que é inadmissível a gravação da prova no domínio daquele Código de Processo de 
 Trabalho, por o regime do mesmo Código rejeitar tal gravação, viola os 
 princípios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais (artigos 13º e 
 
 20º, n.º 1, da Constituição), podendo ainda afectar a garantia constitucional de 
 utilização de um processo equitativo e, implicitamente, o princípio da 
 prevalência da interpretação da leis segundo a constituição, o princípio da 
 proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade 
 e o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica” (itálico 
 aditado). Ou seja, a recorrente questiona, unicamente, a constitucionalidade da 
 inadmissibilidade da gravação da prova no domínio do Código de Processo de 
 Trabalho de 1981. E, sendo assim delimitado o âmbito do recurso por quem tem 
 obrigação de o fazer, apenas a esta questão tem o Tribunal Constitucional de 
 responder, não lhe sendo legítimo ampliar o objecto do pedido.
 
  
 Aliás, de outro modo, construir um diverso objecto do recurso por referência às 
 vicissitudes do presente processo não deixaria de suscitar a dúvida sobre se 
 dele se poderia conhecer. Na verdade, é discutível, desde logo, que uma questão 
 cujo pressuposto seja exclusivamente a interpretação do direito ordinário quanto 
 ao âmbito temporal de vigência do novo Código de Processo do Trabalho, nos 
 termos do artigo 24º do Decreto-Lei nº 329‑A/95 e 63º do Código de Processo do 
 Trabalho, possa ser considerada de constitucionalidade normativa. Mas, ainda que 
 assim não fosse, se se questionasse uma determinada dimensão material relativa 
 ao impedimento da gravação da prova apenas porque, tendo essa gravação sido 
 admitida na 1ª instância, houve uma alteração da posição do tribunal de recurso, 
 o que ofenderia o princípio da confiança, então sempre seria de considerar que 
 um tal modo de colocar a questão conduziria ao não conhecimento do objecto do 
 recurso. É que, nesse caso, excluída do âmbito do recurso qualquer referência 
 aos preceitos legais relativos a um eventual caso julgado, estaríamos, quando 
 muito, perante uma violação da Constituição pela decisão judicial, o que, não 
 sendo uma questão de constitucionalidade normativa, conduziria ao não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
 11. Delimitado, porém, nos termos supra referidos, o objecto do recurso, há que 
 começar por excluir uma possível objecção ao seu conhecimento. Com efeito, a 
 utilidade do julgamento deste recurso de constitucionalidade poderia, à partida, 
 ser questionada, uma vez que, embora o Supremo Tribunal de Justiça tenha julgado 
 irrelevante - por entender não ter cabimento a gravação da prova - o facto, 
 mencionado no Acórdão da Relação, de “a Recorrente não [ter] proced[ido] a 
 qualquer transcrição mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação 
 em que se funda”, tal facto, a verificar-se uma decisão no sentido da 
 inconstitucionalidade da interpretação contestada, poderia colocar a questão de 
 saber se a improcedência do recurso nas instâncias não teria tido um fundamento 
 alternativo – impossibilidade de gravação da prova e, em qualquer caso, falta de 
 cumprimento de determinado ónus processual.
 
  
 A questão da gravação da prova e da sua transcrição sofreu uma evolução 
 legislativa na última década, Assim, a versão inicial do artigo 690º-A do Código 
 de Processo Civil, preceito aditado pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de 
 Fevereiro, impunha ao recorrente que pretendesse utilizar a gravação da prova 
 para impugnar a decisão de facto perante a 2ª instância, que procedesse à 
 transcrição das passagens que entendesse relevantes para o efeito. Este ónus foi 
 mantido pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, mas eliminado pelo 
 Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, passando então o recorrente apenas a 
 ter que assinalar, pela forma ali indicada, os depoimentos gravados que lhe 
 interessem. Este último diploma entrou em vigor antes de ser proferida a 
 sentença da primeira instância e, portanto, antes de ser interposto o recurso 
 para o Tribunal da Relação, contendo regras relativas à aplicação no tempo das 
 alterações que introduziu. 
 
  
 Não cabendo, todavia, ao Tribunal Constitucional, interpretando tais regras, 
 determinar o regime aplicável ao modo de utilização da gravação da prova para 
 impugnação da decisão de facto (na eventualidade de vir a existir um juízo de 
 inconstitucionalidade sobre a interpretação que considerava ser inadmissível a 
 gravação da prova), a possibilidade de tal transcrição poder ser considerada 
 desnecessária nas instâncias justifica que o Tribunal Constitucional conheça do 
 objecto do recurso.
 
  
 Vejamos, então.
 
  
 
 12. Como o Tribunal Constitucional já observou, em termos que aqui se reiteram, 
 não viola por si só nenhum preceito constitucional – e nomeadamente o n.º 1 do 
 artigo 20º da Constituição – um regime processual que não determine a gravação 
 da prova realizada na audiência final. Nomeadamente, já fez essa apreciação 
 confrontando as hipóteses de intervenção do tribunal colectivo para apreciar a 
 prova com a alternativa da sua gravação, justamente do ponto de vista do recurso 
 relativo à decisão de facto (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 233/2001, Diário 
 da República, II série, de 4 de Julho de 2001). E essa apreciação tanto vale em 
 si mesma, como quando confrontada com um regime que o venha substituir por outro 
 que comporte aquela gravação, nomeadamente por uma alegada infracção do 
 princípio da igualdade (cfr., a este propósito, acórdão 86/2004, Diário da 
 República, II série, de 19 de Março de 2004) decorrente da comparação de regimes 
 sucessivos.
 
  
 O Tribunal Constitucional também já frisou em inúmeras ocasiões que, salvo em 
 matéria penal (n.º 1 do artigo 32º da Constituição), não resulta da Constituição 
 a imposição de um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à decisão sobre 
 a matéria de facto (cfr., por exemplo, além do já citado acórdão 233/2001, o 
 acórdão n.º 415/20001, Diário da República, II série, de 30 de Novembro de 2001, 
 e a jurisprudência nele referida). Como se escreveu no acórdão n.º 261/2002 
 
 (Diário da República, II série, de 24 de Julho de 2002), sendo certo que 
 
 “impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais [...], terá de 
 admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais 
 de recurso e os próprios recursos» (cfr., a este propósito, os acórdãos n.º 
 
 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e n.º 340/90, id., 
 vol. 17º, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de 
 recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e 
 simplesmente a faculdade de recorrer em todo o qualquer caso, ou de a 
 inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga 
 margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões 
 
 [...]”.
 
  
 O reconhecimento da ampla liberdade de conformação da liberdade do legislador 
 ordinário no que toca à definição das condições de admissibilidade de recurso 
 sempre foi acompanhado, todavia, com a advertência de que isso “não significa 
 que o legislador possa estabelecer arbitrariamente limitações ao direito ao 
 recurso em determinados processos ou situações, impondo um regime de desfavor 
 não legitimado por justificação objectiva plausível”, como escreve Lopes do 
 Rego, a propósito da jurisprudência constitucional nesta matéria (O Direito 
 fundamental do acesso aos Tribunais e a reforma do Processo Civil, sep., 
 Coimbra, 2001, pág. 765).
 
  
 Não merece, assim, em princípio, censura constitucional, como aliás já decorre 
 do que atrás se observou, uma norma que, ao não permitir o registo da prova 
 produzida em audiência, indirectamente restrinja o âmbito do recurso em matéria 
 de facto, tal como não viola a Constituição, igualmente em princípio, uma norma 
 que venha pura e simplesmente vedar o recurso.
 
  
 Assim sendo, configurado o recurso como foi, nesta parte, delimitado pelo 
 respectivo requerimento de interposição, há que considerar não violar qualquer 
 princípio constitucional “a norma extraída da conjugação do artigo 63º, n.º 1, 
 do Código de Processo de Trabalho de 1981, com a do artigo 24º do Decreto-Lei 
 n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de 
 Setembro, na interpretação que é inadmissível a gravação da prova no domínio 
 daquele Código de Processo de Trabalho de 1981, por o regime do mesmo Código 
 rejeitar tal gravação”
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, na parte em que dele se 
 conhece.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 16 de Novembro de 2005
 
  
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, nos termos da declaração junta)
 Vítor Gomes (Vencido, nos termos da declaração
 de voto da Ex.ma Cons.ª  Maria dos Prazeres Beleza, para que remeto).
 Artur Maurício
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
             Na qualidade de primitiva relatora, pronunciei-me no sentido de ser 
 concedido provimento ao recurso, na parte em que dele se conheceu, pelas 
 seguintes razões:
 
  
 
             1 – Entendi que a definição do objecto do recurso deveria ter em 
 conta a interpretação que, em concreto, foi dada pelo tribunal recorrido às 
 normas dos artigos 63º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 e 24º, 
 n.º 1 do Decreto-Lei n.º329-A/95, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96.
 
             Sucedeu, no caso presente, que a intervenção do tribunal colectivo 
 tinha sido requerida pelo autor (a fls. 125) e deferida pelo tribunal de 
 primeira instância, pelo despacho de fls. 127; verificando-se, todavia, que o 
 mesmo autor prescindiu dessa intervenção (cfr. requerimento de fls. 147), foi o 
 tribunal que determinou, oficiosamente, que se procedesse a gravação da 
 audiência (cfr. acta de julgamento de 8 de Março de 2000, a fls. 148), gravação 
 essa que veio a ser realizada.
 
             O tribunal de primeira instância considerou, assim, que valia para o 
 processo de trabalho o regime então definido pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, 
 sendo, portanto, admissível a gravação da audiência final e cabendo o julgamento 
 da matéria de facto ao tribunal  singular.
 
             Quando o Tribunal da Relação de Lisboa veio afastar a utilização da 
 gravação, é óbvio que era irreversível a não intervenção do colectivo para 
 julgamento da matéria de facto – a não ser que o julgamento viesse a ser 
 anulado, naturalmente.
 
             Ao confirmar tal afastamento, o Supremo Tribunal de Justiça veio 
 assim a considerar que a circunstância de já ter ocorrido o julgamento da 
 matéria de facto e de já não ser possível requerer a intervenção do colectivo 
 não impedia a recusa de utilização da gravação da audiência, porque dos 
 preceitos em apreciação decorria que, no domínio do Código de Processo do 
 Trabalho de 1981, era inadmissível a gravação da prova.
 
             Nestes termos, a questão de constitucionalidade que está em causa 
 neste recurso consiste em saber se viola ou não a Constituição interpretar as 
 normas constantes dos artigos 63º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 
 
 1981 em conjunto com o n.º 1 do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, apenas 
 na medida em que impedem a utilização da gravação da audiência em primeira 
 instância, oficiosamente determinada e realizada, simultaneamente excluindo a 
 possibilidade de requerer a intervenção do tribunal  colectivo.
 
             2 – Justamente porque o objecto do recurso deveria ser definido 
 desta forma, considerei que se tornava necessário recordar o significado que tem 
 para as partes a decisão de determinar a gravação da audiência.
 
             É indiscutível que o regime previsto no Código de Processo do 
 Trabalho de 1981 não previa a gravação da prova produzida em audiência de 
 julgamento. Diferentemente, estabelecia que as partes pudessem requerer, “no 
 prazo estabelecido para oferecer a prova”, que o julgamento da matéria de facto 
 fosse feito por um tribunal colectivo, como se viu (n.º 1 do artigo 63º, atrás 
 transcrito). Esse prazo vinha previsto no artigo 60º, e estava ligado ao prazo 
 para apresentação de reclamação contra a especificação e o questionário, ou para 
 a correspondente decisão.  
 
             Como se sabe, as questões da gravação da prova ou da intervenção do 
 tribunal colectivo para apreciação da mesma andaram (e andam) sempre ligadas na 
 legislação de processo civil.
 
             Com efeito, e embora não se excluam, sempre foram apresentadas 
 
 (nomeadamente por razões de exequibilidade prática e de limitação de meios) como 
 compensação uma da outra. Assim, desde que a gravação da prova foi introduzida 
 nas acções em que o julgamento de facto era ou podia ser feito por tribunal 
 colectivo, que o legislador as colocou em alternativa: cfr. artigo 646º, n.º 2, 
 c), do Código de Processo Civil nas redacções que lhe foram sendo dadas pelo 
 Decreto-Lei n.º 39/95, 329-A/95 ou 183/2000, ou, sem agora tomar posição quanto 
 a saber quando tal possibilidade foi introduzida no processo de trabalho, o 
 artigo 68º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho de 1999.
 
             Ao determinar a gravação da audiência, o tribunal de primeira 
 instância considerou, manifestamente, que valia para o processo de trabalho o 
 regime então definido pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, sendo, portanto, admissível 
 tal gravação e cabendo o julgamento da matéria de facto ao tribunal  singular.
 
             Na sequência do processamento seguido – em particular, do julgamento 
 de facto por tribunal singular e da gravação da prova produzida em audiência –, 
 ao alegar no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 
 
 427, a ré remeteu para os locais próprios da gravação para sustentar a 
 impugnação da decisão sobre vários pontos da matéria de facto.
 
             Contou, assim, naturalmente apoiado na decisão de determinar a 
 gravação, que o Tribunal  de 2ª instância podia rever a decisão de facto 
 utilizando o registo da prova efectuada. Ora sabe-se que a amplitude dos poderes 
 do Tribunal da Relação ao apreciar e eventualmente alterar a decisão de facto da 
 primeira instância é muito diferente consoante os depoimentos produzidos em 
 audiência forem ou não gravados (a gravação é a forma de registo que agora 
 releva). Para o verificar, basta confrontar as sucessivas redacções que foram 
 sendo dadas ao artigo 712º do Código de Processo Civil desde que entrou em vigor 
 o citado Decreto-Lei n.º 39/95 com a que tinha imediatamente antes desse 
 momento.
 
             Era, pois, legítimo que a recorrente, quando decidiu recorrer da 
 sentença da primeira instância e quando definiu o objecto do recurso, contasse 
 com a possibilidade de ampla revisão da decisão de facto pelo Tribunal da 
 Relação.
 
             3 – É indiscutível que o Tribunal Constitucional já julgou, por 
 diversas vezes, que não viola por si só nenhum preceito constitucional – e 
 nomeadamente o n.º 1 do artigo 20º da Constituição – um regime processual que 
 não determine a gravação da prova realizada na audiência final; e que o fez, 
 também para avaliar da efectividade do recurso relativo à decisão de facto, 
 comparando as hipóteses de intervenção do tribunal  colectivo para apreciar a 
 prova com a alternativa da sua gravação, nomeadamente considerando a sucessão de 
 regimes diferentes (cfr., por exemplo, os acórdão n.º 233/2001 86/2004, citados 
 no acórdão).
 Note-se, aliás, que, quer o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, quer o 
 acórdão recorrido, referem que o Código de Processo do Trabalho de 1981 não 
 previa a possibilidade de gravação da prova mas reconhecia às partes o direito 
 de requerer que o julgamento de facto fosse feito com intervenção do tribunal  
 colectivo. 
 
             4 – É igualmente indiscutível a existência de uma grande margem de 
 liberdade de conformação do regime dos recursos, e a não exigência 
 constitucional de um duplo grau de jurisdição, salvo em matéria penal, nos 
 termos igualmente constantes do acórdão e da jurisprudência nele citada.
 
             Aceita-se, portanto, que, em princípio, e considerada em si mesma, 
 não viole a Constituição uma norma que restrinja o âmbito do recurso da decisão 
 sobre a matéria de facto, ou que até o impeça.
 
             Pode é suceder que, num caso concreto, tal norma venha a ser 
 interpretada e aplicada de forma a lesar de forma inaceitável a confiança que as 
 partes justificadamente depositaram na aplicação de um outro regime, à luz do 
 qual conformaram a sua actuação processual, e, por essa via, a defesa dos seus 
 interesses substanciais em jogo na acção. 
 
 5 – No fundo, foi essa a razão determinante do julgamento de 
 inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, inerente ao 
 princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2º da Constituição), da norma 
 que mandava aplicar às acções pendentes os novos valores que fixava para as 
 alçadas, retirando a possibilidade de recurso em casos em que, tendo em conta a 
 lei vigente à data da respectiva propositura, seria possível recorrer (acórdão 
 n.º 287/90, Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 1991). 
 O Tribunal, considerando, nomeadamente, a tradição legislativa de ser relevante, 
 para o efeito, o valor das alçadas que vigorava nesse momento da propositura da 
 acção, entendeu então que era inaceitável, do ponto de vista constitucional, que 
 o legislador procedesse a uma “afectação de expectativas com que se não possa 
 razoavelmente contar – por ser extraordinariamente onerosa e excessiva”  e 
 
 “arbitrária – isto é, (...) não (...) ditada pela necessidade de salvaguardar 
 direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (...)”
 
             E considerou também constitucionalmente tutelada a posição da parte 
 que confia na “estabilidade de uma decisão judicial não impugnada” cujo objecto 
 tinha sido o de definir determinada regra de tramitação – no caso, fora deferido 
 pela primeira instância a prorrogação do prazo para recorrer, vindo o tribunal 
 de 2ª instância a julgar intempestivo o recurso interposto dentro da 
 prorrogação, que considerou ilegal (acórdãos n.ºs 39/2004 e 44/2004, ambos 
 publicados no Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 2004). 
 
             Com efeito, escreveu-se no citado acórdão n.º 44/2004 que “não é 
 legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de 
 intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do 
 direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos 
 
 (...), venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da 
 actividade processual do arguido (...)”. 
 
 É certo que se tratava, então, de um recurso interposto em processo de natureza 
 penal; mas essa diferença apenas impede que se faça também apelo ao n.º 1 do 
 artigo 32º da Constituição. Não obsta a que se considere valer para o caso 
 presente a justificação que então conduziu a que, pela razão apontada, se tenha 
 concluído pela violação dos “princípios da segurança jurídica e da confiança”, 
 consagrados no artigo 2º da Constituição.
 Para além disso, no acórdão 559/98 (Diário da República, II série, de 12 de 
 Novembro de 1998), também se julgou inconstitucional a norma (constante do 
 artigo 27º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) segundo a qual se 
 aplicava às acções pendentes a eliminação da moratória forçada em caso de 
 execução que incidisse sobre bens comuns do casal, mas por dívidas da exclusiva 
 responsabilidade de um dos cônjuges, decorrente da nova redacção do artigo 1696º 
 do Código Civil, quando aplicada num momento processual em que ao cônjuge do 
 executado já não era processualmente possível requerer a separação de bens; 
 note-se, aliás, que a mesma norma foi julgada não inconstitucional no acórdão 
 n.º 508/99 (Diário da República, II série, de 17 de Março de 2000) justamente 
 porque esse momento ainda não tinha sido ultrapassado.
 Destes julgamentos conclui-se que o Tribunal Constitucional julgou por diversas 
 vezes ser constitucionalmente inadmissível a lesão de expectativas que as partes 
 em processo pendente justificadamente depositaram na aplicação de um determinado 
 regime que as beneficiava, por infracção do princípio da confiança, inerente ao 
 princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição).
 
 6 – Ora entende-se que o mesmo julgamento se devia proferir no presente recurso. 
 Com efeito, as normas que constituem o seu objecto foram aplicadas numa 
 interpretação inadmissivelmente lesiva da expectativa que a recorrente, baseada 
 em decisão – não impugnada – da primeira instância, adquiriu no sentido de que, 
 se viesse a ficar vencida e a recorrer para a Relação, poderia ser amplamente 
 revista a decisão sobre a matéria de facto, por ter sido registada a prova 
 produzida em audiência.
 Tal expectativa assentou, aliás, numa decisão judicial que optou por uma 
 determinada interpretação do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 329-A/95 no contexto 
 de uma controvérsia sobre a sua aplicabilidade ao processos laborais regulados 
 pelo Código de Processo do Trabalho de 1981. O acórdão recorrido dá conta dessa 
 mesma controvérsia, deixando bem claro que a 1ª instância escolheu uma das duas 
 soluções então discutidas nos tribunais.
 Era, pois, absolutamente justificada a confiança depositada nas implicações 
 dessa escolha, ou seja, na possibilidade de a gravação da prova efectuada em 1ª 
 instância vir a ser usada em recurso.
 Para além disso, repete-se, a decisão de determinar a gravação, não só não foi 
 impugnada (é, aliás, pelo menos discutível que a ora recorrente sequer pudesse 
 pô-la em causa), como também implicou o afastamento da possibilidade de requerer 
 a intervenção do tribunal colectivo para julgar a matéria de facto. A 
 interpretação que veio a prevalecer das normas que constituem o objecto deste 
 recurso de constitucionalidade lesou, assim, duplamente as legítimas 
 expectativas da recorrente.
 E, finalmente, não se vê que valor constitucionalmente superior ao interesse da 
 recorrente poderá determinar a irrelevância da sua expectativa. 
 
 7 – Considero, finalmente, que as normas impugnadas, do mesmo passo e pelas 
 mesmas razões que lesam o princípio da confiança, põem igualmente em causa a 
 garantia do “processo equitativo” que, desde a revisão constitucional de 1997 
 figura expressamente no artigo 20º da Constituição, no seu n.º 4.
 
 8 – Nestes termos, teria julgado inconstitucional, por violação conjugada dos 
 princípios da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, e do 
 direito a um processo equitativo, consagrados nos artigos 2º e 20º, n.º 4, da 
 Constituição, a norma resultante da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 
 
 63º do Código de Processo do Trabalho de 1981 e do n.º 1 do artigo 24º do 
 Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, na medida em que impede a 
 utilização da gravação da prova produzida em audiência, em primeira instância, 
 oficiosamente determinada, simultaneamente excluindo a possibilidade de requerer 
 a intervenção do tribunal colectivo para o julgamento da matéria de facto, 
 assim, concedendo provimento ao recurso.
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza