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Processo nº 155/98
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 23 de Setembro de 1996, a Companhia de Seguros..., S.A., instaurou no tribunal cível da comarca do Porto contra A..., Lda., uma acção sumária na qual pediu a sua condenação no pagamento da quantia de 257.586$00 (202.039$00 de capital e 55.547$00 de juros vencidos), acrescida dos juros que se vencessem até ao efectivo pagamento, no âmbito de um contrato de seguros entre ambos celebrado. Na contestação, para além de se pronunciar sobre a questão de fundo, a ré excepcionou a falta de personalidade judiciária da demandante, a incompetência territorial do tribunal e a ineptidão da petição inicial; houve resposta da autora. Conforme se depreende da leitura do despacho saneador e do requerimento de fls.
46 que o precedeu, tendo a autora juntado documentos, a sociedade ré, sustentando estar a pronunciar-se apenas sobre a junção, veio responder à resposta da autora, em requerimento (de fls. 43-44) que foi mandado desentranhar nesse mesmo despacho, por corresponder a um verdadeiro articulado, transcendendo a mera 'impugnação de documentos e do seu conteúdo'. Simultaneamente, o tribunal rejeitou as alegadas excepções e organizou a especificação e o questionário. Invocando, por um lado, o disposto nos artigos 202º, 666º, nº 3 e 668º, do Código de Processo Civil e, por outro, a impossibilidade de recurso, a autora veio invocar a nulidade das decisões relativas ao desentranhamento do seu requerimento de fls. 43-44, 'por violar frontal e claramente os artigos 3º,
202º, 205º, 517º e 785º do C.P.C.', à incompetência territorial, 'ao violarem-se, entre outros, os artigos 74º, nº 1, 100º, nº 2, 668º, nº1, al.c), nº 2, e nº 3, todos do C.P.C.', à ineptidão da petição inicial, demonstrada pela circunstância de ter apenas matéria de direito o único quesito feito com base naquele articulado, e à falta de personalidade judiciária da autora, porque o indeferimento 'está em manifesta contradição com a menção que a A. fez no cabeçalho da P.I.'. Esta arguição de nulidades foi indeferida pelo 'Motivo: impertinência, erro de fundamentação grosseiro e grave desconhecimento do âmbito de aplicação das normas processuais referenciadas'. Pelo 'incidente anómalo', de 'natureza manifestamente dilatória', foi a ré condenada em custas, 'com a taxa de 9 uc (art. 16º do C.C.J.)'.
2. Na sequência da notificação para requerer a prova, a ré veio juntar o rol de testemunhas, todas a ouvir por deprecada. Já depois desta inquirição, e restringindo-nos ao que interessa para a presente reclamação, foi deferido um requerimento da autora solicitando, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 512º-A do Código de Processo Civil, a substituição de duas das testemunhas por si arroladas. Notificada da correspondente decisão, para os efeitos previstos na parte final do mesmo nº 1, a ré, para além de arguir a nulidade do despacho, veio, subsidiariamente, arguir a inconstitucionalidade da 'norma que resulta do nº 1 do artigo 512º-A, do Código de Processo Civil, quando interpretada, nos termos da Decisão reformanda, no sentido de não constituir acto da audiência de julgamento, a produção de prova testemunhal através de carta precatória, e por isso poder ser alterado ou aditado o rol de testemunhas mesmo após a produção por deprecada de toda a prova testemunhal da parte contrária', 'por violação do artigo 20º, nº 1, combinado com o artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa'. Solicitou, portanto, para o caso de a decisão não ser reformada, que fosse declarada a inconstitucionalidade que aponta. Considerando não ocorrer qualquer nulidade , foi inferido o pedido de reforma do despacho; e, quanto ao pedido de apreciação da inconstitucionalidade, o tribunal considerou que, esgotado o poder jurisdicional quanto à questão a decidir, ficava impedido de a conhecer, por já não poder alterar o despacho proferido. A concluir a sua decisão, o juiz condenou a ré pelo 'incidente anómalo' em '3 Uc’s
(art. 16º do C. C. J.)'.
3. Deste despacho recorreu a ré para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, solicitando que fosse declarada a 'inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 512º-A do Código de Processo Civil (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º do DL nº 180/96, de 25 de Setembro), quando interpretada nos termos da decisão de fls., no sentido de não constituir acto da audiência de julgamento, a produção de prova testemunhal através de carta precatória, e por isso poder ser alterado o rol de testemunhas mesmo após a produção por deprecada de toda a prova testemunhal da parte contrária', por violação do 'artigo 20º, nºs 1 e 4
(2ª parte), combinado com o artigo 13º, nº 1, da Constituição da República'. Em requerimento diferente, a ré veio igualmente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, também ao abrigo da al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, da condenação, proferida no mesmo despacho, em três unidades de conta de custas. Solicitou então que fosse apreciada 'a inconstitucionalidade da norma do artigo 16º do Código das Custas Judiciais (na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro), quando interpretada nos termos da decisão de fls. e de fls., no sentido de permitir que numa acção cujo valor processual é de esc. 257.586$00, uma das partes (neste caso a Ré) possa já ter sido condenada em
12 UC’s (9 UC’s no Despacho de fls. e 3 UC’s no despacho de fls.), ou seja, até hoje, em esc. 168.000$00 (=12 UCx14.000$00), (cfr. arts. 5º e 6º, nº 1, do DL nº
212/89, de 30 de Junho, o art. 3º, nº 1, do DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro e o DL nº 38/97, de 4 de Fevereiro), que é mais de metade do referido valor do processo (que coincide com o valor do litígio dos presentes autos) numa manifesta desproporção das quantias condenatórias relativamente ao valor do Processo, para já não falar do evidente grau de intimidação processual à Ré no sentido de lhe ser coartada a única possibilidade processual que tem de reagir contra decisões que, salvo o devido respeito, lhe parecem contrárias à lei'. Teriam sido violados os artigos 20º, nºs 1 e 4 (2ª parte) e 18º, nº 2, conjugados 'com os artigos 19º, nº 4, 265º e 266º da Constituição da República', bem como os princípios da proporcionalidade e do direito à tutela judicial efectiva. Apesar de em ambos os requerimentos, invocando o disposto no nº 4 do artigo 78º da Lei nº 28/82, a recorrente ter indicado que 'o presente recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos', o despacho que os admitiu fixou-lhes, com base nos artigos '70º nº 1 b) e nº 2, 72º nº2 e 78º nº 1 LTC, 735º nº 1 e 740º nºs 1 e 2 ('a contrario') CPC', subida a final e efeito meramente devolutivo. Reclamou então a ré da retenção dos recursos, quer para o juiz de primeira instância, que manteve o seu despacho, quer para o Tribunal Constitucional, tendo sido admitida a reclamação e subido o processo a este Tribunal. No seu visto, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência da reclamação.
4. Tendo sido formulada no domínio da anterior redacção do nº 1 do artigo 77º da Lei nº 28/82, é à luz da lei então vigente que deve ser apreciada a respectiva admissibilidade. Apesar de, nesse domínio, não figurar como fundamento de reclamação a retenção do recurso, diferentemente do que sucede com a redacção actual, introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, já então este Tribunal entendia que assim devia ser considerada. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º da citada Lei nº 28/82, sendo interposto recurso para o Tribunal Constitucional de uma decisão que, 'por razões de valor ou alçada', não admita outro, ele terá 'os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem'. Por um lado, trata-se, no caso dos autos, de uma acção que segue a forma de processo comum sumário, por ter um valor de 257.586$00 ( nº 1 do artigo 462º do Código de Processo Civil). Por outro lado, não ocorrendo nenhuma das hipóteses em que se afasta a regra geral relativa à admissibilidade de recurso (nº 1 do artigo 678º do mesmo diploma), cabendo o valor da causa na alçada da primeira instância ( 500.000$00, como fixa o nº 1 do artigo 20º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), não restam dúvidas de que é aplicável o regime definido pelos artigos 735º e 740º do Código de Processo Civil, como resulta do disposto no nº 1 do artigo 463º do mesmo Código. Não merece, assim qualquer reparo o despacho que fixou aos recursos interpostos efeito meramente devolutivo e subida a final. Assim, indefere-se a presente reclamação, condenando a reclamante em 10__ unidades de conta de custas. Lisboa, 10 de Julho de 1998 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida