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Processo n.º 681/98 Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
Relatório:
1. Dimas da Piedade Francisco, eleito membro da Assembleia de Freguesia de Cepões, no concelho de Lamego, pela lista 'Independentes de Cepões I', veio, na sequência do acto eleitoral realizado nessa Assembleia no dia 4 de Janeiro de
1998, interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Segundo o recorrente,
'verificados dois empate consecutivos, tal facto traduzir-se-ia num impasse inultrapassável, pelo que [o legislador] considerou pertinente, uma vez verificada essa situação, atribuir ao Presidente da Junta (ou melhor, ao cidadão que tiver encabeçado a lista mais votada), o poder de designação dos vogais. Contudo, no caso em apreço, tal procedimento não se verificou; uma vez que após a verificação de um empate, foi preterida a realização de um segunda eleição, tendo o Sr. Presidente da Junta procedido imediata e pessoalmente à designação do segundo vogal de entre os membros da assembleia que ficaram empatados. Violou-se assim as normas respeitante à eleição dos membros da Junta de Freguesia, mais especificamente, dos vogais que desempenharão as funções de Secretário e de Tesoureiro, normas, essas, que pela sua natureza são absolutamente inderrogáveis.' Assim, verificou-se, no entendimento do recorrente, uma violação da norma do artigo 7º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, que, na sua opinião,
'deverá ser aplicado por analogia'. Requer, por isso, ao Presidente do Tribunal Constitucional que 'se digne desenvolver as diligências necessárias à reposição da legalidade'.
2. O recorrente dirigiu-se ao Tribunal Constitucional após decisão do Procurador da República em funções no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, comunicada ao Governador Civil do Distrito de Viseu, no sentido do arquivamento de queixa relativa aos factos enunciados, com fundamento em que 'o conhecimento de questões de natureza eleitoral para órgãos das autarquias locais compete ao Tribunal Constitucional'. Em 23 de Fevereiro de 1998, o Governador Civil solicitou a reconsideração deste despacho de arquivamento, sustentando não ser 'unanimemente reconhecida a competência do Tribunal Constitucional nesta matéria'. Todavia, em resposta, com data de 26 de Fevereiro de 1998, o Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto decidiu manter 'a posição anteriormente comunicada.'
É na sequência desta decisão que surge o presente recurso, no qual o requerente juntou, designadamente, cópia da acta da reunião da Assembleia de Freguesia de 4 de Janeiro de 1998 (na qual se procedeu à instalação da Assembleia) e da acta da reunião (em sessão ordinária) da Assembleia de Freguesia de 30 de Abril de 1998.
3. Cumpre apreciar e decidir, pondo, antes do mais, a questão prévia da competência do Tribunal Constitucional para conhecer do objecto do presente recurso. II. Fundamentos:
4. O Tribunal Constitucional exerce as competências que lhe sejam cometidas pela Constituição ou pela lei. Ora, compete a este Tribunal, em matéria eleitoral, segundo o artigo 223º, n.º 2, alínea c), da Constituição, 'julgar em última instância a regularidade e a validade dos actos de processo eleitoral, nos termos da lei'. A Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), por sua vez, dispõe, no artigo 8º, alínea d), que compete ao Tribunal Constitucional:
'Julgar os recursos em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral relativamente às eleições para o Presidente da República, Assembleia da República, assembleias regionais e órgãos de poder local;' E, segundo o artigo 102º do mesmo diploma, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões sobre reclamações ou protestos relativos a irregularidades ocorridas no decurso das votações e nos apuramentos parciais ou gerais respeitantes a eleições para a Assembleia da República, assembleias regionais ou órgãos de poder local. Como ressalta do conjunto destas disposições, a competência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral não se circunscreve ao acto eleitoral em si, como se este Tribunal fosse competente apenas para conhecer dos recursos de decisões sobre reclamações e protestos relativos ao acto eleitoral propriamente dito. Estende-
-se, antes, a todas as operações jurídicas que decorrem ao longo do processo eleitoral, considerado num sentido amplo, e incluindo, portanto, desde a marcação das eleições até à fase, situada a jusante, dos apuramentos, parcial e geral, dos resultados. Isto não significa, é certo, que permaneça desprotegida qualquer fase posterior ao apuramento dos resultados eleitorais, de que é exemplo a fase de instalação dos órgãos locais eleitos. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 14/98 (publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Fevereiro de 1998), 'a jurisdicionalidade do recurso eleitoral não deixa de estar garantida nesse momento, como decorre do artigo 116º, n.º 7, da Constituição' - correspondente ao n.º 7 do artigo 113º, após a revisão constitucional de 1997. Segundo esta disposição, 'o julgamento da regularidade e da validade dos actos de processo eleitoral compete aos tribunais'. O controlo jurisdicional dos actos do processo eleitoral, incluindo a eleição dos vogais de uma junta de freguesia deve, pois, ser assegurado pela lei.
5. Simplesmente, tem sido entendimento uniforme do Tribunal Constitucional (nos Acórdãos n.ºs 88/94, 14/98, 19/98, e 269/98, publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 13 de Maio de 1994, 12 de Fevereiro, 16 de Fevereiro e 31 de Março de 1998) que nas suas competências não se inclui o julgamento dos recursos relativos a momentos posteriores ao apuramento geral dos resultados eleitorais. A lei ordinária, ao fixar a disciplina jurídica dos actos do contencioso eleitoral, circunscreve o contencioso, relativo às eleições para órgãos do poder local, susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional, às eleições por sufrágio directo, pondo-
-lhe termo no resultado final decorrente do apuramento geral. Para além deste momento, o controlo jurisdicional compete, antes, aos Tribunais Administrativos, nos termos do artigo 51º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), e dos artigos
59º e seguintes e 114º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos). Compreende-se esta cessação das competências do Tribunal Constitucional após o momento do apuramento dos resultados eleitorais, pois (como se escreve no Acórdão n.º 14/98):
'(...) a intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral visa, fundamentalmente, assegurar a genuinidade da expressão da vontade política dos eleitores no acto eleitoral, que é manifestada, em regra, através do sufrágio directo, secreto, periódico e universal, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 113º da Constituição. Obtida essa expressão, ou, dito de outro modo, apurado o resultado final da votação, não subsistem razões para persistir a intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral, tudo se reconduzindo aos parâmetros normais do contencioso administrativo.' Conforme se salienta no citado Acórdão n.º 88/94, que decidiu uma questão semelhante:
'É a esta luz que devem ser apreciadas quer a instalação da nova assembleia de freguesia e a substituição dos membros da assembleia que integrarão a junta, quer os actos eleitorais [em causa no presente processo] para vogais das juntas de freguesia, mesas e eventuais repetições (artigos 4º e segs. do Decreto-Lei n.º 100/84, artigos 21º e segs., máxime 23º).'
É certo que da informação sobre a decisão de arquivamento, dirigida pelo Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto ao Governador Civil do Distrito de Viseu, pode inferir-se ser o Tribunal Constitucional o competente para conhecer dos recursos dos actos de instalação das assembleias de freguesia. De qualquer modo, como, em face de questão de competência em tudo idêntica, se escreveu no Acórdão n.º 269/98,
'sempre se observará ser o próprio Tribunal Constitucional quem tem competência para decidir definitivamente sobre a sua própria competência: desde logo, como se observou no Acórdão n.º 316/85 (publicado no Diário citado, 2ª série, de 14 de Abril de 1996), é o próprio Tribunal Constitucional quem decide sobre a sua própria competência, dizendo – e dizendo-o definitivamente – se as questões que sobem até ele para serem julgadas são ou não questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que se inscrevam no seu poder jurisdicional; semelhantemente, a decisão que proferir sobre a questão de fundo não só não pode ser alterada por qualquer outro tribunal como tem de ser acatada no julgamento do caso a propósito do qual aquela questão foi suscitada.' E, na hipótese concreta, sem embargo da validade desta doutrina também para o processo em causa, não é sequer caso de a aplicar, pois a afirmação da competência do Tribunal Constitucional resulta, não de uma decisão judicial, mas de uma mera informação do Procurador da República junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, relativa ao ofício que o Governador Civil lhe enviou sobre o assunto.
6. Concluindo-se, portanto, que não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a eventual ilegalidade ocorrida na eleição dos vogais da Junta de Freguesia de Cepões, torna-se inútil tratar de quaisquer outras questões relativas ao requerimento e à documentação apresentados. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Lisboa, 1 de Julho de 1998 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vitor Nunes de Almeida Maria dos Prazeres Beleza Bravo Serra Artur Mauricio Messias Bento Maria Helena Brito José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luis Nunes de Almeida