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Procº nº 454/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo e em que figuram, como recorrente, M..., Ldª, e, como recorrido, o Conselho de Ministros, elaborou o relator decisão sumária, por intermédio da qual não conheceu do recurso.
Dessa decisão reclamou a recorrente para a conferência, sustentando que deverá ser tomado conhecimento do recurso, já que, sustentou em síntese, antes da prolação da decisão pretendida impugnar defendeu que o aresto que, então, era posto sob censura, tinha interpretado e aplicado a norma ínsita no nº
2 do artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais 'em violação dos direitos reconhecidos nos arts. 20º, nº 1, e 268º, nº 4, ambos da Constituição'.
A mencionada decisão rezava assim:-
'1. Em 26 de Abril de 1995, proferiu o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, em autos pelo mesmo pendentes e em que figuram, como recorrente, M..., Ldª, e, como recorrido, o Conselho de Ministros, despacho com o seguinte teor:-
'Não obstante a morosidade com que tem decorrido o presente recurso contencioso devido às mais diversas vicissitudes que os autos bem patenteiam, a começar pela necessidade de reformar o processo por haver desaparecido a petição inicial e demais documentos que a acompanhavam e morosidade no envio do processo instrutor, não podemos, no entanto, de deixar de considerar que a qualidade da decisão não deve ser sacrificada à celeridade. Assim, como é manifesto, o conhecimento da questão prévia suscitada no presente recurso e bem assim os vícios que são apontados ao acto impugnado dependem essencialmente do conhecimento da questão de direito de propriedade do expropriado. Embora tal questão possa ser apreciada, como questão prejudicial por este Tribunal, nos termos do nº 2 do artº 4º do E.T.A.F., no entanto, no caso sub judice, dada a complexidade da questão, afigura-se-me que se deve sobrestar na decisão do recurso contencioso, até que no Tribunal cível, o competente, e mediante o processo próprio a questão da propriedade possa ser conhecida e decidida. Desta maneira suspendo a instância do presente recurso nos termos do nº 2 do artº 4º do E.T.A.F. com a cominação a que se refere o artº 7º da L.P.T.A.' De um tal despacho reclamou a M..., Ldª, para a conferência, tendo, a dado passo e na peça processual consubstanciadora da reclamação, dito:-
- que o despacho reclamado 'violou o direito constitucional da recorrente ao recurso contencioso, na medida em que atrasa desnecessariamente, e ainda mais, a marcha deste processo', com isso violando 'também o direito constitucional da recorrente de acesso aos tribunais':
- que tal despacho 'é ilegal, por inconstitucionalidade material, por ofender o direito da recorrente ao recurso contencioso (art. 268º, nº 4 da Constituição), enquanto cerceia as garantias constitucionais e atrasa, ainda mais, o processo',
'por inconstitucionalidade material, por ofender o direito da recorrente de aceder aos tribunais (art. 20º, nº 1, da CRP), direito esse que engloba o direito a uma decisão judicial célere, o que não é propiciado pelo despacho reclamado' e 'por ofender o art. 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na qual Portugal é parte, e que confere à recorrente direito a um
'julgamento equitativo e célere' da parte dos tribunais nacionais'.
2. Por acórdão de 19 de Dezembro de 1995, o Supremo Tribunal Administrativo, conquanto entendesse que se não inscrevia nos poderes do relator a prolação de despacho de suspensão da instância de recurso nos termos em que foi determinada pelo despacho reclamado, veio, porém, a decidir por aquela suspensão 'a fim de no Tribunal Cível ser instaurada a competente acção, sob a cominação de a inércia dos interessados durante mais de três meses relativamente àquela instauração ou andamento do processo determinar o seguimento do processo do contencioso administrativo, decidindo-se a questão do direito de propriedade com base nos elementos de prova existentes nos autos e com os que para os mesmos venham a ser carreados, com efeitos a eles restritos'. Do assim decidido recorreu a M..., Ldª para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo. Na alegação então apresentada, a recorrente efectuou as seguintes «conclusões»:-
'1ª - o Acórdão recorrido incorre em erro de facto e de direito quando atribui à interpretação subjectiva da recorrente a qualificação do acto recorrido como acto de expropriação, quando uma leitura atenta e cuidada daquele acto nos mostra que é ele mesmo que se designa de acto de expropriação – como, aliás, bem concluiu o Mº Pº na sua elaborada e rigorosa promoção de fls. 669 a fls. 671 v. Esse erro é um erro substantivo e essencial, porque foi ele que determinou todo o restante raciocínio do Acórdão recorrido (v. supra, nºs 2 a 4);
2ª - que o acto recorrido é um acto de expropriação se conclui também pela fundamentação do acto recorrido na cláusula 7ª do art. 2º do Decreto de 1884 que, depois de afirmar que a 'concessão' transferia a propriedade sobre os terrenos concedidos para o concessionário, permitia a 'expropriação' desses terrenos (supra nº 4);
3ª - portanto, o acto administrativo impugnado, ao designar--se de
'expropriação', está a reconhecer que a recorrente é proprietária do imóvel, não só pela sua etimologia, mas também pela sua relação necessária com o Decreto de
1884, no qual se funda (supra, nºs 3 e 4);
4ª - e que esse raciocínio é correcto prova-o o facto de o Estado não haver feito reverter, com o acto recorrido, todos os terrenos abrangidos pela concessão de 1884, na extensão de quase 6.000 hectares, de Quarteira até à Ilha de Armona, nem mesmo os abrangidos pela redução da concessão, de 1888, na extensão de 2.000 hectares (fls. 49 e 50 dos autos) (supra, nº 4);
5ª - mas o problema da relação do acto recorrido com o Decreto de 1884 e a questão de saber se a concessão transferiu ou não a propriedade perde interesse porque a recorrente goza da presunção do registo predial a favor do seu direito de propriedade sobre o imóvel. E essa presunção funda-se, não na concessão
(porque não foi a recorrente a concessionária), mas na compra onerosa dos terrenos, uns concedidos a Basílio de Castelbranco, outros não concedidos a ninguém. O Acórdão recorrido nem quiz debruçar-se sobre esta questão, que está claramente esclarecida no Estudo de fls. 617, no nº 5.1, e nas conclusões 3ª e
4ª de fls. 665 (supra, nºs 5 e 6);
6ª - a presunção do registo não pode ser ilidida pelo acto administrativo impugnado. Nos termos do art. 350º, nº 1, do Código Civil, a presunção registal só pode ser ilidida por 'prova em contrário'. Essa prova só podia consistir na impugnação do acto de compra dos terrenos, que nunca foi feita e já não o pode ser. Mas decerto que não produz prova em contrário o mero acto de expropriação, que se limita a erradicar o direito, e cuja legalidade é impugnada em juízo. Nem vale a pena invocar a favor da tese da ilisão pelo acto administrativo da presunção registal a 'presunção de legalidade' daquele acto, não só porque esta presunção não tem nada a ver com as presunções legais, não fazendo prova ou contraprova de factos, porque apenas está ligada à executoriedade do acto, como também porque o acto administrativo, para além de estar impugnado, tem os seus efeitos suspensos pelo Tribunal
(supra, nºs 6 a 10);
7ª - por tudo isso, pois, pura e simplesmente não tem aplicação ao caso o art.
4º, nº 2 do ETAF, porque ele não se integra na respectiva previsão; ou seja, estando o direito de propriedade da recorrente provado por presunção registal não ilidida e já definitivamente consolidada, não há aqui qualquer questão da competência de outros tribunais, designadamente de tribunais cíveis (supra, nº
7);
8ª - mas, mesmo que assim não se entendesse, o Tribunal era obrigado a conhecer da questão prejudicial, não só por força da lei vigente, como também na base da jurisprudência por ele seguida em casos análogos. Essa obrigação advinha-lhe do princípio da suficiência de jurisdição administrativa, da simplicidade da questão prejudicial em apreço, e do atraso deste processo, que já vai em 12 anos, e que condiciona a marcha de quatro outros recursos contenciosos! (supra, nº 12);
9ª - por isso, a asserção, contida no Acórdão, de que a presunção registal de que a recorrente goza foi ilidida pelo acto recorrido (aliás, uma novidade no Direito Administrativo português) é profundamente incorrecta, não tem qualquer suporte jurídico no nosso Direito, viola a fé pública do registo, e constitui novo erro substantivo e essencial, de direito e de facto, que vicia o douto Acórdão recorrido (supra, nºs 6 a 10 e 13). Aliás, o Tribunal não pesou, decerto, todas as nefastas consequências que daquela tese adviriam para o sistema de garantias contenciosas dos particulares em Portugal (supra, nº 9);
10ª - por sua vez, ao aplicar ao caso concreto o art. 4º, nº 2, do ETAF, que, como se demonstrou, não acolhe ao caso sub judice na sua previsão, o Acórdão recorrido está a interpretar e aplicar erradamente aquele preceito, ainda por cima, como já o demonstrara o Mº Pº, em oposição a anteriores Acórdãos do próprio Tribunal (supra, nºs 11 e 12);
11ª - em face do Direito Processual Administrativo vigente, particularmente do princípio da suficiência administrativa, o Tribunal era obrigado a conhecer de imediato, ele próprio, da questão prejudicial, atenta, até, a simplicidade desta e o atraso do processo (supra, nºs 11 e 12);
12ª - ao não o fazer, o Tribunal está a ofender o direito constitucional da recorrente de aceder aos tribunais (art. 20º, nº 1, da CRP), direito esse que engloba o direito a uma decisão judicial célere, o que não é propiciado pelo Acórdão recorrido; está também a violar o direito constitucional da recorrente ao recurso contencioso (art. 268º, nº 4 da CRP), enquanto cerceia as garantias contenciosas e atrasa, ainda mais, este processo e outros quatro que deste dependem, quando, como o Mº Pº reconheceu na sua promoção, o processo está em condições de ser julgado de imediato de fundo e dando-se provimento ao recurso; e está também a ofender o Direito Internacional que obriga Portugal, como ficou demonstrado na conclusão f) de fls. 685 dos autos, que se dá por reproduzida aqui, e que não foi contrariada pelo Acórdão recorrido;
13ª - a recorrente vai juntar aos autos, em tempo oportuno, parecer de conhecido e qualificado especialista, que reforça e desenvolve o que se afirma nestas alegações, particularmente nas conclusões 6ª e 9ª e nos nºs 6 a 10 e 13 destas alegações. Desde já se afirma que o parecer em causa deverá considerar-se, para todos os efeitos, parte integrante destas Alegações e, especialmente, daquelas conclusões'. Convém anotar que a recorrente, na sequência do anúncio constante da «conclusão»
13º, fez juntar aos autos um «parecer», subscrito pelo Professor Doutor Oliveira Ascenção, no qual se concluiu assim:-
'1ª. - A presunção situa-se no domínio da prova; permite apurar um facto desconhecido a partir de um facto conhecido.
2ª. – As presunções legais relativas são verdadeiras presunções; respeitam ao facto e têm o significado de dispensar do ónus da prova a parte a quem beneficiam.
3ª. – A presunção legal do art. 7 do Código do Registo Predial funda-se na fé pública do registo, que por sua vez se baseia no princípio da legalidade; este tem em Portugal uma intensidade máxima.
4ª. – A inscrição no registo predial do direito e do respectivo titular dispensa este de provar ou sequer alegar os factos aquisitivos do direito.
5ª. – Havendo conflito de presunções legais, as soluções podem ser as mais variadas, com fundamento na interpretação das regras em presença.
6ª. – O que nunca se poderia dizer seria que a presunção fundada no registo é ilidida pela mera ocorrência doutra presunção legal, como se faz no acórdão, pois o argumento seria reversível.
7ª. - Uma 'presunção de legalidade' dificilmente poderia ser considerada uma verdadeira presunção, porque respeitaria a direitos em vez de presumir factos.
8ª. – Se fosse referida à fase contenciosa, anularia praticamente os direitos dos particulares, forçando o tribunal a partir sempre do princípio da legalidade do acto administrativo.
9ª. – Isso é incompatível com a equiparação processual de particulares e Administração e não encontra nenhum apoio na lei.
10ª. – A chamada 'presunção de legalidade' foi desenvolvida nos países latinos para explicar a produção imediata de efeitos do acto administrativo em relação a terceiros.
11ª. – Só em Espanha encontrámos quem ligue esta 'presunção' com a actuação contenciosa; nos outros países é referida apenas à vinculatividade e executividade imediatas do acto administrativo.
12ª. – Se os efeitos pretendidos com esta alegada presunção derivam da executividade do acto, terão logicamente de cessar em hipóteses de suspensão da eficácia do acto, como no caso presente.
13ª. – Mas a 'presunção de legalidade' não é uma regra, mas sim uma construção doutrinária destinada a explicar a eficácia externa imediata do acto administrativo.
14ª. – Como tal, está em posição paralela à das restantes construções com esta finalidade, fundadas na 'autoridade de caso decidido', na 'autotutela' da Administração ou na 'autoritariedade' do acto.
15ª. – O valor duma construção é apenas o que resulta da sua adequação à realidade.
16ª. – A 'presunção de legalidade' é construção errada, porque não respeita à prova, e a eficácia do acto administrativo não deriva de verificações da frequência da sua legalidade, mas sim das características intrínsecas do próprio acto'.
3. Por acórdão de 16 de Abril 1997, o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso. Desse aresto arguiu a recorrente a respectiva nulidade, o que foi desatendido por acórdão de 18 de Fevereiro de 1998. Veio então a M..., Ldª, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 16 de Abril de 1997, o que fez estribada na alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 25 de Novembro. De harmonia com o petitório de impugnação dirigido a este Tribunal, o recurso intentado interpor tem como fundamento 'a aplicação, pelo acórdão recorrido, do art. 4º, nº 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais com o sentido contrário ao do permitido pelos seguintes preceitos: - art. 20º, nº 1, da Constituição; - art. 268º, nº 4, da Constituição; - art. 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que vigora na ordem interna portuguesa por força dos arts. 8º, nº 2, e 16º, nº 1, da Constituição'. Acrescentou-se nesse mesmo petitório:-
'................................................................................................................................................................................................................. De facto, e sem prejuízo da demonstração adequada dos fundamentos do recurso nas alegações, o Acórdão recorrido, ao recusar-se a conhecer de imediato da questão prejudicial, que ele próprio como tal criou, em torno da propriedade da recorrente sobre o imóvel, como lhe era imposto pelo princípio da suficiência da jurisdição administrativa, consagrado no referido art. 4º, nº 2, do ETAF (como, aliás, lhe fôra proposto pelo Magistrado do Ministério Público, e, repetidamente
– fls. 672, com remissão para as fls. 669 a 671 dos autos), interpretou e aplicou o citado art. 4º, nº 2, do ETAF, em violação das citadas disposições da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A recorrente reúne os requisitos legais em matéria de legitimidade para a interposição deste recurso, nomeadamente, o do art. 72º, nº 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, dado que a violação dos preceitos em questão já fôra suscitada a fls. 685, als. d, e e f, e fls. 724, conclusão 12ª, dos autos.
.................................................................................................................................................................................................................' O recurso desejado interpor para o Tribunal Constitucional veio a ser admitido por despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, embora com dúvidas, já que, disse-se, era 'questionável que a recorrente' tivesse, 'nos locais por si indicados (...) suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (inconstitucionalidade de uma norma ou inconstitucionalidade da interpretação dada a uma norma), antes parecendo que' imputava 'a inconstitucionalidade à própria decisão judicial impugnada'.
4. Não obstante tal despacho, porque o mesmo, ex vi do artº 76º, nº 3, da Lei nº
28/82, não vincula este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, e porque se entende que a vertente impugnação não deveria ter sido admitida, efectua-se, de harmonia com o que se prescreve no nº 1 do artº 78º-A do aludido diploma, a presente «decisão sumária». Na realidade, como deflui da, aliás extensa, exposição fáctica acima efectuada e das vastas transcrições levadas a efeito (uma e outras necessárias para a compreensão desta «decisão sumária»), a ora recorrente, em passo algum, anteriormente à prolação do aresto pretendido colocar sob a censura deste Tribunal, assacou a uma norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional e, designadamente, à norma ínsita no nº 2 do artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº
129/84, de 27 de Abril) – ou a uma determinada forma de a interpretar -, o vício de desconformidade com normas ou princípios constantes da Lei Fundamental. Um tal vício, foi, isso sim, apontado, quer ao despacho que, fundado na existência de uma questão de prejudicialidade, determinou inicialmente a suspensão da instância de recurso, quer ao acórdão, lavrado pela 1ª Secção do Alto Tribunal a quo, que, identicamente, decidiu por essa suspensão. Ora, para se abrir a via de recurso de fiscalização concreta a que se reportam os artigos 280º, nº 1, alínea b), este da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), este da Lei nº 28/82, necessário seria que, in casu, a ora impugnante, antecedentemente a ser tirado o aresto de 16 de Abril de 1997, tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma do ETAF acima indicada, ou da interpretação que, àcerca da mesma, teria sido acolhida no acórdão de que recorreu para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.
4.1. Simplesmente, não foi isso que sucedeu. A recorrente, como bem se extrai das transcrições supra efectuadas, preferiu esgrimir, por entre outros que ao caso não relevam, com o argumento de harmonia com o qual o acórdão de 19 de Dezembro de 1995, ao decidir como decidiu, teria, ele mesmo, ofendido direitos constitucionais de que ela, recorrente, desfruta. Vale isto por dizer, pois, que, na perspectiva seguida pela recorrente nos presentes autos, a mesma, ao recorrer para o Pleno, sustentou que foi aquele acórdão em si que consubstanciou a violação de normas e princípios constitucionais, e não que, para atingir a decisão nele tomada, se baseou numa interpretação normativa que feria ditames constitucionais. Neste contexto, e sabido que o Diploma Básico e a lei ordinária elegem como objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da ilegalidade normas jurídicas e não outros actos do poder público tais como as decisões judiciais qua tale (e a este respeito a jurisprudência deste Tribunal tem desde sempre sido unânime e firme, por isso se dispensando aqui a indicação de quaisquer decisões exemplificativas quanto a este particular), então haverá de concluir-se, como se conclui, que da vertente impugnação não deve este órgão de administração de justiça conhecer. O que se decide'.
2. Entende o Tribunal que a decisão lavrada pelo relator é de manter.
Na verdade, a recorrente, precedentemente ao acórdão tirado pelo pleno do Supremo Tribunal Administrativo, não assacou a qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional (ou a um qualquer modo interpretativo dela) um vício de desconformidade com a Lei Fundamental, antes tendo - e de modo claro na perspectiva que agora se assume e foi assumida na decisão reclamada- referido que a decisão tomada pela 1ª Secção daquele Alto Tribunal tinha feito uma aplicação errónea do nº 2 do artº 4º do ETAF, preceito que comandava que o tribunal deveria 'conhecer de imediato, ele próprio, da questão prejudicial', e que, ao fazer essa errónea aplicação, contrariamente ao disposto em tal norma, o mesmo órgão de administração de justiça estava a
'ofender o direito constitucional da recorrente de aceder aos tribunais' (cfr.
«conclusões» 10ª a 12ª da alegação de recurso para o pleno, transcritas na decisão sumária ora reclamada).
Não pode, desta arte, dizer-se que a impugnante tenha, directa ou indirectamente, efectuado qualquer confrontação de uma interpretação normativa com a Constituição, para concluir que tal interpretação conflituaria com o Diploma Básico, o que vale por dizer que, ao utilizar, na «conclusão» 10ª, a asserção segundo a qual houve uma interpretação errónea, a recorrente apenas pôs em causa o concreto processo subsuntivo constante da decisão de que recorria .
Por isso, o que, em direitas contas a recorrente fez foi esgrimir com o raciocínio segundo o qual o citado nº 2 do artº 4º não podia ser aplicado do modo como o foi no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e que, fazendo essa aplicação, a decisão ali tomada estava a ofender um seu direito fundamental.
O vício de incompatibilidade com Constituição não foi, deste modo, dirigido a uma norma jurídica, mas sim a uma decisão jurisdicional, pelo que, atento o nosso sistema de recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, não podia ser aberta a via da vertente impugnação.
E daí indeferir este Tribunal a presente reclamação, condenando a ora reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 13 de Janeiro de 1999 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida