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Processo n.º 494/2005
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Bravo Serra
 
  
 
  
 
                         1. Em 4 de Julho de 2005 lavrou o relator a seguinte 
 decisão:-
 
  
 
           “1. Interpôs a arguida A. recurso para o Tribunal da Relação de 
 Coimbra da sentença proferida em 18 de Fevereiro de 2003 pelo Juiz do 2º Juízo 
 do Tribunal de comarca da Guarda que, pela prática de factos que foram 
 subsumidos ao cometimento de um crime de homicídio por negligência, previsto e 
 punível pelos números 1 e 2 do artº 137º do Código Penal, a condenou a pena de 
 três anos de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de quatro anos, 
 condenando-a ainda a pagar aos demandantes cíveis B., C., D. e E., a título de 
 indemnização, a todos eles, ‘pelo dano morte’, € 30.000, a título de 
 indemnização pelos ‘danos morais’, ao primeiro, €20.000 e aos segundo, terceira 
 e quarto, € 15.000, e a título de indemnização por danos patrimoniais, aos 
 segundo, terceira e quarto, respectivamente, € 15.825, €3.750 e 8.755.
 
  
 
           Com tal recurso «subiu» um outro, interposto pela arguida de um 
 despacho proferido em 21 de Maio de 2002 pela Juíza de Instrução Criminal 
 daquele Tribunal de comarca, que indeferira a arguição de nulidade deduzidas da 
 decisão instrutória, pois que fora admitido a intervir como assistente B., que 
 seria «comparticipante» no ilícito pelo qual a arguida se encontrava 
 pronunciada.
 
  
 
           O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão datado de 1 de Setembro 
 de 2003, rejeitou o recurso interposto do despacho de 21 de Maio de 2002 e 
 determinou o reenvio do processo para efectivação de novo julgamento, a fim de 
 se apurarem determinados ponto sobre a matéria de facto e serem eles 
 compatibilizados com outros dados como apurados na sentença lavrada na 1ª 
 instância.
 
  
 
           Nesse acórdão foi considerado que, como o assistente nunca teve, nos 
 autos ‘(nem no inquérito, nem na instrução nem no julgamento) a qualidade de 
 arguido, por co-autor ou cúmplice’, carecia de fundamento o recurso do despacho 
 de 21 de Maio de 2002 que, assim, era manifestamente improcedente.  
 
  
 
           Remetidos os autos ao Tribunal de comarca da Guarda, por sentença 
 prolatada em 26 de Fevereiro de 2004 foi a arguida absolvida do crime pelo qual 
 se encontrava pronunciada e dos pedidos de indemnização contra ela formulados.
 
  
 
           Inconformado com o assim decidido recorreram o Ministério Público e o 
 assistente B. para o Tribunal da Relação de Coimbra.
 
  
 
           Na resposta à motivação, a arguida formulou as seguintes «conclusões» 
 de direito:-
 
  
 
 ‘(...)
 DE DIREITO
 
 20ª
 
             Os recorrentes não motivam nas suas conclusões a tese da autoria 
 pela arguida de qualquer crime.
 
 21ª
 
             O princípio ‘in d[u]bio pro reo’ foi respeitado.
 
 22ª
 
             O assistente labora em ilegalidade ao ‘figurar’ no processo nessa 
 qualidade, situação sempre verificável a qualquer tempo.
 
 23ª
 
             A ter havido qualquer acto penalmente previsto sempre ele seria 
 comparticipante (co-autor ou cúmplice).
 
 24ª
 
             O Artigo 68º-1-c) do C.P.P. não permite tal hipótese, tal aberração 
 jurídica.
 
 25ª
 
             Interpretar a alínea c) do nº 1 do Artigo 68º do C.P.P. considerando 
 comparticipante só quem for arguido é manifestamente ‘contra legem’ e 
 inconstitucional, o que para todos os efeitos se invoca.
 
 26ª
 
             A ser assim, como é, o resultado do processo seria o mesmo: o 
 arquivamento, só que neste caso logo com efeito desde o despacho de arquivamento 
 antes da abertura da instrução.
 
 27ª
 
             Não havendo crime não há responsabilidade extra-contratual - 483º-1 
 do C.C., pelo que em conformidade com o artigo 377º-1 do C.P.P. foi bem 
 absolvida a demandada do pedido cível - Cfr. Assento 7/99 - D.R. I Série de 
 
 3/8/99.
 
 28ª
 
             Não violou a decisão recorrida qualquer preceito legal, compreendeu 
 bem a prova produzida (nesta audiência) cuja convicção justificou de forma 
 exemplar.
 
 (...)’
 
  
 
  
 
           O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 22 de Setembro de 
 
 2004, condenou a arguida, pelo cometimento do crime pelo qual vinha pronunciada, 
 na pena de dois anos e seis meses de prisão, determinando a suspensão da 
 respectiva execução pelo período de três anos, condenando-a ainda a pagar aos 
 demandantes civis determinados montantes a título de indemnização por danos 
 patrimoniais e não patrimoniais.
 
  
 
           Daquele aresto recorreu a arguida para o Supremo Tribunal de Justiça 
 que, por acórdão de 26 de Janeiro de 2005, ponderando a medida concreta da pena 
 aplicada à arguida, a doutrina fixada pelo Acórdão de Uniformização de 
 Jurisprudência de 14 de Março de 2002 e o disposto na alínea e) do nº 1 do artº 
 
 400º do diploma adjectivo penal, rejeitou, por inadmissibilidade, o recurso.
 
  
 
           Vindo a arguida veio requerer a «rectificação» e a «aclaração» daquele 
 aresto, foi tal pretensão indeferida por acórdão de 6 de Abril de 2005.
 
  
 
           Fez então a arguida juntar aos autos dois requerimentos de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ancorados na alínea b) 
 do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e direccionados ao 
 acórdão tirado no Tribunal da Relação de Coimbra.
 
  
 
           No primeiro deles, dizendo que o ‘Acórdão ora recorrido é uma decisão 
 surpresa ao interpretar inconstitucionalmente os poderes de jurisdição que já se 
 haviam esgotado nesta matéria - 667º e 671-1 do C.P.C. - caso julgado’, e que 
 ele aplicou ‘inconstitucionalmente ‘a contrario’ o artigo 4º do C.P. Penal’, 
 norma que, conjugada com os artigos 677º e 671º, nº 1, alínea c), do Código de 
 Processo Civil, era inconstitucional quando interpretada ‘no sentido de que em 
 matéria penal não é aplicável o instituto do caso julgado, por violação dos 
 artigos 2º, 3º - nº 2, 9º-b), 13º-nº 1, 18º- nº 2e 32º-nº 1, da C. República 
 Portuguesa’.
 
  
 
           No segundo, dizendo que era ‘inconstitucional a alínea c) do nº 1 do 
 Artigo 68º do C.P.P., na interpretação dele feita, segundo a qual para que o 
 comparticipante no crime não possa ser assistente tem que ser constituído 
 arguido, por violação dos Artigos 2º, 3º-nº 2, 9º-b), 13º-nº 1, 18º-nº 2 e 
 
 32º-nº 1 da Constituição da República Portuguesa’.
 
  
 
           Por despacho de 19 de Maio de 2005, proferido pelo Desembargador 
 Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, foi ‘Admitido o recurso’.
 
  
 
  
 
           2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 
 
 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido 
 admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente 
 decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente 
 impugnação.
 
  
 
           No que concerne ao recurso visando a norma que se extrairia de um dado 
 sentido interpretativo conferido ao preceito ínsito na alínea c) do nº 1 do artº 
 
 68º do Código de Processo Penal (e isto sem se entrar agora na questão de saber 
 se o requerimento de interposição de recurso a ela atinente - e, bem assim, o 
 respeitante aos artº 4º do Código de Processo Penal, conjugado com os artigos 
 
 671º, nº 1, alínea c), e 671º, do Código de Processo Civil - cumpre 
 efectivamente os requisitos dos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82), é 
 evidente que o acórdão ora intentado impugnar, de todo em todo, a não convocou 
 para a decisão tomada.
 
  
 
           Na verdade, percorrendo todo o texto desse aresto nem uma só asserção 
 se divisa em tal sentido. E essa postura é facilmente compreensível, já que a 
 questão estava decidida nos autos, com foros de firmeza, pelo anterior acórdão 
 tirado pelo Tribunal da Relação de Coimbra e datado de 1 de Setembro de 2003.
 
  
 
           Desta sorte, porque falece, neste particular, um dos pressupostos do 
 recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 - justamente o 
 que consiste na aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja análise se deseja 
 que seja levada a efeito pelo Tribunal Constitucional -, não se toma 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
  
 
           2.1. Pelo que tange ao recurso incidente sobre a norma que resultaria 
 de uma certa dimensão interpretativa da conjugação dos já aludidos artigos 4º, 
 do Código de Processo Penal, e 671º, nº 1, alínea c), e 677º, do diploma 
 adjectivo civil, por um lado, do acórdão pretendido recorrer não se extrai 
 minimamente que aqueles preceitos tivessem ali comportado a interpretação de 
 harmonia com a qual em sede processual criminal não era aplicável o instituto do 
 caso julgado.
 
  
 
           Basta, para alcançar tal conclusão, ler o que ficou consignado em tal 
 aresto e cotejar o mesmo com o anterior acórdão datado de 1 de Setembro de 2003.
 
  
 
           Por outro lado, ainda que o contrário sucedesse - e já se viu que tal 
 não ocorreu -, seguramente que, dados os moldes como foram estruturadas as 
 motivações de recurso do assistente e do Ministério Público, impenderia sobre a 
 arguida o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade normativa que ora 
 verte no primeiro requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
 
  
 
           Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto dos recursos, 
 condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça 
 em seis unidades de conta.”
 
  
 
                         Da transcrita decisão reclamou a arguida nos termos do 
 nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, dizendo no requerimento consubstanciador da 
 reclamação: –
 
  
 
 “(…)
 I
 INTRODUÇÃO
 
 1 – Cremos ter havido no douto despacho lapsos que levaram a decisão e que sem 
 eles os recursos teriam sido recebidos.
 
 2 – Veio a arguida interpor neste Tribunal Constitucional dois recursos,
 
        no primeiro deles dizendo que o Acórdão recorrido é uma decisão ao 
 interpretar inconstitucionalmente os poderes de jurisdição que já se haviam 
 esgotado nesta matéria – 667° e 671º-1 do C.P.C. – caso julgado, e que ele – o 
 Acórdão – aplicou inconstitucionalmente ‘a contrario’ o artigo 4° do C.P.P., 
 norma que, conjugada com os Artigos 677° e 671º - nº 1 - c) do C.P.C., era 
 inconstitucional quando interpretada no sentido de que em matéria penal não é 
 aplicável o instituto de caso julgado, por violação dos Artigos 2°, 3°-nº2, 
 
 9°-b) , 13°-nº1, 18°-nº2 e 32°-nº1 da Constituição da República Portuguesa.
 
       E no segundo, dizendo que era inconstitucional a alínea c) do nº 1 do 
 Artigo 68° do C.P.P., na interpretação dela feita, segundo a qual para que o 
 comparticipante no crime não possa ser assistente tem que ser constituído 
 arguido, por violação dos Artigos 2°, 3°-nº2, 9°-b), 13°-n° 1, 18°-nº2 e 32°-nº1 
 da Constituição.
 II
 DO NÃO CONHECIMENTO DO 1° RECURSO
 
 ‘CASO JULGADO’
 
 1- Defendo o douto despacho que o Tribunal da Relação no seu acórdão não deixa 
 expresso ‘minimamente’ que aqueles preceitos – 671°, nº1 - c) e 677° do C.P.C. e 
 
 4° do C.P.P. – tivessem comportado a interpretação de ‘harmonia com a qual em 
 sede processual criminal não era aplicável o instituto do caso julgado’.
 
 2 - Depois, a este título diz a decisão reclamada que à arguida impenderia o 
 
 ónus de suscitar a questão no primeiro requerimento de interposição de recurso 
 para este Tribunal - Relação.
 
 3- Ora nem uma, nem outra destas duas teses pode colher.
 Por um lado, a arguida foi absolvida no segundo julgamento de instância pelo que 
 não podia recorrer.
 Por outro não podia prever que o mesmo Tribunal da Relação fizesse tábua rasa de 
 um outro Acórdão da mesma Relação e no mesmo processo  por isso, decisão 
 surpresa.
 
 4- Deveria e deverá, pois, ser recebido este recurso.
 III
 DO NÃO CONHECIMENTO DO 2º RECURSO
 
 ‘Interpretação inconstitucional do Artigo 68°-1-c) do C.P.P.’
 
 1 - O douto despacho reclamado defende que a decisão do Tribunal da Relação – 
 Acórdão de 1 de Setembro de 2003 decidiu tal questão ‘com foros de firmeza’.
 Ora esquece que o mesmo Acórdão trata a questão de fundo e diz claramente que a 
 decisão do Tribunal de 1ª Instância não pode ser mantida, sem a prova da causa 
 da morte, do início do processo morte e por quem.
 Nesta situação não tinha qualquer interesse para a arguida atacar tal decisão 
 mas tão só e apenas aguardar pela prova ou não prova desses elementos fácticos.
 
 É que o Tribunal da Relação escrevia:
 
 ‘O depoimento das testemunhas, em nada se refere à causa de morte, aos actos 
 praticados pela arguida idóneos para provocar as lesões e ao nexo de causalidade 
 entre as lesões e a morte’.
 A aberração jurídica de ‘in casu’ ainda haver assistente nestes autos foi 
 novamente atacada na Motivação da recorrida como muito bem se transcreveu na 
 decisão reclamada, mormente nas conclusões para a Relação com os números 22ª a 
 
 25ª.
 Estamos em crer que a primeira decisão do Tribunal da Relação não afastou a 
 hipótese de a todo o momento e verificar da impossibilidade de manutenção da 
 constituição de assistente por constatação da existência da nulidade insanável - 
 
 119°-b) 68°-1-c) do C.P.P..”
 
  
 
                         Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do 
 Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer que ela era “manifestamente 
 improcedente, em nada abalando os fundamentos da decisão reclamada”, pois que, 
 
 “não tendo a decisão recorrida feito obviamente aplicação das interpretações 
 normativas delineadas pela recorrente”, era “evidente a inverificação dos 
 pressupostos dos recursos interpostos”.
 
  
 
                         De sua banda, o assistente B. não efectuou pronúncia 
 sobre a reclamação.
 
  
 
                         Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         2. Como ressalta da decisão ora sub iudicio, entendeu-se 
 na mesma que, pelo que se prendia com o recurso atinente à norma da alínea c) do 
 nº 1 do artº 68º do Código de Processo Penal, o acórdão recorrido a não convocou 
 como razão de decidir, já que, não só nenhuma referência a tal questão, como 
 ainda ela tinha sido decidida por anterior aresto, datado de 1 de Setembro de 
 
 2003, do mesmo Tribunal de Relação.
 
  
 
                         E, efectivamente, assim foi, sendo que, de todo em todo, 
 não é da circunstância de este último aresto ter determinado o reenvio do 
 processo para efectivação de novo julgamento, a fim de se apurarem determinados 
 pontos da matéria de facto, não decidindo, pois, em concreto, sobre a condenação 
 operada no primeiro julgamento realizado em 1ª instância, que poderá resultar 
 que aqueloutra decisão atinente à questão da admissão de determinada pessoa como 
 assistente nos autos não viesse a constituir caso julgado.
 
  
 
                         Improcede, pois, a reclamação neste ponto.
 
  
 
  
 
                         2.1. Pelo que tange às normas do recurso visando a 
 apreciação da inconstitucionalidade dos artigos 667º e 671º, nº 1, este e aquele 
 do Código de Processo Civil, e 4º do Código de Processo Penal, foi, na decisão 
 ora reclamada, perfilhada a perspectiva de harmonia com a qual, por um lado, de 
 nenhuma asserção utilizada no acórdão da 2ª instância em crise seria possível 
 extrair que tais preceitos fossem objecto de aplicação comportando uma 
 interpretação segundo a qual em sede de processo criminal não era aplicável o 
 instituto de caso julgado.
 
  
 
                         E, por outro lado, mesmo que assim não fosse (e note-se, 
 vincou-se na decisão ora reclamada que essa hipótese era de afastar), disse-se 
 em tal decisão que não deixava de ser certo que, tendo em conta o que foi 
 referido nas motivações de recurso apresentadas pelo Ministério Público e pelo 
 assistente no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, sempre 
 seria de exigir à recorrente, na resposta a elas, o ónus de suscitar a questão 
 de inconstitucionalidade, o que não fez, o que vale por dizer que nunca poderia 
 ser considerada «decisão surpresa» um eventual (e diz-se eventual, pois que não 
 foi isso que sucedeu) confronto com uma interpretação daqueles preceitos que 
 porventura conduzisse ao resultado normativo que a ora reclamante defende ser 
 contrário à Lei Fundamental e que defende também ter sido seguido pelo acórdão 
 pretendido impugnar.
 
  
 
                         Em face do exposto, indefere-se a reclamação, 
 condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades 
 de conta a taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 25 de Outubro de 2005
 
  
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício