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Processo n.º 794/05 
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
 1.     JOÃO ARMANDO SARAIVA PEREIRA DE ALMEIDA, na qualidade de 'mandatário da 
 candidatura do Partido Socialista às Eleições Autárquicas de 2005 no Concelho de 
 Mondim de Basto' dirigiu ao Tribunal Constitucional a seguinte petição, a que 
 chama 'recurso contencioso da legalidade de determinados actos praticados no 
 contexto das supracitadas eleições':
 
  
 
 'Dos factos:
 
  
 
 1.º
 No decurso do acto eleitoral, na Assembleia de Voto n.º 1 da Freguesia de Mondim 
 de Basto, constatou-se que dois elementos da respectiva mesa de voto 
 deslocaram-se para o exterior da Assembleia de Voto, para junto de uma carrinha 
 mono volume Peugeot 807 da Santa Casa da Misericórdia de Mondim de Basto, 
 transportando consigo os respectivos boletins de voto;
 
 2.º
 O referido veiculo transportava 7 eleitores idosos, que exerceram o direito de 
 voto no interior do próprio veículo, nos lugares em que se encontravam sentados, 
 em simultâneo e sem assegurar os pressupostos da presencialidade e do segredo de 
 voto;
 
 3.º
 Dos factos relatados foi lavrada reclamação junto da Mesa de Voto pelo candidato 
 do CDS/PP, a requisitar, e foi apresentada queixa à Comissão Nacional de 
 Eleições pela candidatura do PS conforme documento junto;
 
 4.º
 Na Assembleia de Voto da Freguesia de Paradança foi lavrado protesto à mesa por 
 ter sido admitido o exercício de voto a eleitores acompanhados, que não 
 aparentavam doença ou deficiência física notórias;
 
 5.º
 Na Assembleia de Voto da Freguesia de Ermelo, constatou-se que as mesas de voto 
 deliberaram que um mesmo cidadão podia acompanhar dois eleitores idosos a votar;
 
  
 Do direito:
 
 6.º
 Do supra expendido, resulta a violação de vários normativos da Lei Orgânica n.º 
 
 1/2001, de 14 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 
 
 5-A/2001, de 26 de Novembro, que regulamenta a eleição dos titulares dos órgãos 
 das autarquias locais;
 
 7.º
 Os factos relatados em 1º e 2º violam o disposto nos artigos 98º, 101º, 102º, e 
 
 115º do diploma legal acima melhor identificado;
 
 8.º
 Os factos relatados em 4º e 5º violam o disposto nos artigos 102º e 115º do 
 supra citado diploma legal.
 
  
 Nestes termos e nos mais de direito, ainda com o douto suprimento de Vossa 
 Excelência, deve ser declarada a ilegalidade dos actos praticados e acima melhor 
 explicitados, e aplicados todas as consequências legalmente previstas.'
 
  
 
  
 
             
 
 2.           Face ao que dispõe o n.º 1 do artigo 159º da LEOAL aprovada pela 
 Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto deverá o requerente, na sua petição, 
 identificar a deliberação recorrida. No caso presente, o requerente denuncia 
 três diferentes situações, que claramente tem por irregulares; mas, da descrição 
 que faz, não é possível determinar os actos que pretende impugnar. 
 
  
 Vejamos: Em primeiro lugar, na Assembleia de Voto n.º 1 da Freguesia de Mondim 
 de Basto, dois elementos da respectiva mesa ter-se-ão deslocado para fora da 
 assembleia de voto levando consigo boletins de voto com a finalidade de permitir 
 que 7 eleitores votassem no interior do veículo automóvel onde se encontravam. 
 Para além de nada dizer sobre a influência que os votos assim expressos teriam 
 tido no resultado eleitoral, o certo é que nada se diz sobre o acto recorrido, 
 por força do qual teriam sido validados tais votos.
 Esta deficiência impede que o Tribunal Constitucional aprecie o pedido e, 
 consequentemente, dê por verificada a irregularidade.
 
  
 No segundo caso, na Freguesia de Paradança, teria sido admitido o exercício de 
 voto a eleitores acompanhados, embora eles não aparentassem doença ou 
 deficiência física notórias; falta, desde logo, saber quantos teriam sido os 
 votos assim ilegalmente obtidos para poder concluir pela influência que a 
 irregularidade teria tido sobre o resultado final. Todavia, o certo é que também 
 nada acrescenta que identifique o acto recorrido.
 
  
 No terceiro caso, na Freguesia de Ermelo, as mesas de voto terão deliberado que 
 um mesmo cidadão podia acompanhar dois eleitores idosos a votar; nada se diz que 
 possa fazer concluir que o facto teve influência no resultado da eleição, mas, 
 fundamentalmente, o Tribunal fica sem poder determinar de que deliberação se 
 recorre. 
 
  
 
  
 
 3.         Em face do exposto, decide-se não conhecer do pedido.
 
  
 Lisboa, 24 de Outubro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria Helena Brito
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma (vencida quanto à fundamentação do
 Acórdão, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto do
 Conselheiro Mário Torres, e retirando daí as devidas consequências quanto à
 decisão)
 Mário José de Araújo Torres (com declaração de voto junta)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
 1. Da leitura conjugada das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 156.º e dos artigos 
 
 157.º e 158.º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das 
 autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto 
 
 (doravante designada por LEOAL), resulta, a meu ver, o seguinte regime: (i) 
 todas as irregularidades ocorridas, quer no decurso da votação, quer no 
 apuramento local, quer no apuramento geral são susceptíveis de constituir 
 objecto de impugnação contenciosa; (ii) constitui requisito de admissibilidade 
 dessa impugnação a apresentação de reclamação ou protesto (na votação: pelos 
 delegados das listas ou por qualquer eleitor inscrito na assembleia de voto em 
 causa – artigo 121.º; nos apuramentos local ou geral: pelos representantes das 
 candidaturas – artigos 134.º, n.º 1, e 143.º) no acto em que a irregularidade 
 tiver ocorrido (artigo 156.º, n.º 1); (iii) têm legitimidade para a impugnação 
 contenciosa não apenas o apresentante da reclamação, mas qualquer candidato, 
 mandatário, partido político, coligação ou grupo de cidadãos e seus delegados ou 
 representantes, intervenientes no acto eleitoral em causa (artigo 157.º); (iv) 
 o prazo de interposição do “recurso contencioso”, a interpor perante o Tribunal 
 Constitucional, é de um dia, contado a partir do dia de afixação contendo os 
 resultados do apuramento – entenda‑se: apuramento geral – (artigo 158.º).
 
                         O n.º 2 do artigo 156.º da LEOAL, ao dispor que “das 
 irregularidades ocorridas no decurso da votação ou do apuramento local pode ser 
 interposto recurso contencioso, sem prejuízo da interposição de recurso gracioso 
 perante a assembleia de apuramento geral no 2.º dia posterior ao da eleição”, 
 implica que a impugnação contenciosa a interpor perante o Tribunal 
 Constitucional pode ter como objecto directo uma irregularidade ocorrida no 
 decurso da votação ou do apuramento local. Da expressão “sem prejuízo da 
 interposição de recurso gracioso perante a assembleia de apuramento geral” não 
 resulta, a meu ver, que se vise a imposição de um recurso “gracioso” necessário 
 para a assembleia de apuramento geral, hipótese em que só da deliberação desta 
 sobre tal recurso caberia impugnação para o Tribunal Constitucional. Tal 
 interpretação retiraria qualquer sentido útil à primeira parte deste n.º 2 do 
 artigo 156.º. Resulta, pois, deste preceito, que, perante uma irregularidade 
 ocorrida no decurso da votação ou do apuramento local o interessado pode 
 interpor “recurso contencioso” e também, facultativamente, “recurso gracioso” 
 perante a assembleia de apuramento geral. Questão diversa é a do momento de 
 subida do recurso contencioso, que, por força do artigo 158.º e pelas razões 
 expendidas no Acórdão n.º 585/2001 e reiteradas nos recentes Acórdãos n.ºs 
 
 521/2005, 522/2005 e 524/2005, se entende só dever ocorrer após a afixação do 
 edital contendo os resultados do apuramento geral.
 
                         Esclareça-se, desde já, que quando se referiu que podem 
 constituir objecto da impugnação contenciosa quaisquer “irregularidades” 
 ocorridas no decurso da votação e no apuramento local, é óbvio que as 
 irregularidades (no sentido de violações da lei eleitoral) constituem, em rigor, 
 o fundamento da impugnação, e não, nesse sentido, o seu objecto. Mas o que 
 importa sublinhar, nesta sede, é que objecto do “recurso contencioso” não tem de 
 ser, necessariamente, um acto jurídico expresso. Desde há muito que, no 
 contencioso administrativo em geral, se admite que objecto de “recurso 
 contencioso” podem ser, para além de actos administrativos expressos, não só 
 omissões administrativas, mas também operações materiais da Administração (cf., 
 por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Outubro de 
 
 1998, P. 37 451 [Relator: Cons. Vítor Gomes], anotado por Carla Amado Gomes, 
 
 “Era uma vez ... uma execução coerciva: o caso Société Immobilière de Saint Just 
 revisitado”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 15, Maio/Junho de 1999, pp. 
 
 3‑14; e, desta autora, Contributo para o estudo das operações materiais da 
 Administração Pública e do seu controlo jurisdicional, Coimbra, 1999).
 
                         Quando se impugnam contenciosamente “irregularidades” 
 ocorridas no decurso da votação o que, em rigor, se impugna é o comportamento 
 das mesas das assembleias de voto de permitirem o exercício do sufrágio em 
 alegada violação das normas legais aplicáveis, ou, se se preferir, é o acto de 
 admissão de votos nessas condições. Apresentado protesto ou reclamação contra 
 esse comportamento ou acto, está preenchido o requisito de admissibilidade do 
 recurso contencioso, sem que se exija que, perante a decisão (ou falta dela) 
 dessa reclamação ou protesto, por parte da mesa de assembleia de voto, o 
 interessado tenha de formular nova reclamação ou protesto perante esse órgão ou 
 que tenha de os repetir durante o apuramento local ou perante a assembleia de 
 apuramento geral.
 
  
 
                         2. Exposto o entendimento que extraio das normas dos 
 artigos 156.º a 158.º da LEOAL, importa agora sublinhar que o n.º 1 do 
 subsequente artigo 159.º apenas impõe que o recorrente especifique, na petição 
 de recurso, os respectivos fundamentos de facto e de direito e junte os 
 elementos de prova de que disponha, solicitando ao Tribunal Constitucional a 
 requisição dos restantes.
 
                         Não tem suporte legal, a meu ver, a exigência de que o 
 recorrente faça, na petição de recurso, uma exaustiva demonstração e prova da 
 verificação de todos os requisitos positivos ou da inverificação de todos os 
 requisitos negativos da admissibilidade do recurso, nem, muito menos, que tenha 
 de alegar e provar que as irregularidades arguidas são susceptíveis de influir 
 no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico (artigo 160.º, n.º 
 
 1, da LEOAL). Este último não é sequer um requisito de admissibilidade do 
 recurso, mas mera causa de paralisação do efeito invalidante da ilegalidade 
 verificada, que o Tribunal aprecia oficiosamente, dado dispor de elementos (os 
 resultados do apuramento geral) que lhe permitem aferir daquela possibilidade 
 de influência. Aliás, nem todas as ilegalidades implicam anulação da eleição e 
 repetição do acto eleitoral (cf., por exemplo, o recente Acórdão n.º 545/2005, 
 em que se concedeu provimento ao recurso eleitoral, determinando‑se a 
 rectificação de votos atribuídos a determinada lista, apesar de essa 
 rectificação em nada afectar a atribuição de mandatos, já que, no caso, não 
 havia necessidade de repetição do acto eleitoral; e o Acórdão n.º 563/2005, 
 desta data, proferido em caso em que ocorria diferença de um voto entre as 1.ª e 
 
 2.ª listas, e no qual, se o Tribunal Constitucional tivesse considerado válidos 
 os dois votos na 2.ª lista que foram considerados nulos e objecto de protesto, 
 também não determinaria a repetição do acto eleitoral mas antes que a 
 assembleia de apuramento geral procedesse a novo apuramento, com a apontada 
 alteração da qualificação dos votos, de que resultaria a vitória da lista 
 recorrente).
 
                         Por isso, divergi do precedente acórdão enquanto aponta 
 como deficiência da petição de recurso a omissão, pelo recorrente, de alusão à 
 influência das irregularidades denunciadas sobre o resultado final.
 
                         Por outro lado, e também contrariamente ao decidido no 
 precedente acórdão, entendo, face ao teor da petição de recurso apresentada pelo 
 recorrente, “ser possível determinar os actos que pretende impugnar”. Esses 
 actos são, como se expôs supra, no n.º 1, os actos (ou comportamentos materiais) 
 das mesas das três assembleias de voto identificadas que permitiram o exercício 
 do direito de sufrágio em situações violadoras das normas legais aplicáveis, 
 pondo em causa os pressupostos da presencialidade e do segredo de voto, isto é, 
 em suma, o exercício livre e consciente do direito de voto.
 
                         Não constando dos autos as actas das assembleias de voto 
 em causa, não existem elementos para tomar posição quer quanto à ocorrência de 
 outros motivos impeditivos do conhecimento do mérito do recurso, quer quanto a 
 este mérito.
 Mário José de Araújo Torres