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Processo n.º 760/2005 
 Plenário 
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
 1. Em 4 de Outubro de 2005, o Presidente da República veio requerer ao Tribunal 
 Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 115º, n.º 8, da Constituição 
 e 29º, n.º 1, da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do 
 Referendo), “a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da 
 proposta de referendo aprovada pela Resolução n.º 52 da Assembleia da República, 
 publicada em Suplemento à Iª Série – A do Diário da República de 29 de Setembro 
 de 2005, distribuído a 30 de Setembro”.
 No requerimento afirmou ainda “salientar neste pedido, mas apenas porque a 
 questão gerou alguma controvérsia pública, a importância que terá o 
 esclarecimento pelo Tribunal Constitucional das dúvidas suscitadas a propósito 
 da renovação da iniciativa de proposta de referendo na sessão legislativa 
 actualmente em curso”. 
 Juntou cópia do exemplar do Diário da República no qual veio publicada a 
 referida Resolução, cujo texto é o seguinte: 
 
  
 
 “A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º 
 e da alínea j) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, 
 apresentar a S. Ex.ª o Presidente da República a proposta de realização de um 
 referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam 
 chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:
 
 «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se 
 realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de 
 saúde legalmente autorizado?»”
 
  
 Admitido o pedido, os autos foram distribuídos.
 Foi apresentado e debatido o memorando previsto no n.º 2 do artigo 30.º da Lei 
 n.º 15-A/98, de 3 de Abril. Fixada a orientação a seguir, cumpre decidir.
 
  
 
 2. A Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005 resultou da aprovação do 
 projecto de resolução n.º 69/X/1 (publicado no Diário da Assembleia da 
 República, II Série-A, n.º 50, de 22 de Setembro de 2005,  págs. 22-23), 
 apresentado por um grupo de Deputados do Partido Socialista, e aprovado, com o 
 texto proposto, em 28 de Setembro.
 Entrado em 15 de Setembro de 2005, o projecto foi admitido e veio a ser objecto 
 do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e 
 Garantias, de 28 de Setembro seguinte, publicado no Diário da Assembleia da 
 República, II Série-A, nº 52, de 29 de Setembro. 
 O relatório, após recordar os “antecedentes parlamentares”, concluiu no sentido 
 de que “1 – A iniciativa foi apresentada nos termos do artigo 161.º, alínea j), 
 do artigo 115.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo 
 os requisitos previstos no artigo 138.º do Regimento. 2 – O projecto de 
 resolução tem como objectivo a realização de um referendo sobre a despenalização 
 da interrupção voluntária da gravidez”.
 Assim, o relatório terminou afirmando que o projecto preenchia “os requisitos 
 constitucionais e regimentais para subir a Plenário, reservando os grupos 
 parlamentares as suas posições de voto para o debate”.
 Contra a admissão do projecto havia sido apresentado recurso pelo Grupo 
 Parlamentar do Partido Popular, subscrito por um seu Deputado, invocando 
 violação das regras constantes do n.º 10 do artigo 115.º e do n.º 4 do artigo 
 
 167.º, ambos da Constituição.
 Sobre este recurso foi elaborado o Parecer da Comissão de Assuntos 
 Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 22 de Setembro de 2005 
 
 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 51, de 24 de Setembro), que 
 se pronunciou no sentido de que o mesmo não tinha “fundamento legal”. O parecer 
 foi debatido e aprovado na reunião plenária de 22 de Setembro (Diário da 
 Assembleia da República, I Série, n.º 48,  de 23 de Setembro de 2005, págs. 2197 
 e segs.) com os votos a favor do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda e os 
 votos contra do Partido Social Democrata, do Partido Comunista, do Partido 
 Popular e de Os Verdes.
 
             
 
 3. A questão colocada no referido recurso relaciona-se com o facto de, em 20 de 
 Abril de 2005, ter sido aprovada pela Assembleia da República a Resolução n.º 
 
 16-A/2005, de 21 de Abril, com o seguinte conteúdo:
 
 “A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º 
 e da alínea j) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, 
 apresentar a S. Exª o Presidente da República a proposta de realização de um 
 referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam 
 chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:
 
 «Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 
 semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de 
 saúde?»”
 O referendo assim proposto não veio, porém, a ser convocado pelo Presidente da 
 República. Em mensagem de 2 de Maio de 2005 (publicada no Diário da Assembleia 
 da República, II Série-A, n.º 12, de 7 de Maio de 2005), o Presidente da 
 República justificou a sua decisão de não convocação nos seguintes termos: 
 
 “Decidi não convocar o referendo proposto pela Assembleia da República sobre a 
 interrupção voluntária da gravidez porque entendi não estarem asseguradas as 
 condições mínimas adequadas a uma participação significativa dos portugueses.
 Com efeito, face aos prazos e limites em vigor no actual quadro jurídico, o 
 referendo que me foi proposto teria de ser obrigatoriamente convocado para um 
 domingo no próximo mês de Julho, ou seja, seria necessariamente realizado numa 
 altura em que muitos portugueses já se encontram de férias. Para tal facto 
 alertei antecipadamente os partidos com representação parlamentar.
 Não obstante a importância do referendo enquanto instrumento privilegiado de 
 exercício democrático do poder político, há que reconhecer que, do ponto de 
 vista da participação dos cidadãos, a nossa anterior experiência revelou 
 fragilidades cuja repetição importa prevenir, sob pena de o próprio instituto 
 acabar por ser decisivamente posto em causa.
 Acresce que o tema da interrupção voluntária da gravidez foi já objecto de um 
 referendo de muito escassa participação, mas cujo resultado, se bem que não 
 juridicamente vinculativo e com uma votação muito dividida entre o «não» e o 
 
 «sim», resultou, na prática, num bloqueio legislativo cuja persistência é cada 
 vez mais discutida. Importa, pois, assegurar que a próxima consulta popular 
 sobre a mesma matéria se realize em condições de significativa participação 
 cívica.
 De resto, a conveniência de realização de um novo referendo é hoje partilhada 
 por um amplo conjunto das forças políticas representadas na Assembleia da 
 República, pelo que a recusa de convocação de que agora dou conta não deve ser 
 interpretada como rejeição política do conteúdo da proposta que me foi 
 apresentada, mas antes como incentivo à realização do referendo em 
 circunstâncias mais adequadas na perspectiva de uma cidadania activa e 
 participada.
 Por último, as dificuldades objectivas que relativamente a esta proposta e à que 
 incide sobre o tratado constitucional europeu tão evidentemente se manifestaram, 
 colocam-nos perante a inadiável necessidade de repensarmos a adequação do 
 conjunto dos prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre 
 nós, envolvem a realização dos referendos. Tendo sido desencadeado um processo 
 de revisão constitucional extraordinária, será essa uma oportunidade excelente 
 para correcção prévia dos requisitos e condicionamentos que se têm revelado mais 
 problemáticos ou desajustados.
 Lisboa, 2 de Maio de 2005.
 O Presidente da República, Jorge Sampaio.”
 
  
 
 4. A Resolução n.º 16-A/2005 resultara do Projecto de Resolução n.º 9/X/1, 
 apresentado por um grupo de Deputados do Partido Socialista em 22 de Março de 
 
 2005 (publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 4, de 2 de 
 Abril de 2005, págs. 109-110), admitido em 31 de Março e aprovado após relatório 
 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 20 
 de Abril de 2005 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 9, de 28 de 
 Abril de 2005, pág. 54 e segs.).
 Note-se, aliás, que este relatório apreciara simultaneamente o Projecto de 
 Resolução n.º 7/X/1, apresentado por um grupo de Deputados do Bloco de Esquerda 
 em 16 de Março de 2005 (e igualmente publicado no Diário da Assembleia da 
 República, II Série-A, n.º 4, de 2 de Abril de 2005, pág. 107). 
 Em relação a ambos os projectos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, 
 Direitos, Liberdades e Garantias concluíra que: “1 – As iniciativas foram 
 apresentadas nos termos do artigo 161.º, alínea j), e do artigo 115.º, n.º 1, da 
 Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais 
 previstos no artigo 138.º do Regimento. 2 – Os projectos de resolução têm como 
 objectivo a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção 
 voluntária da gravidez”.
 Pronunciara-se, assim, no sentido de que ambos os projectos preenchiam “os 
 requisitos e [encontravam-se] em condições constitucionais e regimentais de 
 subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto 
 para o debate”.
 Verificou-se todavia, que o Projecto de Resolução n.º 7/X/1 veio a ser retirado 
 
 (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 10, de 21 de Abril de 2005, 
 pág. 395).
 Quanto ao referendo proposto pela Resolução da Assembleia da República n.º 
 
 16-A/2005, como se viu já, não foi convocado, por decisão do Presidente da 
 República.
 
  
 
 5. Resulta do disposto no n.º 8 do artigo 115.º e na alínea f) do n.º 2 do 
 artigo 223.º da Constituição, no artigo 11.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro 
 e no artigo 26.º da Lei n.º 15-A/98, que cabe ao Tribunal Constitucional 
 
 “verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade dos referendos 
 nacionais (...), incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo 
 universo eleitoral” (citada alínea f) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição).
 Como se sabe, foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional uma proposta de 
 referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez com uma pergunta a colocar 
 também aos cidadãos recenseados no território nacional formulada nos exactos 
 termos agora aprovados pela Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005.
 No seu acórdão n.º 288/98 (Diário da República, I Série-A, de 18 de Abril de 
 
 1998), o Tribunal Constitucional deliberou, por maioria, “ter por verificada a 
 constitucionalidade e a legalidade do referendo proposto na (...) Resolução n.º 
 
 16/98 da Assembleia da República”.
 Para alcançar este julgamento, o Tribunal Constitucional analisou os requisitos 
 constitucionais e legais definidos nos preceitos atrás indicados, concluindo 
 pela sua verificação.
 
  
 
 6. Coloca-se desta vez, todavia, uma questão nova, resultante de ter sido 
 decidido pelo Presidente da República não convocar o referendo proposto pela 
 Resolução da Assembleia da República n.º 16-A/2005 e de ter sido renovada a 
 
 “iniciativa de proposta de referendo na sessão legislativa actualmente em curso” 
 
 (requerimento do Presidente da República, atrás transcrito).
 Tendo em conta que o Presidente da República refere expressamente que se 
 suscitaram dúvidas quanto à possibilidade de renovação, começa-se por analisar 
 esta questão.
 Segundo o n.º 10 do artigo 115.º da Constituição, “As propostas de referendo 
 recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do 
 eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova 
 eleição da Assembleia da República ou até à demissão do Governo”. Esta proibição 
 consta igualmente do n.º 3 do artigo 36º da Lei n.º 15-A/98.
 Para a hipótese de ter sido a Assembleia da República a rejeitar a iniciativa, o 
 n.º 4 do artigo 167.º da Constituição estabelece que “Os projectos e as 
 propostas (...) de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados 
 na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República”.
 De acordo com o n.º 1 do artigo 171.º da Constituição, “A legislatura tem a 
 duração de quatro sessões legislativas”. 
 
 “Em caso de dissolução”, prevê o respectivo n.º 2, “a Assembleia então eleita 
 inicia nova legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do tempo 
 necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em 
 curso à data da eleição”.
 Por seu turno, o n.º 1 do artigo 174.º fixa para a sessão legislativa a “duração 
 de um ano” e o seu início em “15 de Setembro”. E o n.º 2 estabelece que “O 
 período normal de funcionamento da Assembleia da República decorre de 15 de 
 Setembro a 15 de Junho (...)”, dispondo os números seguintes as condições em que 
 esse período pode ser suspenso ou prorrogado. 
 
  
 
 7. Como se sabe, pelo Decreto do Presidente da República n.º 100-B/2004, de 22 
 de Dezembro, foi dissolvida a Assembleia da República. Foi também marcada a data 
 de 20 de Fevereiro de 2005 para a eleição dos deputados à Assembleia da 
 República, eleição que veio a realizar-se, tendo ocorrido em 10 de Março 
 seguinte a primeira reunião da nova Assembleia, nos termos previstos no n.º 1 do 
 artigo 173.º da Constituição (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 1, 
 de 11 de Março de 2005).
 Verificada a recusa de convocação do referendo proposto pela Resolução da 
 Assembleia da República n.º 16-A/2005, coloca-se o problema de saber se a 
 aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005 não infringe a 
 proibição de renovação da iniciativa do referendo “na mesma sessão legislativa”.
 Duas questões têm de ser, sucessivamente, abordadas.
 Em primeiro lugar, há que determinar se há “renovação” da iniciativa; só no caso 
 de a resposta alcançada ser afirmativa é que, então, se justifica determinar se, 
 para o efeito que agora interessa, o período de funcionamento da Assembleia da 
 República entre 10 de Março de 2005 (cfr. citado n.º 1 do artigo 173.º) e 14 de 
 Setembro de 2005 se inclui na sessão legislativa actualmente em curso, já que 
 foi em 15 de Setembro de 2005 que foi apresentado o Projecto de Resolução n.º 
 
 69/X/1.
 
  
 
 8. A proibição de renovação de iniciativas na mesma sessão legislativa tem 
 antecedentes nas Constituições Portuguesas de 1822 (artigos 108.º e 110.º), 1911 
 
 (artigo 35.º) e 1933 (artigo 100.º).
 Sobre tal questão – relativa à “renovação, na mesma sessão legislativa, de 
 projecto ou proposta de lei rejeitados” –, pronunciou-se a Comissão 
 Constitucional, no seu Parecer n.º 16/80 (Pareceres da Comissão Constitucional, 
 
 12.º vol., pág. 183 e segs.).
 Transcrevendo um estudo de Jorge Miranda, o seu artigo “Deputado”, in Dicionário 
 Jurídico da Administração Pública, vol. 3º, Lisboa, 1990, pág. 483 e segs., a 
 pág. 510, a Comissão Constitucional começou por observar que a proibição de 
 renovação se deve a razões de economia processual, já que é de admitir que a 
 Assembleia “não voltará atrás sobre as suas deliberações” e portanto que se 
 trataria de “uma forma de obstrução da sua actividade normal a renovação de 
 iniciativas por ela rejeitadas. Mas se, entretanto, vier a dar-se a renovação da 
 própria Câmara por virtude de eleições gerais, então, em homenagem ao princípio 
 democrático, já não fará sentido que tal restrição funcione”.
 Seguidamente, analisou qual é o “âmbito mínimo da proibição” de repetição, para 
 o efeito de determinar quando se deve entender que ocorre “renovação” do 
 projecto ou da proposta de lei:
 
 “Não bastará, por certo, uma diferença de redacção ou mesmo de estrutura, ambas 
 de natureza formal, para a superar.
 Também não terão tal mérito diferenças de conteúdo de simples pormenor, sem 
 significado bastante para se poder afirmar que não há identidade intelectual, de 
 sentido prescritivo, entre o diploma já rejeitado e o reposto, sem a 
 indispensável mediação temporal estabelecida.
 O mesmo se diga se houver uma diferença de amplitude das hipóteses sujeitas às 
 correspondentes estatuições menor que a do diploma rejeitado. (...)
 Ainda em consequência daquela ratio, indiferente será a falta de identidade 
 subjectiva das iniciativas legislativas, num caso o Governo, noutro um grupo de 
 Deputados, pois o órgão legislativo a que se dirigem as iniciativas legislativas 
 de um ou outro é o mesmo – a Assembleia da República – e é este que delibera 
 sobre elas.
 Se houver, porém, diferença substancial de conteúdo preceptivo, a razão de ser 
 da proibição do artigo 170.º, n.º 3 (actual artigo 167.º, n.º 4) cessa e esta 
 não será aplicável”. 
 
  
 O mesmo autor, em Funções, Órgãos e Actos do Estado, apontamentos de lições do 
 Prof. Jorge Miranda (Lisboa, 1990, pág. 397 e segs.), observa que “o que conta é 
 a identidade de sentidos prescritivos”, e não a “identidade de matérias versadas 
 em duas ou mais iniciativas”, sendo irrelevantes “diferenças de simples 
 pormenor” e não contando a identidade subjectiva de quem toma a iniciativa. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 537, escrevendo especificamente 
 sobre o referendo, observam que a proibição de repetição “visa evitar a chicana 
 referendária” e que “a identidade de propostas é uma identidade substancial (não 
 basta uma pura diferença formal), a fiscalizar pelo Tribunal Constitucional'.
 No Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e 
 Garantias sobre o recurso apresentado pelo Partido Popular quanto à admissão do 
 Projecto de Resolução n.º 69/X/1, suscita-se a dúvida quanto à identidade das 
 iniciativas referendárias em causa. E as mesmas dúvidas foram repetidas no 
 debate prévio à aprovação da Resolução (Diário da Assembleia da República, I 
 Série, n.º 48, pág. 2198).
 Afirma-se naquele Parecer que não ocorre “identidade subjectiva de iniciativas” 
 e que “existem igualmente diferenças de substância ao nível da exposição de 
 motivos e da própria pergunta a formular aos eleitores em sede de referendo, 
 sendo certo que existem diferenças técnicas entre os conceitos jurídicos de 
 despenalização e de descriminalização subjacentes a cada um dos projectos” 
 correspondentes às Resoluções da Assembleia da República n.ºs 16-A/2005 e 
 
 52-A/2005.
 No entendimento deste Tribunal, todavia, deve considerar-se que ocorre entre as 
 duas Resoluções uma identidade que permite concluir pela renovação de 
 iniciativas referendárias.
 Em primeiro lugar, afigura-se irrelevante que apenas haja uma coincidência 
 parcial entre os deputados do Partido Socialista que apresentam os 
 correspondentes projectos. Desde logo porque, como se entendeu no citado Parecer 
 n.º 16/80 da Comissão Constitucional, o que releva neste contexto é o 
 destinatário da iniciativa – no caso presente, ambas as propostas de convocação 
 de referendo se dirigem ao Presidente da República.
 Reconhece-se, quanto a este ponto, que não há total analogia entre o caso agora 
 em análise e o que foi objecto do citado Parecer n.º 16/80, pois que, 
 contrariamente ao que sucede quando há eleição de nova Assembleia da República, 
 a eleição de novo Presidente da República não deve ser tida em conta para se 
 determinar se pode ou não ser repetida uma iniciativa referendária. Sucede, no 
 entanto, que essa solução decorre do próprio n.º 10 de artigo 115.º da 
 Constituição, que limita as iniciativas em função das sessões legislativas, 
 razão pela qual se conclui que, ainda que seja substituído o Presidente da 
 República, o que aliás não ocorreu no caso em análise, há identidade de 
 destinatário.
 Em segundo lugar, afigura-se igualmente irrelevante para estabelecer a 
 identidade das duas propostas referendárias qualquer diferença verificada na 
 exposição de motivos dos projectos de resolução, apenas tendo cabimento 
 considerar o texto das perguntas que se pretende sejam submetidas ao eleitorado. 
 
 
 Na verdade, as diferenças de formulação das perguntas, especialmente tendo em 
 conta que se trata de propostas de referendos e não de textos legislativos, são 
 insuficientes para permitir afirmar que não se pretende que o eleitorado se 
 pronuncie sobre a mesma questão nas duas iniciativas referendárias.
 Conclui-se, pois, no sentido de que se trata de uma “renovação” de “propostas de 
 referendo”, para os efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 115.º da 
 Constituição. E observa-se que tal é sugerido pelo próprio teor do Relatório da 
 Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo 
 ao Projecto de Resolução n.º 69/X/1, que apenas difere do que foi elaborado 
 sobre o Projecto de Resolução n.º 9/X /1 na medida em que este abrange outro 
 projecto então sob parecer e em que aquele relata ocorrências posteriores à 
 aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 16-A/2005.
 
  
 
 9. Torna-se assim imprescindível determinar se esta renovação ocorreu na mesma 
 sessão legislativa em que foi apresentada ao Presidente da República a Resolução 
 n.º 16-A/2005, nos termos proibidos pelo citado n.º 10 do artigo 115.º da 
 Constituição.
 Têm sido manifestadas opiniões divergentes.
 Em Parecer relativo à duração da Sessão Legislativa solicitado por despacho de 1 
 de Setembro de 2005 do Presidente da Assembleia da República (Diário da 
 Assembleia da República, II Série-C, n.º 20, de 15 de Setembro de 2005, pág. 2 e 
 segs.), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e 
 Garantias, apresentou as seguintes conclusões:
 
 “1. A CRP é clara ao considerar que a realização de eleições dá lugar a uma nova 
 legislatura.
 
 2. Da conjugação das normas constitucionais e regimentais supra citadas parece 
 poder concluir-se que as sessões legislativas têm uma duração fixa de um ano e 
 iniciam-se, invariavelmente, a 15 de Setembro de cada ano, independentemente das 
 vicissitudes eleitorais e da eventual mudança de legislatura. A elasticidade da 
 legislatura em termos de duração temporal não abrange portanto as sessões 
 legislativas.
 
 3. Este entendimento parece encontrar acolhimento expresso na letra do n.º 4 do 
 artigo 167.º da CRP, ao determinar que: «Os projectos e as propostas de lei e de 
 referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão 
 legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República», o que equivale a 
 dizer que, em caso de eleição, é possível a renovação de iniciativas previamente 
 apresentadas na mesma sessão legislativa.
 
 4. A ressalva introduzida no final desta norma constitucional não comporta outra 
 interpretação senão a de que a realização de eleições não interrompe a sessão 
 legislativa em curso, que deverá concluir-se no prazo normal.
 
 5. Também o n.º 10 do artigo 115.º da CRP recorre a uma formulação de conteúdo 
 idêntico ao estatuir que: «As propostas de referendo recusadas pelo Presidente 
 da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser 
 renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da 
 República, ou até à demissão do Governo.» Infere-se, assim, que a solução 
 normativa contida no n.º 4 do artigo 167.º da CRP não constitui uma formulação 
 avulsa, mas antes a mais uma concretização de um princípio genérico assumido 
 pelo legislador constitucional.
 
 6. Se assim não fosse, estar-se-ia a alargar injustificadamente o âmbito da 
 proibição de repetição de iniciativas legislativas ou referendárias, prevista no 
 n.º 4 do artigo 167.º da CRP. O alargamento da primeira sessão legislativa da X 
 Legislatura pelo tempo necessário para completar o período correspondente à 
 sessão legislativa em curso, implicaria uma violação expressa da letra do n.º 1 
 do artigo 47.º do RAR e precludiria a possibilidade de reapresentação de 
 qualquer das iniciativas entretanto apresentadas por um período muito superior a 
 um ano e como tal contrário à vontade do legislador constitucional.
 
 7. A taxatividade da redacção do artigo 47.º do RAR não comporta outras 
 interpretações ao afirmar peremptoriamente que a sessão legislativa tem a 
 duração de um ano, iniciando-se a 15 de Setembro, entendimento aliás partilhado 
 no essencial pelo Prof. Jorge Miranda e Prof. Jorge Bacelar Gouveia.
 
 8. A presente solução interpretativa é igualmente a mais vantajosa do ponto de 
 vista da salvaguarda dos direitos da oposição.
 
 9. Deste modo, independentemente da designação jurídica do período que decorre 
 entre 20 de Fevereiro e 14 de Setembro de 2005 — «5.ª sessão legislativa», 
 
 «sessão legislativa autónoma» ou «período de conclusão da sessão legislativa em 
 curso» — conclui-se, a par com a generalidade da doutrina, que em 15 de Setembro 
 de 2005 se iniciará uma nova sessão legislativa, com todas as implicações que 
 daí advêm.”
 
  
 Esta posição foi seguida pelo Parecer da mesma Comissão de Assuntos 
 Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso apresentado 
 pelo Partido Popular contra a admissão do Projecto de Resolução n.º 69/X/1, 
 aprovado, como se disse atrás, pelo Plenário da Assembleia da República, pela 
 maioria já referida.
 Em declaração de voto apresentada por Deputados do Partido Social Democrata ao 
 Parecer relativo à duração da sessão legislativa, veio defender-se que “a 
 próxima sessão legislativa só terá início em 15 de Setembro de 2006 e que 15 de 
 Setembro de 2005 representará tão somente a continuação da 1ª sessão legislativa 
 da X Legislatura”. 
 Tal conclusão assentou, em síntese, na consideração de que o período decorrido 
 entre 10 de Março de 2005 e 14 de Setembro de 2005 não pode ser integrado na IX 
 Legislatura, porque a X Legislatura se iniciou em 10 de Março; integra-se na 1.ª 
 sessão da X Legislatura, que terminará apenas a 14 de Setembro de 2006, pois que 
 cada legislatura só pode ter 4 sessões legislativas.
 Assim decorreria dos artigos 171.º e 174.º da Constituição e da prática 
 parlamentar, verificada em anteriores casos de dissolução da Assembleia da 
 República, prática reflectida na apresentação do Diário da Assembleia da 
 República sem contestação.
 
  
 
 10. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição cit., págs. 700 e 701) 
 apresentam uma construção diversa.
 Em anotação ao (então) artigo 174.º da Constituição (correspondente ao actual 
 artigo 171.º), escrevem que do respectivo n.º 2 resulta que “a legislatura da 
 Assembleia saída de eleições determinadas por dissolução terá, normalmente, uma 
 duração superior a 4 anos, podendo mesmo atingir quase os 5 anos, se a eleição 
 tiver lugar pouco tempo após a data normal de início de cada sessão legislativa 
 
 (...). Sublinhe-se que a data de referência é a de eleição da nova AR e não a da 
 dissolução da anterior. Nesse caso, a legislatura parece compreender 5 sessões 
 legislativas (não apenas 4), visto que o período sobrante da sessão legislativa 
 em curso à data da eleição haverá de constituir uma sessão legislativa autónoma 
 da nova Assembleia”. 
 
  
 
 11. É útil para a compreensão dos diversos preceitos constitucionais em análise 
 considerar a respectiva evolução.
 Na versão originária da Constituição de 1976 verificava-se alguma autonomia 
 entre os conceitos de “legislatura”, utilizado para designar um mandato da 
 Assembleia da República, e de “sessão legislativa”, correspondente ao “período 
 de funcionamento normal da Assembleia”, nas palavras de Jorge Miranda 
 
 [intervenção no âmbito dos trabalhos de revisão constitucional de 1982, 
 publicada no Diário da Assembleia da República, II Série, 3.º suplemento ao n.º 
 
 38, de 18 de Janeiro de 1982, pág. 796(87)].
 Essa relativa autonomia revelava-se desde logo no n.º 1 do (então) artigo 174.º, 
 que dispunha que “A legislatura tem a duração de quatro anos”, e explicava o 
 regime definido pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, segundo os quais, “Em caso 
 de dissolução, a Assembleia então eleita não iniciará nova legislatura” (n.º 2)  
 e “Verificando-se a eleição, por virtude de dissolução, durante o tempo da 
 
 última sessão legislativa, cabe à Assembleia eleita completar a legislatura em 
 curso e perfazer a seguinte” (n.º 3).
 A par destes preceitos, o n.º 1 do (então) artigo 177.º  estabelecia que “A 
 sessão legislativa tem a duração de um ano e inicia-se em 15 de Outubro”.
 Resultava então deste regime que a dissolução da Assembleia da República e a 
 consequente eleição de uma nova Assembleia (ou a sua entrada em funcionamento) 
 não provocava o fim da legislatura em curso. Muito diferentemente, a regra era a 
 de que a nova Assembleia apenas a completava. E, em qualquer caso, ou seja, 
 mesmo na hipótese prevista no n.º 3 do (então) artigo 174.º, a Assembleia eleita 
 sempre começaria por completar uma sessão integrada na legislatura ainda não 
 terminada.
 Verificando-se as circunstâncias descritas no n.º 3 do artigo 174.º, a 
 Assembleia eleita após a dissolução poderia vir a desempenhar um mandato 
 superior a 4 anos; as legislaturas é que em caso algum excederiam esse período 
 de tempo.
 
 À luz deste regime, o n.º 3 do (então) artigo 170.º, correspondente ao actual 
 n.º 4 do artigo 167.º, compreendia-se sem qualquer dificuldade, já que uma “nova 
 eleição da Assembleia da República”, ocorrida na sequência de uma dissolução, 
 não implicava mudança da legislatura – nem da sessão legislativa – em curso. 
 Muito pelo contrário, e como se viu, cabia a essa Assembleia completar a sessão 
 em curso, sessão essa que continuava a integrar a anterior legislatura.
 
  
 
 12. Pela revisão constitucional de 1982, mudou-se deliberadamente o regime 
 definido para as legislaturas em caso de dissolução e de eleição subsequente de 
 nova Assembleia.
 Como se conclui da leitura dos debates parlamentares atrás referidos, relativos 
 a esta revisão da Constituição, pretendeu-se garantir à nova Assembleia a 
 possibilidade de exercer um mandato também de quatro anos, ou seja, uma 
 legislatura completa.
 Considerou-se então unanimemente que a circunstância de ser eleita na sequência 
 de uma dissolução não abalava a legitimidade democrática que lhe advinha do 
 sufrágio popular, nenhum motivo havendo para a distinguir de uma Assembleia 
 eleita no termo da legislatura [Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 
 
 106, págs. 796(84) e segs.)].
 
             Nas palavras do deputado Vital Moreira (pág. 85), “a actual solução 
 constitucional, segundo a qual a Assembleia eleita em consequência de dissolução 
 não é eleita por 4 anos, mas sim apenas para completar a legislatura daquela que 
 foi dissolvida, é ilógica, em termos democráticos. Não há razão nenhuma para que 
 uma Assembleia eleita tenha um estatuto diverso só porque as eleições de que ela 
 nasceu resultaram, não do termo da legislatura anterior, mas do facto de a 
 anterior ter sido dissolvida antes do fim da legislatura”. 
 Assim, o artigo 134.º da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, veio 
 suprimir o n.º 3 do artigo 174.º e alterar o n.º 2, que passou a ter a seguinte 
 redacção:
 
 “2. No caso de dissolução, a Assembleia então eleita inicia nova legislatura 
 cuja duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se completar o 
 período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição”.
 Por seu turno, o n.º 1 do mesmo artigo 174.º passou a determinar que “A 
 legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas” (e não “de quatro 
 anos”), acentuando a ligação introduzida entre as sessões legislativas e as 
 legislaturas em que se integravam.
 O n.º 3 do (então) artigo 170.º não foi, porém, alterado em consonância. Veio 
 apenas a ser modificado com a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, que o 
 passou para n.º 4 e lhe aditou “a expressão «e de referendo» entre «propostas de 
 lei» e «definitivamente rejeitadas»”, em consequência da introdução do referendo 
 nacional na Constituição, através do aditamento do (então) artigo 118.º.
 Desse artigo 118.º constava o n.º 8, correspondente ao n.º 10 do artigo 115.º 
 vigente, que se limitou a reproduzir a formulação então constante do artigo 
 
 170.º, para a hipótese de as propostas de referendo terem sido “recusadas pelo 
 Presidente da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado”.
 
  
 
 13. Surgiu, desta forma, uma dificuldade de interpretar conjugadamente os 
 diversos preceitos agora relevantes para determinar se a renovação da iniciativa 
 referendária ocorreu ou não na mesma sessão legislativa em que foi recusada pelo 
 Presidente da República a proposta de referendo aprovada pela Resolução n.º 
 
 16-A/2005, de 21 de Abril.
 Na verdade, se da letra do n.º 10 do artigo 115.º ou do n.º 4 do artigo 167.º 
 parece decorrer que é possível continuar a mesma sessão legislativa em caso de 
 eleição de nova Assembleia da República, por ter sido dissolvida a anterior 
 antes do termo da sessão em curso – o que conduziria a uma resposta negativa à 
 questão colocada –, do disposto nos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 174.º parece 
 resultar que essa continuação não pode ocorrer, porque a eleição da nova 
 Assembleia implica o início de nova legislatura (e de nova sessão).
 Com efeito, dos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 171.º resulta que se não pode 
 integrar na legislatura em curso à data da entrada em funções da nova Assembleia 
 o lapso de tempo que ainda faltava para completar a sessão legislativa 
 interrompida, porque com a nova Assembleia inicia-se imperativamente uma 
 legislatura diferente.
 A ser possível, então verificar-se-ia que o mesmo lapso de tempo  – que acresce, 
 por força do n.º 2, à nova legislatura –, se integraria em duas legislaturas 
 diferentes.
 Não se aceitando tal leitura da Constituição, duas novas soluções se poderiam 
 colocar: considerar esse período como integrando a primeira das quatro sessões 
 da nova legislatura, cuja duração seria correspondentemente acrescida, ou 
 entendê-lo como uma sessão autónoma, a primeira sessão de uma legislatura 
 composta por cinco sessões. 
 Destas duas alternativas, ambas contraditórias com a ideia de continuação da 
 
 última sessão da legislatura anterior e, portanto, com a apontada interpretação 
 do n.º 10 do artigo 115.º e do n.º 4 do artigo 167.º da Constituição, resultam 
 respostas diversas para a questão que importa tratar, como é manifesto.
 
  
 
 14. Cumpre, pois, determinar o que significa para a Constituição uma “sessão 
 legislativa”.
 A revisão constitucional de 1982, como se viu, abandonou a regra de que a nova 
 Assembleia completava a legislatura e a sessão legislativa interrompidas por 
 dissolução, por ter sido considerada antidemocrática. 
 Ora só se alcança o objectivo de garantir à nova Assembleia um estatuto igual ao 
 da anterior se virmos na alteração constitucional a consagração do princípio de 
 que a nova Assembleia inaugura um novo ciclo parlamentar, não podendo existir 
 continuidade de sessão legislativa entre duas Assembleias diferentes. 
 Caso contrário, a nova Assembleia não poderia deliberar em certas matérias, por 
 estar esgotada a sua competência por força de deliberações da Assembleia 
 anterior.
 Com efeito, a Constituição delimita em função da “sessão legislativa” o 
 exercício de diversos poderes integrados no mandato parlamentar.
 Assim sucede, por exemplo, com o limite fixado para requerer a constituição de 
 comissões parlamentares de inquérito (n.º 4 do artigo 178.º); ou com o direito 
 dos grupos parlamentares de “provocar, por meio de interpelação ao Governo, a 
 abertura de (...) debates sobre assunto de política geral ou sectorial” (alínea 
 d) do n.º 2 do artigo 180.º); ou, finalmente, com a impossibilidade de 
 apresentação de nova moção de censura, em caso de não aprovação da anterior (n.º 
 
 3 do artigo 194.º).
 Verifica-se que em todos estes casos a Constituição delimitou em função das 
 sessões legislativas o exercício de poderes compreendidos no mandato parlamentar 
 e que, contrariamente ao que sucedeu no artigo 167.º, n.º 4, e no artigo 115.º, 
 n.º 10, não previu que, havendo “nova eleição da Assembleia da República”, cessa 
 a limitação.
 Entender-se que estes dois últimos preceitos implicam que se considere que a 
 eleição de uma nova Assembleia da República, embora implique o início de uma 
 nova legislatura (artigo 171.º, n.º 2), não provoca o início de uma nova sessão 
 legislativa obrigaria o intérprete, ou a aceitar uma eventual limitação do 
 mandato da Assembleia eleita na sequência da dissolução, ou a acrescentar a 
 todos os outros preceitos uma ressalva idêntica, já que se não encontra razão 
 para um tratamento diferente do que existe para as iniciativas a que respeitam o 
 n.º 10 do artigo 115.º e o n.º 4 do artigo 167.º.
 A mesma ressalva teria ainda de ser acrescentada à hipótese prevista no n.º 4 do 
 artigo 169.º da Constituição, já que este preceito, embora não regule o 
 exercício de poderes compreendidos no mandato parlamentar, também recorre ao 
 conceito de “sessão legislativa” para o efeito de não permitir que volte “a ser 
 publicado no decurso da mesma sessão legislativa” um decreto-lei cuja cessação 
 de vigência foi aprovada na sequência de um processo de apreciação parlamentar.
 Diga-se, além do mais, que se estaria a atribuir ao n.º 4 do artigo 167.º e ao 
 n.º 10 do artigo 115.º uma função que lhes não cabe. Com estes preceitos, o 
 legislador constitucional pretendeu estabelecer um princípio, a proibição de 
 repetição de determinadas iniciativas numa mesma sessão legislativa, e 
 esclarecer que não ocorre tal proibição quando é eleita nova Assembleia. 
 Solução, aliás, a que sempre se chegaria considerando que, em caso de dissolução 
 da Assembleia da República, o início de uma nova legislatura implica o início de 
 uma nova sessão legislativa.
 Sustentar que eles impõem um conceito de sessão legislativa que obriga a 
 introduzir restrições em todos os outros casos referidos, em vez de recorrer às 
 regras relativas à definição da legislatura e de sessão legislativa e, em geral, 
 ao funcionamento da Assembleia da República, para o determinar, não é 
 seguramente a via mais correcta.
 Essas regras estão nos artigos 171.º e seguintes da Constituição, relevando 
 agora especialmente os artigos 171.º, 173.º e 174.º, das quais resulta que as 
 sessões legislativas passaram a ser uma fracção das legislaturas, como mostra a 
 nova redacção do n.º 1 do (então) artigo 171.º. 
 E resulta ainda que o conceito de “acréscimo inicial” da legislatura vale 
 igualmente para a primeira sessão legislativa, sob pena de o referido artigo 
 
 171.º perder coerência. O início da legislatura e da sessão legislativa são, 
 assim, antecipados ambos, de forma a que a legislatura comporte quatro sessões 
 em cada uma das quais possam ser exercidos todos os poderes referidos pela 
 Constituição à sessão legislativa.
 
 É evidente que este acrescentamento pode conduzir a uma primeira sessão 
 anormalmente longa; ou pode ser praticamente irrelevante, dependendo da data em 
 que a nova Assembleia entrar em funções. A Constituição não permite, porém, 
 qualquer diferença de tratamento de ambas as situações.
 A variabilidade do intervalo de tempo a cumprir antes da renovação duma proposta 
 referendária é claramente aceite pela Constituição.
 Mesmo em circunstâncias normais, esse intervalo de tempo pode ir de três meses 
 
 (ou menos, quando se verificar o prolongamento da sessão legislativa para além 
 de 15 de Junho) até um ano. Se o intervalo se alargar em virtude do início 
 antecipado da legislatura, esse facto nada terá de aberrante do ponto de vista 
 dos critérios constitucionais. 
 A Constituição admite tantas renovações quantas as sessões legislativas 
 subsequentes à primeira proposta. Mas não manifestou qualquer preocupação em 
 definir intervalos regulares entre elas.
 
  
 
 15. Poder-se-ia objectar que esta conclusão não respeita a regra que fixa em 15 
 de Setembro o início da sessão legislativa; e que só o entendimento de que se 
 continua a última sessão da legislatura anterior é compatível com o disposto no 
 n.º 1 do artigo 174.º da Constituição, na redacção resultante da revisão 
 constitucional de 1997, e no artigo 47.º do Regimento da Assembleia da República 
 
 (aprovado pela Resolução da Assembleia da República publicada no Diário da 
 Assembleia da República n.º 16, suplemento, de 31 de Julho de 1976, republicado 
 na sequência das alterações introduzidas pela Resolução da Assembleia da 
 República n.º 4/93, de 2 de Março, e posteriormente alterado pelas Resoluções da 
 Assembleia da República n.ºs 15/96, de 2 de Maio, 3/99, de 20 de Janeiro, 75/99, 
 de 25 de Novembro e 2/2003, de 17 de Janeiro, que determinou nova republicação).
 Esta objecção, diga-se desde já, valeria igualmente para a solução de se 
 entender o período correspondente ao “acréscimo inicial” como sessão inicial 
 autónoma, suplementar e atípica, de duração variável e com início numa data 
 necessariamente diferente da fixada pela Constituição (15 de Setembro).
 Ora o que a leitura da Constituição e a consideração da prática constitucional 
 reiterada revelam é que a data de 15 de Setembro não se aplica, nem pode 
 aplicar, à primeira sessão legislativa de cada legislatura, nem mesmo nos casos 
 em que a legislatura anterior completou o seu termo.
 A Constituição não determina a realização de eleições no intervalo das sessões, 
 como seria necessário para permitir o início da nova legislatura e da sua 
 primeira sessão legislativa em 15 de Setembro. A lei eleitoral, como se sabe, 
 também não impôs tal calendário. E a prática, constante e consensual, tem sido a 
 de convocar as eleições legislativas para uma data situada fora do período das 
 férias parlamentares.
 Apenas em 1987 se realizaram, a 19 de Julho, eleições legislativas no período de 
 férias parlamentares, tornadas necessárias por virtude de ter ocorrido 
 dissolução da Assembleia da República, determinada pelo Decreto do Presidente da 
 República n.º 12/87, de 29 de Abril, havendo que respeitar o prazo previsto no 
 
 (então) n.º 6 do artigo 116.º da Constituição. Mas a data das eleições não foi 
 calculada para permitir o início da legislatura em 15 de Outubro seguinte, vindo 
 a nova Assembleia a reunir pela primeira em 13 de Agosto, data em que se iniciou 
 a legislatura e a sua primeira sessão legislativa.
 Nas eleições ocorridas por termo normal de legislatura, repita-se, foi sempre 
 respeitado o princípio de as realizar fora das férias parlamentares. A título de 
 exemplo, recorde-se que se realizaram eleições por termo de legislatura em 6 de 
 Outubro de 1991, 1 de Outubro de 1995 e 1 de Outubro de 1999. Como é evidente, 
 todas as Assembleias então eleitas iniciaram funções sempre depois da data 
 constante do n.º 1 do artigo 174.º da Constituição: 4 de Novembro de 1991, 
 início da VI Legislatura (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 1, de 
 
 5 de Novembro de 1991), 27 de Outubro de 1995, início da VII Legislatura (Diário 
 da Assembleia da República, I Série, de 28 de Outubro de 1995) e 25 de Outubro 
 de 1999, início da VIII (Diário da Assembleia da República, I Série, de 26 de 
 Outubro de 1999).
 Entre as últimas sessões plenárias anteriores às férias parlamentares e estas 
 primeiras sessões das novas legislaturas, a Assembleia da República funcionou na 
 sequência da legislatura anterior, mesmo depois da data de 15 de Outubro ou de 
 
 15 de Setembro, conforme os casos, geralmente em Comissão Permanente. A 1 de 
 Outubro de 1999 (Diário da Assembleia da República, I Série, de e de Outubro de 
 
 1999), a Assembleia da República reuniu em plenário, mas ainda no âmbito da 
 quarta sessão legislativa da VII Legislatura.
 O início da primeira sessão legislativa resulta pois, ou adiado (se as eleições 
 ocorrerem no termo normal da legislatura) ou antecipado (no caso de eleições 
 antecipadas), relativamente à data normal de 15 de Setembro, na medida em que 
 acaba sempre por coincidir com o início de funções da nova Assembleia, definido 
 nos termos do n.º 1 do artigo 173.º da Constituição.
 Torna-se, assim, incontestável que a regra de que “A sessão legislativa tem a 
 duração de um ano e inicia-se a 15 de Setembro” (n.º 1 do artigo 174.º da 
 Constituição) não é normalmente aplicável à primeira sessão legislativa de cada 
 legislatura. Sê-lo-á na hipótese prevista na parte final do n.º 1 do artigo 173º 
 da Constituição, por força deste próprio preceito. Trata-se, porém, de uma 
 hipótese que, como se viu, acaba por não se verificar.
 A regra que determina o início das sessões a 15 de Setembro rege o calendário 
 parlamentar apenas nas sessões legislativas subsequentes. A data de 15 de 
 Setembro não constitui, portanto, o ponto de referência constitucional decisivo 
 para resolver a questão sob julgamento.
 E nenhum argumento em contrário se pode retirar da regra do n.º 2 do mesmo 
 artigo, que fixa entre 15 de Setembro e 15 de Junho do ano seguinte a duração do 
 
 “período normal de funcionamento”, período esse que é flexível, como se vê dos 
 n.ºs 2 e seguintes deste artigo 174.º. Querer considerar distintos e autónomos 
 os conceitos de “sessão legislativa” e de “período normal de funcionamento”, 
 para a partir daí pretender que a sessão legislativa começa necessariamente a 15 
 de Setembro, embora a nova Assembleia possa começar a funcionar antes ou depois 
 dessa data, levaria a resultados inaceitáveis. A Assembleia não pode funcionar 
 fora de sessão, sob pena de se tornarem inaplicáveis todas as normas 
 constitucionais que pressupõem a localização dos actos parlamentares numa sessão 
 legislativa determinada. E também não é admissível o conceito inverso, isto é, o 
 de que uma nova Assembleia pode estar em sessão antes, ainda, de poder 
 funcionar. A Constituição prevê que o período normal de funcionamento seja mais 
 curto do que o das sessões legislativas, mas uma Assembleia que, por hipótese, 
 não está em funcionamento normal, mas está em sessão, é uma Assembleia que pode 
 funcionar nos termos previstos no n.º 3 do artigo 174.º da Constituição.
 Realizando-se as eleições por termo de legislatura em data que não permita o 
 início de funções a 15 de Setembro (ou, até à revisão constitucional de 1997, a 
 
 15 de Outubro), como tem sucedido reiteradamente, e iniciando a nova Assembleia 
 o seu mandato “no terceiro dia posterior ao apuramento dos resultados gerais das 
 eleições” (n.º 1 do artigo 173.º e n.º 1 do 153.º da Constituição), a tese que 
 afirma a rigidez da data de início das sessões legislativas levaria assim a 
 concluir que a 15 de Setembro se iniciaria, em ano normal de eleições, uma 
 sessão legislativa integrada na legislatura cessante, e que, logo depois, 
 começaria a 1.ª sessão da legislatura nova. 
 Verificar-se-ia, afinal, que uma legislatura teria, em regra, pelo menos cinco 
 sessões, já que sempre seria acrescida no final de um período de funcionamento 
 depois da data de 15 de Setembro. E poderia mesmo ter um total de seis sessões, 
 se o seu início tiver ocorrido fora do calendário normal em virtude de eleições 
 antecipadas. Seria, aliás, o que sucederia com a Assembleia que actualmente se 
 encontra em funções, a entender-se que se teria iniciado em 10 de Março de 2005 
 uma sessão autónoma. Tudo isto em violação frontal do disposto no n.º 1 do 
 artigo 171.º da Constituição.
 A realidade é que, no sistema constitucional e eleitoral português, a transição 
 de legislaturas obriga a flexibilizar as datas de início e termo da primeira e 
 da última sessão legislativa. Não resulta daí, sublinhe-se agora, qualquer 
 desvirtuamento dos ritmos de actividade parlamentar. O parlamento tornou-se hoje 
 em dia um órgão de soberania de funcionamento permanente, ao contrário da 
 tradição antiga que a Constituição de 1933 ainda conservou (cfr. art. 94.º 
 respectivo). O intervalo normal entre sessões corresponde a um período de férias 
 e tende a ser encurtado. A Assembleia pode prolongar livremente o período de 
 funcionamento em férias e tem o direito de reunir extraordinariamente por sua 
 própria deliberação. Tudo isto desvaloriza a importância do intervalo entre 
 sessões e o significado da data de 15 de Setembro, e leva a concluir que, 
 afinal, o conceito de “período de funcionamento” só é distinto do de sessão 
 legislativa para efeitos de férias parlamentares.
 O ponto de referência mais importante, na solução da questão ora em julgamento, 
 não é, como se demonstra, a data normal de início das sessões. O ponto de 
 referência que prevalece, além do mais por estar associado à definição da 
 duração das legislaturas e à periodicidade do sufrágio, é a norma do n.º 1 do 
 artigo 171.º da Constituição. Ao estabelecer que a legislatura tem a duração de 
 quatro sessões legislativas, a Constituição estruturou claramente o ciclo da 
 actividade parlamentar, definindo indirectamente o quadro de oportunidades 
 oferecidas aos deputados, no decurso do seu mandato, para promover as 
 iniciativas que se não podem repetir dentro da mesma sessão.
 
  
 
 16. Verifica-se, assim, que para a Constituição a “sessão legislativa” não é 
 apenas um lapso de tempo que decorre, salvo suspensões ou prorrogações, entre 15 
 de Setembro e 15 de Junho do ano seguinte, e que começa e termina 
 independentemente das legislaturas.
 Da consideração conjunta dos preceitos atrás indicados (n.º 10 do artigo 118.º, 
 n.º 4 do artigo 167.º, n.º 4 do artigo 169.º, n.º 4 do artigo 178º., alínea d) 
 do n.º 2 do artigo 180.º, n.º 3 do artigo 194º.) e da regra de que cada 
 legislatura tem quatro sessões, resulta que, para o efeito de determinar as 
 condições em que uma iniciativa referendária pode ser repetida dentro de uma 
 mesma legislatura, se tem de adoptar um conceito material de sessão legislativa, 
 definido justamente em função dos poderes que, integrados no mandato 
 parlamentar, têm o seu exercício delimitado em função das quatro sessões 
 legislativas que o compõem.
 E sendo imperativa a limitação a quatro das sessões que integram uma 
 legislatura, é impossível entender que o período de “acréscimo inicial” previsto 
 no n.º 2 do artigo 171.º da Constituição corresponde a uma sessão autónoma, 
 esgotando a primeira sessão da legislatura que se inicia com o início de funções 
 da nova Assembleia.
 Por um lado, a rigidez e a imperatividade com que o n.º 1 do artigo 171.º fixa, 
 sem admitir excepções, que a legislatura tem quatro sessões legislativas, 
 contrasta com a flexibilidade afinal existente para o início e o fim das sessões 
 legislativas.
 Por outro, e como já se observou, a admissibilidade de uma quinta sessão – na 
 prática, de uma sexta sessão, se o início de funções ocorrer antes de 15 de 
 Junho – criaria uma distinção inaceitável entre a Assembleia eleita no termo da 
 legislatura anterior e a que resultou de dissolução ocorrida antes desse termo, 
 já que veria multiplicada por maior número de vezes (cinco? seis?) todas as 
 iniciativas constitucionalmente delimitadas por sessão, em desrespeito frontal 
 da razão que determinou as alterações introduzidas pela revisão constitucional 
 de 1982.
 
  
 
 17. A prática seguida pela Assembleia da República desde a revisão 
 constitucional de 1982 até ao recomeço do funcionamento da Assembleia da 
 República em 15 de Setembro de 2005, não sendo conhecidas quaisquer reclamações 
 ou determinações em contrário da Presidência da Assembleia, corrobora esta 
 interpretação. E pode ser confirmada consultando o respectivo Diário, jornal 
 oficial da Assembleia, uma vez que, segundo o n.º 3 do artigo 123.º do 
 Regimento, “Cada uma das séries do Diário tem numeração própria, referida a cada 
 sessão legislativa”.
 Desde aquela revisão constitucional até hoje, verificaram-se dissoluções da 
 Assembleia da República seguidas de eleições na sequência dos Decretos do 
 Presidente da República n.ºs 2/83, de 4 de Fevereiro, 43/85, de 12 de Julho, 
 
 12/87, de 29 de Abril, 3/2002, de 18 de Janeiro e 100-B/2004, de 22 de Dezembro. 
 
 
 Não houve todavia que acrescentar às legislaturas iniciadas a seguir às 
 dissoluções de 1985 e de 1987 nenhum período da anterior legislatura porque, em 
 ambos os casos, as datas das eleições que se seguiram projectaram para depois da 
 data normal de cessação da sessão legislativa em curso (15 de Junho) o início 
 das funções da nova Assembleia.
 
 É o que se pode verificar pela consulta do Diário da Assembleia da República, I 
 Série, n.º 1, de 5 de Novembro de 1985, relativo à sessão plenária de 4 de 
 Novembro, com que começou a IV Legislatura, e n.º 1, de 14 de Agosto de 1987, 
 respeitante à sessão plenária de 13 de Agosto, em que se iniciou a V 
 Legislatura.
 No que toca aos restantes casos, em que o início de funcionamento da nova 
 Assembleia se deu antes de 15 de Junho, sempre ocorreu que o Diário da 
 Assembleia da República numerou de forma seguida e com referência à primeira 
 sessão da nova legislatura os exemplares relativos às diversas reuniões da 
 Assembleia, em correspondência com a ideia de que se iniciara a primeira sessão 
 legislativa antes de férias e que, concluídas estas, continuou o seu curso até 
 
 às férias parlamentares seguintes.
 Verifica-se igualmente que as iniciativas, nomeadamente legislativas, 
 apresentadas e admitidas foram numeradas sequencialmente, sempre referidas a uma 
 mesma primeira sessão.
 
 É o que se comprova facilmente consultando os exemplares do Diário da Assembleia 
 da República correspondentes às reuniões plenárias posteriores a 15 de Outubro 
 de 1983 e a 15 de Setembro de 2002.
 Também nunca se entendeu que tais legislaturas comportassem cinco sessões 
 legislativas.
 Só a partir do Diário da Assembleia da República n.º 45, I Série, de 16 de 
 Setembro de 2005, relativo à reunião plenária de 15 de Setembro, é que, embora 
 seguindo a numeração iniciada com a entrada em funcionamento da Assembleia em 10 
 de Março de 2005 e continuando a numerar sequencialmente as iniciativas 
 apresentadas, o Diário passou a incluir, junto ao número do exemplar e à 
 indicação “1.ª Sessão Legislativa (2005-2006)”, também constante dos anteriores, 
 a referência ao “Artigo 174,º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo 
 
 171.º n.ºs 1 e 2 da CRP”.
 Já então estava suscitada a dúvida quanto à duração da primeira sessão 
 legislativa, razão pela qual esta inovação tem de ser entendida como uma 
 expressão do entendimento da Presidência da Assembleia sobre a questão, 
 naturalmente não invalidando o significado da prática anterior.
 
  
 
 18. Das considerações apresentadas resulta que as Resoluções da Assembleia da 
 República n.ºs 16-A/2005 e 52-A/2005 foram aprovadas na mesma sessão 
 legislativa, iniciada em 10 de Março de 2005 e que, em princípio, decorrerá até 
 
 14 de Setembro de 2006.
 Tendo sido recusada pelo Presidente da República a proposta constante da 
 primeira, não podia a mesma ter sido renovada, o que veio a ocorrer através da 
 Resolução n.º 52-A/2005.
 
 É certo que, no caso, a recusa se ficou a dever a razões de oportunidade, como 
 se verifica a partir da mensagem dirigida pelo Presidente da República para a 
 fundamentar. É todavia igualmente certo que a proibição de renovação, constante 
 do n.º 10 do artigo 115.º da Constituição, não permite dar qualquer relevo aos 
 motivos que conduziram à recusa.
 A interpretação deste preceito tem de ser feita em abstracto e não se 
 descortinam razões que levem a relativizar ou excepcionar a regra nele 
 estabelecida em função das expectativas concretas de êxito da nova proposta, 
 extraídas da motivação da primeira recusa.
 
  
 
 19. Torna-se, assim, desnecessário prosseguir na análise das restantes 
 exigências de constitucionalidade e de legalidade da proposta de referendo.
 
  
 
  
 
 20. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a)      Considerar que a proposta de referendo aprovada pela Resolução da 
 Assembleia da República n.º 52-A/2005, de 29 de Setembro, violou a proibição de 
 renovação de propostas de referendo constante do n.º 10 do artigo 115.º da 
 Constituição e do n.º 3 do artigo 36º da Lei Orgânica do Regime do Referendo;
 b)       Consequentemente, ter por não verificadas a constitucionalidade e a 
 legalidade do referendo proposto na mencionada Resolução n.º 52-A/2005.
 
  
 Lisboa, 28 de Outubro de 2005
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Paulo Mota Pinto
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos
 Bravo Serra
 Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
 Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração de voto junta pela Senhora 
 Conselheira Maria Helena Brito, à qual adiro).
 Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
 Vítor Gomes (vencido, nos termos da declaração anexa).
 Gil Galvão (vencido, nos termos da declaração de voto anexa)
 Artur Maurício (vencido nos termos da declaração de voto da Exmª Consª Maria 
 Helena Brito a que adiro integralmente)
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
             Votei vencida e pronunciei-me no sentido de que podia ser renovada a 
 proposta de referendo em apreciação, pelas razões que a seguir sumariamente 
 enuncio.
 
  
 
 1.         O n.º 10 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa 
 dispõe que “as propostas de referendo recusadas pelo Presidente da República ou 
 objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma 
 sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à 
 demissão do Governo”.
 
  
 
             Estabelece-se assim, como regra, que “as propostas de referendo 
 recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do 
 eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa”; ressalva-se 
 todavia o caso de existir “nova eleição da Assembleia da República”.
 
  
 
             A tomada de posição quanto à questão de saber se a recusa pelo 
 Presidente da República de convocar o referendo proposto pela Resolução da 
 Assembleia da República n.º 16-A/2005, de 21 de Abril, inviabiliza a renovação 
 do referendo proposto pela Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005, 
 de 29 de Setembro, depende da análise de um conjunto de disposições 
 constitucionais e desde logo – mas não apenas – daquelas que se referem à 
 duração da sessão legislativa e à duração da legislatura.
 
 2.         O n.º 1 do artigo 174º dispõe que “a sessão legislativa tem a duração 
 de um ano e inicia-se a 15 de Setembro”. Pode assim falar-se em “ano 
 parlamentar”, que não coincide com o ano civil, uma vez que se inicia em 15 de 
 Setembro de cada ano.
 
  
 
             Desta disposição resulta claramente, em minha opinião, que a sessão 
 legislativa – o ano parlamentar – tem sempre a duração de um ano e inicia-se 
 sempre a 15 de Setembro, ainda que durante ela se verifique uma mudança de 
 legislatura, determinada por nova eleição da Assembleia da República, na 
 sequência de dissolução da Assembleia da República.
 
  
 
             Este entendimento quanto à duração da “sessão legislativa” no caso 
 de nova eleição da Assembleia da República é confirmado por outras normas da 
 Constituição, das quais decorre que a sessão legislativa pode abranger mais do 
 que uma legislatura:
 
  
 
             – o n.º 10 do artigo 115º, já referido, determina que “as propostas 
 de referendo recusadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta 
 negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, 
 salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo”;
 
  
 
             – o n.º 4 do artigo 167º estabelece que “os projectos e as propostas 
 de lei e de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na 
 mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República”.
 
  
 
             Em ambas estas disposições se admite que a sessão legislativa 
 prossegue ainda que durante ela ocorra nova eleição da Assembleia da República 
 
 (neste sentido se pronuncia expressamente M. Benedita M. Pires Urbano, O 
 referendo. Perfil histórico-evolutivo do instituto. Configuração jurídica do 
 referendo em Portugal, Coimbra, 1998, p. 226 ss, a propósito da discussão sobre 
 os limites temporais ao referendo, estabelecidos pela Constituição, na versão 
 resultante da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho).
 
  
 
             Naturalmente o n.º 10 do artigo 115º da Constituição (do mesmo modo 
 aliás que o n.º 4 do artigo 167º) não contém uma norma definidora de “sessão 
 legislativa”. 
 
  
 
             Mas o regime que nessa norma se estabelece quanto à possibilidade ou 
 não de renovação de propostas de referendo “na mesma sessão legislativa” 
 pressupõe a noção de “sessão legislativa” que decorre da própria Constituição. 
 Ora, esse regime não pode ser ignorado na resolução da questão que nos ocupa.
 
  
 
 3.         No sentido de que a sessão legislativa prossegue ainda que durante 
 ela se verifique uma mudança de legislatura aponta igualmente o fundamento da 
 proibição de renovação no mesmo ano parlamentar de iniciativas legislativas ou 
 referendárias: a par de razões de economia processual e da necessidade de evitar 
 a chicana política, visa-se também certamente garantir uma certa razoabilidade 
 quanto ao regime da proibição de renovação no mesmo ano parlamentar de 
 iniciativas legislativas ou referendárias. 
 
  
 
             A tese que fez vencimento no acórdão não assegura a razoabilidade 
 desse regime, permitindo uma limitação à renovação de iniciativas que pode ir 
 até quase dois anos (sabe-se que não é o caso agora) e que pode restringir 
 injustificadamente os direitos dos partidos da oposição (obviamente, também não 
 
 é esse o caso agora).
 
  
 
             Em suma, também considerando a razão de ser da proibição de 
 renovação no mesmo ano parlamentar de iniciativas legislativas ou referendárias 
 me parece de afastar a tese do acórdão.
 
  
 
 4.         A conclusão a que chego, de que a sessão legislativa prossegue ainda 
 que durante ela ocorra nova eleição da Assembleia da República, não é, a meu 
 ver, inviabilizada pela norma do artigo 171º da Constituição.
 
  
 
             É certo que o artigo 171º da Constituição, que se refere à “duração 
 da legislatura”, determina, como regra, no seu n.º 1, que “a legislatura tem a 
 duração de quatro sessões legislativas”.
 
  
 
             Todavia, estabelece o n.º 2 do artigo 171º que, no caso de 
 dissolução da Assembleia da República, “a Assembleia então eleita inicia nova 
 legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se 
 completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da 
 eleição”.
 
  
 
             Determina-se portanto que, no caso excepcional de dissolução da 
 Assembleia da República, e de eleição de uma nova Assembleia, a legislatura que 
 então se inicia será acrescida de uma parte da sessão legislativa em curso e, 
 assim, que a nova legislatura integrará o tempo necessário para se completar o 
 período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição.
 
  
 
             Isto é, em derrogação da regra geral estabelecida no n.º 1 do artigo 
 
 171º, admite-se que a nova legislatura inclua, além das quatro sessões 
 legislativas, mais uma parte de uma sessão legislativa, que é a continuação da 
 sessão legislativa que se encontrava em curso antes da dissolução da Assembleia 
 da República, e que por isso a nova legislatura integre o tempo necessário para 
 se completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da 
 eleição.
 
  
 
             Do artigo 171º, globalmente considerado, resulta que a legislatura 
 abrange, em princípio, quatro sessões legislativas completas; no caso de 
 dissolução da Assembleia, e de eleições antecipadas, a essas quatro sessões 
 legislativas pode acrescer – e no caso em apreciação acresce – o período de 
 tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa 
 em curso à data da eleição, sem que tal signifique que esse período de tempo se 
 integra em duas legislaturas diferentes, como sustenta o acórdão.
 
  
 
             O n.º 2 do artigo 171º vem dar resposta ao problema de saber qual a 
 duração da legislatura em caso de dissolução da Assembleia da República e de 
 realização de eleições antecipadas que ocorram num momento não coincidente com o 
 termo de uma sessão legislativa. A questão tratada neste n.º 2 do artigo 171º 
 tem relevância para efeitos de saber em que momento termina a legislatura da 
 Assembleia da República eleita através de eleições antecipadas e, 
 consequentemente, em que momento devem realizar-se as novas eleições 
 legislativas: no termo do período de quatro anos da legislatura que foi 
 interrompida com a dissolução ? no termo do período de quatro anos após a 
 entrada em funções da Assembleia da República eleita através de eleições 
 antecipadas ? ou, diferentemente, no termo de quatro sessões legislativas 
 completas após a eleição ? A solução adoptada n.º 2 do artigo 171º assenta na 
 resposta afirmativa a esta última alternativa.
 
  
 
             Isto mesmo resulta da história do preceito, invocada no acórdão.
 
  
 
             Em minha opinião, não é indiferente para a interpretação destas 
 disposições constitucionais a inserção sistemática da norma que se refere ao 
 problema suscitado, quanto à duração da legislatura, pela dissolução da 
 Assembleia da República e pela realização de eleições antecipadas num momento 
 que não coincida com o termo da sessão legislativa. Note-se que essa norma se 
 insere na disposição constitucional que trata da “legislatura” e não na que 
 disciplina a “sessão legislativa”.
 
  
 
 5.         Face à letra inequívoca do n.º 10 do artigo 115º da Constituição (e 
 do n.º 4 do artigo 167º), que só se compreende no pressuposto de que a eleição 
 de uma nova Assembleia da República não afecta a continuidade da sessão 
 legislativa em curso, a tese que fez vencimento inutiliza por completo a 
 ressalva feita naquele preceito constitucional. Na verdade, uma vez que – como 
 se afirma no acórdão – a eleição de uma nova Assembleia da República determina 
 sempre o início de uma nova sessão legislativa, fica sem qualquer sentido a 
 referência a essa eleição como ressalva à proibição de renovação de proposta de 
 referendo “na mesma sessão legislativa”. 
 
  
 
             E, por outro lado, assente que a revisão constitucional de 1982 
 visou conferir à Assembleia da República resultante de eleições antecipadas um 
 estatuto igual ao de uma Assembleia eleita em período “normal” (no termo da 
 legislatura) – como decorre do ponto 14. do acórdão –, a tese que fez vencimento 
 acaba por, contraditoriamente, restringir em termos inaceitáveis o poder de 
 iniciativa da nova Assembleia quanto à apresentação de propostas de referendo: 
 se não tivesse ocorrido dissolução, a Assembleia da República poderia apresentar 
 nova proposta de referendo a partir de 15 de Setembro de 2005, enquanto a nova 
 Assembleia da República só o poderá fazer a partir de 15 de Setembro de 2006 !
 
  
 
 6.         Tendo em conta o exposto, concluo que pode ser renovada em 29 de 
 Setembro de 2005 a proposta de referendo recusada pelo Presidente da República 
 em Maio de 2005.
 
  
 Maria Helena de Brito
 
  
 
  
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 Votei vencida a decisão constante do presente acórdão, pela qual o Tribunal 
 Constitucional se pronunciou no sentido de a Resolução da Assembleia da 
 República nº 52-A/2005, de 29 de Setembro, violar a proibição de iniciativas 
 referendárias constante do nº 10 do artigo 115º da Constituição. Em meu 
 entender, o Tribunal deveria ter por verificadas a constitucionalidade e a 
 legalidade do referendo e a sua decisão em sentido contrário fundamentou-se numa 
 interpretação contra legem das normas constitucionais aplicáveis e na 
 desconsideração dos elementos histórico, sistemático e teleológico da 
 interpretação. As razões da minha discordância são, de modo sucinto, as 
 seguintes:
 
 1ª  Os artigos 115º, nº 10, 167º, nº 4, da Constituição determinam que os 
 projectos e as propostas de referendo definitivamente rejeitados não podem ser 
 renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da 
 República. Esta ressalva torna inteiramente claro que uma nova eleição da 
 Assembleia da República não faz cessar a sessão legislativa em que ocorre, dando 
 início a outra. Uma tal “interpretação” é contra legem, não possuindo um mínimo 
 de correspondência na letra da lei e presumindo que o legislador constitucional 
 não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nºs 2 e 3, 
 do Código Civil).
 A razão de ser deste regime compreende-se facilmente. O legislador 
 constitucional, para evitar a repetição inútil de uma proposta de referendo 
 rejeitada num passado recente, num quadro em que se afigura inevitável nova 
 rejeição dada a previsível persistência das razões da primitiva rejeição (cf. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3ª ed., rev., p. 689), estabelece um período temporal mínimo, de cerca de um ano 
 
 (entre 15 de Setembro e 15 de Junho), para a repetição da proposta. Porém é 
 admitida a repetição na hipótese de alteração do quadro político, introduzida 
 por uma eleição da Assembleia da República, precisamente porque essa eleição 
 torna imprevisível o desfecho. 
 De todo o modo, a redacção da norma, que configura como excepção à regra de que 
 só pode haver uma proposta rejeitada por sessão legislativa a apresentação de 
 nova proposta após a eleição da Assembleia da República, só é compatível com a 
 conclusão de que a sessão legislativa se prolonga no início da nova legislatura 
 e com nenhuma outra.
 
 2ª  Mesmo no caso de dissolução, a Assembleia da República inicia uma nova 
 legislatura completa (artigo 171º, nº 2), que terá até uma duração superior a 
 quatro anos, podendo atingir quase os cinco, visto que será acrescida do tempo 
 necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em 
 curso à data da eleição. A Constituição prossegue um desígnio de estabilidade, 
 evitando a proliferação de legislaturas incompletas, que era admitida, na 
 hipótese de sucessivas dissoluções, pela versão originária da Constituição de 
 
 1976. Na verdade, o nº 2 do artigo 174º prescrevia então que “no caso de 
 dissolução, a Assembleia então eleita não iniciará uma nova legislatura”, 
 limitando-se por conseguinte a completar a sessão legislativa interrompida.. 
 O nº 1 do artigo 171º determina que a legislatura tem a duração de quatro 
 sessões legislativas. Ora, podendo a legislatura iniciar-se em qualquer altura, 
 após uma eleição, aquilo que é problemático é conciliar esta norma com o nº 1 do 
 artigo 174º, que estipula que a sessão legislativa tem a duração de um ano e se 
 inicia a 15 de Setembro. Aparentemente, se uma legislatura não se iniciar a 15 
 de Setembro, o que só sucederá por mera coincidência, as alternativas parecem 
 ser essa legislatura comportar mais do que quatro sessões legislativas ou 
 incluir uma sessão legislativa que não se inicie a 15 de Setembro, mas antes de 
 tal data.
 
 3ª  Na realidade, é o nº 2 do artigo 171º que dá resposta a este problema. No 
 caso de dissolução a Assembleia então eleita inicia nova legislatura cuja 
 duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se completar o 
 período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição. Assim, 
 embora já no decurso de uma nova legislatura, o período inicial que se estende 
 até 15 de Junho (termo da sessão legislativa) será imputado à sessão legislativa 
 inacabada, iniciando-se uma nova sessão legislativa, nos termos normais, em 15 
 de Setembro, para dar cumprimento aos nºs 1 e 2 do artigo 174º.
 Isto vale para o início e para o fim da legislatura ou, dito de outra forma, 
 para o início de duas legislaturas consecutivas. Deste modo, se a legislatura 
 terminar antes de 15 de Junho, a sessão legislativa só será concluída na 
 legislatura subsequente, de novo por força do nº 2 do artigo 171º. O que resulta 
 de tudo isto é que cada legislatura comporta quatro sessões legislativas mas há 
 um prolongamento da última sessão legislativa para a legislatura seguinte, por 
 expressa e iniludível determinação constitucional.
 
 4ª  É também esta interpretação que permite respeitar a letra dos artigos 115º, 
 nº 10, e 167º, nº 4. Com efeito, se uma eleição ocorrer entre 15 de Setembro e 
 
 15 de Junho, interrompendo uma sessão legislativa, o legislador constitucional 
 pretende assegurar que durante essa sessão legislativa pode haver duas propostas 
 de referendo (uma antes e outra depois da eleição). 
 A partir do termo dessa sessão legislativa e do início de uma nova sessão 
 legislativa, sempre em 15 de Setembro de cada ano, por força do nº 1 do artigo 
 
 174º que não prevê quaisquer excepções, já poderá ser apresentada, nos termos 
 normais, uma nova proposta de referendo. Deste modo, a rejeição de uma proposta 
 de referendo apresentada antes de 15 de Junho, na sequência de uma dissolução da 
 Assembleia da República e do consequente início de nova legislatura, nunca pode 
 impedir a apresentação de uma nova proposta a partir de 15 de Setembro, uma vez 
 que nessa data sempre se inicia uma nova sessão legislativa, por força do nº 1 
 do artigo 174º da Constituição.
 
  
 Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
             Entendo que a iniciativa referendária em causa não viola, em razão 
 do tempo, a proibição constante do n.º 10 do artigo 115.º da Constituição e n.º 
 
 3 do artigo 36.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril. Não porque considere que o 
 período que acresce à nova legislatura nos termos do n.º 2 do artigo 171.º se 
 integre na última sessão legislativa da legislatura extinta, parecendo-me 
 convincentes as razões pelas quais o acórdão afasta este entendimento. Mas 
 porque interpreto a 2ª parte do n.º 2 do artigo 171.º como tendo natureza de 
 excepção à regra do n.º 1 e, consequentemente, concluo que o período sobrante da 
 sessão legislativa em curso à data da eleição é, para os diversos fins 
 constitucionais em que isso releva, uma sessão legislativa autónoma.
 
             Entendimento que, de modo tópico, justifico da forma seguinte:
 
 -         Depois de enunciar a regra de que a legislatura tem a duração de 
 quatro sessões legislativas, o que por referência ao n.º 1 do artigo 174.º 
 significa que tem a duração de 4 anos e se inicia a 15 de Setembro (n.º 1 do 
 artigo 171.º), e de estendê-la à Assembleia resultante de eleição após 
 dissolução (1ª parte do n.º 2 do artigo 171.º), o legislador constituinte 
 enfrentou o problema de o ciclo assim estabelecido deixar um período sobrante. 
 Resolveu-o fazendo acrescer esse período à nova legislatura, mas sem qualquer 
 referência à sessão legislativa, como seria razoável, face à assim gerada 
 desarmonia com o n.º 1 do (actual) artigo 174.º, se a intenção fosse integrar 
 esse período na 1ª sessão legislativa da nova legislatura.
 
 -         O n.º 1 do artigo 174.º define a duração normal das legislaturas e a 
 periodicidade do sufrágio, não sendo forçoso que isso equivalha a definir a 
 composição da legislatura em quatro, e só quatro, sessões legislativas. Apesar 
 de o legislador constituinte ter sido confrontado com a diferença de sentido que 
 pode extrair-se de se dizer que “a legislatura tem a duração de 4 sessões 
 legislativas” e de se dizer que “a legislatura comporta 4 sessões legislativas” 
 
 [cf. intervenção da deputada Margarida Salema durante a discussão das propostas 
 de alteração a este preceito, na Comissão Eventual para a Revisão 
 Constitucional, DAR – II Série, 3º suplemento ao número 38, p. 796- (87)], a 
 redacção que veio a prevalecer foi a que privilegia o elemento temporal e não o 
 de estruturação, o que indicia que não se quis resolver aí este problema.
 
 -         A interpretação que prevaleceu, ampliando o conceito de sessão 
 legislativa, conduz a uma limitação dos poderes de iniciativa parlamentar (lato 
 sensu), nos casos em que o exercício desses poderes é limitado em função dele e 
 que o acórdão enumera, que – embora tal não suceda no caso presente –, na 
 generalidade das hipóteses vai comprimir, sobretudo, a intervenção política das 
 minorias.
 
 -         Essa limitação não é exigida pelas razões que estiveram na base da 
 mudança da duração das legislaturas em caso de dissolução, pela revisão 
 constitucional de 1982, em particular, com a igual legitimidade democrática dos 
 mandatos saídos de eleição decorrente do ciclo político normal e de eleição 
 decorrente de dissolução. Efectivamente, o mandato dos deputados eleitos em caso 
 de dissolução, quando a legislatura seja acrescentada nos termos da 2ª parte do 
 n.º 2 do artigo 171.º vai ter um acréscimo de duração que, no limite – que 
 concedo de verificação pouco provável – pode aproximar-se do correspondente ao 
 tempo de uma sessão legislativa. A tese que fez vencimento implica uma 
 
 “rarefacção” de poderes de iniciativa, mediante a sua distribuição ao longo 
 dessa mais extensa sessão legislativa para que não vejo justificação. É igual a 
 legitimidade democrática, mas é mais extenso o período em que os deputados são 
 chamados a exercê-la. 
 
 -         Por último, mas não menos importante, a consideração de que essa é uma 
 sessão autónoma e que em 15 de Setembro se inicia uma outra sessão legislativa 
 não colide com os fins que ditaram a delimitação do exercício de poderes 
 compreendidos no mandato parlamentar em função das sessões legislativas. 
 Bastando-se a Constituição com balizar esse exercício em função do “ano 
 parlamentar” e não por interposição de um prazo mínimo, a renovação da 
 iniciativa em circunstâncias como a presente é substancialmente idêntica à que 
 ocorreria se a iniciativa anterior tivesse ocorrido noutro ciclo da vida 
 parlamentar que não no “tempo correspondente para completar a sessão legislativa 
 em curso à data da eleição”.   
 
               
 
              Tendo ficado prejudicada a apreciação pelo Tribunal das demais 
 questões relativas à constitucionalidade e legalidade do referendo proposto, 
 também sobre elas não vejo que deva pronunciar-me.
 
             
 Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencido quanto à decisão, no essencial, pelas razões que, sumariamente, 
 passo a enunciar:
 
 1. A decisão que fez vencimento assenta, a meu ver, num pressuposto 
 injustificado: o de que, na Constituição da República Portuguesa, de todas as 
 normas relevantes para a decisão da questão aqui colocada, uma deve prevalecer 
 sobre todas as outras, por ser, porventura, mais imperativa do que as demais – a 
 norma constante do n.º 1 do artigo 171º. Além disso, a fundamentação do acórdão 
 tem subjacente uma confusão entre sessão legislativa e período de funcionamento 
 da Assembleia da República, admitindo, por isso, que aquela tenha intervalos, 
 suspensões ou prorrogações e, consequentemente, duração variável.
 
 2. Ao escolher dar prevalência ao disposto no n.º 1 do artigo 171º da 
 Constituição, o acórdão é, todavia, forçado a violar frontalmente, para utilizar 
 a sua própria linguagem, desde logo, o disposto no n.º 10 do artigo 115º e no 
 n.º4 do artigo 167º da Constituição. Mas é ainda forçado a, contrariamente ao 
 que faz em relação ao citado n.º 1 do artigo 171º, “flexibilizar as datas de 
 início e termo da primeira e da última sessão legislativa”, com completo 
 menosprezo pela “imperatividade” do estatuído no n.º 1 do artigo 174º da 
 Constituição. Ou seja, por um lado, remete para um qualquer “depósito” da 
 revisão constitucional de 1982 duas normas da Constituição que estão em vigor – 
 os citados n.º 10 do artigo 115º e n.º4 do artigo 167º, quando, expressamente, 
 se referem à mesma sessão legislativa, em caso de nova eleição da Assembleia; 
 por outro, é obrigado a concluir que um ano – a duração da sessão legislativa de 
 acordo com o imperativamente disposto no n.º 1 do artigo 174º da Constituição - 
 não tem 366 ou 365 dias, consoante seja ou não bissexto, mas sim algo entre 365 
 e mais de 700 dias, consoante a data em que, porventura, ocorra uma dissolução 
 da Assembleia da República.
 
 3. Ora, em meu entender, bastaria dar a relevância devida a todos os preceitos 
 constitucionais pertinentes para se concluir, necessariamente, de forma diversa 
 da posição que fez vencimento. Na verdade, o que o n.º 1 do artigo 171º da 
 Constituição estatui é que uma legislatura tem quatro sessões legislativas 
 inteiras, de um ano cada, iniciando-se, cada uma delas, a 15 de Setembro; não 
 estatui que uma legislatura, nomeadamente a resultante de eleições provocadas 
 por uma dissolução da Assembleia, tem - e tem de ter apenas - quatro sessões 
 legislativas, de dimensão variável, como o acórdão defende. E tanto assim é que, 
 logo no número 2 do mesmo artigo, se explicita que, “no caso de dissolução, a 
 Assembleia inicia nova legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do 
 tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa 
 em curso à data da eleição” (itálico aditado). Sem que daí se possa concluir, ao 
 contrário do que se afirma no acórdão, que “o mesmo lapso de tempo – que acresce 
 por força do n.º 2 à nova legislatura -, se integra[] em duas legislaturas 
 diferentes”, pois é manifesto que, até por definição, o que acresce só se pode 
 integrar naquilo a que acresce, isto é na legislatura “acrescida”.
 
 4. Assim sendo, como se me afigura que é, a conjugação do disposto nos referidos 
 n.º 10 do artigo 115º e n.º4 do artigo 167º, com o estatuído nos n.º s 1 e 2 do 
 artigo 171º e no n.º 1 do artigo 174º, todos da Constituição, sempre implicaria, 
 sem qualquer contradição, a conclusão de que se iniciou em 15 de Setembro de 
 
 2005 uma nova sessão legislativa, não tendo, por isso, a proposta de referendo 
 aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005, de 29 de 
 Setembro, violado qualquer proibição de renovação de propostas.
 
  
 Gil Galvão