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Processo n.º 633/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam em conferência na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1. A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro, do despacho do Conselheiro Vice-Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2005 que decidiu não conhecer do 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do 
 despacho de indeferimento de reclamação contra um despacho que não admitira 
 recurso interposto de acórdãos da Relação para esse Supremo Tribunal (artigo 
 
 688.º do Código de Processo Civil). 
 
  
 
             Pede a revogação do despacho reclamado para que seja substituído por 
 outro que admita o recurso, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 76.ºda LTC, 
 alegando, em síntese, o seguinte:
 
 -         o despacho reclamado não pode deixar de ser interpretado como de 
 indeferimento do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional;
 
 -         não foi invocado nenhum dos fundamentos de indeferimento do 
 requerimento de interposição do recurso previstos no n.º 2 do artigo 76.º da 
 LTC, nem ocorre qualquer razão para não admiti-lo porque “o requerimento de 
 interposição do recurso satisfaz os requisitos do art.º 75.º-A; a decisão admite 
 recurso; o recurso foi interposto dentro do respectivo prazo legal; o recorrente 
 tem legitimidade, e o recurso não é manifestamente infundado”.
 O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
 “Afigura-se que efectivamente – face às regras vigentes no processo 
 constitucional – incumbe ao Exmo. Presidente de um Tribunal Superior que decidiu 
 definitivamente o procedimento de reclamação, perante si interposto, confirmando 
 a não admissibilidade do recurso interposto, pronunciar-se sobre a 
 admissibilidade do recurso de constitucionalidade, interposto de tal decisão 
 pelo reclamante: na verdade, é a decisão do Presidente que constitui a “última 
 palavra”, no âmbito da ordem dos Tribunais Judiciais, sobre a questão, 
 
 “consumindo” a precedente decisão sobre a inadmissibilidade do recurso 
 ordinário, proferida pelo Juiz ‘a quo’.” 
 
  
 
  
 
             2. Revelam os autos as seguintes ocorrências processuais com 
 interesse para decisão das questões que cumpre apreciar:
 a)      Em 3 de Março de 2005, recorrente interpôs reclamação do despacho que 
 não admitiu recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça;
 b)      Sobre essa reclamação recaiu o despacho de 19 de Abril de 2005, do 
 Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do seguinte teor:
 
 “I. O Dr. A., notificado do acórdão da Relação de Coimbra proferido em 14.12.04, 
 que não conheceu por intempestivo do requerimento por si apresentado na parte em 
 que arguía a nulidade do acórdão proferido em 08.06.2004 e o indeferiu no 
 respeitante à nulidade imputada ao acórdão de 19.10.04 e ao pedido de 
 notificação do despacho de fls. 740, vem agora interpor recurso para este 
 Supremo Tribunal destes três acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de 
 Coimbra.
 O Ex.mo Desembargador Relator proferiu despacho não admitindo o recurso: no 
 respeitante aos acórdãos de 08.06.2004 e de 19.10.2004, por já ser ter esgotado 
 o prazo para a prática do acto; e no que concerne ao acórdão de 14.12.04, por 
 este se ter limitado a apreciar um requerimento onde se arguíam nulidades que 
 tinham de ser apreciadas pela Relação e ainda por não ter agora cabimento a 
 invocação de regras da competência em razão da hierarquia.
 Desse despacho reclama o recorrente, sustentando, além do mais, que arguiu 
 tempestivamente a incompetência absoluta do tribunal para proferir os acórdãos 
 de 08.06.2004 e de 19.10.04 e que sobre ela não se pronunciou o acórdão de 
 
 14.12.04 sendo o recurso admissível para o S.T.J. face ao disposto no art. 
 
 678.º, n.º 2 do C PC. 
 A B. pugna pelo improvimento da reclamação.
 Foi mantido o despacho reclamado.
 II Cumpre apreciar e decidir.
 O ora reclamante, após a notificação do acórdão da Relação de Coimbra proferido 
 em 14.12.04, que não conheceu por intempestivo do requerimento por si 
 apresentado na parte em que arguía a nulidade do acórdão proferido em 08.06.2004 
 e o indeferiu no respeitante à nulidade imputada ao acórdão de 19.10.04 e ao 
 pedido de notificação do despacho de fls. 740, vem agora recorrer para este 
 Supremo Tribunal destes três acórdãos.
 Dos acórdãos proferidos em 08.06.2004 19.10.04 não é admissível recurso para 
 este Supremo Tribunal por as respectivas decisões já terem transitado em 
 julgado.
 Como já tantas vezes se disse, dispõe o art.º 668.º, n.º 3 do CPC que “as 
 nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) só podem ser arguidas perante o 
 tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso 
 contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades....”.
 Daí, se a parte tiver arguido a nulidade do acórdão perante o tribunal que o 
 proferiu, já não pode depois impugná-lo pela via do recurso.
 Donde, a impugnação por esta via dever efectuar-se no prazo de 10 dias a contar 
 da notificação do acórdão a que se assaca uma nulidade.
 Prazo esse que, no respeitante aos acórdãos proferidos em 8.6.04 e 19.10.04, já 
 há muito se encontra ultrapassado.
 Assim sendo, o recurso ficou inviabilizado no momento em que a ora reclamante 
 arguiu a nulidade dos acórdãos perante o tribunal que os proferiu.
 
  Vejamos agora se é admissível recurso do acórdão proferido em 14.12.04 ao 
 abrigo do art. 678.º, n.º 2 do CPC, como pretende o reclamante.
 Segundo alega o reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso para 
 este Supremo Tribunal, os acórdãos de 8.6.04 e 19.10.04 são nulos por terem sido 
 proferidos por um tribunal hierarquicamente incompetente, uma vez que com a 
 prolação do acórdão de 19.02.2004 esgotou-se o poder jurisdicional de apreciação 
 da Relação.
 Depois, a incompetência absoluta em razão da hierarquia foi arguida no 
 requerimento sobre que recaiu o acórdão de 14.12.04, que sobre ela não se 
 pronunciou, daí este acórdão reiterar decisão proferida por tribunal 
 hierarquicamente incompetente.
 Não lhe assiste razão.
 Isto por, não estarmos perante nenhuma incompetência em razão da hierarquia, 
 porquanto, se a Relação conheceu de questões de que já não podia conhecer por se 
 ter esgotado o seu poder jurisdicional de apreciação, tal não consubstancia uma 
 incompetência em razão da hierarquia, por ser a ela e não ao tribunal inferior 
 que compete conhecer dos recursos e seus desenvolvimentos ulteriores; logo, não 
 tem aplicação o disposto no art.º 678.º, n.º 2 do CPC. 
 III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante.
 Notifique.”
 
  
 c)      Em 6 de Maio de 2005,o reclamante pediu a reforma e arguiu a nulidade do 
 despacho referido na alínea anterior;
 d)      Sobre tal reclamação recaiu o despacho de 2 de Junho de 2005, do 
 seguinte teor:
 
 “I. O Dr. A. requer a reforma da decisão que indeferiu a sua reclamação, por não 
 ter levado em consideração elementos constantes do processo e argui a nulidade 
 da mesma, ao abrigo do disposto no art. 668.º, n.º 1, alíneas d) e c) do CPC. 
 Invoca também a inconstitucionalidade do art. 71.º, n.º 1 interpretado em 
 conjugação como os arts. 102.º, n.º 1,666.º, 1 todos do CPC, 4.º, n.º 1 da Lei 
 n.º 21/85 de 30.07 e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87, de 23.12, e do art. 678.º, 
 n.º 2 do C PC, na interpretação que lhe foi dada pelo despacho que agora se 
 impugna.
 II. Cumpre decidir.
 A reforma da sentença ou da decisão de mérito, ora permitida pelo n.º 2 do art. 
 
 669.º do CPC, tem como pressuposto a existência de manifesto lapso do julgador 
 
 (como claramente referem as duas alíneas desse número).
 Ora, não há qualquer lapso, que, aliás, nunca seria manifesto.
 A competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quando aprecia as 
 reclamações, nos termos do arts. 688.º e 689.º do CPC, apenas se cinge às 
 questões da admissibilidade e da retenção do recurso.
 Assim, não faz assim sentido suscitar-se e pretender-se que se decidam no âmbito 
 da reclamação outras questões para além daquelas.
 E nesse âmbito tomámos em consideração todos os elementos necessários para a 
 decisão da reclamação.
 Com efeito, não nos cabe conhecer de todas as vicissitudes acontecidas no 
 processo, como vem pretendido.
 O requerente invoca também a nulidade do nosso despacho de fls. 100 e segs. 
 fundado na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, por no seu entender existir 
 
 “incongruência” entre a fundamentação e a decisão.
 Mas sem razão.
 Com efeito, o que se disse no nosso despacho de fls.100 e segs. foi que não se 
 verificava a alegada incompetência em razão da hierarquia como pretendia o 
 requerente, o que em nada contraria a fundamentação para o efeito encontrada, 
 uma vez que a expressão “desenvolvimentos ulteriores” abrange os incidentes 
 suscitados junto da Relação, após a prolação do acórdão de 19.02.04 .
 No respeitante á inconstitucionalidade imputada ao art. 71.º, n.º 1 interpretado 
 em conjugação como os arts. 102.º, n.º 1, 666.º, 1 todos do CPC, 4.º, n.º 1 da 
 Lei n.º 21/85 de 30.07 e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87, de 23.12 refere-se não 
 ser de conhecer da mesma por nem o despacho proferido pelo tribunal a quo, nem a 
 decisão que agora se impugna se terem baseado nessas normas para não admitir o 
 recurso.
 Ora, não faz nenhum sentido conhecer-se da inconstitucionalidade de normas que 
 não foram aplicadas, por irrelevar o juízo de constitucional idade que sobre 
 elas se emita.
 Por último, no que concerne à inconstitucionalidade do art. 678.º, n.º 2 na 
 interpretação que lhe foi dada pelo nosso despacho de fls. 100 e segs., por 
 desrespeito dos princípios contidos nos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4 e 202.º, n.º 2 da 
 CRP, apenas se dirá, na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional, 
 que a Constituição não impõe que tenha de haver recurso de todos os actos do 
 juiz, como também não exige que se garanta sempre um segundo grau de jurisdição 
 e, muito menos, um terceiro grau de jurisdição.
 Ora, a admitir-se recurso para este S.T.J., estar-se-ia a garantir um terceiro 
 grau de jurisdição. Mais: no âmbito do processo civil, o direito à tutela 
 judicial efectiva, consagrado no art.º 20° da CRP, basta-se, em princípio, com 
 uma instância única (cf. entre outros o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 261/02 de 18 de Junho de 2002).
 III. Pelo exposto indefere-se na totalidade o requerimento de fls. 104 e segs.
 Custas pelo requerente, com a taxa de justiça de 3 UC.
 Notifique.”
 
  
 e)      Por requerimento de 20 de Junho de 2005,o reclamante interpôs recurso 
 para o Tribunal Constitucional dos despachos 2 de Junho de 2005 e de 19 de Abril 
 de 2005 anteriormente referidos.
 f)       Sobre tal requerimento recaiu o despacho de 22 de Junho de 2005, do 
 seguinte teor [agora sob reclamação]:
 
 “Recorre o reclamante, A., para o Tribunal Constitucional do despacho, 
 proferido no apenso de reclamação nº1452/05-7, que indeferiu o pedido de reforma 
 de anterior despacho proferido nos termos do art. 688° do C PC, que indeferira o 
 reclamação contra despacho proferido pelo Relator do Tribunal da Relação de 
 Coimbra que não havia admitido o recurso por si interposto para este Supremo 
 Tribunal.
 De acordo com decisões anteriores (reclamações n.ºs 4670-04-6, 580-A/05-4 e 
 
 1145-05-6), temos entendido que a competência do presidente do tribunal ad quem 
 nos termos do art. 688° do CPC, como decorre deste normativo e dos princípios 
 gerais do processo civil, limita-se às questões da admissibilidade e do momento 
 se subida dos recursos.
 Exercendo tal competência, por alguns tida por inconstitucional porque, 
 rigorosamente, não se tratar de actividade jurisdicional, não está o presidente 
 obrigado à rígida observância de critérios legais, devendo antes, numa atitude 
 prudencial, avaliar, em cada caso, se a questão da admissibilidade ou do momento 
 da subida dos recursos, deve ser apresentada decidida pelo tribunal superior.
 Na verdade, as decisões do presidente, quando favoráveis ao reclamante, não são 
 definitivas cabendo, sempre, a última palavra à conferência no tribunal superior 
 
 (art. 689° n° 2 do CPC). 
 Não podem, pois, suscitar-se e pretender que se decidam outras questões, no 
 
 âmbito deste incidente, para além das referidas admissibilidade e do momento da 
 subida.
 Por isso, e ma vez que neste apenso se proferiram já despachos de indeferimento 
 da reclamação e do requerimento para reforma do anterior decisão, nenhuma outra 
 questão poderá aqui suscitar-se nomeadamente, e sem embargo da norma do art. 70° 
 b) da Lei 28/82, a da admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional.
 
 É que, por um lado, a resposta positiva à questão da admissibilidade ou da 
 subida imediata só se consolida após decisão da conferência, no tribunal 
 superior que, implícita ou explicitamente, a confirmar.
 E por outro, a resposta negativa tem, por sua vez, o efeito de consolidar a 
 decisão do tribunal a quo que não admitiu, ou reteve, o recurso.
 Daí que, porque a admissibilidade do recurso agora interposto para o Tribunal 
 Constitucional tenha que ser apreciada no tribunal a quo e terá de sê-lo da 
 decisão que aí o não admitiu, pois esta, repetimos, só se consolidou após o 
 despacho que indeferiu a reclamação.
 Nestes termos, não se conhece, aqui, do requerimento de interposição do recurso 
 para o Tribunal Constitucional.
 Custas pelo requerente, fixando a respectiva taxa no mínimo.”
 
  
 
  
 
             3. O despacho recorrido conclui com uma decisão de “não 
 conhecimento” do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, o que poderia levantar dúvidas sobre se a presente reclamação 
 cabe na previsão do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, que estabelece a reclamação 
 para o Tribunal Constitucional do despacho que indefira o requerimento de 
 interposição do recurso ou retenha a sua subida. Mas tais dúvidas – aliás, 
 emergentes, mais do que uma coerção da letra da lei, da tipologia processual 
 que, em geral, contrapõe decisões de “não provimento”, “improcedência” ou 
 
 “indeferimento” a decisões de “não conhecimento” – não resistiriam a uma 
 interpretação teleológica do preceito. Os conceitos de “indeferimento” e 
 
 “retenção” devem ser dotados de extensão adequada à função do recurso de 
 constitucionalidade das decisões dos restantes tribunais para o Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
             Ora, em primeiro lugar, face à fundamentação do despacho há boas 
 razões para afirmar que, em substância, sob a aparência dessa pronúncia 
 expressa, está, em direitas contas, uma decisão material de indeferimento do 
 recurso interposto por a decisão de que se pretendeu recorrer (o despacho que 
 recaiu sob a reclamação) não ser recorrível.
 
  
 De todo o modo, o fim visado com o meio processual previsto no n.º 4 do artigo 
 
 76.º e no artigo 77.º da LTC, que é o de assegurar que o Tribunal Constitucional 
 tenha a última palavra sobre a admissibilidade dos recursos para si interpostos 
 
 – assegurar a competência sobre a própria competência – não se compadece com uma 
 interpretação restritiva que permitisse subtrair à sua apreciação qualquer 
 decisão dos restantes tribunais que, ainda que consistindo numa decisão 
 formalmente diversa do indeferimento, tenha efeito material directo equivalente 
 
 à não admissão ou à ou retenção de um recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade de determinada decisão.
 
  
 
              Consequentemente, passa a apreciar-se a reclamação.
 
  
 
  
 
             4. O despacho recorrido entende que a decisão do presidente do 
 tribunal superior proferida ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo 
 Civil não é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional, por não ter 
 carácter definitivo, na base do seguinte raciocínio dilemático:
 
             - se for de provimento da reclamação (admissão do recurso ou 
 determinação da sua subida imediata), a decisão do presidente não vincula o 
 tribunal  ad quem (n.º 2 do artigo 689.º do CPC);
 
             - se for de não provimento, a decisão do presidente limita-se a 
 tornar definitiva a decisão que não admitira o recurso, a que nada acrescenta, 
 sendo da decisão confirmada que o recurso deve ser admitido.
 
  
 
             Em qualquer caso, esse despacho não seria recorrível “a se”.
 
  
 
             Para decisão da presente reclamação, não importa considerar a 
 primeira hipótese porque não é desse género o caso presente. Interessa-nos, 
 apenas, a justificação para a não admissão de recurso das decisões de 
 indeferimento da reclamação. Ora, pelo menos relativamente às decisões de 
 indeferimento, não pode acolher-se tal construção jurídica, sendo até 
 dispensável uma mais extensa justificação, face ao teor do n.º 3 do artigo 70.º 
 da LTC que, ao incluir expressamente a reclamação para o presidente dos 
 tribunais superiores no âmbito do ónus de esgotamento dos “recursos” ordinários, 
 necessariamente implica o reconhecimento de que as decisões que aí venham a ser 
 proferidas constituem a “última palavra” da ordem jurisdicional respectiva 
 quanto à não admissão do recurso e, portanto, que ela vem a ser o objecto 
 passível do recurso para o Tribunal Constitucional quanto à 
 inconstitucionalidade (ou à ilegalidade) das normas de que tenha feito 
 aplicação. Não se vislumbra razão para, sendo imposta a exaustão de determinado 
 meio processual na ordem jurisdicional respectiva como condição de acesso ao 
 Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade vir, afinal, a incidir 
 sobre a decisão confirmada e não sobre a decisão que vem a constituir a última 
 palavra dessa ordem jurisdicional. Basta ver que esta decisão pode mesmo 
 resultar da aplicação de normas diversas daquelas que foram consideradas no 
 despacho reclamado. Não poderia negar-se o acesso ao Tribunal Constitucional e 
 não se vê como imputar o fundamento normativo invocado à decisão primitiva.
 
  
 
             Por outro lado, seria de uma complexidade inútil definir o âmbito da 
 recorribilidade em função da inovação, cindindo, com possível duplicação, o 
 objecto imediato do recurso.
 
  
 
             Há, aliás, sem que tenha sobrevindo qualquer alteração legislativa 
 ou de sistema que justifique revê-la, uma prática judiciária pacífica 
 relativamente à admissão de recurso para o Tribunal Constitucional quanto a este 
 tipo de decisões. 
 
  
 
  
 
             5. Não basta, todavia, que não subsistam as razões em que a decisão 
 reclamada fundou a não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional para 
 que a reclamação seja deferida e o recurso admitido. Como constitui 
 jurisprudência corrente, fazendo a decisão caso julgado quanto à admissibilidade 
 do recurso (n.º 4 do artigo 77.º da LTC), há-de o Tribunal verificar, no momento 
 em que profere tal decisão, se estão reunidas todas as condições de que depende 
 essa admissibilidade. 
 
  
 
             O recorrente identificou nos seguintes termos as normas cuja 
 inconstitucionalidade quer ver apreciada:
 
  
 
 “1. A do art.º 668.º, n.º 3, do CPC, aplicada ao Despacho de 19.4.2005, com o 
 sentido de abranger também a arguição de nulidade processual ao abrigo do 
 disposto no art.º 201.º, n.º 1, do CPC, e os pedidos deduzidos ao abrigo do 
 disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal.
 Tal dimensão normativa viola os princípios da segurança jurídica e da confiança 
 implícitos no princípio do Estado de Direito consignado no art.º 2.º da 
 Constituição, e as normas relativas à repartição da função jurisdicional e à 
 hierarquia constitucional dos tribunais consagradas nos artºs. 202.º, 209.º e 
 
 210.º da mesma Lei.
 Estes princípios encontram-se invocados na Reclamação de 2.3.2005 (data do 
 registo postal), mais concretamente nos seus n.ºs 1.3 e 5, como parâmetros 
 constitucionais de qualquer preceito legal que impeça o recurso efectivo para os 
 tribunais de decisões desprovidas de poder jurisdicional com a finalidade de 
 remover a obstrução ao exercício da jurisdição pelo tribunal competente.
 
 2. A do art.º 666.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, interpretada em conjugação com as dos 
 art.ºs 71.º, n.º 1, 102.º, n.º 1 e 4ºs, n.ºs 1, das Leis n.ºs 21/85, de 30.7, e 
 
 38/87, de 23.12, aplicada no Despacho de 19.4.2005, com o sentido de abranger a 
 prolação de decisões contraditórias com a decisão final do recurso, quer com 
 relação ao objecto deste quer com relação às imputação das custas do mesmo, 
 incluindo a de ordenar a extinção da instância de recurso.
 Tal dimensão normativa viola os princípios da segurança jurídica e da confiança 
 implícitos no princípio do Estado de Direito consignado no art.º 2.º da 
 Constituição, e os relativos à repartição da competência dos tribunais 
 pressupostos na repartição constitucional da função jurisdicional e na 
 hierarquia dos tribunais consagradas nos artºs. 202.º, 209.º e 210.º da mesma 
 Lei.
 A inconstitucionalidade de tal dimensão normativa encontra-se invocada na 
 Reclamação de 2.3.2005, mais concretamente nos seus n.ºs 1.3, 5 e 6, e também na 
 Reclamação de 6.5.2005, mais concretamente nos seus n.ºs 8 e 13.
 
 3. A do art.º 678.º, n.º 2, do CPC, no segmento relativo às regras de 
 competência em razão da hierarquia, aplicada no Despacho de 19.4.2005 com o 
 sentido de não abrangera obstrução ao exercício da jurisdição pelo tribunal 
 competente quando este seja um tribunal inferior na hierarquia dos tribunais.
 Tal dimensão normativa viola os princípios da segurança jurídica e da confiança 
 implícitos no princípio do Estado de Direito, consagrado no art.º 2.º da 
 Constituição, do acesso ao direito e aos tribunais e ao processo equitativo 
 consagrado no art.º 20º, n.ºs 1 e 4, da vinculação dos tribunais à incumbência 
 da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos 
 consagrado no art.º 202.º, n.º 2, e da repartição da competência e da hierarquia 
 consagrados nos artº.s 209.º e 210.º da mesma Lei.
 A inconstitucionalidade de tal dimensão normativa encontra-se suscitada na 
 Reclamação de 2.3.2005, mais concretamente nos seus n.ºs 1.3 e 5, e, também, na 
 Reclamação de 6.5.2005, mais concretamente no seu n.º 14.”
 
  
 
  
 
             O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, que o permite de decisão judicial que tenha aplicado norma cuja 
 inconstitucionalidade tenha sido suscitada, de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC). Ora, cotejando as decisões de que se pretende recorrer com as intervenções 
 anteriores do recorrente, tem de concluir-se que não estão reunidos estes 
 pressupostos relativamente a qualquer das normas ou grupo de normas indicados 
 pelo recorrente.
 
  
 
             Com efeito, o recorrente reclamara para o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 688.º do CPC, de um despacho que não 
 admitira recurso de três acórdãos da Relação para o Supremo. Quanto a dois deles 
 
 (os acórdãos de 8/6/2004 e de 19/10/2004) por intempestividade; quanto ao outro 
 
 (o acórdão de 14/12/2004), por “não ter qualquer cabimento a invocação feita das 
 regras de competência em razão da hierarquia, sendo certo que a reclamação de 
 nulidade sempre teria de ser apreciada neste tribunal”.
 
  
 
             Na reclamação, o requerente sustentou:
 
  
 
 “2. O requerimento de 28.6.2004, de arguição de nulidade processual permitido 
 pelo art.º 666.º, n.º 2, do CPC, interrompeu o prazo para arguir nulidades de 
 sentença das decisões de 8.6.2004, desprovidas de poder jurisdicional.
 As decisões de 19.10.2004, sobre ele proferidas, foram tempestivamente arguidas 
 de incompetência absoluta. Sobre esta questão não se pronunciou o Tribunal em 
 
 14.12.2004.
 Pelo que, o reclamante, ao interpor recurso das decisões de 8.6.2004, 19.10.2004 
 e 14.12.2004, por requerimento de 11.1.2005, considerando as férias judiciais 
 entretanto ocorridas, está, obviamente, em tempo, segundo a lei vigente.
 
 3. Diz-se no despacho de fls. 819, que não tem cabimento a invocação de regras 
 de competência em razão da hierarquia. E acrescenta-se: sendo certo que a 
 reclamação de nulidade sempre teria que ser apreciada neste Tribunal.
 Tal arguição foi feita. Mas o Tribunal recusou pronúncia sobre a mesma.
 Recorda-se, com a devida vénia, que o acórdão de 19.2.2004, ainda não transitou 
 em julgado, pelo que a arguição de incompetência absoluta do Tribunal é 
 tempestiva.
 
 4. A arguição de incompetência absoluta do Tribunal, no requerimento de 
 interposição de recurso de 11.1.2005, cumpre a apreciação legal do art.º 687.º, 
 n.º 1, 2ª parte, do CPC. Como nele foi expressamente indicado, tendo-se porém 
 escrito por evidente lapso, n.º 2.
 Não pode, pois, o Tribunal estranhar que tal invocação tenha sido feita.
 
 5. As decisões de 8.6.2004, 19.10.2004 e 14.12.2004, são contraditórias com a 
 proferida em primeiro lugar, isto é, com as de 19.2.2004. Pelo que, por força do 
 disposto no art.º 675.º, n.º 2, do CPC, elas nunca poderão ser cumpridas.
 Mas, enquanto proferidas por tribunal hierarquicamente incompetente, são 
 recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no art.º 
 
 678.º, n.º 2, do CPC.
 E a tutela da confiança e da segurança jurídica implícita no Estado de Direito 
 consagrado no art.º 2.º da Constituição, e a vinculação dos tribunais à defesa 
 dos direitos e dos interessas legalmente protegidos dos cidadãos, impõem que 
 seja permitido que o STJ se pronuncie sobre a nulidade e ineficácia de tais 
 decisões.
 O requerimento de interposição de recurso é tempestivo, conforme nele alegado, e 
 aqui fica demonstrado. Ao recurso interposto não se aplica o art.º 754.º, n.º 2, 
 do CPC, ex vi seu n.º 3.
 
 6. A norma do art.º 666.º, n.º 1, do CPC, concretiza a garantia constitucional 
 da independência e imparcialidade dos tribunais, e da segurança jurídica 
 implícita no princípio do Estado de Direito consagrado no art.º 2.º da 
 Constituição. A norma que atribua competência a qualquer juiz para decidir sobre 
 a matéria da causa após decisão final, sem ser em cumprimento de decisão de 
 tribunal superior, é inconstitucional por violar as garantias e princípios. Uma 
 decisão proferida por qualquer juiz sobre a matéria da causa, que não o seja no 
 exercício de poder jurisdicional, é sempre recorrível para configurar uma 
 situação de incompetência absoluta.”
 
  
 
  
 
             A reclamação foi indeferida nos seguintes termos, pelo despacho de 
 
 19 de Abril de 2005:
 
  
 
 “O ora reclamante, após a notificação do acórdão da Relação de Coimbra proferido 
 em 14.12.04, que não conheceu por intempestivo do requerimento por si 
 apresentado na parte em que arguía a nulidade imputada ao acórdão de 19.10.04 e 
 ao pedido de notificação do despacho de fls. 740, vem agora recorrer para este 
 Supremo Tribunal destes três acórdãos.
 Dos acórdãos proferidos em 08.06.2004 19.10.04 não é admissível recurso para 
 este Supremo Tribunal por as respectivas decisões já terem transitado em 
 julgado.
 Como já tantas vezes se disse, dispõe o art.º 668.º, n.º 3 do CPC que “as 
 nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) só podem ser arguidas perante o 
 tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso 
 contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades…”.
 Daí, se a parte tiver arguido a nulidade do acórdão perante o tribunal que o 
 proferiu, já não pode depois impugná-lo pela via de recurso.
 Donde, a impugnação por esta via dever efectuar-se no prazo de 10 dias a contar 
 da notificação do acórdão a que se assaca uma nulidade.
 Prazo esse que, no respeitante aos acórdãos proferidos em 8.6.04 e 19.10.04, já 
 há muito se encontra ultrapassado.
 Assim sendo, o recurso fica inviabilizado no momento em que o ora reclamante 
 arguiu a nulidade dos acórdãos perante o tribunal que os proferiu.
 Vejamos agora se é admissível recurso do acórdão proferido em 14.12.04 ao abrigo 
 do art.º 678.º, n.º 2 do CPC, como pretende o reclamante.
 Segundo alega o reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso para 
 este Supremo Tribunal, os acórdãos de 8.6.04 e 19.10.04 são nulos por terem sido 
 proferidos por um tribunal hierarquicamente incompetente, uma vez que com a 
 prolação do acórdão de 19.02.2004 esgotou-se o poder jurisdicional de apreciação 
 da Relação. Depois, a incompetência absoluta em razão da hierarquia foi arguida 
 no requerimento sobre que recaiu o acórdão de 14.12.04, que sobre ela não se 
 pronunciou, daí este acórdão reiterar decisão proferida por tribunal 
 hierarquicamente incompetente.
 Não lhe assiste razão.
 Isto porque, não estarmos perante nenhuma incompetência em razão da hierarquia, 
 porquanto, se a Relação conheceu de questões de que já não podia conhecer por se 
 ter esgotado o seu poder jurisdicional de apreciação, tal não consubstancia uma 
 incompetência em razão da hierarquia, por ser a ela e não ao tribunal inferior 
 que compete conhecer dos recursos e seus desenvolvimentos ulteriores; logo, não 
 tem aplicação o disposto no art.º 678.º, n.º 2 do CPC.”
 
  
 
  
 
              O simples cotejo das partes transcritas da reclamação e da decisão 
 que sobre ela recaiu imediatamente revela que o recorrente não suscitou de modo 
 processualmente adequado, perante o órgão jurisdicional que proferiu a decisão 
 recorrida, a questão de inconstitucionalidade das normas que nesta foram 
 adoptadas como ratio decidendi do indeferimento da reclamação e, portanto, da 
 não admissão dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça. Efectivamente, só 
 se considera arguida uma questão desta natureza se o interessado a tiver 
 enunciado, com identificação da norma que se quer ver desaplicada e um mínimo de 
 substanciação quanto à sua desconformidade com normas ou princípios 
 constitucionais, em termos tais que o órgão jurisdicional deva saber que é 
 chamado a exercer o poder que lhe é conferido pelo artigo 204.º da Constituição. 
 Ora, não há nessa peça processual, designadamente nas passagens que a recorrente 
 indica no requerimento de interposição, qualquer censura de 
 inconstitucionalidade, com essas características, relativamente às normas que 
 fundaram o indeferimento da reclamação: o n.º 3 do artigo 668.º e n.º 2 do 
 artigo 678.º do CPC. Não satisfaz essa exigência a afirmação, que nem sequer é 
 referida a qualquer norma em concreto, em que genericamente se diz que “a norma 
 que atribua competência a qualquer juiz para decidir sobre a matéria da causa 
 após decisão final sem ser em cumprimento de decisão do tribunal superior é 
 inconstitucional por violar aquelas garantias e princípios” [A garantia 
 constitucional da independência e imparcialidade dos tribunais e da segurança 
 jurídica]. Aliás, ainda que se ligasse essa afirmação à referência ao n.º 1 do 
 artigo 661.º do CPC que consta do período que a antecede, essa não é a norma 
 aplicada no despacho de indeferimento do recurso, sendo, quando muito, uma das 
 razões da divergência com os acórdãos de que se pretende recorrer.
 
  
 
             O reclamante acrescenta que alegou as inconstitucionalidades que 
 pretende ver apreciadas na arguição de nulidade do despacho de 19 de Abril de 
 
 2005, que veio a ser apreciada pelo despacho de 2 de Junho de 2005. Sucede que 
 esse não seria o momento processualmente adequado para fazê-lo. Não estamos 
 perante uma daquelas situações, excepcionais ou anómalas, em que o recorrente 
 não tivesse disposto de oportunidade para suscitar a questão de 
 constitucionalidade das normas aplicadas na decisão de indeferimento da 
 reclamação antes de ela ter sido proferida, que foram apenas as dos n.ºs 3 do 
 artigo 668.º e do n.º 2 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, cuja 
 interpretação se não afastou daquilo com que seria razoável contar, desde logo 
 porque era o sentido que estava pressuposto no despacho do relator no Tribunal 
 da Relação que se queria ver revogado. E quanto às normas que a recorrente 
 identifica no n.º 2 do requerimento de interposição, como se afirma no despacho 
 de 2 de Junho de 2005 (fls. 27 e segs.) que indeferiu o pedido de reforma e 
 arguição de nulidade, nem o despacho proferido no Tribunal da Relação nem o 
 indeferimento da reclamação se basearam nelas para não admitir o recurso. 
 
  
 
  
 
             6. Decisão
 
             Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o 
 reclamante nas custas, fixando em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de justiça 
 respectiva.
 
  
 Lisboa, 25 de Outubro de 2005
 
  
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício
 
  
 
             
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 [ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050568.html ]