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Procº nº 100/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Sociedade C..., Ldª, impugnou a liquidação da quantia de Esc.
9.161.177$00 que lhe foi exigida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia a título de taxa municipal de urbanização pelo licenciamento de obras de construção particulares e de harmonia com o Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização aprovado por deliberação camarária de 3 de Dezembro de 1990 e homologado por deliberação da respectiva Assembleia Municipal datada de 10 de Janeiro de 1991.
Por sentença de 27 de Outubro de 1999, lavrada no 2º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, foi a impugnação considerada procedente.
Para tanto, e no que ora releva, nessa sentença escreveu-se assim:-
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Nos termos do art. 11º al. a) da Lei 1/87, de 06.01 (vulgo, Lei das Finanças Locais), em vigor à data da liquidação, os municípios podem cobrar taxas por realização de infra-estruturas urbanísticas.
Também o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo Dec.-lei n.º 448/91, de 29.11, com as alterações introduzidas pela Lei n.º
26/96, de 01.08, estabelece a sujeição ao pagamento de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais valias ou compensações do que as aí previstas no art. 16º (cf. art. 32º).
Nos termos do art. 242º da CRP, as autarquias locais dispõem de poder regulamentar, sendo a aprovação de regulamentos da competência das assembleias municipais sob proposta ou a pedido de autorização da câmara: art. 39º n.º 2 al. a) do Dec.-lei n.º 100/84, de 29.03, na redacção dada pela Lei n.º 18/91, de
12.06.
Prescreve ainda o art. 115º n.º 7 da CRP que os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva ou objectiva para a sua emissão (sublinhado nosso).
Neste contexto, tem o Tribunal Constitucional vindo a pronunciar-se, repetidamente, no sentido da inconstitucionalidade formal dos regulamentos que não contenham indicação expressa da lei habilitante, ou seja, da lei que visa regulamentar ou que lhes definem a competência, por violação do referido art.
115º n.º 7.
E, parafraseando Gomes Canotilho e Vital Moreira «Isto é assim, mesmo quando seja possível identificar a lei habilitante, pois a função da exigência de identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, a habilitação legal de cada regulamento) mas também a garantir a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo relevante à luz da principiologia do Estado de direito democrático.
Ora, analisado o Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, cuja cópia integral faz de fls. 59 a 77 destes autos, constata-se não conter o respectivo texto a indicação da lei habilitante.
Nesta perspectiva, é tal regulamento formalmente inconstitucional, incumbindo a este Tribunal a recusa da aplicação de qualquer das suas normas.
Consequentemente, porque fundamentada em norma formalmente inconstitucional, a liquidação da taxa aqui em causa não pode subsistir na ordem jurídica, impondo-se a respectiva anulação.
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2. Da sentença de que alguns passos se encontram transcritos recorreu para o Tribunal Constitucional o Representante do Ministério Público, o que fez por intermédio de requerimento do seguinte jaez:-
'O Representante do Ministério Público junto deste juízo, vem, nos termos dos art. 70, nº 1, alinea a, 72.º nº 1, alinea a e 72.º, nº 3 da Lei nº 28/82, de
15/11, interpor recurso da, aliás, douta sentença de fls. 81 e segs, relativamente à parte em que foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação das normas, as quais se me afiguram ser, atenta a não indicação explicita de nenhuma e por mero palpite, as dos artigos 2º., alinea b). 5º do regulamento de fls. 60 e segs. e respectiva tabela anexa.
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Tendo-se, já neste Tribunal, convidado o recorrente a precisar o requerimento de interposição de recurso, dados os termos que no mesmo se surpreendiam, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto veio aos autos indicar que o recurso se deverá reportar 'à recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade formal, decorrente de violação do artigo 115º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 1º, 2º, alínea b), 4º e 5º do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, enquanto definem a natureza e fins, a incidência e o cálculo da impugnada taxa, liquidada nos autos à recorrida'.
Determinada a feitura de alegações, rematou o recorrente a por si formulada com as seguintes alegações:-
'1º - Constando da ‘justificação’ da proposta regulamentar da taxa municipal de urbanização da Vila Nova de Gaia expressa menção da lei habilitante do regulamento que a aprova - e não havendo nos autos qualquer elemento que permita duvidar de que foi dada normal publicidade a tal texto, conjuntamente com o próprio articulado do regulamento, facultando-se aos interessados livre acesso ao documento que os incorpora -, deve considerar-se cumprido o requisito formal exigido pelo actual nº 8 do artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.
2º - A exigência de que, nos regulamentos independentes, se mencione a lei que define a competência objectiva e subjectiva para a sua emissão, não implica a necessária especificação do órgão autárquico competente para a respectiva aprovação, bastando que de tal norma legal se infira com segurança qual a matéria a regulamentar e qual a pessoa colectiva pública legitimada para a edição das normas regulamentares.
3º - Como se decidiu no acórdão nº 639/95 do Plenário deste Tribunal Constitucional, é lícito às autarquias locais o estabelecimento e cobrança de taxas de urbanização, como contrapartida da efectiva realização de infra-
-estruturas urbanísticas que visem facilitar a normal utilização das obras por eles realizadas, na sequência de anterior licenciamento.
4º - Tais receitas - independentemente do modo ‘presumido’ como são calculadas, com base em índices estabelecidos em regulamento - têm a natureza e estrutura sinalagmática, não se configurando como ‘impostos’, cujo estabelecimento está obviamente vedado às autarquias locais.
5º - A eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contrapartida ou contraprestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização, não a transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via da acção de incumprimento ou de restituição das quantias pagas.
6º - Termos em que deverá proceder o presente recurso'.
De seu lado, a recorrida Sociedade C... Ldª, concluiu a sua alegação do seguinte modo:-
'1- A exigência constitucional prevista no art.º 115.º nº 7 (actual
112.º nº 8) CRP visa garantir a segurança e a transparência jurídicas.
2 - O regulamento que não cita a lei habilitante, em termos de os destinatários ficarem a saber qual a norma ou normas que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, padece de inconstitucionalidade formal.
3 - Para que esta exigência seja cumprida é necessário que do próprio texto do regulamento conste a identificação da lei habilitante, quer subjectiva, quer objectiva.
4 - A justificação da lei habilitante constante da mera proposta de regulamento é insusceptível de cumprir esse requisito constitucional.
5 - Mesmo assim, essa proposta apenas indica as normas da lei de Finanças Locais e não à norma que atribui competência subjectiva à Câmara Municipal
6 - A taxa de urbanização ajuízada não pode ter o tratamento jurídico- -constitucional das taxas, mas o do imposto, e só a Assembleia da República ou o Governo por ela autorizado) a pode criar.
7 - A Taxa de urbanização ajuizada constitui contribuição ou tributo especial, sendo uma contribuição para maiores despesas.
8 - O pagamento da taxa de urbanização não dá direito a exigir do município que ele proceda ás correspondentes obras de manutenção e conservação nem ele se compromete a fazê-lo, se não a médio prazo, como, de resto, se confessa na justificação da proposta do Regulamento em causa.
9 - Além disso, o valor da taxa liquidada è manifestamente desproporcionado e, nenhuma relação tem com o custo do serviço prestado.
10 - Os critérios de determinação do montante da taxa elevam esta para 9.161.177$00 o que é absolutamente desproporcionado ao aumento de despesas que o município tem que suportar em consequência da obra que o recorrente quer fazer'.
Cumpre decidir.
II
1. As normas de cuja apreciação no presente aresto se cura encontram-se incluídas no denominado Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, aprovado na sessão da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia ocorrida em 10 de Janeiro de 1991 na sequência de uma proposta aprovada pela respectiva Câmara Municipal em reunião ordinária de 3 de Dezembro de 1990, sendo que tal Regulamento foi publicitado por intermédio de «edital» datado de 18 de Janeiro de 1991 e entrou em vigor decorridos dez dias deste última data.
Como se alcança dos autos, na aludida proposta, emanada da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foi efectuada uma «nota justificativa» onde, por entre o mais, se referia que '[n]o entanto e porque os encargos a satisfazer não podem definir-se caso a caso por forma incontroversa, o meio mais equitativo para melhorar a situação actual servindo a prazo o maior número de munícipes, é o da aplicação da TAXA MUNICIPAL de URBANIZAÇÃO pela realização de infraestruturas urbanísticas, ao abrigo da Lei das Finanças Locais (alínea a) do artigo 11º da Lei 1/87 de 6 de Janeiro)'.
Contudo, no Regulamento aprovado pela Assembleia Municipal daquele concelho em 10 de Janeiro de 1991 e no «edital» que o publicitou e a que acima se fez referência, não se lobriga qualquer indicação da «lei» (tomada esta no sentido substancial) habilitadora da respectiva emissão.
Na verdade, pode ler-se no mencionado «edital», no que ora releva:-
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
FAZ PÚBLICO com vista ao conhecimento geral dos habitantes do Concelho, que a Câmara Municipal da sua presidência aprovou o Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, na sua reunião ordinária de 3 de Dezembro passado, regulamento que foi igualmente aprovado na Sessão da Assembleia Municipal realizada no dia 10 de Janeiro de 1991 e que é do teor seguinte: REGULAMENTO DE TAXAS MUNICIPAIS DE URBANIZAÇÃO Artº. 1º. - NATUREZA E FINS Constitui TAXA MUNICIPAL DE URBANIZAÇÂO (TMU) a contraprestração devida ao Município pelas utilidades prestadas aos particulares para realização ou beneficiação das infra-estruturas urbanísticas consequentes às operações de Loteamento, Construção e Ampliação de edifícios e ainda de mudanças de utilização dos edifícios, designadamente as constantes nos Planos de Actividades. Artº. 2º. - INCIDÊNCIA A TAXA MUNICIPAL DE URBANIZAÇÂO incide sobre as seguintes operações: a) - Loteamento; b) - Construção de Edifícios; c) - Ampliação de edifícios existentes; d) - Alteração da utilização de edifícios existentes;
................................................................................................................................................................................................................................................................ Artº. 4º. - CÁLCULO DA TMU
1. O cálculo da TMU resulta da aplicação da seguinte fórmula: TMU (esc.)=S (m2) x C (esc./m2) x [(I 1 x Y) + (I 2 x W)] em que: S (M2) - é a superfície total de pavimentos prevista na operação, medida pelo extradorso das paredes exteriores, destinados ou não à habitação, excluindo anexos, garagens e pavimentos de vão de cobertura não habitáveis. C (esc./m2) - é o custo de construção por metro quadrado de área bruta de acordo com o referido no nº 7 da Portaria 828/88 de 29/12, aplicado à habitação a custos controlados. I 1 e I 2 - coeficientes que dependem do tipo de operação sobre que incide a TMU; (I 1 aplicado aos loteamentos e I 2 às construções, ampliações ou alterações de uso).
y - é um factor dependente da localização do loteamento por zonas do Concelho.
w - é um factor que depende do tipo de utilização das áreas construídas ou a construir.
2. - Os limites das zonas do Concelho a que se refere i factor Y, deverão ser aprovados pela Câmara Municipal quando se justificar a alteração dos respectivos valores por zona, tal como o estabelece a alínea b) do Artigo 6º.
3. - Os coeficientes e factores previstos no número anterior terão os seguintes valores: a) - C = 33.700$00 (para vigorar em 1991 até à publicação da Tabela anual que o actualize) (1). b) I 1 = 0,00 quando se trate da operação de construção, ampliação ou alteração de uso. c) - I 1 = 0,010 quando se trate de operações de loteamento. d) - I 2 = 0,00 quando se trate de operações de loteamento. e) - I 2 = 0.035 quando se trate de operações de construção, localizadas em lotes aprovados com base nos Decretos-Lei 289/73 ou 400/84 e que tenham sido sujeitos ao pagamento da anterior Taxa Municipal de Urbanização, aprovada em Outubro de 1988. f) - I 2 = 0.045 quando se trate de operações de construção, ampliação ou alteração de uso com excepção das localizadas em lotes aprovados pelos D.L.
289/73 ou 400/84 e que tenham sido sujeitos ao Pagamento da anterior Taxa Municipal de Urbanização, aprovada em Outubro de 1988. g) - y = 1,00 dentro do perímetro urbano da cidade. h) - y = 1,00 nas Orlas Marítima e Fluvial. i) - y = 1,00 nas restantes áreas do Concelho. j) - W = 0.50 quando se destine a habitação unifamiliar em que S/< 250 m2, ou a habitação multifamiliar quando a área bruta por fogo for inferior a 120 m2, incluindo em qualquer dos casos a áreas de garagem adestrita a cada habitação. l) - W = 0,80 quando se destine à restante habitação, indústria, armazéns e equipamentos colectivos, incluindo os de interesse turístico. m) - W = 1 ,00 quando se destine a comércio ou outros fins não previstos nas alíneas anteriores. Artº. 5º. TABELA DE APLICAÇÃO DA TMU
1. A fim de facilitar a determinação da TMU, a Câmara Municipal publicará anualmente e de acordo com os critérios do Artigo 4º, nºs 1 a 3, uma tabela de aplicação da TMU.
2. A tabela de cálculo da TMU a aplicar no ano de 1991 e até à publicação da Tabela anual que a substituirá, consta do anexo a este Regulamento.
3. O montante da Taxa a cobrar é o que resulta do produto da superfície total de pavimentos e licenciar (S) pelo valor da Tabela da TMU, em função do tipo de operação e da parcela a urbanizar, da área geográfica e do uso a licenciar.
4. Quando for dada à fracção ou ao prédio utilização diversa da inicialmente prevista e/ou quando se proceder à sua ampliação, será cobrada no momento da emissão da nova licença de utilização e/ou ampliação, a diferença entre o valor inicialmente pago e o que seria devido pala nova utilização e/ou pela