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Processo n.º 575/2011
 
 3ª Secção
 
 
 Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 
  
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 I – Relatório 
 
  
 
 
 
 1.  A. foi condenada, por acórdão do Tribunal Judicial de Castelo Branco, na pena de seis anos de prisão, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, nº 1, do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. 
 
 
 Antes da decisão condenatória fora proferida pelo Colectivo de Castelo Branco despacho de improcedência da arguição de nulidade dos meios de prova. 
 
 
 Inconformada, quer com a decisão final quer com o despacho atrás referido, veio A. deles interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra. 
 
 
 Nas alegações do recurso interposto do despacho de improcedência da arguição de nulidade do meio de prova – o único que agora interessa – disse a arguida: 
 
 
 
  
 
 
 
 1ª A arguida/recorrente não autorizou a extracção da droga oculta de forma endo-vaginal e que o corpo estranho foi extraído à arguida em cumprimento de ordem dada verbalmente pelo sr. procurador-adjunto, que não assistiu diligência. 
 
 
 
 2ª Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame (...) pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”. 
 
 
 Daí que o arguido possa ter de submeter-se a exame e a perícia – arts. 151° a 171º do C.P.P., desde que ordenada pela autoridade judiciária competente que preside à respectiva fase processual, neste caso, o M°P°. 
 
 
 No caso sub judicio, verifica-se que a decisão da autoridade judiciária foi verbal, sem justificação e explanação dos motivos e não foi efectuada na sua presença. Pelo que, não se pode considerar válida tal decisão do M°P° para compelir a recorrente a efectuar a extracção da droga. 
 
 
 
 3ª O tribunal “a quo” ao considerar válida a prova resultante da extracção da droga do corpo da recorrente, considerando válida a decisão do M°P° de compelir a arguida a exame, na interpretação que faz do art. 172° do C.P.P. viola o disposto nos artigos 26º, n°s 1 e 3, 18°, n°s 1, 2 e 3, 25º, n° 1, 27º, n°s 2 e 3, 32°, n° 8 CRP.
 
  
 
 
 O Tribunal da Relação, por Acórdão datado de 30 de Março de 2011, negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido. 
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 
 2.  Deste Acórdão recorreu a arguida para o Tribunal Constitucional. No respectivo requerimento de interposição – ao qual se seguia o que, no entender da arguida, seriam as correspondentes “motivações do recurso” – pedia-se que o Tribunal declarasse a inconstitucionalidade da “interpretação e aplicação que fazem dos artigos 126.º, nº 1 e 2, a) do CPP e 127.º do CPP, a qual viola disposto nos artigos 26.º, nºs 1 e 3, 18.º, nºs 1, 2 e 3, 25.º, nº 1, 27.º, nºs 2 e 3, 32.º, nº 8 da CRP, e consequentemente considerarem nula a prova resultante da extracção da droga oculta no corpo da recorrente de forma endovaginal”. 
 
 
 
  
 
 
 
 3.  Após ter proferido despacho alertando a arguida de que não poderiam ser consideradas as ditas “motivações de recurso”, dado o disposto no artigo 79.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), e ademais convidando-a a precisar, i.a., qual a “norma” cuja inconstitucionalidade pedia que o Tribunal apreciasse, e uma vez recebida a correspondente resposta, decidiu a relatora no Tribunal Constitucional, sumariamente, não admitir o recurso, por entender que faltavam no caso os correspondentes pressupostos de admissibilidade. 
 
 
 Desta decisão veio a arguida reclamar para a conferência nos termos do disposto no artigo 75.º-A da LTC. 
 
 
 Fê-lo nos seguintes termos; 
 
 
 
  
 
 
 A., arguida, melhor id. autos vem reclamar nos termos e para os efeitos previsto no art. 77° da Lei do TC, da decisão que indeferiu o requerimento de recurso, porquanto: 
 
 
 Considerou a sábia juíza relatora que indeferiu o recurso interposto pela recorrente, que não foram cumpridos os requisitos necessário à interposição de recurso (art. 75°-A da Lei do TC), apesar de ter aperfeiçoado o seu requerimento de recurso. 
 
 
 A recorrente nos seus modestos requerimentos de interposição de recurso para o tribunal constitucional, quer no inicial quer no aperfeiçoado (limitando-se ao solicitado/ordenado pela juiz relatora) indicou a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie e o sentido que o tribunal recorrido lhe deu, i.e. considerou o tribunal recorrido que o despacho “verbal” do M°P° está contido na previsão legal da norma cuja inconstitucionalidade e forma de interpretação que lhe foi dada se pretende submeter a julgamento junto de V.Exas. (cfr. Alegações de recurso para o tribunal constitucional apresentadas junto do tribunal da Relação de Coimbra e requerimento de aperfeiçoamento, para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidas.) 
 
 
 Além disso, a recorrente fez constar dos seus requerimentos a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, explicitando resumidamente o seu conteúdo, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade. 
 
 
 Por outro lado, a recorrente vem clamando desde a 1a instância pela inconstitucionalidade e nulidade da prova que lhe foi imposta (exame à sua intimidade feminina), através de um despacho verbal, via telefone. 
 
 
 Não se querendo colocar em causa o “zelo” do magistrado do Ministério Público, o qual de um modo célere pretendeu obter provas para a acusação “perfeita”, porém não nos podemos olvidar que estamos no âmbito de um processo crime, infamante e estigmatizante por natureza, pelo que todas as cautelas são poucas, por forma a que a justiça saia prestigiada, isto é num processo onde todos os direitos de defesa do arguido lhe sejam conferidos e as suas pretensões analisadas, sem recurso a qualquer meio processual que possa levantar qualquer dúvida e/ou turbe a imparcialidade de objectividade dos tribunais (“a mulher de César não é só sê-lo mas há que parecê-lo”). O despacho verbal do M°P° insere-se numa situação de clara dúvida, desconhecendo a recorrente em que altura foi proferido e quais os seus fundamentos. 
 
 
 Assim, quanto mais não seja a simples situação do despacho verbal, expressamente invocado pela recorrente como o sentido que não está contido na norma cuja inconstitucionalidade (sentido em que foi interpretada) se pretende que venha a ser decretado, com o qual se fundamentou a realização do exame efectuado à intimidade da arguida. 
 
 
 Face ao exposto, requer a V.Exas. se dignem deferir a presente reclamação, seguindo-se os ulteriores termos até final.
 
 
 
  
 
 
 
 4.  Notificado da reclamação, veio o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pugnar pelo seu indeferimento. 
 
 
 
  
 
 
 II – Fundamentação 
 
  
 
 
 
 5.  Nos termos dos artigos 280.º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70.º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), cabe recurso para o Tribunal de decisões de tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. 
 
 
 Significa isto que, no sistema português de controlo de constitucionalidade, não há lugar para o controlo de constitucionalidade de actos ou decisões dos poderes públicos (judiciais ou outros), pelo facto de serem eles próprios lesivos de direitos fundamentais. 
 
 
 No caso, e ao longo do processo, veio a arguida alegar que o concreto meio pelo qual fora colhida a prova durante o processo (extracção da droga oculta no seu corpo de forma endovaginal) violava vários direitos constitucionalmente tutelados. 
 
 
 Contudo, não chegou nunca a identificar, nem nas alegações de recurso perante o tribunal a quo, nem no próprio requerimento de interposição do recurso perante o Tribunal Constitucional (mesmo depois de aperfeiçoado), a norma cuja inconstitucionalidade (por violação dos referidos direitos, constitucionalmente tutelados) pedia que o Tribunal apreciasse. 
 
 
 
 É esta ausência – não desmentida pela presente reclamação – que motiva a manutenção da decisão, já tomada sumariamente, de não admitir o recurso interposto. 
 
 
 Com efeito, não havendo lugar em direito português para os chamados “recursos de amparo” ou “queixas constitucionais”, não pode o Tribunal Constitucional senão julgar da constitucionalidade de normas. Aquilo que, no presente caso, a arguida lhe pede – que considere nula, em consequência de um juízo de inconstitucionalidade incidente sobre a própria decisão judicial, em si mesma considerada, “a prova resultante da extracção da droga oculta no corpo da recorrente de forma endovaginal” – está portanto fora do âmbito das competências que lhe são conferidas pela Constituição e pela lei. 
 
 
 
  
 
 
 III – Decisão 
 
  
 
 
 Nestes termos, o Tribunal decide indeferir a reclamação 
 
 
 
  
 
 
 Custas pela recorrente, fixadas em 20 unidades de conta da taxa de justiça.
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 Lisboa, 24 de Agosto de 2011. – Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.