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Processo n.º 383/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
  
 Nos presentes autos de instrução criminal, os arguidos A., B. e C. interpuseram 
 recurso para o Tribunal Constitucional da decisão instrutória de fls. 21 394 a 
 
 22 051, “na parte em que julgou válidas as intercepções telefónicas em especial 
 quando se pronuncia pela não inconstitucionalidade do artigo 187/1 do CP” , 
 esclarecendo, após convite do relator, que “a interpretação normativa em causa 
 centra-se na susceptibilidade do artigo 187/1 do CPP ser inconstitucional quando 
 interpretado no sentido de ser permitida a obtenção e valoração de intercepções 
 telefónicas a arguidos detidos, em especial (mas não só) quando se traduzam em 
 conversas mantidas com os seus familiares a quem assiste o direito a não falarem 
 em sede de julgamento, quando (a) ela não for absolutamente imprescindível, (b) 
 e não haver, notícia segura de que, mesmo detido, o arguido prosseguirá o seu 
 intuito criminoso. 
 
  
 
             Por decisão sumária de fls. 22 125 e seguintes, não se tomou 
 conhecimento do objecto dos recursos, pelos seguintes fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 
 1. Recurso de constitucionalidade interposto por A. e outros ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 Da resposta ao despacho de aperfeiçoamento resulta que este recurso tem por 
 objecto o artigo 187º, n.º 1, do Código de Processo Penal “quando interpretado 
 no sentido de ser permitido a obtenção e valoração de intercepções telefónicas, 
 a arguidos detidos, em especial (mas não só) quando se traduzam em conversas 
 mantidas com os seus familiares a quem assiste o direito a não falarem em sede 
 de julgamento, quando […] ela não for absolutamente imprescindível […] e não 
 houver notícia segura de que, mesmo detido, o arguido prosseguirá o seu intuito 
 criminoso”.
 Ora, como decorre da alínea b) e também das outras alíneas do n.º 1 do artigo 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade só pode 
 ter por objecto normas, a estas podendo equivaler as interpretações normativas: 
 mas já não pode ter por objecto as próprias decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas.
 A interpretação normativa que os recorrentes pretendem que o Tribunal 
 Constitucional aprecie só formalmente o é, pois que se resume à própria decisão 
 judicial que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, admitiu a produção e 
 valoração de certo meio de prova: é a própria decisão judicial que os 
 recorrentes censuram, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional.
 Não pode, assim, conhecer-se do objecto do presente recurso, por tal objecto não 
 ser constituído por uma norma ou interpretação normativa e apresentar-se, como 
 tal, inidóneo.
 A isto acresce que a aparente interpretação normativa que os recorrentes 
 pretendem ver apreciada não foi, nos seus exactos termos, censurada, sob o ponto 
 de vista da sua conformidade constitucional, perante o tribunal ora recorrido: 
 perante este tribunal (cfr. as conclusões do requerimento de abertura de 
 instrução), os recorrentes censuraram a “interpretação de permitir que sejam 
 realizadas escutas telefónicas a arguidos detidos ou não, realizadas com os 
 familiares a quem a lei concede o direito a não falarem ou recusarem-se a depor, 
 seja em sede de produção de prova, ou da sua recolha, quando não se verifique 
 que sejam realizadas para impedir a continuação da actividade criminosa, ou 
 aquelas mesmas entidades não sejam elas próprias sujeitos activos dos crimes em 
 investigação”.
 Assim sendo, perante o tribunal recorrido não foi cumprido o ónus de suscitação 
 da questão de inconstitucionalidade, a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea 
 b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que, também por este 
 motivo, não pode conhecer-se do objecto do recurso.
 
 […]”
 
  
 Notificados da referida decisão sumária, dela reclamam agora os recorrentes para 
 a conferência, nos termos do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos (fls. 22 136 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 Fundamentos
 
 1º.
 Por decisão sumária foi decidido não conhecer-se do objecto do recurso 
 interposto pelos arguidos, B., C. e A., atento que segundo o senhor Juiz 
 relator: 
 a)     “A interpretação normativa que os recorrentes pretendem que o tribunal 
 constitucional aprecie só formalmente o é, pois que se resume à própria decisão 
 judicial que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, admitiu a produção e 
 valoração de certo meio de prova: é a própria decisão judicial que os 
 recorrentes cesuram, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional”.
 E 
 b)     “A interpretação normativa que os recorrentes pretendem ver apreciada não 
 foi nos seus exactos termos censurada, sob o ponto de vista da sua conformidade 
 constitucional, perante o tribunal ora recorrido”.
 
 2º.
 Não podem os arguidos estarem mais em desacordo com esta decisão, na medida em 
 que, não apenas o objecto do presente recurso não se fundamenta na apreciação da 
 conformidade constitucional da decisão judicial “in casu” da decisão 
 instrutória, como também a suscitação da conformidade constitucional na norma 
 jurídica em crise foi expressa e claramente colocada ao meritíssimo JIC que, 
 ajuizando da conformidade constitucional do artigo 187/1 do CPP, entendeu de 
 forma divergente daquela que entendem os arguidos. 
 Passemos então à demonstração, destas asserções: 
 i. Objecto do recurso. 
 
 3º.
 Quanto ao objecto do presente recurso este cinge-se de forma muito clara à 
 apreciação da constitucionalidade do 187/1 do CPP quando interpretado no sentido 
 de permitir que sejam realizadas e valoradas intercepções telefónicas aos 
 arguidos, depois destes terem sido detidos e em especial quando as mesmas sejam 
 realizadas relativamente conversas mantidas com os seus familiares a quem 
 assiste o direito de se recusarem a depor e não haver notícia segura de que o 
 arguido prosseguirá o seu intuito criminoso.
 Não se consegue acompanhar o raciocínio do senhor Juiz Conselheiro Relator 
 quando refere que, só formalmente o que está em causa é a apreciação da 
 constitucionalidade da norma quando interpretada no sentido de permitir ou não 
 aquela interpretação, dado que, materialmente o que está em causa é a apreciação 
 da decisão judicial. 
 Isto porque, o que está em causa no fundo é sempre a adequação da conformidade 
 constitucional de uma qualquer decisão judicial quando esta se louva em 
 determinada norma jurídica ou em determinada interpretação de uma dada norma 
 jurídica. 
 
 É evidente que o objectivo primário dos arguidos é destruir a decisão judicial, 
 contudo, não obstante, pretendem “in casu” sindicar a conformidade 
 constitucional de uma dada norma jurídica onde se alicerça ou fundamenta a 
 referida decisão judicial.
 ii. Suscitação da constitucionalidade da norma jurídica em crise. 
 
 4º. 
 Também conforme já se disse não se consegue acompanhar a decisão agora em 
 reclamação. 
 Basta atentar no RAI para se perceber que a questão foi sobejamente tratada 
 elencando-se não apenas uma dada interpretação mas também as fontes da mesma. 
 No RAI encontra-se pois plasmado o seguinte trecho:
 
 “Mas acresce... 
 
 15º.
 Importa porém acrescentar na sequência aliás do pensamento de Maria de Fátima 
 Mata Mouros, quando a páginas 85 e ss da obra citada refere, o que de seguida se 
 irá transcrever: 
 
 “Fará sentido prosseguir na intercepção de telefones de suspeitos que acabaram 
 afinal por ser detidos e OU apenas constituídos arguidos? Para a polícia, isto é 
 considerado de uma importância extrema, convencer os investigadores policiais do 
 contrário não tem sido tarefa fácil. Era, digamos assim uma prática de há muito 
 institucionalizada. Não merecia controvérsia nem sequer interrogação. 
 No entanto se pensarmos um pouco, logo concluiremos que não faz nenhum sentido 
 manter sob escuta um arguido já detido. Pior do que isso é um método francamente 
 desleal que, enquanto tá, só por isso deve merecer a reprovação do tribunal.
 
 (…)
 Interessa-me, sim, enquanto juiz, preservar a equidade do processo. E esta não 
 se compadece com a manutenção sob escuta de uma pessoa que, sendo arguido, 
 passou a gozar do estatuto do direito ao silêncio. Se pode recusar-se a prestar 
 declarações ao juiz de instrução criminal, que com direito este o mantém sob 
 escuta? Para que efeito permite que os agentes policiais o ouçam a trocar as 
 primeiras impressões referentes à detenção, que acabou de o surpreender, com os 
 familiares mais próximos, as pessoas da sua intimidade, ou, o que ainda é mais 
 comum, com o advogado que escolheu para o assistir no seu primeiro 
 interrogatório que terá inicio nas horas seguintes e a quem em breve passará 
 procuração? A tão proclamada confiança na justiça nem sempre será a primeira 
 reacção do suspeito à sua detenção. 
 Nesta parte, não se resiste a observar por exemplo as intercepções telefónicas 
 realizadas ao arguido Coronel D. onde inclusive se transcrevem para os autos, as 
 conversas havidas, após a sua detenção, com a sua filha e mesmo com o seu neto. 
 Mesmo sem interesse nenhum para os autos, as primeiras conversas, ficaram 
 registadas para a posterioridade, para todos aqueles que a elas quiserem aceder 
 e para se formarem convicções marcadamente desleais, incorrectas, 
 desnecessárias, eticamente censuráveis. 
 Os arguidos também são pessoas! 
 Acresce também que foram escutadas as conversas havidas com o próprio autor 
 destas linhas, (advogado) que, sem terem sido transcritas, (salvo melhor 
 opinião) ficaram na mente dos investigadores e sob o seu conhecimento, e mesmo 
 depois da policia já saber que o mesmo era advogado constituído pelos arguidos, 
 dado que percebe-se nas notas de algumas transcrições a associação das letras 
 VS, ao ora advogado de defesa. 
 Lamentável prática seguiu aqui a investigação, para não dizer nada mais grave... 
 
 
 Chegou-se a escutar jornalistas...Porquê? Era isto necessário. 
 Mas diz ainda Maria de Fátima Mata-Mouros: 
 
 É certo que nenhuma dessas conversas será seleccionada pelos investigadores para 
 transcrição. (pois não…? Dizemos nós!) Só um agente policial totalmente 
 inexperiente e ingénuo cairia nesse erro. (vejam-se as realizadas ao D. logo 
 após a detenção com os seus familiares). Mas a verdade é esta; por mais de uma 
 vez ouvi lamentar um aviso de não autorização de um tal prolongamento da escuta, 
 com a observação policial de ser naqueles momentos que, muitas vezes se acede à 
 informação mais preciosa. É claro que depois de ouvir ouvido está, mesmo que a 
 informação não seja transcrita para o processo e permaneça no segredo dos 
 investigadores.
 A lei não proíbe expressamente a manutenção do arguido sob escuta após a sua 
 detenção. 
 Nem por isso esta manutenção gozará sempre de cobertura legal.
 Ela poderá violar o direito ao silêncio do arguido estatuído na lei. Normalmente 
 violará. 
 Só em casos excepcionais a manutenção do arguido detido sob escuta ganhará 
 legitimidade:
 
 - se ela for mais uma vez absolutamente imprescindível. Será o caso por exemplo, 
 de já existir matéria no processo a exigir a intervenção policial (daí a sua 
 detenção), havendo, contudo, noticia segura de que, mesmo detido, o arguido 
 prosseguirá o seu intuito criminoso. Pense-se nas associações criminosas e 
 terroristas que, precisamente pela dinâmica própria que as caracteriza, não 
 soçobram com a detenção de um qualquer membro.
 Ora, é precisamente pela necessidade de deixar espaço para os casos de excepção 
 que o legislador, confiando na independência e imparcialidade do juiz, na sua 
 consciência de garante dos direitos e liberdades fundamentais, deixou ao 
 critério deste a autorização, controlo e domínio de um meio de prova 
 particularmente lesivo para os cidadãos.
 Para além destes casos verdadeiramente excepcionais, manter sob escuta um 
 arguido, já formalmente constituído como tal, e mesmo ouvido em primeiro 
 interrogatório judicial, evoca, os tempos longínquos em que a tortura para 
 obtenção da confissão constituía meio de prova legalmente admissível de 
 insubstituível eficácia. O tempo dos ordálios.
 Numa época em que a posse de telemóvel de acessório supérfluo, alinhando na 
 futilidade da imagem de  passou já, e de há muito a objecto comum e de 
 utilização tão vulgar como a do simples relógio no quotidiano de qualquer vulgar 
 mortal, a banalização de um meio de investigação como as escutas telefónicas 
 será absolutamente intolerável. Ela constituirá seguramente uma forma larvada de 
 obtenção de confissões não livres, como o classificou Manuel da Costa Andrade 
 
 (sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, p. 284)
 Ora, todos os aspectos negativos supra referidos, foram afinal apanágio desta 
 investigação no que concerne às escutas telefónicas, não apenas, não se cuidou 
 de observar o direito do arguido à sua não auto-incriminação, pois que foram 
 realizadas, se não todas, muitas delas, depois destes já terem sido constituídos 
 arguidos no processo, beneficiando naturalmente do direito do silêncio que se 
 inscreve na principio sagrado da sua presunção de inocência e bem assim no 
 direito que deve ser intransigentemente defendido da não auto-incriminação, como 
 foram feitas escutas a conversas trocadas com o seu defensor, como igualmente, 
 entre conversas de familiares, pessoas, a quem a lei reconhece inclusive o 
 direito de não falarem, mas que a ser admissível a escuta o foram afinal 
 forçados a fazer. 
 Aqui claramente, postergou-se o direito fundamental do filho ou do pai a não 
 testemunhar contra o outro, deixando entrar pela janela o que se quis barrar com 
 a porta. 
 Lamentável prática de investigação foi aqui seguida, sem que em momento algum 
 houvesse havido o cuidado de ponderar, nestas sibilinas questões, na ponderação 
 do direito a manter as intercepções ao longo de todo o tempo em que as sessões 
 ocorreram. 
 Percebe-se que claramente não houve um controlo efectivo por parte do JIC. Houve 
 o que é costume. 
 Autorizou-se tudo o que se pediu. Mas a consabida autoridade moral deste JIC 
 exigiria objectivamente muito mais. 
 Conforme a citada Autora a fls 45 da obra supra citada, 
 
 “Delatar o próprio filho, ainda que sem o saber não é fácil de aceitar.
 
 (...) Não faz sentido obter por outra via, mais precisamente à revelia do 
 visado, aquilo que o legislador fez depender da sua vontade: depor, de forma a 
 comprometer o seu familiar, ainda que o faça pelo telefone.” 
 Como segunda conclusão nesta parte, há-de pois dizer-se e concluir-se que as 
 intercepções telefónicas, realizadas em data posterior à constituição dos 
 arguidos, são nulas por violação do direito constitucionalmente protegido do 
 arguido a não falar e que se inscreve afinal no principio da presunção de 
 inocência a que se refere o artigo da 32/2 CRP. 
 Do que trata também é afinal da violação do princípio do processo equitativo, 
 
 “ex vi” artigos 20/4 e 32/1 da CRP e artigo 6 da CEDH. 
 Assume-se pois como inconstitucional, por violação dos artigos 32/2 da CRP o 
 artigo 187/1 do CPP quando interpretado no sentido de permitir que sejam 
 autorizadas intersecções telefónicas, de uma pessoa que já foi formalmente 
 constituída arguida, e não sejam absolutamente imprescindíveis para impedir a 
 continuação da actividade criminosa, e por violação do disposto nos artigos 32/1 
 e 20/ da CRP o artigo 187/1 do CPP na interpretação de permitir que sejam 
 realizadas escutas telefónicas a arguidos que detidos ou não, com os familiares 
 a quem a lei concede o direito a não falarem ou recusarem-se a depor em sede de 
 produção de prova, seja na audiência ou fora dela. 
 
 5º.
 Sinceramente não se consegue perceber porque é que se diz que a questão não foi 
 suficientemente suscitada.
 
 6º.
 Foi-o de forma expressa, foi-o, porque do processo constam, escutas 
 identificadas quer nos autos quer no próprio texto do RAI supra referido como 
 tendo sido levadas a cabo na forma pela qual entendem os arguidos que não o 
 poderiam ter sido, à luz da lei, à luz da interpretação normativa que entendem 
 que deve presidir sob pena de inconstitucionalidade, e foi censurada pelo 
 meritíssimo JIC quando em sede de despacho de pronúncia se pronuncia pela 
 inexistência de qualquer uma das inconstitucionalidades arguidas. 
 
 7º.
 Não existe uma grelha para preenchimento, de forma que a questão seja 
 devidamente suscitada, quando se encontre preenchido certos itens, salvo melhor 
 opinião, se o arguido em sede de RAI diz que certas escutas são nulas, porque 
 foi violado determinada norma constitucional, o que é que seria necessário dizer 
 mais? 
 O meritíssimo JIC chega a ser irónico no despacho de pronúncia quando se 
 pronuncia sobre a alegação dos arguidos centrada na violação do direito ao 
 silêncio dos arguidos, dizendo que era a primeira vez que tal, na sua vasta 
 experiência, viu alguém lembrar-se de alegar. 
 O facto do meritíssimo JIC não ter dito muito mais, desde logo perante a alegada 
 violação do direito a um processo equitativo e da violação do principio da 
 proporcionalidade, tal não pode significar que a questão não foi devidamente 
 colocada, pois que tal apenas significa que não se quis dizer muito. 
 Termos em que entendem pois os arguidos que o que está em causa é tão 
 simplesmente a apreciação da conformidade constitucional do artigo 187/1 do CPP 
 quando interpretado no sentido de permitir que sejam feitas e valoradas 
 intercepções telefónicas a arguidos detidos e sejam realizadas com o seus 
 familiares a quem assiste o direito de se recusarem a depor e em especial quando 
 não se afigure seguro que mesmo detido o arguido prossegue a actividade 
 criminosa, sendo que a questão foi devidamente, clara e expressamente colocada 
 em sede de RAI, em especial no trecho que supra se deixa transcrito. 
 Assim sendo, deve o douto despacho ser alterado por outro que admita o presente 
 recurso.”.
 
  
 
             À reclamação respondeu o representante do Ministério Público junto 
 do Tribunal Constitucional nos seguintes termos (fls. 22 146):
 
  
 
 “1° Na reclamação apresentada os reclamantes acabam por confirmar o bem decidido 
 na decisão sumária, enquanto entendeu que não se devia conhecer do recurso por 
 não ter sido suscitada uma verdadeira questão de inconstitucionalidade 
 normativa. 
 
 2° Efectivamente da transcrição que fazem do que haviam dito no requerimento de 
 abertura de instrução resulta que o que se põe em causa é a validade das escutas 
 face ao regime instituído no CPP e aos princípios constitucionais pertinentes. 
 
 3º Esclarecedor do que atrás dissemos é que os reclamantes dizem na conclusão e 
 que é o seguinte: “(...) as intercepções telefónicas, realizadas em data 
 posterior à constituição dos arguidos, são nulas por violação do direito 
 constitucionalmente protegido do arguido a não falar e que se inscreve afinal no 
 princípio da presunção de inocência a que se refere o artigo 32°, n°2, da CRP. 
 Do que se trata também é, afinal, do princípio do processo equitativo, “ex vi 
 artigos 20°, n°4 e 32°, n° 1, da CRP e artigo 6° do CEDH”. 
 
 4º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação”. 
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
             Na reclamação ora deduzida, insurgem-se os reclamantes contra a 
 fundamentação da decisão sumária, na parte em que não conheceu do recurso de 
 constitucionalidade interposto por A. e outros, por entenderem, contrariamente 
 ao aí sustentado, que o recurso tem por objecto uma interpretação normativa e, 
 bem assim, que os recorrentes suscitaram, durante o processo, a 
 inconstitucionalidade de tal interpretação.
 
  
 
             Recorde-se que o objecto do recurso é o artigo 187º, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal “quando interpretado no sentido de ser permitido a 
 obtenção e valoração de intercepções telefónicas, a arguidos detidos, em 
 especial (mas não só) quando se traduzam em conversas mantidas com os seus 
 familiares a quem assiste o direito a não falarem em sede de julgamento, quando 
 
 […] ela não for absolutamente imprescindível […] e não houver notícia segura de 
 que, mesmo detido, o arguido prosseguirá o seu intuito criminoso”.
 
  
 
             Segundo os reclamantes, este objecto ainda se traduz numa 
 interpretação normativa e não, conforme se disse na decisão sumária reclamada, 
 na própria decisão judicial que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, 
 admitiu a produção e valoração de certo meio de prova.
 
  
 
             Todavia, os reclamantes não fundamentam minimamente tal conclusão: 
 não explicam em que medida ainda é possível cindir a própria interpretação da 
 decisão impugnada, por forma a que só aquela, e não esta, seja apreciada pelo 
 Tribunal Constitucional (e sendo certo que o Tribunal Constitucional não possui 
 competência para apreciar a conformidade constitucional das decisões impugnadas, 
 em si mesmas consideradas).
 
  
 
             Tal explicação seria fundamental, porque não se vislumbra em que 
 medida se distingue a apontada interpretação da decisão do caso concreto, 
 atendendo ao seu carácter extremamente descritivo (ou seja, à sua vocação não 
 generalizadora) e consequente inaptidão para ser aplicada a outros casos 
 concretos. 
 
  
 
             Por outro lado, e no que diz respeito à alegada suscitação, durante 
 o processo, da questão de inconstitucionalidade, refira-se que, das passagens 
 transcritas pelos reclamantes, não se retira que tenham imputado, ao concreto 
 objecto agora em causa, e de forma suficientemente clara, a violação de normas 
 ou princípios constitucionais. 
 
  
 Em primeiro lugar, em parte nenhuma dessas transcrições se afirmou ser 
 inconstitucional o artigo 187º, n.º 1, do Código de Processo Penal “quando 
 interpretado no sentido de ser permitido a obtenção e valoração de intercepções 
 telefónicas, a arguidos detidos, em especial (mas não só) quando se traduzam em 
 conversas mantidas com os seus familiares a quem assiste o direito a não falarem 
 em sede de julgamento, quando […] ela não for absolutamente imprescindível […] e 
 não houver notícia segura de que, mesmo detido, o arguido prosseguirá o seu 
 intuito criminoso”.
 
  
 Em segundo lugar, a própria necessidade que os reclamantes sentiram de 
 transcrever extensas passagens de uma peça processual é bem demonstrativa da 
 forma pouco clara como colocaram a questão de inconstitucionalidade (que, 
 dir-se-ia, seria necessário extrair ou deduzir de uma série de considerações por 
 si tecidas).
 
  
 Por último, e como salienta o Ministério Público, nessa mesma peça processual (o 
 requerimento de abertura de instrução) concluíram os requerentes imputando a 
 inconstitucionalidade às próprias escutas realizadas, o que corrobora a 
 conclusão de que nenhuma inconstitucionalidade foi assacada a uma precisa 
 interpretação normativa.
 
  
 Assim sendo, improcede a argumentação dos reclamantes.
 
  
 
  
 III.      Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação, 
 mantendo-se a decisão sumária reclamada.
 
  
 
  
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 23 de Julho de 2009
 
  
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão