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Processo n.º 910/13
 
 3.ª Secção
 
 
 Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
 
 
 
 
 
  
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
 
 
      I - Relatório
 
 
 
  
 
 
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
 
 
 
  
 
 
 
 2. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente delimitou o respectivo objecto, nos seguintes termos:
 
 
 
 “(…) apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no art.º 407.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, com a interpretação que (…) defende que não se pode confundir a exigida inutilização do recurso com a inutilização dos actos processuais entretanto praticados porquanto o eventual provimento do recurso só anula os actos processuais posteriores que podem ser repetidos.”
 
 
 
  
 
 
 
 3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária, com a seguinte fundamentação:
 
 
 
 “(…) O recorrente não identifica a decisão recorrida, inequivocamente. Porém, dirige o requerimento de interposição de recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa e alude à decisão, com a qual não se conforma, como aquela que foi proferida nos autos e da qual foi notificado, inculcando assim a ideia que pretenderá referir-se à última decisão. Da conjugação de tais circunstâncias resulta que a decisão recorrida corresponde à decisão da reclamação, proferida em 9 de julho de 2013, pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
 
 
 
  Será nesta perspetiva que analisaremos o recurso interposto.
 
 
 
 (…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC). 
 
 
 Vejamos se tais requisitos se encontram presentes, relativamente ao recurso interposto.
 
 
 
 (…) O recurso de constitucionalidade apenas pode ter como objeto normas ou interpretações normativas.
 
 
 Em conformidade, incumbe ao recorrente autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo, que tenha sido utilizado como ratio decidendi pela decisão recorrida, reportando-o a uma determinada disposição ou conjugação de disposições legais.
 
 
 
  Tal enunciação terá necessariamente de corresponder a um dos sentidos extraíveis da literalidade do(s) preceito(s) escolhido(s) como suporte da norma ou interpretação normativa colocada em crise, devendo ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
 
 
 Ora, no presente caso, o recorrente, por um lado, manifestamente não cumpre o ónus de enunciar um específico critério normativo extraível de algum segmento do artigo 407.º do Código de Processo Penal; por outro lado, não seleciona, de forma suficientemente precisa, o suporte legal da questão que enuncia, já que alude ao artigo 407.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, sem qualquer outra especificação, não obstante o n.º 2 ser constituído por várias alíneas, sendo necessariamente plurinormativo.
 
 
 Na verdade, o recorrente limita-se a reproduzir uma afirmação constante da decisão recorrida – resultante de uma citação de outro aresto – sem curar de saber se a mesma traduz um critério normativo ou apenas – como é o caso - uma parte da argumentação desenvolvida, no sentido de fundamentar a escolha do sentido interpretativo decisivo para a solução de direito encontrada.
 
 
 Conclui-se, nestes termos, que, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente não conseguiu autonomizar e enunciar um verdadeiro critério normativo, reportando-o, de forma precisa, a um segmento de direito positivo suficientemente delimitado.
 
 
 Igualmente não conseguiu o recorrente enunciar, previamente, perante o tribunal a quo, um critério normativo – extraível de algum segmento do mesmo artigo 407.º do Código de Processo Penal – cuja constitucionalidade pretendesse ver apreciada, em primeiro lugar pelo tribunal recorrido e, posteriormente, se necessário, pelo Tribunal Constitucional.
 
 
 De facto, apenas refere, na reclamação – peça processual em que deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão de constitucionalidade que pretendesse ver apreciada - que a “interpretação dada pelo tribunal (…) que resulta da decisão que retém o recurso assim pendente” – interpretação que, em nenhum momento, o recorrente enuncia, de forma autónoma relativamente a circunstâncias casuísticas – é violadora de vários artigos da Constituição da República Portuguesa.
 
 
 Tal referência difusa não corresponde ao ónus de suscitação prévia a que alude o n.º 2 do artigo 72.º da LTC. 
 
 
 Aliás, concordantemente, o tribunal a quo não se pronuncia sobre qualquer questão de constitucionalidade normativa. 
 
 
 Deste modo, sempre estaria definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, ainda que, no respetivo requerimento de interposição, o recorrente tivesse conseguido enunciar um específico critério normativo, suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, o que – como já referimos – não ocorreu.”
 
 
 
  
 
 
 
 É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
 
 
 
  
 
 
 
 4. O reclamante começa por referir que resulta do seu requerimento de interposição de recurso que “a decisão recorrida tem por base a de 1.ª Instância e abrange a tese confirmativa expressa na decisão da Presidência do TRL”, sendo por isso a decisão da 1.ª Instância “básica e originariamente a decisão recorrida”, sem prejuízo de se considerar que a decisão da reclamação também se encontra “abrangida no recurso”.
 
 
 Mais refere o reclamante que “desde o primeiro momento recursivo, o respectivo requerimento apresentado na 1.ª Instância referente ao objecto que o enforma – o indeferimento de diligências tidas por essenciais pelo arguido – (…) encontra referência expressa e âncora jurídica na Constituição e nas Convenções Internacionais, bem como a alusão à subida imediata e ao efeito suspensivo do processo que se requeria (…)”.
 
 
 Acrescenta que não seria de exigir ao reclamante que formulasse em detalhe a interpretação normativa do Tribunal da 1.ª Instância, uma vez que tal interpretação não se encontra expressa no texto da referida decisão, apenas ficando minimamente delineada na instância seguinte.
 
 
 Tendo a decisão sumária, agora reclamada, fixado a análise apenas na decisão da Relação de Lisboa – e não também na decisão da 1.ª Instância – ficou inquinado o raciocínio seguido na respectiva fundamentação.
 
 
 Conclui o reclamante referindo que deverá ser admitido o recurso e apreciada a “invocação de errada interpretação normativa em confronto com a que foi exposta como correcta, com o sentido sucinto e genérico de que não pode cercear-se a um abstracto arguido os meios de prova que este convoca em sua defesa (…)”.
 
 
 
  
 
 
 
 5. O Ministério Público respondeu, pugnando pelo indeferimento da reclamação e manutenção da decisão sumária reclamada.
 
 
 
    
 
 
 Cumpre apreciar e decidir.
 
 
 
  
 
 
 
      
 
 
 
      II - Fundamentos
 
 
 
  
 
 
 
 6. A argumentação apresentada, na reclamação, não infirma a correcção do juízo plasmado na decisão sumária proferida.
 
 
 Desde logo, esclarece-se o reclamante que a interpretação feita pela decisão reclamada, quanto à identificação da decisão recorrida, corresponde à tese mais favorável ao recorrente, no contexto da equivocidade do requerimento de interposição de recurso.
 
 
 De facto, apenas relativamente à decisão da reclamação, proferida em 9 de julho de 2013, pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, se justificava uma análise da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, nos termos realizados, já que, quanto à decisão da 1.ª Instância, caso se perspectivasse a mesma como correspondendo à decisão recorrida, o juízo de inadmissibilidade do recurso seria imediato e liminar.
 
 
 De facto, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, “[c]ompete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida a admissão do respectivo recurso.”
 
 
 Decorre desta norma a obrigatoriedade de o recorrente dirigir o requerimento de interposição de recurso ao órgão jurisdicional competente para a sua admissão, ou seja, ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Por incumprimento deste ónus, por parte do recorrente, ficam irremediavelmente comprometidos os recursos que sejam dirigidos e admitidos por entidade incompetente.
 
 
 Aplicando as considerações expendidas ao presente caso, concluímos que a circunstância de o recorrente ter dirigido o requerimento de interposição de recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa determinou que o despacho aludido no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, incumbisse a tal tribunal que, concordantemente, o proferiu.
 
 
 Para obter a sindicância da constitucionalidade de critério normativo utilizado pela decisão de 1.ª Instância, impunha-se que o recorrente tivesse apresentado um segundo requerimento de interposição de recurso, autónomo e dirigido ao Tribunal de 1.ª Instância - o que não fez – ou, caso pretendesse que a sindicância recaísse sobre o mesmo critério normativo utilizado em duas instâncias distintas – como parece ser o caso, apesar de não ter conseguido a respectiva especificação - optasse por seleccionar, como decisão recorrida, aquela que corresponde à última pronúncia sobre a questão, dentro da ordem jurisdicional respectiva, ou seja, a decisão da instância superior. 
 
 
 Nestes termos, era perante o Tribunal da Relação de Lisboa que o recorrente deveria ter suscitado ou renovado a suscitação da questão de constitucionalidade que pretendesse ver apreciada, ónus que não cumpriu, como resulta explicitado na decisão reclamada.
 
 
 
  Pelo exposto e sendo certo que a decisão sumária proferida merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da presente reclamação.
 
 
 
  
 
 
 
      
 
 
 
      III - Decisão
 
 
 
  
 
 
 
 7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 31 de outubro de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
 
 
 
  
 
 
 Lisboa, 21 de janeiro de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.