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Processo n.º 930/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
             
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – Relatório
 
  
 
             1. A. propôs uma acção cível contra B., pedindo a condenação desta 
 em indemnização e restituição do sinal em dobro, com fundamento em incumprimento 
 de um contrato promessa. A ré contestou e reconveio, alegando não ter sido ela, 
 mas a promitente compradora, quem entrara em incumprimento e pedindo que lhe 
 fosse reconhecido o direito de fazer seu o sinal recebido.
 
  
 
             Na sentença de 1.ª instância entendeu-se não ter havido 
 incumprimento por qualquer das partes, sendo cada uma delas absolvida do pedido 
 que a outra formulara. Houve, recurso de ambas as partes, entendendo a Relação 
 que ambas tinham incumprido o contrato, condenando a ré a restituir em singelo à 
 autora o quantitativo que desta recebera a título de sinal. Por acórdão de 22 de 
 Janeiro de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça optou por uma terceira solução: 
 considerou incumprido o contrato promessa exclusivamente pela autora e 
 reconheceu à ré o direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal.
 
  
 
             2. Face a este acórdão, a autora apresentou um requerimento para 
 
 “julgamento ampliado da revista para uniformização de jurisprudência” com 
 fundamento em contradição do decidido com acórdãos anteriores proferidos pelo 
 mesmo Supremo Tribunal.
 
             Por acórdão de 1 de Abril de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça 
 decidiu indeferir “o requerimento para uniformização de jurisprudência”, 
 considerando que o julgamento ampliado da revista, previsto no artigo 732.º-A, 
 n.º 2, do CPC, tem de ser requerido antes de proferido o acórdão que julga a 
 revista e que o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência 
 previsto nos artigos 763.º e segs., não tem aplicação a processos instaurados 
 antes de 1 de Janeiro de 2008. O Supremo Tribunal de Justiça desatendeu, ainda, 
 a arguição de inconstitucionalidade do artigo 732.ºA do CPC e do artigo 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007, de 25 de Agosto, que a autora avançara no seu 
 requerimento. 
 
  
 
             3. A autora interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro (LTC), com vista à apreciação da constitucionalidade das 
 normas: 
 
             - Do artigo 732.º-A do CPC, quando interpretado no sentido de que o 
 requerimento das partes a que se refere o seu n.º 2 apenas pode ser apresentado 
 ate à prolação do acórdão que julga a revista;
 
             - Do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de 
 Agosto, enquanto reserva a possibilidade de recurso para uniformização de 
 jurisprudência, com base na nova redacção do artigo 763.º do CPC, aos processos 
 iniciados após 1 de Janeiro de 2008.
 
  
 
 4.      Prosseguindo o recurso, a recorrente alegou e conclui nos seguintes 
 termos:
 
  
 
 “III – Termos em que se formulam as seguintes conclusões: 
 
 1 - A norma contida no artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, na redacção 
 em vigor antes da vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, é 
 inconstitucional quando interpretada no sentido de não permitir requerer o 
 julgamento ampliado de revista após a prolação do acórdão, ainda que a decisão 
 do STJ tenha sido inovadora face às decisões das instâncias, nos casos em que 
 não seja admitido o recurso previsto na redacção actual dos artigos 763.º e ss. 
 do CPC, derivando a inconstitucionalidade da violação dos artigos 13.º e 20.º da 
 Constituição. 
 
 2 – Ainda que a Constituição não imponha a existência da possibilidade de 
 recurso para toda e qualquer decisão, seria inconstitucional a abolição 
 generalizada do sistema de recursos em Direito Civil, pois a consagração 
 constitucional da existência da hierarquia dos tribunais implica a existência de 
 um sistema de recursos, pelo que das decisões mais importantes (i.e., de valor 
 superior à alçada da Relação) tem de poder recorrer-se. 
 
 3 – Este direito de recurso deve existir quanto a decisões do STJ que sejam 
 contrárias às decisões das instâncias e que contrariem jurisprudência do mesmo 
 STJ quanto à mesma questão fundamental de Direito. 
 
 4 – É inconstitucional a norma do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/2007, de 24 de Agosto, quando interpretada no sentido de não ser possível o 
 recurso para uniformização de jurisprudência em relação aos processos pendentes 
 a 1 de Janeiro de 2008, por violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição. 
 
 5 – A uniformidade da jurisprudência dos tribunais superiores é um valor 
 necessariamente perseguido pelo sistema jurídico (cfr. Artigo 8.º do CC), pois é 
 emanação dos princípios constitucionais da igualdade e do Estado de Direito. 
 
 6 – Um sistema processual em que uma parte, confrontada com uma decisão 
 inovadora de um tribunal relativa a uma causa de valor superior à alçada da 
 relação, não tenha ao seu dispor nenhum meio de a impugnar, não é conforme à 
 Constituição, violando os artigos 2.º, 13.º e 20.º. 
 Termos em que devem ser declaradas inconstitucionais as referidas interpretações 
 dos artigos 732.º-A do Código de Processo Civil, na redacção em vigor antes da 
 vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e 11.º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e, em consequência, ser admitido o 
 requerimento de julgamento pelo plenário para uniformização de jurisprudência 
 ou, subsidiariamente, admitido o recurso nos termos do artigo 763.º do CPC.” 
 
  
 
  
 
             Também a ré, ora recorrida, alegou no recurso de 
 constitucionalidade, tendo concluído do seguinte modo:
 
  
 
 “IV. Conclusões 
 
 1. O presente recurso vem interposto pela Recorrente, A., do acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 4060/07, 1ª Sec, que 
 indeferiu o requerimento apresentado por esta em 1 de Abril de 2008. 
 
 2. Constitui objecto dos presentes autos a fiscalização concreta da (pretensa) 
 
 (in)constitucionalidade do artigo 732.º-A do CPC, por alegada violação do 
 princípio do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da CRP e do artigo 
 
 11.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, quando referente à 
 aplicação do artigo 763.º do CPC, por alegada violação do princípio da 
 igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. 
 
 3. A propósito do artigo 732.º-A do CPC, veio a ora Recorrente defender a 
 inconstitucionalidade da mesma, quando interpretada no sentido de não permitir 
 requerer o julgamento ampliado de revista após a prolação do acórdão, ainda que 
 a decisão do STJ tenha sido inovadora face às decisões das instâncias, derivando 
 a inconstitucionalidade da violação do artigo 20.º da CRP. 
 
 4. A propósito do referido note-se, antes de mais, que só tem sentido requerer 
 
 (e decidir) que o julgamento do recurso seja efectuado com a intervenção do 
 plenário das secções cíveis até ao final desse mesmo julgamento, ou seja, até à 
 prolação do acórdão, já que depois de haver acórdão, o julgamento terminou, 
 sendo bem diferente querer que um julgamento seja efectuado com a intervenção do 
 plenário e querer (como pretende a Recorrente) que haja um novo recurso para o 
 plenário das secções cíveis da anterior decisão do STJ, ou seja, mais uma 
 instância de recurso. 
 
 5. Com efeito, importa lembrar que os prazos processuais, e também assim o do 
 artigo 732.º-A do CPC, não são arbitrariamente fixados, mas antes estabelecidos 
 com vista a salvaguarda de interesses tão fundamentais quanto o acesso ao 
 direito, como sejam a segurança e a protecção da confiança, a que acresce a 
 indispensável estabilidade da ordem jurídica, devendo ser, nessa medida, 
 igualmente tutelados, nada impedindo que a Recorrente tivesse requerido o 
 julgamento do recurso com intervenção do plenário em tempo, outra tivesse sido a 
 sua cautela processual. 
 
 6. E contra essa inevitabilidade não aproveita sequer a abusiva e indevida 
 alegada analogia com a figura das “decisões surpresa” porquanto dos argumentos 
 invocados pela Recorrente para justificar a sua “surpresa”, rectius, o seu 
 descontentamento com a decisão, resulta apenas que aquela ficou «subjectivamente 
 surpreendida». 
 
 7. A este propósito, mais se refira que não se trata esta de uma discussão nova, 
 uma vez que a questão da (in)constitucionalidade do artigo 732º-A do CPC foi já 
 extensamente discutida em sede do Tribunal Constitucional, nomeadamente no 
 
 âmbito do Processo n.º 38/02, 3ª secção, acórdão n.º 261/02, de 18 de Junho de 
 
 2002 (decisão que se mantém inteiramente válida, não obstante as alterações 
 legislativas ao Código de Processo Civil que vieram a ter lugar no ano de 2007). 
 
 
 
 8. Esclarece tal decisão constitucional que, fora do Direito Penal não resulta 
 da Constituição, em geral, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de 
 decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do 
 princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente 
 consagrado no citado artigo 20º da Constituição, não existindo igualmente na Lei 
 Fundamental qualquer preceito ou princípio que imponha, dentro do processo 
 civil, a existência de um recurso para uniformização de jurisprudência. 
 
 9. Nestes termos, situa-se ainda o prazo disposto no artigo 732.º-A do CPC 
 dentro da margem de liberdade de conformação que a Constituição confere ao 
 legislador ordinário. 
 
 10. Mais se refira, em tom complementar, que, ao contrário dos receios da 
 Recorrente, nunca e em caso algum sairá precludido o valor fundamental do acesso 
 ao Direito, mesmo na hipótese (académica) de o recurso alargado a que a 
 Recorrente quis (fora de tempo) lançar mão constituir ainda parte integrante 
 daquele valor constitucional. 
 
 11. Assim, mesmo na hipótese de inércia das partes, sempre sairá assegurada a 
 segurança e a igualdade jurídicas por via da intervenção do Presidente do STJ e 
 do relator, por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, 
 todos eles sujeitos ao dever de requerer o julgamento ampliado quando exista a 
 possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com 
 jurisprudência anteriormente firmada. 
 
 12. Por último, vem ainda a Recorrente querer vislumbrar a inconstitucionalidade 
 
 (por violação do princípio da igualdade) da disposição transitória disposta no 
 artigo 11.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007, que prevê que as disposições do 
 presente Decreto-Lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua 
 entrada em vigor. 
 
 13. A este propósito, note-se desde logo que o princípio da igualdade não 
 proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou 
 seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, 
 que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de 
 valor objectivo constitucionalmente relevantes. 
 
 14. Mais assinala este Tribunal que só poderá haver violação do princípio da 
 igualdade quando da fixação do tempo de aplicação de uma norma decorrerem 
 
 “tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas, ou seja, o princípio 
 da igualdade não opera diacronicamente.  
 
 15. Ora, no caso concreto, estamos perante uma alteração do ordenamento 
 jurídico, mais precisamente do CPC. 
 
 16. Assim, e conforme decorre da natureza das coisas, em todas as alterações 
 legislativas existem «situações da vida» que convivem temporalmente com dois 
 regimes jurídicos distintos (por vezes até mais), sendo necessário, nestes 
 casos, optar pela aplicação imediata da nova lei ou pela manutenção das 
 disposições em vigor à data da constituição do facto originário. 
 
 17. Nestes termos, sendo racionalmente justificável que o direito às novas 
 formas de recurso seja atribuído tendo em conta o momento da propositura da 
 acção e fixação definitiva do quadro legal deve, então, entender-se ser ainda 
 esta uma opção que está dentro da margem de liberdade legislativa que se 
 reconhece ao legislador, não resultando do exercício da mesma a violação de 
 quaisquer princípios, designadamente do da igualdade. 
 
 18. Inexistem, pois, quaisquer inconstitucionalidades que devam ser julgadas 
 pelo Tribunal Constitucional, quanto às normas constantes dos artigos 732º-A do 
 CPC e artigo 11.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007.” 
 
  
 
  
 
             II- Fundamentos 
 
  
 
             5. Impõe-se um breve recordatório da mais recente evolução do regime 
 processual civil relativamente aos meios destinados a assegurar a uniformidade 
 de jurisprudência no que restritamente interessa às questões de 
 constitucionalidade colocadas no presente recurso.
 
  
 
             Tradicionalmente, o meio processual último para assegurar a 
 uniformidade de jurisprudência era, entre nós, constituído pelo denominado 
 recurso para o Pleno, regulado nos artigos 763.º e segs., do Código de Processo 
 Civil, que culminava na emissão de um assento pelo Supremo Tribunal de Justiça, 
 assento esse que o artigo 2.º do Código Civil enunciava entre as fontes de 
 direito, dotando a respectiva doutrina de força obrigatória geral (Cfr. sobre a 
 evolução histórica, doutrinária e dogmática do instituto, acórdão n.º 810/93, 
 publicado em no Diário da República, II Série, de 2 de Março de 1994). 
 Na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o instituto dos 
 assentos, mais proximamente da declaração de inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral do artigo 2.º do Código Civil, na parte em que conferia aos 
 tribunais a possibilidade de fixar doutrina com força obrigatória geral, operada 
 pelo acórdão n.º 743/96, publicado no Diário da República, I Série-A, de 18 de 
 Julho de 1996), o legislador da reforma do processo civil de 1995-96 
 
 (Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, alterado pelo Decreto Lei n.º 
 
 180/96, de 25 de Setembro) optou, não só por revogar totalmente o artigo 2.º do 
 Código Civil (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 329‑A/95), como por eliminar o 
 recurso para o tribunal pleno, revogando os artigos 763.º a 770.º do CPC. A 
 função específica de uniformização de jurisprudência, cometida ao Supremo 
 Tribunal de Justiça, passou a efectuar-se mediante um mecanismo que é o 
 
 “julgamento ampliado da revista” (aliás, também do agravo interposto em 2.ª 
 instância, mas essa é hipótese que não vem ao caso considerar), instituído pelo 
 artigo 732.º-A do Código e inspirado no “julgamento em secções reunidas” 
 previsto no também revogado n.º 3 do artigo 728.º do CPC. 
 
             Na redacção vigente até 31 de Dezembro de 2007, que é aquela que 
 está em causa no presente recurso de constitucionalidade por ser aquela que o 
 acórdão recorrido considerou aplicável, dispunha o artigo 732.º-A do CPC o 
 seguinte:
 
  
 
 “Artigo 732.º-A
 
 (Uniformização de Jurisprudência)
 
 1. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina, até à prolação do 
 acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das 
 secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a 
 uniformidade da jurisprudência.
 
 2. O julgamento alargado, previsto no número anterior, pode ser requerido por 
 qualquer das partes ou pelo Ministério Público e deve ser sugerido pelo relator, 
 por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, 
 designadamente quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução 
 jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no 
 domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.” 
 
  
 
             Na recente reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de 
 Agosto, do regime dos recursos em processo civil, embora mantendo-se a “revista 
 ampliada”,  foi reintroduzido, no Código de Processo Civil, um recurso por 
 oposição de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, à semelhança do que já se 
 concretizara no processo penal (artigo 437.º, n.º 1, do CPP) e no contencioso 
 administrativo (artigo 152.º, n.º 1, do CPTA), nos termos do artigo 763.º do 
 Código que passou a dispor:
 
  
 
 “Artigo 763.º
 
 (Fundamento do recurso)
 
  
 
 1. As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo 
 Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição 
 com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma 
 legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
 
 2. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito 
 em julgado, presumindo-se o trânsito.
 
 3. O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido 
 estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de 
 Justiça.” 
 
  
 
             No preâmbulo do diploma, o legislador justifica a solução nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 “Servem especificamente o propósito de uma maior uniformização da 
 jurisprudência: i) a obrigação que passa a impender sobre o relator e os 
 adjuntos de suscitar o julgamento ampliado da revista sempre que verifiquem a 
 possibilidade de vencimento de uma solução jurídica que contrarie jurisprudência 
 uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e, ii) a introdução de um recurso 
 extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno das secções 
 cíveis do Supremo quando este tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja 
 em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação 
 e sobre a mesma questão fundamental de direito.”
 
  
 Este recurso para uniformização de jurisprudência, que tem por objecto imediato 
 um acórdão do próprio Supremo, é agora expressamente qualificado pela lei como 
 tendo natureza de recurso extraordinário (artigo 677.º, n.º 2), sendo interposto 
 no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 
 
 764.º).
 
                         
 
             A reforma do regime de recursos em processo civil entrou em vigor em 
 
 1 de Janeiro de 2008 (artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007), mas não 
 se aplica aos processos pendentes, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007, norma transitória que dispõe: 
 
 “Artigo 11º
 
 (Aplicação no tempo)
 
  
 
 1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do presente 
 decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em 
 vigor.
 
 (…).”
 
  
 
             Há doutrina que propugna uma interpretação restritiva desta norma 
 transitória, considerando não haver razão para deixar de aplicar imediatamente 
 aos processos pendentes as regras do recurso extraordinário para fixação de 
 jurisprudência. Argumenta-se que “uma vez que tal instrumento visa dotar o 
 sistema de uma malha de acórdãos uniformizadores capazes de dar segurança na 
 tarefa de aplicação do direito, nenhum motivo racional explica que fiquem de 
 fora as decisões proferidas no âmbito de processo pendentes em 31 de Dezembro de 
 
 2007, relativamente às quais se verifiquem os mesmos requisitos de que a lei 
 nova faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário” (cfr. Abrantes 
 Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 433; Armindo Ribeiro 
 Mendes, “O Novo Regime Jurídico dos Recursos Cíveis”, Lusíada, Direito, Série 
 II, n.º 6, pág. 83 e segs.).
 
             Todavia, não foi esta a interpretação adoptada pelo acórdão 
 recorrido que optou pela interpretação e aplicação da regra de direito 
 transitório no seu sentido mais imediato. Assim, como a acção foi proposta antes 
 de 31 de Dezembro de 2007, apesar de o acórdão que julgou a revista ter sido 
 proferido já no âmbito de vigência da lei nova, considerou esta inaplicável ao 
 processo. O recurso para uniformização de jurisprudência só tem lugar 
 relativamente a acórdãos proferidos em processos instaurados no domínio da lei 
 nova. É matéria, a da melhor interpretação do direito infra-constitucional, em 
 que não compete ao Tribunal Constitucional interferir (salvo nas excepcionais 
 circunstâncias que justifiquem a imposição de uma “interpretação conforme” nos 
 termos do n.º 3 do artigo 80.º da LTC, o que manifestamente não se verifica no 
 caso).
 
  
 
 6. Embora igualmente ordenados a assegurar a uniformidade da jurisprudência – 
 directamente, da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e, 
 indirectamente, da jurisprudência dos tribunais da respectiva ordem 
 jurisdicional, mediante o efeito de precedente persuasivo qualificado e através 
 do alargamento da recorribilidade das decisões proferidas contra jurisprudência 
 uniformizada (cfr. n.º 6 do artigo 678.º do 
 CPC na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, e alínea c) do n.º 2 do 
 artigo 678.º na redacção actualmente vigente) –, o julgamento ampliado da 
 revista e o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência são 
 instrumentos processuais diferentes. 
 Basicamente, a “revista ampliada”, ou melhor o “julgamento ampliado da revista” 
 
 é uma forma de composição da formação de julgamento do recurso que se traduz num 
 modo mais solene ou mais participado de apreciação de determinado recurso 
 ordinário. O Presidente do Supremo determina que o julgamento da revista se faça 
 com intervenção do pleno das secções cíveis, de tal modo que, em vez da 
 intervenção de três juízes-conselheiros (cfr. artigo 37.º, n.º 1, da LOFTJ, 
 aprovada pela Lei n.º 3/99; actualmente, corresponde-lhe o artigo 45.º, n.º 1, 
 da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), todos os juízes em 
 exercício nas secções cíveis passam a ter participação na apreciação do caso, 
 sendo o quorum de julgamento de ¾ desses juízes (artigo 732.º-B do CPC). Embora 
 com especialidades de julgamento e tramitação, é um recurso de revista que tem 
 por objecto imediato um acórdão da Relação ou uma sentença de que se tenha 
 interposto recurso per saltum (artigo 725.º do CPC), como é próprio desta 
 espécie de recurso. 
 Diversamente, o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência 
 constitui uma nova instância de recurso que tem por objecto imediato, já não uma 
 decisão das instâncias, mas um acórdão proferido pelo próprio Supremo Tribunal, 
 que assim é submetido a revisão perante uma formação mais alargada do mesmo 
 tribunal. 
 Todavia, apesar da sua diversidade estrutural, aquela comum finalidade de 
 assegurar a uniformização de jurisprudência e os valores que lhe vão 
 co-envolvidos é prosseguida pelo mesmo expediente organizacional: em qualquer 
 deles a formação de julgamento é integrada pela totalidade dos juízes em 
 exercício de funções nas secções cíveis (as secções reunidas ou o pleno das 
 secções cíveis), com o mencionado quorum de funcionamento (cfr. artigos 732.º-A 
 e 732.º-B e artigo 770.º do CPC). 
 
  
 
             7. A recorrente apresentou, após o Supremo ter proferido o acórdão 
 
 (de 22 de Janeiro de 2008) que julgou a causa em sentido que lhe foi 
 desfavorável (em recursos de revista cruzados), um requerimento de “recurso para 
 uniformização de jurisprudência” que o acórdão recorrido (de 1 de Abril de 2008) 
 optou por analisar, em conformidade com a fundamentação para tanto apresentada 
 pela requerente, na perspectiva de um e outro daqueles instrumentos processuais. 
 Recusou a primeira via por uma razão de ordem funcional: o requerimento só é 
 admissível até ao julgamento e a revista já fora julgada. E o segundo com um 
 argumento conjuntural: há norma expressa (direito material transitório) que não 
 permite o recurso para uniformização de jurisprudência relativamente a decisões 
 proferidas em processos já pendentes à data da entrada em vigor da nova lei que 
 
 (re)introduziu o recurso por oposição de acórdãos.
 
             Sendo a competência do Tribunal Constitucional no recurso de 
 fiscalização concreta previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC 
 restrita às questões de constitucionalidade das normas aplicadas pela decisão 
 recorrida, não lhe cabendo interferir na interpretação e aplicação do direito 
 ordinário e na concreta conformação da lide e tendo o tribunal a quo apreciado o 
 requerimento da recorrente por referência às duas possibilidades de intervenção 
 do pleno das secções cíveis com vista a assegurar a uniformidade da 
 jurisprudência (revista ampliada e recurso extraordinário por oposição de 
 acórdãos), cumpre apreciar as questões de constitucionalidade que a recorrente 
 identifica e que correspondem, efectivamente, às normas que constituíram a ratio 
 decidendi do acórdão recorrido, tal como interpretou a pretensão da recorrente e 
 entendeu responder-lhe.
 
  
 
             Aliás, pelo acórdão n.º 484/2008, que recaiu sobre a reclamação do 
 despacho quem não admitira o recurso de constitucionalidade, este Tribunal 
 deferiu totalmente a reclamação, o que constitui caso julgado quanto à 
 admissibilidade do recurso quanto às duas questões que a recorrente pretende 
 submeter a apreciação (n.º 4 do artigo 76.º da LTC).
 
             
 
             8. Cumpre, pois, começar por apreciar a constitucionalidade da norma 
 do artigo 732.º-A, quando interpretado no sentido de que o requerimento das 
 partes a que se refere o seu n.º 2 apenas pode ser apresentado ate à prolação do 
 acórdão que julga a revista. 
 
  
 
             Sobre esta questão já o Tribunal se pronunciou no acórdão n.º 
 
 261/02, publicado no Diário da República, II Série, 24 de Julho de 2002, em que 
 se concluiu pela não inconstitucionalidade da norma assim interpretada com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “10. Julgamento do objecto do recurso.
 
 É o artigo 732º-A do Código de Processo Civil inconstitucional, por violação do 
 artigo 20º, nº 1 da Constituição, quando interpretado em termos de o 
 requerimento das partes a que se refere o nº 2 apenas poder ser apresentado até 
 
 à prolação do acórdão que julga a revista?
 Manifestamente que não.
 Desde logo porque, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, fora do 
 Direito Penal não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia genérica 
 de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte 
 integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à 
 justiça, expressamente consagrado no citado artigo 20º da Constituição.
 Como se ponderou, mais recentemente, no Acórdão nº 415/01 (Diário da República, 
 II Série, de 30 de Novembro de 2001), reiterando anterior jurisprudência deste 
 Tribunal, designadamente a constante do Acórdão nº 202/99, aprovado em plenário 
 
 (Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001):
 
 “(...)
 O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e aos 
 tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não 
 podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’. Tal 
 direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei 
 aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, 
 e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz 
 respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a 
 insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e 
 ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes 
 direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais 
 de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou 
 bastará um grau de jurisdição?
 A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso 
 para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; 
 e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei 
 Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a 
 menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, 
 aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual 
 a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida 
 
 (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das 
 garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes 
 têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de 
 direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, 
 liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito 
 penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital 
 Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 
 
 16, pág. 505).
 Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir 
 ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este Tribunal 
 tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual 
 Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição 
 uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no 
 topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 
 
 210º), terá de admitir-se que ‘o legislador ordinário não poderá suprimir em 
 bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos’ (cfr., a este propósito, 
 Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 
 
 340/90, id., vol. 17, pág. 349).
 Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode 
 concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a 
 faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. 
 Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a 
 existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados 
 Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº 
 
 359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88, 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307).
 
 (...)”. (Sublinhados nossos).
 
          Assim, já no Acórdão nº 574/98 (Acórdãos, 41º, 149, 162) se afirmou 
 
 “que não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro 
 do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de 
 jurisprudência”. 
 O que vai dito, que mantém inteira validade, é suficiente para concluir pela 
 improcedência da alegação do recorrente. Efectivamente, a exigência de que o 
 requerimento a que se refere o nº 2 do artigo 732º-A do CPC seja apresentado até 
 
 à prolação do acórdão final pelo Supremo Tribunal de Justiça, como condição de 
 admissibilidade do julgamento ampliado de revista para efeitos de uniformização 
 de jurisprudência, situa-se claramente dentro da margem de liberdade de 
 conformação dos recursos que, como vimos, a Constituição confere ao legislador 
 ordinário.
 A concluir, apenas se acrescenta que também não procede a alegação de que na 
 prática tal solução normativa inviabilizará a possibilidade de as partes 
 requererem o julgamento ampliado de revista, por só poderem ter conhecimento da 
 
 “possibilidade de vencimento da solução jurídica que esteja em oposição com 
 jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a 
 mesma questão de direito”, que é pressuposto daquele julgamento ampliado de 
 revista, já depois de proferida a decisão final.
 Como, muito bem, se demonstra no acórdão recorrido – e tem também sido afirmado 
 repetidamente por este Tribunal Constitucional a propósito da exigência de 
 suscitação da questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão 
 recorrida – é efectivamente exigível às partes que analisem as diversas 
 possibilidades interpretativas que previsivelmente possam vir a ser utilizadas 
 pelo tribunal de forma a adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, 
 em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, 
 salvaguardar a defesa dos seus direitos.”
 
  
 
             É este o entendimento que se mantém, uma vez que a argumentação da 
 recorrente não logra abalar os seus fundamentos, designadamente aquele que 
 constitui o seu ponto fulcral e que consiste em que a garantia de tutela 
 jurisdicional efectiva (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição) não implica a 
 garantia genérica de recurso das decisões jurisdicionais em matéria cível e, 
 menos ainda, compreende o direito fundamental a um grau de jurisdição que 
 envolva a intervenção de uma formação qualificada do Supremo Tribunal de Justiça 
 para prevenir ou resolver conflitos de jurisprudência. 
 
  
 
             É certo que a garantia de acesso aos tribunais pressupõe dimensões 
 de natureza prestacional, designadamente a criação de órgãos judiciários e 
 processos adequados a permitir uma decisão fundada no direito (quer seja 
 favorável, quer desfavorável às prestações deduzidas em juízo). E, por outro 
 lado, também não sofre dúvidas a afirmação de que, embora em tensão com a 
 responsabilidade última de cada juiz pela decisão e sem prejuízo da função da 
 jurisprudência na sua realização evolutiva, a aplicação uniforme do direito por 
 parte dos tribunais é uma exigência de realização dos valores de segurança e 
 certeza jurídicas ínsitos no princípio do Estado de Direito. A circunstância de 
 a Constituição não impor um determinado modelo processual, designadamente um 
 meio ou uma configuração do recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça que 
 seja especificamente destinado a prevenir ou resolver conflitos de 
 jurisprudência, não significa que o legislador seja inteiramente livre na 
 conformação dos meios que crie com essa finalidade. Mesmo onde não concretize 
 imposições constitucionais de legislar, tendo optado por estabelecer um certo 
 procedimento - na hipótese sob exame um procedimento finalisticamente orientado 
 para prevenir divergências na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 
 mediante a imposição de deveres (aos juízes da formação em que o conflito se 
 preveja), a concessão de faculdades (às partes) e a atribuição de poderes (ao 
 Presidente) para fazer intervir uma formação alargada de julgamento – o 
 legislador não pode fixar pressupostos processuais desnecessários, não adequados 
 ou desproporcionados.  Essa exigência de racionalidade na conformação dos meios 
 processuais, ainda que constitucionalmente facultativos, encontra suporte 
 constitucional no direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP). 
 
 
 
  
 
             Todavia, não pode dizer-se que, na regulação global da iniciativa 
 conducente à decisão de submeter o recurso ao pleno das secções constante do 
 artigo 732.º-A, a imposição de que o requerimento da parte seja formulado em 
 momento anterior ao julgamento se apresente como desrazoável ou arbitrária. 
 Aliás, no caso, nem sequer se disse que o requerimento tinha de estar contido 
 nas alegações (ou contra-alegações), mas somente que não poderia ser posterior 
 ao julgamento da revista. Efectivamente, esse é o mínimo de anterioridade para 
 que o recurso se mantenha conforme ao modelo pelo qual o legislador optou, na 
 liberdade constitutiva e conformadora que a Constituição lhe deixa em matéria de 
 estruturação dos recursos e do acesso ao órgão máximo da jurisdição cível.  
 Na verdade, depois de proferida pelo Supremo a decisão alegadamente desconforme 
 
 à sua jurisprudência anterior o recurso fica julgado. Pode dispor-se de um meio 
 para resolver o conflito de jurisprudência, mas já não será o julgamento da 
 revista (daquele recurso de revista interposto de uma decisão das instâncias), 
 mas a revisão do decidido pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça. Tendo o 
 legislador optado por eliminar o recurso fundado em oposição de acórdãos, a 
 norma do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC conferia a qualquer das partes, em plena 
 igualdade de circunstâncias, a faculdade de desencadear a intervenção do pleno 
 das secções cíveis, pelo que não viola o princípio da igualdade, nem o direito a 
 um processo equitativo.
 
  
 
             9. Argumenta em especial a recorrente que, num sistema processual 
 que não comporte uma modalidade de recurso por oposição de julgados (como foi o 
 vigente entre as reformas do processo civil de 1995-96 e de 2007), a exigência 
 de que o julgamento em formação alargada seja requerido antes de proferida a 
 decisão que julga a revista deve ser afastada quando a decisão tomada constitua 
 uma surpresa para a parte, de tal modo que esta não tenha disposto de 
 oportunidade efectiva de provocar a intervenção do pleno.
 
             Esta argumentação sofre de um erro essencial que é supor uma leitura 
 do artigo 20.º da Constituição que dele fizesse emergir um «direito ao recurso» 
 que aqui seria um “direito ao recurso» para o Pleno das secções cíveis.         
 Ora, como já se deixou dito, no específico domínio do processo civil, tem este 
 Tribunal um vasto e consolidado património decisório cujo sentido básico se 
 expressa no entendimento de que o direito ao recurso (nas suas diversas 
 manifestações) é “restringível pelo legislador ordinário”, estando-lhe apenas 
 
 “vedada a abolição completa ou afectação substancial (entendida como redução 
 intolerável ou arbitrária)” deste, sendo que o texto constitucional “não 
 garante, genericamente, o direito a um segundo grau de jurisdição e muito menos, 
 a um terceiro grau” (citações extraídas do acórdão nº 287/90).
 
  
 
             De todo o modo sempre se acrescentará que, mesmo no plano em que 
 coloca o problema, a recorrente não tem razão. Com efeito, ou o sentido da 
 decisão tomada no recurso de revista surge na sequência da discussão travada no 
 processo e no contexto das questões aí tratadas e das alternativas decisórias em 
 disputa e, nesse caso, a parte interessada poderia precaver-se contra a 
 possibilidade de fazer vencimento um entendimento contrário à jurisprudência 
 anterior do Supremo, requerendo oportunamente a intervenção da formação 
 alargada, ou essa decisão resulta do tratamento inovador no acórdão que julga a 
 revista de questões não versadas e, então, o vício residirá no proferimento de 
 tal decisão em violação do dever de audição prévia (artigo 3.º do CPC : 
 proibição da decisão-surpresa), não na exigência imposta pela norma em 
 apreciação ( Cfr., neste sentido, sobre as vias de reacção da parte prejudicada 
 pela inobservância das regras conducentes ao julgamento ampliado da revista, 
 Isabel Alexandre, “Problemas Recentes da Uniformização da Jurisprudência em 
 Processo Civil”, Revista da Ordem dos Advogados, maxime p. 143-144)
 
  
 
 10. Resta apreciar a constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, na interpretação de que o recurso 
 extraordinário para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 763.º do 
 Código de Processo Civil na redacção emergente do mesmo diploma legal, não é 
 aplicável aos processos pendentes em 31 de Dezembro de 2007.  
 A recorrente censura esta solução normativa -  aliás, com argumentação que não 
 se distingue claramente daquela que mobiliza para atacar a norma do artigo 
 
 732.º-A do CPC –, alegando, no essencial, que a uniformidade da jurisprudência 
 dos tribunais superiores é um valor necessariamente perseguido pelo sistema 
 jurídico, sendo emanação dos princípios constitucionais da igualdade e do Estado 
 de Direito e que um sistema processual em que uma parte, confrontada com uma 
 decisão inovadora de um tribunal relativa a uma causa de valor superior à alçada 
 da relação, não tenha ao seu dispor nenhum meio de a impugnar viola os artigos 
 
 2.º, 13.º e 20.º da Constituição. 
 
  
 
             Vale a propósito desta questão o que anteriormente se deixou dito 
 sobre a larga margem de discricionariedade do legislador ordinário na 
 conformação dos meios de impugnação das decisões judiciais e da inexistência de 
 um ilimitado direito ao recurso de todas as decisões. Importa apenas versar o 
 que lhe pode ser mais directamente pertinente, que é a alegada desconformidade 
 com o princípio da igualdade e com o princípio de Estado de Direito.
 
             
 
 É exacto que ao Supremo Tribunal de Justiça, como órgão superior da hierarquia 
 dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal 
 Constitucional (art.º 210.º da CRP) compete, além da comum função de julgamento 
 do caso individual que compartilha com todos os tribunais, a função específica 
 dos supremos tribunais que consiste em procurar assegurar a unidade da ordem 
 jurídica mediante a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos 
 tribunais. Princípio da uniformidade da jurisprudência que se entende sem 
 prejuízo da independência decisória e da liberdade judicativa das instâncias 
 jurisdicionais e da abertura a novas necessidades e a novos problemas da prática 
 jurídica que exijam a assimilação de novos critérios jurídicos. Mas que merece 
 tutela sob pena de os valores da segurança jurídica e da igualdade sofrerem 
 intolerável erosão no momento da aplicação da lei pelos tribunais. O Supremo é 
 chamado a desempenhar, dizendo-o como CASTANHEIRA NEVES, O Instituto dos 
 
 “Assentos” e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, p. 658, a tarefa de 
 
 “conjugar a estabilidade com a continuidade na unidade e como unidade 
 
 (prático-normativa), embora uma estabilidade que, como sabemos, não é nem deverá 
 ser fixidez e uma continuidade que não é nem deverá ser imutabilidade”. Para 
 essa função específica do Supremo Tribunal de Justiça contribuem, no modo 
 organizativo, a unicidade orgânica e a qualificação funcional dos seus Juízes 
 
 (inerente aos critérios de recrutamento e selecção) e, no plano processual, 
 instrumentos como os referidos julgamento ampliado da revista e recurso por 
 oposição de julgados.
 Porém, a mais do que aquilo que resulta da consagração constitucional da 
 hierarquia dos tribunais, trata-se de finalidade prosseguida pelo direito de 
 organização judiciária e processual infra-constitucional. E, ainda que se 
 considere possível retirar da Constituição, designadamente dos princípios da 
 segurança jurídica e da igualdade, a imposição ao legislador de um dever de 
 consagrar medidas organizatórias e instrumentos processuais especificamente 
 ordenados à prossecução do interesse da uniformização da jurisprudência,  
 tratar-se-á sempre de uma exigência de protecção institucional objectiva da 
 unidade da ordem jurídica, não de um direito subjectivo ou situação activa 
 equiparada dos cidadãos ( de cada cidadão litigante) a deduzir uma pretensão 
 dirigida à manutenção ( ou pelo menos à uniformização ) da jurisprudência. Como 
 no Acórdão nº 574/98 (Acórdãos, 41º, 149, 162) se afirmou “ não existe na Lei 
 Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro do processo civil, a 
 existência de um recurso para uniformização de jurisprudência”, pelo que não 
 pode considerar-se violados os preceitos constitucionais que a recorrente invoca 
 por lhe não ser aberta tal via processual. 
 
  
 
             11. O que, com maior credibilidade argumentativa, poderia 
 perspectivar-se por confronto com o princípio da igualdade seria o facto de, 
 perante decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão 
 fundamental de direito tomadas a partir do momento em que foi reintroduzido o 
 recurso por oposição de acórdãos, a uns interessados ser possível interpor 
 recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (obviamente, em 
 ordem a obter que a divergência se resolvesse em sentido favorável à sua 
 pretensão) e a outros não assistir tal faculdade, apenas em função do momento em 
 que a acção foi instaurada. Abreviando o passo, saber se passa o teste da 
 proibição do arbítrio a norma transitória que escolhe como factor determinante 
 para negar este recurso – cuja (re)introdução pelo legislador significa o 
 reconhecimento do seu contributo para a melhor aplicação do direito – o facto de 
 o processo onde a decisão é proferida se encontrar  já pendente à data da 
 entrada em vigor da lei nova. 
 
  
 
             Como é de uso repetir-se, o princípio da igualdade consagrado no n.º 
 
 1 do artigo 13.º da Constituição, enquanto princípio vinculativo da lei, 
 traduz-se na ideia geral de proibição de arbítrio. O que ele proíbe ao 
 legislador não é que estabeleça distinções: proíbe-lhe, isso sim, que estabeleça 
 distinções de tratamento materialmente infundadas, irrazoáveis ou sem 
 justificação objectiva e razoável.
 No caso, o factor de diferenciação escolhido, no que concerne ao recurso para o 
 Pleno das secções cíveis, é o momento em que a acção foi proposta. O legislador 
 pretendeu resolver os complexos problemas de aplicação da lei processual no 
 tempo mediante uma norma de direito transitório que assegurasse que nas acções 
 propostas antes da entrada em vigor da lei nova os interessados conservassem 
 
 (positiva e negativamente) os meios de impugnação das decisões judiciais nela 
 proferidas que lhes eram reconhecidos no domínio da lei antiga. Esta solução não 
 se mostra irrazoável, sem justificação objectiva ou fundamento material, sendo 
 inspirada por óbvias preocupações de certeza e segurança jurídicas e de 
 protecção da confiança. Com efeito, há que ter presente, além de que a 
 estratégia processual das partes pode ter-se orientado em função dos meios 
 impugnatórios existentes, o facto de ao interesse de uma das partes em mais uma 
 via de recurso se contrapôr o interesse da outra parte em dar a discussão por 
 finda com a decisão que se lhe revela favorável. Assim, a ponderação legislativa 
 que levou à referida norma de direito transitório que torna a lei nova 
 inaplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, mesmo na 
 parte em que introduz a faculdade de recurso para o pleno das secções cíveis 
 para uniformização de jurisprudência, pode ser solução de mérito duvidoso, mas 
 não pode ser apodada de arbitrária.
 
  
 
             Em conclusão, nenhuma das normas sujeitas a fiscalização concreta de 
 constitucionalidade viola o disposto nos artigos 2.º, 13.º e 20.º da 
 Constituição, pelo que tem de negar-se provimento ao recurso.
 
  
 
  
 
             III – Decisão
 
  
 Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UCs.
 
  
 Lx., 23/7/2009
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão