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Processo  n.º  41/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Ministério Público, junto do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de 
 Família e Menores e de Comarca de Portimão, recorre para o Tribunal 
 Constitucional do despacho do juiz daquele Tribunal, de 10 de Novembro de 2008, 
 que recusou a aplicação do art.º 219.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na 
 redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, no segmento em que veda ao 
 Ministério Público a possibilidade de recorrer, em prejuízo do arguido, da 
 decisão judicial que não aplicou a medida de coação de prisão preventiva, por si 
 requerida, pretextando que a mesma viola o disposto nos artigos 13.º e 219.º, 
 n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             2 – A questão de constitucionalidade emergiu da seguinte situação:
 
             
 
             2.1 – No Proc. 2024/08.0PAPTM, após o primeiro interrogatório do 
 arguido detido, A., o Ministério Público requereu que lhe fosse aplicada a 
 medida de coação de prisão preventiva.
 
             O juiz de instrução, após considerar existirem indícios da prática, 
 pelo arguido, de um crime de “simples” homicídio, tentado, p. e p. pelo artigo 
 
 131.º do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo 
 artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea 
 ax), e 3.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2005, de 23 de Fevereiro, mas não terem “as 
 medidas de coação finalidade de natureza substantiva, tão pouco de antecipação 
 da tutela jurídico-penal que, ao caso, possa vir a ser aplicada”, indeferiu o 
 requerimento do Ministério Público e “nos termos conjugados das disposições dos 
 artigos 191.º, n.º 1, 192.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 194.º, n.ºs 1 a 3, 196.º, n.º 
 
 1, 198.º, n.º 1, e 200.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), todos do CPP decidiu [o] 
 que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes 
 medidas de coação:
 
             TIR já prestado;
 
             a) apresentação diária na esquadra da PSP de Portimão;
 
             b) proibição de se ausentar para o estrangeiro;
 
             c) proibição de se ausentar desta cidade de Portimão, excepto se 
 devidamente autorizado pelo Tribunal; e
 
             d) proibição de contactar por qualquer meio com o ofendido e/ou seus 
 familiares”, por se lhe afigurarem ser essas medidas proporcionais, necessárias 
 e suficientes para acautelar a exigência cautelar referida”.
 
  
 
             2.2 – Afirmando-se inconformado e alegando, no próprio requerimento 
 de interposição do recurso, a inconstitucionalidade material da norma resultante 
 das disposições combinadas dos artigos 219.º, n.ºs 1 a 3, e 399.º, in fine, do 
 CPP, quando interpretada no sentido de não admitir a recorribilidade da decisão, 
 por violação dos princípios e normas vertidas nos art.ºs 2.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 
 
 27.º, n.º 3, 32.º e 219.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, 
 o Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação 
 de Évora.
 
             Na motivação deste recurso, entregue conjuntamente com o 
 requerimento da sua interposição, o Ministério Público desenvolveu a sua posição 
 quanto à questão de inconstitucionalidade colocada.
 
  
 
             3 – Por despacho de 10 de Novembro de 2008, o tribunal a quo 
 rejeitou, com base na sua inconstitucionalidade material, a referida norma 
 extraída dos art.ºs 219.º, n.ºs 1 e 3, e 399.º do CPP, e admitiu o recurso 
 interposto para a Relação.
 
             Para tanto, abonou-se nas seguintes considerações:
 
  
 
 “I.
 Recurso interposto pelo Ministério Público sobre o despacho proferido em 1° 
 interrogatório judicial, que indeferiu a requerida aplicação da medida de 
 coacção de prisão preventiva, apresentado a fls. 149 e ss.: visto. 
 Resposta a este recurso apresentada pelo arguido a fls. 193 e ss., via fax, 
 
 (originais a fls. 200 e ss): visto. 
 
 1. Da admissibilidade ou não do recurso interposto pelo Ministério Público. 
 O Ministério Público entende, em apertada síntese, que o recurso deve ser 
 admitido por a norma que se extrai do art. 219°-1 e 3, do CPP, padecer de 
 inconstitucionalidade. 
 O arguido propende para a inadmissibilidade do presente recurso. 
 Cumpre apreciar. 
 Prescreve o art. 219°-1 e 3, do CPP (na redacção dada pela Lei 48/2007, de 
 
 29/08) o seguinte: 
 
 «1- Só o arguido e o Ministério Público em benefício do arguido podem interpor 
 recurso da decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas previstas no 
 presente título. (...) 
 
 3- A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas 
 previstas no presente título é irrecorrível». 
 Extraem-se da conjugação destas disposições da lei processual penal dois 
 comandos limitativos distintos: 
 Uma primeira limitação subjectiva ao direito de recurso sobre a decisão relativa 
 a medidas de coacção (quem pode recorrer) e outra, digamos, objectiva ao 
 exercício desse direito (de que se pode recorrer). 
 A primeira prende-se com o sujeito processual que pode pedir ao Tribunal 
 Superior, por via do recurso, a apreciação da bondade da decisão de que se 
 recorre: o arguido ou o Ministério Público (apenas) em benefício deste. 
 A segunda refere-se ao tipo de decisão sobre a medida de coacção que se 
 proferiu: apenas da decisão que indeferiu a aplicação requerida (i), da que 
 revogou a medida de coacção que já havia sido aplicada (ii) e daquela outra que 
 a julgou extinta (iii). 
 Em relação à primeira limitação compreende-se que o direito ao recurso esteja 
 previsto para o arguido, pois que este será, sempre, a pessoa concreta afectada 
 pela decisão do Juiz que aplica, mantém ou substitui a medida de coacção. 
 Em relação ao arguido nada de novo ocorre. De facto, já existia norma que lhe 
 permitia lançar mão do recurso, cfr. art°s. 219°, 399° e 401°-1, al. b), do CPP, 
 antes da reforma operada pela Lei 48/2007, de 29/08. 
 Actualmente, continuam os art°s. 399° e 401°-1, ai. b), do CPP, a manter a mesma 
 redacção, e é redundante, parece-me, a nova redacção dada ao art. 219°-1, do 
 CPP, primeira parte. 
 A lei anterior, todavia, não limitava subjectivamente o direito à interposição 
 do recurso, cfr. o antigo art., 219°, do CPP, como igualmente não limitava 
 objectivamente o respectivo exercício. Tudo se resolvia, estamos em crer e salvo 
 o devido respeito, pela interpretação conjugada dos art. 219°, 399° e 401°-1, 
 als. a) e b), do CPP. 
 A lei nova, art. 219°-1, do CPP, agrilhoa em um único sentido a intervenção do 
 Ministério Público em sede de interposição de recurso: só o pode fazer em 
 benefício do arguido (para salvaguarda dos interesses deste) e desde que a 
 decisão de que recorra não caia na previsão do art. 219°-3, do CPP. 
 Proferida decisão que aplique qualquer medida de coacção dela podem recorrer 
 apenas o arguido e o Ministério Público em benefício deste. 
 Idêntica realidade pode, todavia, consubstanciar uma irritação intra sistemática 
 que emerge da conjugação dos art°s. 194°-2, 219°-1, 399º e 401°-1, al. a), do 
 CPP. 
 Vejamos! 
 Por força da redacção do art. 194°-2, do CPP, o juiz, durante o inquérito, não 
 pode aplicar medida mais grave do que a requerida pelo Ministério Público. 
 Indeferida a pretensão do Ministério Público (a aplicação da medida de coacção 
 X) tal situação fica sem remédio à luz das normas dos art°s. 219°-1 e 3 e 399°, 
 do CPP. 
 O arguido, por certo, não terá interesse em recorrer. 
 E o Ministério Público? 
 Foi o Ministério Público que impulsionou a aplicação da medida, que a requereu, 
 e quando o fez por certo que não agiu em benefício do arguido (não o terá feito 
 para salvaguarda dos interesses deste mas em ordem à defesa de outros 
 interesses) e, assim sendo, não pode recorrer da decisão que lhe indeferiu o 
 requerimento? 
 O problema não se resume a eventual falta de legitimidade formal do Ministério 
 Público — a decisão do juiz ao indeferir nega, desde logo, uma pretensão do 
 Ministério Público, cfr. art. 401°- 1, al. a), do CPP — mas vai muito mais além. 
 
 
 
 É a concepção dos poderes-deveres funcionais atribuídos ao Ministério Público 
 implícita (ou que decorre da) na conjugação das normas dos art°s. 219°-1 e 3 (o 
 Ministério Público só pode recorrer em benefício do arguido; a decisão que 
 indeferir é irrecorrível), 399° (regra geral da recorribilidade) e art. 401°-1, 
 al. a), (legitimidade do Ministério Público para recorrer de quaisquer 
 decisões), todos do CPP, que choca, em meu entender, com a Lei Fundamental. 
 Ao Ministério Público, como decorre do art. 219°-1 e 2, da Constituição da 
 República Portuguesa, compete, para além do mais, exercer a acção penal 
 orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. 
 Ora, o exercício da acção penal com tal teleologia não se coaduna com uma 
 intervenção apenas em função dos interesses de um sujeito processual; 
 coaduna-se, isso sim, por uma intervenção que tenha na sua base a defesa de 
 todos «os interesses em jogo», não só os do arguido. Essa mesma teleologia logo 
 justificou, em sede de lei ordinária, que o Ministério Público dispusesse de 
 legitimidade para recorrer não só de quaisquer decisões mas também daquelas que, 
 em seu entender, prejudicassem o arguido, cfr. art. 219°, 399° e 401°-1, al. a), 
 do CPP, na redacção anterior à da reforma. 
 Na redacção actual da conjugação das normas dos art°s. 219°-1 e 3 e 399°, do 
 CPP, fica vedada a possibilidade de recurso ao Ministério Público em face da 
 decisão que recaiu sobre o seu requerimento para aplicação da concreta medida de 
 coacção, requerimento esse que teve na sua génese, não os interesses do arguido, 
 mas outros e diversos interesses que com aqueles não se confundem e que a 
 Constituição da República Portuguesa prevê como atributos (funções) típicos do 
 Ministério Público. 
 Assim, uma vez que por força da conjugação das disposições dos art. 21 9°-1 e 3 
 e 399°, do CPP, nos termos referidos, resulta a violação: 
 
 - do princípio da legalidade das medidas de coacção (estas só podem ser 
 aplicadas em função de exigências processuais de natureza cautelar), art. 
 
 191°-1, do CPP, (i); 
 
 - do princípio da igualdade (o Ministério Público não pode recorrer da decisão 
 que indeferiu a aplicação de uma medida de afastamento requerida por se indiciar 
 fortemente o crime de violência doméstica e verificar-se perigo de continuação 
 da actividade criminosa, por exemplo), art. 13°, da Constituição da República 
 Portuguesa, quando tal princípio constitui «uma determinante heterónoma da 
 legislação» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 4 Edição 
 Revista, págs. 333 e ss.) (ii); 
 
 - da função constitucional do Ministério Público no exercício da acção penal 
 orientada pelo princípio da legalidade e como defensor da legalidade democrática 
 
 (o Ministério Público actua e deve actuar, sempre, à «charge» ou à «decharge» do 
 arguido, art. 219°-1, da CRP, quando se veda ao Ministério Público a 
 possibilidade de interpor recurso de decisão que indeferiu o seu requerimento 
 para aplicação de medida de coacção decido: 
 a) Declarar inconstitucionais tais normas nesta dimensão interpretativa; 
 b) Não as aplicar à luz do disposto no art. 204° da Constituição da República 
 Portuguesa; 
 c) Repristinar a norma anterior, o art. 219°, do CPP, na redacção antecedente à 
 da reforma da Lei 48/2007, de 29/08, e, em consequência, proferir despacho sobre 
 o recurso interposto pelo Ministério Público a esta luz. 
 
 *
 
 2. Da admissão. 
 Por se tratar de decisão recorrível, art°s. 219° e 399°, dispor o recorrente de 
 legitimidade, art. 401°-1, al. a), ser a interposição tempestiva, art. 411°-1, 
 al. c), estar o Ministério Público isento do pagamento de taxa de justiça, art. 
 
 522°-1, do CPP, e encontrar-se motivado, art. 411°-3, admito o recurso 
 interposto pelo Ministério Público a fls. 149 e ss., art. 414°-1, o qual tem 
 subida em separado, art. 406°-2, imediata, art. 407°-2, al. c) e com efeito 
 devolutivo, art. 408° a contrario, todos do CPP. 
 
             Notifique”.
 
             
 
             4 – Alegando, no Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto 
 concluiu do seguinte jeito a sua argumentação:
 
  
 
 «1. A norma do nº 1 do artigo 219º do Código de Processo Penal, no segmento em 
 que veda ao Ministério Público a possibilidade de recorrer, em prejuízo do 
 arguido, da decisão judicial que não aplicou a medida de coação de prisão 
 preventiva, por si requerida, é materialmente inconstitucional, por violação dos 
 artigos 2°, 13°, 20°, nº 1, 32°, 165°, nº 1, alínea c) e 219° da Constituição. 
 
  
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso, confirmando-se o juízo 
 de inconstitucionalidade da decisão recorrida».
 
  
 
             5 – O recorrido não contra-alegou.
 
             
 
             6 – Vindo o processo a julgamento da Secção, foi decidido, pelo 
 Acórdão n.º 165/2009, proferido nos autos, “ordenar a notificação do Ministério 
 Público para se pronunciar, querendo, sobre a questão do eventual não 
 conhecimento do objecto do recurso pela sua irrecorribilidade para o Tribunal 
 Constitucional (cf. Ac. n.º 267/91)”.
 
  
 
             7 – O Ministério Público não respondeu à questão prévia.
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             8 – A questão prévia que se suscita nos autos é a de saber se, 
 proferido pelo juiz de instrução despacho de admissão de um recurso interposto 
 pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de uma decisão do mesmo juiz 
 que aplicou ao arguido medida de coação menos grave do que a por ele proposta, 
 com o fundamento em alegada inconstitucionalidade material do art.º 219.º, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, 
 no segmento em que veda ao Ministério Público a possibilidade de recorrer, em 
 prejuízo do arguido, pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso de 
 constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do artigo 70.º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão.
 
             Trata-se de uma temática sobre a qual se pronunciou já o Tribunal 
 Constitucional no seu Acórdão n.º 267/91, publicado no Diário da República II 
 Série, de 23 de Outubro de 1991, a propósito, então, das normas constantes dos 
 artigos 371.º, 647.º/1.º e seu § 4.º, do Código de Processo Penal de 1929, e no 
 qual tomou posição no sentido do voto de vencido do Conselheiro Vital Moreira, 
 aposto ao Acórdão n.º 92/87, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 9.º volume, pp. 625 e segs.
 
             Discreteando sobre ela, assim se discorreu em tal aresto:
 
  
 
             «4 — A recorribilidade da decisão.
 
             Esta questão prévia também suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto 
 neste Tribunal, nas suas alegações, vem fundamentada essencialmente no argumento 
 de que «a decisão recorrida — despacho de admissão de recurso ordinário 
 proferido pelo tribunal a quo — é uma decisão provisória, que não vincula o 
 tribunal superior e insusceptível de impugnação autónoma, mediante recurso ou 
 reclamação, pois as partes só a podem impugnar nas alegações do recurso admitido 
 por essa decisão (n.º 4 do artigo 687.º do Código de Processo Civil)», não 
 constituindo assim tal decisão «uma decisão de tribunal» para o efeito de 
 permitir a abertura do recurso de constitucionalidade, invocando neste sentido 
 as razões constantes do voto de vencido do Cons. Vital Moreira no Acórdão n.º 
 
 92/87 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 365, p. 261), que transcreve.
 
             Vejamos.
 
             O parâmetro constitucional acerca desta matéria consta do artigo 
 
 280.º, n.º 1, alínea a), preceito que a Lei do Tribunal Constitucional reproduz 
 com ligeira alteração de redacção, e estabelece que há recurso das «decisões dos 
 tribunais» que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade. Este recurso é obrigatório para o Ministério Público 
 sempre que a norma desaplicada conste de convenção internacional, acto 
 legislativo ou decreto regulamentar.
 
             Mas, deverá admitir-se recurso de constitucionalidade de todas as 
 decisões dos tribunais sem distinção ou deverá aceitar-se que a particular 
 natureza de algumas decisões obsta ao conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto?
 
             Propende o Tribunal, decididamente, para esta segunda alternativa.
 
             Os tribunais, de acordo com o preceituado no artigo 208.º da 
 Constituição, proferem decisões que devem ser fundamentadas, são obrigatórias 
 para todas as entidades públicas e privadas, prevalecem sobre as de quaisquer 
 outras autoridades e têm o seu modo de execução regulado na lei. No exercício da 
 função jurisdicional que lhes está cometida, aos tribunais cabe resolver um 
 conflito concreto entre dois sujeitos, pela utilização de critérios previamente 
 definidos nas normas jurídicas.
 
             Porém, para alcançarem a decisão final de tal conflito, torna-se 
 indispensável que se vão proferindo decisões interlocutórias e que mais não 
 visam do que preparar a elaboração da decisão última da questão.
 
             Ora, no caso em apreço, a «decisão» de que se recorre é um despacho 
 de admissão do recurso ordinário interposto por réu não preso nem caucionado — 
 situação em que o regime processual penal aplicável não admitia recurso pelo que 
 o julgador se sentiu na necessidade de, para admitir o recurso, julgar 
 inconstitucionais as normas que o proibiam.
 
             Estas normas, do Código de Processo Penal de 1929, têm o seguinte 
 teor:
 
             Artigo 371.º
 
             Do despacho de pronúncia podem recorrer o Ministério Público, a 
 parte acusadora e os indiciados, depois de presos ou de haverem prestado caução, 
 e do despacho de não pronúncia podem recorrer o Ministério Público e a parte 
 acusadora.
 
  
 
             Artigo 647.º
 
             Podem recorrer:
 
             1.º      ………………………………………………………………
 
             2.º    O réu e a parte acusadora das decisões contra eles 
 proferidas.
 
  
 
             § 4.º O réu não pode recorrer da pronúncia, sem estar preso ou 
 caucionado, nem do despacho que julgar quebrada a caução, sem ter dado entrada 
 na cadeia.
 
  
 
             A «decisão» recorrida veio afinal a recusar aplicação a uma norma 
 extraível destes preceitos e aplicável por analogia à situação do réu 
 pronunciado e obrigado a prestar termo de identidade e residência por tal forma 
 que só seria admissível recurso do despacho de pronúncia por parte desse réu 
 depois dele haver cumprido tais obrigações fixadas no referido despacho — 
 situação que se considerou violadora das garantias de defesa do arguido (artigo 
 
 32.º, n.º 1, da CRP).
 
             Nos termos do artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil 
 
 (CPC), «a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito 
 que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem impugnar 
 nas suas alegações».
 
             Valem aqui, pertinentemente, as considerações feitas a este 
 propósito pelo Conselheiro Vital Moreira na declaração de voto que apôs ao 
 Acórdão n.º 92/87 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 365, pp. 261 e 
 segs.) e que se transcrevem:
 
             Nos termos do direito processual comum (civil e penal), os despachos 
 de admissão de recurso proferidos pelo tribunal a quo possuem as seguintes 
 características: (a) não fazem caso julgado; (b) não são susceptíveis de 
 impugnação autónoma, mediante recurso ou reclamação; (c) não carecem de ser 
 impugnadas pelas partes; (d) são necessariamente consumidas pela decisão do 
 tribunal ad quem, o qual, ele sim, decide afinal da admissão do recurso. O 
 mínimo que se pode dizer de tais despachos é que eles, afinal, não decidem da 
 admissão dos recursos (pois decidir significa resolver uma questão).
 
             Com efeito, acerca do mesmo tema escreve o Prof. Castro Mendes (in 
 Recursos, AAFDL, 1980, p. 44): «Há decisões que se destinam necessariamente a 
 ser substituídas por outras ou nelas integradas, ou pelo menos podem sê-lo se as 
 partes o solicitarem.  A lei então só permite o recurso da decisão substituta ou 
 absorvente; as primeiras são irrecorríveis, como não definitivas». E, mais 
 adiante (p. 46), refere este ilustre processualista como dela não cabendo 
 recurso, «a decisão que admite um recurso, fixa a sua espécie ou determina o seu 
 efeito».
 
             Tem, assim, de se concluir que o despacho de admissão de recurso não 
 tem qualquer autonomia, porquanto a decisão final sobre tal matéria cabe sempre 
 ao tribunal de recurso que, independentemente de qualquer requerimento das 
 partes, tem o dever de se pronunciar sobre se o recurso deve ou não ser 
 admitido, em definitivo (artigo 701.º do CPC).
 
             A decisão do juiz recorrido mais não é do que, como certeiramente a 
 qualifica Vital Moreira (voto de vencido citado) «uma pré-decisão, quando muito 
 uma decisão provisória, que nunca subsiste por si mesma (...)».
 
             Não sendo estas decisões passíveis de recurso processual comum, será 
 legítimo e correcto admitir-se que possam ser susceptíveis de recurso de 
 constitucionalidade, designadamente, como no caso dos autos, de recurso 
 obrigatório de constitucionalidade?
 
             Os recursos são um pedido de reponderação sobre certa decisão 
 judicial, apresentado a um órgão judiciariamente superior (Castro Mendes, 
 ibidem, p. 3) e têm como finalidade impugnar decisões judiciais que, sem a 
 interposição do recurso, se tornariam definitivas, formando caso julgado.
 
             No caso do recurso de constitucionalidade, podem observar-se as 
 mesmas natureza e finalidades referidas aos recursos em geral, só que agora 
 restritas à questão de constitucionalidade. No caso de se tratar de um recurso 
 obrigatório para o Ministério Público (n.º 3 do artigo 280.º da CRP), a sua 
 razão de ser é a de obviar a que subsistam quaisquer decisões dos tribunais que 
 desapliquem normas com fundamento na sua inconstitucionalidade sem que o 
 Tribunal Constitucional seja chamado a reponderar a questão, uma vez que é o 
 
 órgão a quem «[c]compete especificamente administrar a justiça em matérias de 
 natureza jurídico-constitucional» (artigo 223.º da CRP).
 
             Ora, destinando-se o despacho de admissão recorrido a ser 
 substituído por outro — este sim, definitivo — e não sendo passível de recurso 
 comum e não podendo sobre ele formar-se caso julgado, admitir que dele se possa 
 interpor recurso de constitucionalidade é, afinal, retirar ao tribunal de 
 recurso a possibilidade de decidir dentro da sua competência sobre a questão da 
 admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso, tornando desde logo definitiva 
 a questão (a constitucionalidade) quando a decisão em que ela se insere é 
 meramente provisória, pois ainda não está tomada por forma a que sobre ela se 
 venha a formar caso julgado.
 
             A decisão que viesse a ser proferida pelo Tribunal Constitucional — 
 que faz, esta sim, caso julgado e se impõe aos outros tribunais — iria 
 condicionar por forma radical a decisão do tribunal de recurso que era, afinal, 
 o tribunal ao qual verdadeiramente competiria definir a questão da 
 admissibilidade do recurso.
 
             De qualquer modo, a não admissibilidade, neste momento, do recurso 
 de constitucionalidade em nada prejudicará a finalidade do respectivo recurso.
 
             Com efeito, ou o Tribunal da Relação decide não admitir o recurso e, 
 então, as normas em causa serão aplicadas pois se modificou o julgamento sobre a 
 sua conformidade constitucional — o que obviará à interposição de qualquer 
 recurso obrigatório de constitucionalidade, embora tal decisão pudesse gerar 
 outro tipo de recurso, ou então, a Relação confirma a decisão recorrida e a 
 consequente desaplicação das normas e, então, desta decisão definitiva, caberá 
 recurso de constitucionalidade, a interpor obrigatoriamente pelo Ministério 
 Público do acórdão da Relação, mesmo que nele a confirmação da decisão de 1.ª 
 instância não fosse expressa, porquanto, só de tal decisão poderia decorrer — se 
 sobre ela viesse a formar-se caso julgado — a violação da integridade da ordem 
 jurídica cuja defesa é uma das razões porque a lei confere ao Ministério Público 
 legitimidade para o recurso obrigatório de constitucionalidade (cfr. Jorge 
 Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, 2.ª ed., Coimbra, 1988, pp. 
 
 376-377).
 
             Entende o Tribunal que o princípio decorrente do artigo 687.º, n.º 
 
 4, do CPC — as decisões de admissão de recursos que necessariamente têm de ser 
 substituídas por outras ou que nelas vêm a ser integradas, são enquanto tais não 
 definitivas e por isso irrecorríveis — é um princípio também válido em processo 
 constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LOTC).
 
             Neste sentido — isto é, de que os recursos previstos no n.º 1 do 
 artigo 280.º da CRP só serão de admitir de decisões definitivas e não meramente 
 provisórias — decidiu, embora num contexto totalmente diferenciado, o Acórdão 
 deste Tribunal n.º 151/85 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 360 
 
 (suplemento), p. 710).
 
             O que significa que é inteiramente procedente a questão prévia 
 suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal quanto a 
 irrecorribilidade da decisão em apreço”.
 
  
 
             Esta argumentação, cuja bondade se sufraga, é completamente 
 transponível para o caso dos autos.
 
             Assim sendo, impõe-se concluir pelo não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade.
 
             Sem custas.
 Lisboa, 8 de Julho de 2009
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Mário Torres
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos