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Processo n.º 152/10
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão 
 sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., arguido preso, e recorrido o 
 Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, 
 alínea b), da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão 
 proferido, em conferência, pela 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, em 13 de Outubro de 2009 (fls. 1357 a 1418), posteriormente 
 complementado por acórdão proferido, pela mesma Secção e Tribunal, em 10 de 
 Janeiro de Dezembro (fls. 1443 e 1444), nos termos do qual foi indeferido pedido 
 de aclaração e de supressão de nulidades.
 
  
 O recorrente pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade da 
 interpretação da “norma ínsita no nº 2 do artº 327º do CPP, - segundo a qual em 
 processo penal se exige que toda a prova deve ser produzida em audiência de 
 julgamento com observância do princípio do contraditório, - no sentido de que 
 tal princípio é respeitado mesmo no caso de um arguido ser condenado por crime 
 relativamente ao qual não tenha ficado provado o lugar, nem tão pouco a data da 
 alegada prática” (fls. 1457).
 
  
 
                                    Cumpre, então, apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 1460), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito 
 legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 
 
 2, da LTC.
 
  
 Se o Relator verificar que não foram preenchidos algum ou alguns deles, pode 
 proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do 
 artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 3. Desde logo, importa notar que, tendo sido interposto recurso ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o recorrente encontrava-se onerado com 
 o dever de prévia e adequada suscitação, perante o tribunal recorrido, da 
 questão de inconstitucionalidade que pretende ver agora apreciada, conforme 
 decorre do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
 
  
 Ora, apesar de o recorrente afirmar ter cumprido tal ónus através das conclusões 
 
 9ª e 10ª das respectivas alegações perante o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 certo é que tal não corresponde à tramitação processual vertida nos autos. Com 
 efeito, nessa sede, o recorrente limitou-se a alegar o seguinte:
 
  
 
 “9ª – Não tendo ficado provado o «quando e onde» terá sido pratico o crime, 
 estamos perante uma imputação genérica, que dificulta ou impossibilita o 
 exercício do direito de defesa, não podendo servir de suporte a uma condenação
 
 10ª – Pois que o recorrente face a tais lacunas nunca poderia exercer cabalmente 
 o contraditório, nomeadamente provando que em tal dia estava noutro local, 
 através de prova testemunhal ou outra.” (fls. 1266).
 
  
 Desta intervenção processual resulta que o recorrente nunca suscitou, de modo 
 individualizado, preciso e determinado, a inconstitucionalidade de quaisquer 
 normas jurídicas, muito menos as que constituem objecto do presente recurso. 
 Pelo contrário, o recorrente limitou-se a tecer considerações genéricas sobre 
 uma pretensa restrição/supressão do direito ao contraditório em processo penal, 
 sem que tivesse imputado qualquer vício de inconstitucionalidade à norma 
 extraída do n.º 2 do artigo 327º do CPP. 
 
  
 Sucede que a mera invocação de um princípio constitucional – in casu, o do 
 exercício do contraditório em processo penal (artigo 32º, n.º 5, da CRP) – não 
 pode ser considerada como bastante para demonstrar o cumprimento do ónus de 
 prévia suscitação adequada da inconstitucionalidade, pelo que se torna forçoso 
 concluir pela impossibilidade de conhecimento do objecto do presente recurso, 
 por força do artigo 72º, n.º 2, da LTC.
 
  
 
 4. Para além disso, é evidente que a norma escolhida, pelo recorrente, enquanto 
 objecto do presente recurso – isto é, o n.º 2 do artigo 237º do CPP – não 
 constituiu a razão fundamental e determinante da decisão proferida (“ratio 
 decidendi”). Assim é porque aquele preceito legal limita-se a determinar que “os 
 meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio 
 do contraditório”. Ora, o recorrente nunca foi impedido de exercer o 
 contraditório pleno em relação a nenhum dos meios de prova produzidos em 
 audiência de julgamento. O que sucedeu foi que o tribunal recorrido (e o 
 tribunal de primeira instância) formou a sua convicção em função da prova 
 produzida em audiência de julgamento, considerando que a impossibilidade de 
 determinação precisa acerca da data e do apartamento onde ocorreu a violação da 
 menor não era apta a afastar a convicção fundada acerca do cometimento do crime 
 e da respectiva responsabilidade penal do ora recorrente.
 
  
 Esclareça-se, aliás, que nem sequer existe uma absoluta indeterminação do 
 momento e do local da prática do crime. Dos factos dados como provados, resultou 
 que:
 
  
 
                         «(…)
 
             Em finais do mês de Abril de 2008, o arguido A. telefonou à menor B. 
 
 (…).
 
 2.1.11. Dias depois, o arguido A. telefonou à menor B. dizendo-lhe que tinha 
 coisas novas para lhe contar sobre o encerramento do caso, pelo que a mesma 
 acedeu em encontrar-se com ele junto de uma dependência da …., em Monte Abraão.
 
 (…).
 O arguido A. dirigiu então a referida carrinha para junto de uma residência 
 situada num rés-do-chão, em local não concretamente apurado.» (fls. 1371 e 1372)
 
  
 Assim sendo, nem sequer corresponde ao decidido que não tenha sido provado qual 
 a data e o local em que ocorreu a prática do crime de violação agravada. Pelo 
 contrário, dos factos dados como provados resulta que tal terá acontecido nos 
 
 últimos dias do mês de Abril de 2008 (ou, quanto muito, nos primeiros dias de 
 Maio de 2008), numa residência sita no rés-do-chão, perto de uma dependência da 
 
 …., em Monte Abraão. Ainda que não tenha sido possível firmar a data precisa e a 
 morada completa onde foi praticado o crime, certo é que o hiato temporal fixado 
 e a localização espacial aproximada sempre permitiria ao arguido exercer, de 
 modo satisfatório e adequado, o respectivo direito ao contraditório.
 
  
 Por outro lado, a própria decisão recorrida é claríssima ao demonstrar que o 
 juízo que formulou quanto à prova dos factos contidos na acusação decorreu, em 
 primeira linha, do modo como apreciou a prova produzida, de modo a formar a sua 
 convicção sobre a responsabilidade penal do recorrente. Veja-se este extracto da 
 referida decisão:
 
  
 
 «Ora, nas suas conclusões, pretende o recorrente A., em primeiro lugar, que, 
 face à prova produzida em audiência, seja feita uma outra apreciação, para o que 
 indica o modo como ele próprio a levaria a cabo.
 Esquece, no entanto, que, nos termos do Art.º 127º do C.P.Penal, a prova é 
 apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade 
 competente.» (fls. 1395)
 
  
 Daqui decorre, sem qualquer margem para dúvidas, que a decisão recorrida não 
 aplicou a norma que constitui objecto do presente recurso como razão 
 determinante para fundar a responsabilidade penal do recorrente. Ora, na medida 
 em que o Tribunal Constitucional só pode conhecer de questões que tenham sido 
 objecto de aplicação efectiva pelos tribunais recorridos (cfr. artigo 79º-C da 
 LTC), mais não resta que concluir pela impossibilidade de conhecimento do 
 objecto do presente recurso.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
  
 
 2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio apresentar reclamação 
 que, para além de reiterar os termos do requerimento de interposição de recurso 
 e de reproduzir parte da decisão sumária, limita-se a alegar o seguinte:
 
  
 
                         «(…)
 Salvo o devido e muito respeito o ora reclamante não pode concordar com tal 
 argumentação dado que a mesma carece, “in casu” de fundamento, conforme se 
 alcança, facilmente, da análise da motivação de recurso.
 
  
 Sendo que ao mencionar de forma expressa que …”não tendo ficado provado o 
 
 «quando e onde» terá sido pratic[ad]o o crime, estamos perante uma imputação 
 genérica, que dificulta ou impossibilita o exercício do direito de defesa…e bem 
 assim que nunca poderia exercer cabalmente o contraditório”, e encontrando-se 
 este consagrado na última parte do nº 5 do artº 32 da CRP, é este, em última 
 análise, o preceito que está em causa.
 
  
 Assim o recorrente ora reclamante, cumpriu todos os requisitos de interposição 
 de recurso para o TC, debruçando-se o mesmo sobre a ratio decidendi da decisão 
 recorrida, razão pela qual o objecto do recurso deveria ter sido conhecido e não 
 proferida decisão sumária.» (fls. 1491)
 
  
 
 3. Após notificação, o Ministério Público apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
 «1º
 Na Decisão Sumária de fls.1471 a 1476, não se conheceu do recurso interposto 
 pelo arguido A., com base, em síntese, na seguinte fundamentação:
 
 - não suscitação durante o processo, de forma adequada de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa.;
 
 - não aplicação, na decisão recorrida, da dimensão normativa que se pretendia 
 ver apreciada.
 
  
 
 2º
 Na reclamação, quanto ao primeiro fundamento, o recorrente apenas reafirma que 
 suscitou correctamente a questão, não adiantando, no entanto, qualquer argumento 
 nesse sentido.
 
  
 
 3º
 Quanto ao segundo fundamento, insiste que houve desrespeito pelo disposto no 
 artigo 327º do CPP e violação dos seus direitos de defesa, nomeadamente do 
 principio do contraditório, consagrado no artigo 32º, nº 5, da Constituição.
 
  
 
 4º
 Sobre as razões processuais porque entende que o recurso devia ser admitido, 
 nada disse.
 
  
 
 5º
 Ora, a reclamação de uma Decisão Sumária que não conhece do recurso de 
 constitucionalidade porque conclui pela inexistência dos requisitos da sua 
 admissibilidade, constante da LTC, destina-se, precisamente, a dar a 
 possibilidade ao recorrente de discordar e abalar a decisão, afirmando que esses 
 requisitos se verificam a explicar porquê.
 
  
 
 6º
 Tanto bastaria para a reclamação ser indeferida.
 
  
 
 7º
 Acrescentaremos, no entanto, que, pela leitura das peças pertinentes, 
 designadamente a motivação do recurso para a Relação, a decisão recorrida e o 
 requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, nos parece óbvio que 
 o recurso devia ser rejeitado com a exacta fundamentação constante da Decisão 
 Sumária.» (fls. 1493 e 1494)
 
  
 
  
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. A reclamação ora apresentada não expõe qualquer argumento a favor da 
 necessidade de reforma da decisão reclamada, limitando-se a afirmar, de modo 
 genérico e não especificado, que o recorrente teria cumprido todos os requisitos 
 legais exigidos ao conhecimento do objecto do presente recurso. Porém, conforme 
 melhor resulta da decisão reclamada, tal não sucede.
 
  
 E o reclamante não consegue, em momento algum, sequer esboçar um argumento que 
 demonstre ter sido prévia e adequadamente suscitada a questão de 
 inconstitucionalidade ou que demonstre que a norma extraída do artigo 327º do 
 CPP constituiu o fundamento determinante da decisão proferida pelo tribunal 
 recorrida. Ora, não basta que o reclamante manifesta a sua discordância com a 
 decisão sumária reclamada, antes se lhe impondo a demonstração de que a mesma 
 não foi proferida em termos conformes à lei e à Constituição. O que o reclamante 
 não fez.
 
  
 Assim sendo, não existe qualquer fundamento para proceder à reforma da decisão 
 reclamada.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 26 de Abril de 2010
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão