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Processo n.º 359/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
      Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 Relatório
 Na Execução para Prestação de Facto que A. e B. movem contra C. no 2° Juízo 
 Cível da Comarca de Cascais (Proc. n.º 2195 – G), na qual os Exequentes pedem 
 que, após fixação de prazo para o efeito, seja prestado o facto consistente na 
 demolição do prédio denominado …., em Cascais, desocupando o Executado, para 
 tanto, a construção nele implantada (que deverá ser demolida), após ter sido 
 indeferido o pedido de suspensão da instância executiva que o Executado havia 
 formulado, veio a sua ex-mulher D., pedir a mesma suspensão de instância que 
 havia sido requerida sem sucesso pelo Executado.
 
  
 Este pedido foi indeferido por despacho proferido em 20-11-2006.
 
  
 Reagindo contra esse despacho, a Requerente D. interpôs, do mesmo, recurso de 
 agravo, que acabou por ser recebido, na sequência da decisão proferida pelo 
 Presidente da Relação de Lisboa que deu provimento à reclamação que aquela havia 
 apresentado contra a decisão que não lhe havia admitido o recurso.
 
  
 Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-6-2008 foi julgado 
 improcedente o agravo interposto.
 
  
 Ainda inconformada, a Requerente D. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 invocando, além do mais, oposição do Acórdão recorrido com jurisprudência do 
 Supremo Tribunal de Justiça e das Relações, proferidas no domínio da mesma 
 legislação.
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 16-4-2009, negou 
 provimento ao agravo.
 
  
 A Requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos:
 
 “O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do artº. 70º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, em virtude de se ter verificado a aplicabilidade de 
 norma, cuja inconstitucionalidade foi suscitada no processo.
 Com efeito, a Recorrente, em todas as instâncias, arguiu a violação dos direitos 
 constitucionalmente consagrados, designadamente os previstos na Parte 1 
 
 (Direitos e Deveres Fundamentais), plasmados no art.° 20° da CRP, cfr. a seguir 
 se transcreve parcialmente:
 
 ‘1 A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos (...)
 
 5 — Para defesa dos direitos, liberdades e garantias, a lei assegura aos 
 cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, 
 de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações 
 desses direitos.”
 Direitos estes que a Recorrente considera violados, pela restrição da 
 aplicabilidade do previsto no art.° 279° do Código de Processo Civil às acções 
 declarativas.
 Ou seja, todas as instâncias decidiram no sentido da não aplicabilidade daquele 
 normativo ao processo executivo.
 Contudo, a Requerente veio ao processo trazer elementos factuais de relevância 
 excepcional, no sentido em que logrou demonstrar, que tal preceito, tal como se 
 encontra redigido no nosso ordenamento jurídico, não abrange os direitos 
 constitucionalmente consagrados, como aquele a que se refere o art° 20° da CRP.
 O art° 279° do CPC, dispõe que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a 
 decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando 
 ocorrer outro motivo justificado”
 Deverá em virtude da factualidade vertida nos presentes autos, e da qual se 
 pretende alegar em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, ser 
 considerada a não aplicação desta norma, por inconstitucional, dado que a mesma 
 não prevê regime idêntico para a suspensão em sede de processo executivo.”
 
  
 Em 27-5-2009 foi proferida decisão sumária de não conhecimento deste recurso, 
 com a seguinte fundamentação:
 
 “No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas. 
 A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a 
 interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão 
 judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida 
 a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto 
 em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de 
 aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a 
 aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do 
 caso concreto.
 
           Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea 
 b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 
 
 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 Importa ainda frisar que o recurso de constitucionalidade tem uma função 
 meramente instrumental aferida pela susceptibilidade de repercussão útil no 
 processo concreto de que emerge, não servindo, assim, para dirimir questões 
 meramente académicas.
 Ora, neste recurso, o recorrente pretende que se aprecie da 
 constitucionalidade da norma constante do artigo 279.º, do C.P.C., na medida 
 em que se considere que ela não é aplicável em sede de processo executivo. E, na 
 verdade, esta interpretação foi sustentada no acórdão recorrido como fundamento 
 para a improcedência do agravo.
 Mas não foi a única razão apresentada para o agravo improceder.
 Também a falta de legitimidade da recorrente para requerer a suspensão da 
 instância prevista no referido artigo 279.º, do C.P.C., por não ser parte do 
 processo, foi invocada para fundamentar essa improcedência.
 Assim, mesmo que se concluísse pela inconstitucionalidade daquela interpretação 
 normativa, essa decisão nunca poderia obrigar a uma alteração da decisão 
 recorrida, uma vez que sempre restaria o fundamento da falta de legitimidade da 
 recorrente para requerer a suspensão da instância, para justificar a 
 improcedência do agravo.
 Além disso, a recorrente estava obrigado a suscitar previamente perante o 
 tribunal recorrido a questão de constitucionalidade colocada neste recurso. Ora, 
 da leitura das alegações apresentadas pela recorrente ao Supremo Tribunal de 
 Justiça apenas se lê na conclusão 8.ª o seguinte:
 
 “Não esquecendo que o conjunto de direitos que lhe assistem, e sobretudo que lhe 
 vieram a sendo negados, são passíveis de recurso, em última instância, para o 
 Tribunal Constitucional, garante do cumprimento dos direitos e garantias 
 constitucionalmente consagrados”.
 Se a recorrente alerta que pode vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, 
 não identifica a questão que aí pretende colocar, pelo que não deu ao tribunal 
 recorrido oportunidade para sobre ela se pronunciar, não cumprindo assim o 
 requisito essencial da suscitação perante aquele tribunal da questão de 
 constitucionalidade.
 Deste modo, atenta a natureza instrumental do recurso constitucional e a falta 
 de cumprimento do requisito da suscitação da questão de constitucionalidade 
 perante o tribunal recorrido, não deve ser conhecido o recurso interposto, 
 proferindo-se decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 
 
 1, da LTC.
 
  
 A recorrente reclamou desta decisão nos seguintes termos:
 
 1. Na Fundamentação da Douta decisão sumária proferida, viemos encontrar posta 
 em causa a admissibilidade do recurso, com base na não verificação cumulativa 
 dos requisitos exigíveis para a interposição de recurso previsto na al. b) do nº 
 
 1, do artº 70 da LTC. 
 
 2. Os requisitos em causa são os seguintes: 
 a) A decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas inconstitucionais pela recorrente; 
 b) Questão da inconstitucionalidade suscitada durante o processo, de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos deste estar obrigado a dela conhecer; 
 
 3. Por um lado resultou clarividente que o Supremo Tribunal de Justiça, 
 formulou a interpretação no sentido da norma constante do art.º 279º do C.P.C. 
 não ser aplicável em sede de processo executivo (1). 
 
 4. Por outro lado, e quanto à questão da inconstitucionalidade ter sido 
 suscitada durante o processo (2) nos termos exigíveis legalmente, podemos ler na 
 decisão sumária: 
 
 “(...) pelo que não deu ao tribunal recorrido oportunidade para sobre ela se 
 pronunciar, não cumprindo assim o requisito essencial da suscitação perante 
 aquele tribunal da questão de constitucionalidade (...)”. 
 
 “(...) atenta a natureza instrumental do recurso constitucional e a falta de 
 cumprimento do requisito de suscitação da questão de constitucionalidade 
 perante o tribunal recorrido, não deve ser conhecido o recurso interposto, 
 proferindo-se decisão sumária nesse sentido (...)”
 Centremos por esta razão, a análise da presente reclamação neste aspecto da 
 deficiente suscitação da questão da constitucionalidade perante o tribunal 
 recorrido (posição sustentada na decisão sumária), e nessa medida, tentarmos 
 demonstrar que afinal, essa questão foi levantada dentro dos requisitos legais, 
 e em virtude disso, a razão assiste à Recorrente. 
 
 É o que vamos ver: 
 
 5. A questão da constitucionalidade foi suscitada pela Recorrente perante o 
 Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 6. E não se baseou somente na conclusão 8ª das alegações apresentadas, 
 contrariamente ao que é citado na decisão sumária que ora se reclama. 
 Vejamos: 
 
 7. Não podemos extrair a conclusão 8ª das alegações, do contexto global em que 
 foi desenvolvido o recurso apresentado ao STJ, e fazer com que o seu conteúdo 
 acabe por ficar à parte de todo o raciocínio em que foram assentes essas mesmas 
 alegações. 
 
 8. Como qualquer outra peça processual, também esta (alegações de recurso para o 
 STJ da Recorrente), não deverá deixar de ser analisada em conjunto, pegando em 
 determinadas premissas que a compõem de forma isolada. 
 
 9. Nessa medida, será sempre de considerar que a conclusão 8ª das alegações, não 
 devesse, nem pudesse, ser considerada de forma isolada, ou se quisermos 
 
 “desgarrada” em relação ao resto das alegações. 
 
 10. Aquilo que seria exigível que o STJ tivesse feito, seria fazer incidir a sua 
 análise em cada uma das conclusões expendidas naquela peça processual. O que não 
 fez. 
 
 11. Por outro lado, evidente se torna, que as conclusões em sede de alegações de 
 recurso, são a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação 
 de determinada decisão.
 
 12. E nessa linha de raciocínio, não poder exigir-se àquele que apresente as 
 suas alegações, que concentre na parte das conclusões todos esses fundamentos. 
 
 13. No caso em apreço, a Recorrente concluiu na sua conclusão 8ª: 
 
 “Não esquecendo, que o conjunto de direitos, que lhe assistem, e sobretudo, que 
 lhe vieram sendo negados, são passíveis de recurso, em última instância, para o 
 Tribunal Constitucional, garante do cumprimento dos direitos e garantias 
 constitucionalmente consagrados.” 
 
 14. Encontrando-se objectivamente assente, que este “conjunto de direitos” 
 assentavam no pressuposto do art.º 279º do C.P.C não ser considerado para 
 efeitos de aplicação às acções executivas. 
 
 15. Aliás, a própria Recorrente, sempre esteve ciente que essa sua pretensão 
 tinha sido apreendida pelo STJ, e nessa medida ter ficado claro, que dúvidas não 
 existiriam acerca da pronúncia sobre essa matéria. 
 
 16. Caso as conclusões não fossem apreensíveis ao STJ para delas conhecer, 
 igualmente sabemos que, nos casos das conclusões serem deficientes ou obscuras, 
 complexas, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, 
 esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte 
 afectada;
 
 17. Mas nada disto foi suscitado pelo STJ. 
 
 18. A Recorrente por via deste facto, esteve segura de que o STJ estava cônscio 
 das questões a decidir em sede de recurso. 
 Anote-se ainda o seguinte: 
 
 19. Ao longo de toda a peça processual (alegações de recurso para o STJ), a 
 Recorrente alega no sentido de lhe ser permitido exercer a tutela efectiva do 
 seu direito, prevista no nº 5 do artº 20º da CRP, por via do decretamento da 
 suspensão da instância ao abrigo do disposto no art.º 279º do CPC (vide fls. 11 
 das alegações de recurso). 
 
 20. A Recorrente torna mais adiante (fls. 16 das alegações de recurso) a abordar 
 a questão da inaplicabilidade do regime previsto no art.º 279º, nº 1 do CPC. 
 Concluindo: 
 
 21. Se dúvidas se colocassem ao STJ sobre a apreciação da questão de 
 inconstitucionalidade suscitada, esta deveria, em tempo, ter sido colocada à 
 Recorrente, de forma a ser sanada. 
 
 22. Mas nada no processo nos dá nota de que assim tenha ocorrido. 
 
 23. E nessa medida, a Recorrente ter permanecido tranquila, e ficado desde 
 sempre consciente de que o objecto do seu recurso, seria apreciado em toda a sua 
 linha.”
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 A decisão reclamada entendeu não conhecer do recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional por duas razões distintas:
 
 - o critério normativo cuja inconstitucionalidade foi arguida não foi o único 
 que fundamentou a decisão recorrida, pelo que este recurso não tem um efeito 
 
 útil;
 
 - o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido a questão de 
 constitucionalidade que agora veio colocar ao Tribunal Constitucional.
 Nesta reclamação, o recorrente apenas manifesta a sua discordância com este 
 
 último fundamento do não conhecimento do recurso, pelo que, mesmo que lhe 
 assistisse razão, a decisão de não conhecimento sempre subsistiria apoiada no 
 primeiro fundamento.
 Mas, nem relativamente à verificação do segundo motivo apresentado pela decisão 
 reclamada para o não conhecimento do recurso procedem os argumentos do 
 recorrente.
 Na verdade, a suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal 
 recorrido deve ser feita de forma inequívoca e precisa, identificando-se com 
 clareza a norma ou a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se 
 invoca.
 Ora, se a recorrente nas suas alegações de recurso apresentadas perante o 
 Supremo Tribunal de Justiça anunciou a sua intenção de recorrer ao Tribunal 
 Constitucional para defesa dos seus direitos constitucionalmente consagrados, 
 nunca fez a ligação desta intenção com a aplicação do critério normativo que 
 agora vem por em causa, sendo certo que nessas alegações eram suscitadas outras 
 questões de aplicação do direito.
 Não se pode, pois, considerar que a questão de constitucionalidade agora 
 colocada ao Tribunal Constitucional tenha anteriormente sido adequadamente 
 suscitada perante o tribunal recorrido, como exige o artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
 Por estas razões deve ser julgada improcedente a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação apresentada por D. da decisão 
 sumária proferida nestes autos em 27-5-2009.
 
  
 
                                                     *
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 Lisboa, 8 de Julho de 209
 João Cura Mariano
 Mário Torres
 Rui Manuel Moura Ramos