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Processo n.º 290/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
                                                   
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
  
 
  
 A. interpôs recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, ao 
 abrigo do disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil, na redacção dada 
 pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, do acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça de 6 de Novembro de 2008, com fundamento em contradição com o acórdão 
 de 8 de Julho de 1997, proferido pelo mesmo tribunal no Processo n.º 99/97.
 
  
 O relator no Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 8 de Janeiro de 2009, 
 não admitiu o recurso por considerar, em aplicação do disposto no artigo 11º, 
 n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, que o novo regime de recursos para 
 uniformização de jurisprudência, introduzido por este diploma, não se aplica aos 
 processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
 
  
 Notificado dessa decisão, o recorrente reclamou para a conferência, nos termos 
 do disposto no artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil, invocando a 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa adoptada em relação ao referido 
 preceito do artigo 11º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, por violaçao dos 
 artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º e 20.º da Constituição da República.
 
  
 Por acórdão de 25 de Março de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a 
 reclamação, aduzindo no tocante à questão de constitucionalidade que a 
 interpretação efectuada não é discriminatória, na medida em que  o novo regime 
 de recurso é aplicável a todos processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 
 
 2008 e em relação aos processos pendentes nessa data, as partes continuavam a 
 dispor de um mecanismo de resolução de conflitos de jurisprudência que era o 
 previsto nos artigos 732º-A e 732º-B do Código de  Processo Civil, e que o 
 recorrente não estava impedido de utilizar.
 
  
 O recorrente veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no artigo 70°, n° l, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, tendo por referência a norma do artigo 11º, n°s 1 e 2, 
 interpretada conjugadamente com o artigo 12º, nº 1, do Decreto-Lei n° 303/2007 
 de 24 de Agosto, e, consequentemente, também as normas dos artigos 763° a 770° 
 do Código de Processo Civil, na redacção resultante desse diploma, e ainda as 
 dos artigos 732º-A, n°s 1, 2 e 3, do mesmo Código na sua anterior versão (ainda 
 aplicável), porquanto a interpretação perfilhada pelo acórdão recorrido é 
 susceptível de violar os princípios constitucionais dos artigos 2°, 13°, n°s 1 e 
 
 2, 18°, 20º, n°s 1 e 5, da Lei Fundamental.
 
  
 Tendo prosseguido o processo para alegações, o recorrente, depois de aludir à 
 matéria de fundo que constituía objecto do processo, relacionada com a aplicação 
 do disposto no artigo 877º do Código Civil, veio a formular, na parte útil, as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
 1. Perante as conclusões que antecedem, coloca-se a questão 
 jurídico-constitucional que, fundamentalmente, consiste em saber se, vedando-se 
 ao Recorrente a utilização de um recurso extraordinário para uniformização da 
 jurisprudência, por aplicação das normas dos art.s 763º e seguintes do C.P.C., 
 na versão de 2007, colide ou não com normas e princípios constitucionais. É que, 
 
 
 
 2. no entendimento do acórdão recorrido, a barreira para essa via de recurso 
 extraordinário está no respeito estrito dos preceitos dos art.s 11º, nº 1, e 
 
 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/2007, que vieram estabelecer a inaplicabilidade 
 do novo regime de recurso aos processos pendentes à data da sua entrada em 
 vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (e o presente processo estava, na verdade, 
 pendente naquela data).
 
 3.  É uma interpretação e aplicação simples e literal daqueles preceitos do 
 Decreto-Lei nº 303/2007 que o Acórdão recorrido fez e, como tal, simplesmente e 
 automaticamente interpretou e aplicou normas feridas de inconstitucionalidade 
 material, como se demonstrará. 
 
 4. Desde logo é chocante que uma circunstância meramente aleatória de estar 
 pendente naquela data de 1 de Janeiro um processo, afaste a aplicação do regime 
 de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, que visa, 
 através do pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, sanar 
 situações de diversidade jurisprudencial. E o presente caso é uma dessas 
 situações, como fica demonstrado, sendo aqui evidente a contradição na questão 
 de fundo entre os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, quando o recorrente 
 tinha uma expectativa legitimamente fundada de ver adoptada uma corrente 
 jurisprudencial anteriormente firmada e que ia ao encontro das posições que 
 vinha defendendo na acção em causa. Assim, 
 
 5. Com este pressuposto pode adiantar-se que há uma inconstitucionalidade 
 material das normas já identificadas como objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade, em vários patamares:
 
 6. Por violação do principio da igualdade consagrado na norma do artigo 13º da 
 CRP, porque a solução legal, assente numa circunstância de tempo meramente 
 aleatória – antes ou depois de 1 de Janeiro de 2008 –, é uma solução arbitrária, 
 discriminando os litigantes de antes ou depois daquela data de 1 de Janeiro de 
 
 2008 (“não sendo aqui ostensivo que a hipótese da norma seja manifestamente 
 compatível com o principio da igualdade”, como se lê no acórdão do T.C. nº 
 
 484/08, de 7 de Outubro de 2008). 
 Por consequência, uma medida processual restritiva de um recurso tão importante 
 em matéria de direito – e só ele podendo contribuir para a definição do “melhor 
 direito” – como é o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, 
 que é materialmente injustificada, mesmo no quadro de uma liberdade de 
 conformação legislativa do autor da medida. Porquê 1 de Janeiro de 2008 e não 1 
 de Agosto de 2008 ou 31 de Dezembro de 2008? – pergunta-se, a menos que se 
 entenda que isso teria que ver com a revogação dos anteriores art.s 763º e 770º, 
 operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, o que não se aceita e 
 mesmo os actuais litigantes nada têm que ver com os “humores” arbitrários do 
 poder legislativo. 
 Em suma: uma norma do regime de recursos, traduzida nos artigos 11º, nº 1, e 
 
 12º, nº1, do Decreto-Lei nº 303/2007, que apela à pendência dos processos para 
 fazer distinções, e que é destituída de fundamento constitucionalmente 
 relevante, violando, pois, o principio da igualdade constitucionalmente 
 consagrado no art. 13º da CRP. 
 
 7. Por violação da norma do art. 20º, nºs 1 e 5, da CRP, na medida em que  veda 
 o acesso à via judiciária, na fase de um recurso, que é célere e prioritário, 
 para resolver dissidências ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria 
 de direito. O carácter sequencial dos actos processuais e a natureza unitária e 
 estruturada do processo impunham que a causa terminasse com a aplicação de norma 
 de direito transitório de um modo mais favorável aos litigantes, como é a norma 
 traduzida nos citados artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1.
 Com o que, se desprotegem os litigantes com processos pendentes em 1 de Janeiro 
 de 2008, violando-se, assim, o principio da tutela jurisdicional efectiva dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, que se extrai da norma 
 do artigo 20º, nºs 1 e 5, da CRP. E não se diga que se trata de uma garantia 
 genérica do direito ao recurso de decisões judiciais, porque o recurso para 
 uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário e de largo espectro 
 na melhoria do direito. 
 
 8. Por violação da norma do art. 18º, nº 2, da CRP, porque a mesma medida 
 processual restritiva, a que se reportam os art.s 11º, nº 1, e 12º, nº 1, é de 
 muito duvidosa adequação ao fim que porventura visa atingir (será porventura 
 para desonerar o Supremo Tribunal de Justiça, numa óptica de racionalização do 
 acesso àquele Supremo, de uma eventual sobrecarga de recursos extraordinários 
 para uniformização de jurisprudência?). E não é indispensável, excedendo 
 manifestamente o que seria necessário, tanto mais que a causa já está no Supremo 
 Tribunal de Justiça e só convoca o pleno das secções cíveis para decidir a 
 dissidência de jurisprudência do mesmo Supremo. Portanto, salvo o devido 
 respeito, não se venha, como genericamente se vem fazendo, com a tal sobrecarga 
 de recursos para o Supremo…
 
 É, assim, ilegítimo o condicionamento apontado, não respeitando o princípio do 
 excesso que se extrai da norma do art. 18º, nº 2.
 Operando o princípio da proporcionalidade como limitação ao exercício do poder 
 público, e funcionando, em sede de direitos, liberdades e garantias, como limite 
 
 às restrições admissíveis, ele significa que deve estar presente no “modus 
 operandi” do legislador, em obediência aos subprincipios em que se desdobra: os 
 princípios da adequação, da exigibilidade e da justa medida. Mesmo que seja, 
 aqui, contestável a violação de todos aqueles subprincipios, sempre será 
 indiscutível a violação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou 
 da justa medida. 
 Justa medida nunca, pois do que se trata, no presente caso, é de negar o acesso 
 
 à Justiça em matéria de direito, no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça, 
 impedindo-se que se apure a linha jurisprudencial desse Supremo que melhor sirva 
 o “bom direito”. 
 Sai, assim, violado o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, 
 consagrado no art. 18º, nº 2, da CRP (vejam-se, a propósito as considerações 
 oportunas que constam do acórdão do TC nº88/2004, in Acórdãos, 58º Vol., pág. 
 
 423).
 
 9. Por fim, por violação dos artigos 1º e 2º da CRP, na medida em que aí estão 
 
 ínsitos os princípios da confiança e da segurança jurídica, que são pilares 
 fundamentais da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos 
 acórdãos. 
 Com efeito, os litigantes, ao acederem aos Tribunais, pedindo-lhes que se faça 
 Justiça, têm legitimas e fundadas expectativas de que as causas sigam uma 
 tramitação processual que lhes assegure, com respeito pelas alçadas, a 
 reapreciação e a revisão das decisões jurisdicionais. E não podem ser 
 circunstâncias meramente aleatórias, como seja, a circunstância da pendência da 
 causa numa determinada data, a obstar, em definitivo, a tal reapreciação e 
 revisão. Se isso acontecer, como se quer fazer entender nestes autos, então o 
 Estado-legislador, ao enunciar friamente o que enunciou nos artigos 11º, nº 1, e 
 
 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/2007, está a frustrar a confiança que os 
 cidadãos devem ter na tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e 
 interesses legalmente protegidos. 
 
         
 Em contra-alegações, os recorridos consideram, em suma, que está vedado ao 
 Tribunal conhecer do recurso, por falta de suscitação da questão de 
 constitucionalidade, no que se refere às normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 877.º 
 do Código Civil, e que o recurso é improcedente  no tocante às disposições dos  
 artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, por se não 
 verificar o invocado vício de inconstitucionalidade material.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Nas suas contra-alegações, os recorridos suscitam a questão do não conhecimento 
 do recurso em relação ao artigo 877.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, por 
 considerarem que não foi cumprido, pelo recorrente, o ónus de suscitação da 
 questão de inconstitucionalidade, no decurso do processo, como exigem os artigos 
 
 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 Tal invocação é, no entanto, inteiramente descabida, porquanto, como resulta com 
 evidência do requerimento de interposição de recurso, o recorrente não indicou o 
 referido preceito como constituindo objecto do recurso, e apenas a ele aludiu 
 nas alegações de recurso em termos meramente circunstanciais, fazendo centrar 
 antes a questão de constitucionalidade tão-somente nas disposições dos artigos 
 
 11º, nº 1, e 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
 
  
 Por outro lado, embora o recorrente, no mesmo requerimento, tenha feito alusão, 
 não apenas às sobreditas normas do Decreto-Lei nº 303/2007, mas também às dos 
 n°s 1, 2 e 3 do artigo 732º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à 
 introduzida por esse diploma, a verdade é que nenhuma referência é feita, nas 
 alegações de recurso, a essas outras disposições – que, aliás, também não 
 constituem ratio decidendi do acórdão recorrido -, pelo que deve entender-se o 
 recorrente operou a restrição tácita do objecto inicial do recurso, não havendo 
 que considerar a questão de constitucionalidade por referência àquele preceito.
 
  
 
 É com esta necessária delimitação que cabe apreciar o mérito do recurso.
 
  
 O Decreto-Lei nº 303/2007 procedeu à reforma dos recursos cíveis, visando 
 essencialmente a simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso 
 ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando as suas funções de orientação e 
 uniformização de jurisprudência. Servindo especificamente o propósito de uma 
 maior uniformização da jurisprudência, o novo diploma, como decorre 
 explicitamente do respectivo preâmbulo, veio implementar duas diferentes medidas 
 legislativas: i) a obrigação que passa a impender sobre o relator e os adjuntos 
 de suscitar o julgamento ampliado da revista sempre que verifiquem a 
 possibilidade de vencimento de uma solução jurídica que contrarie jurisprudência 
 uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça; e, ii) a introdução de um recurso 
 extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno das secções 
 cíveis do Supremo quando este tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja 
 em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação 
 e sobre a mesma questão fundamental de direito.
 
  
 A primeira dessas medidas foi concretizada através da alteração do artigo 732º-A 
 do Código de Processo Civil, que, em matéria de julgamento ampliado de revista, 
 passou a ostentar a seguinte redacção:
 
  
 Artigo 732.º-A
 
 (Uniformização de Jurisprudência)
 
 1. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina, até à prolação do 
 acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das 
 secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a 
 uniformidade da jurisprudência.
 
 2. O julgamento alargado, previsto no número anterior, pode ser requerido por 
 qualquer das partes ou pelo Ministério Público e deve ser sugerido pelo relator, 
 por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, 
 designadamente quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução 
 jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no 
 domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 
 
  
 A segunda resultou do aditamento dos artigos 763º e seguintes, que passaram a 
 instituir um novo recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, à 
 semelhança do que já se sucedera no âmbito do processo penal (artigo 437.º, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal) e do contencioso administrativo (artigo 152.º, 
 n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). 
 
  
 O artigo 763.º do Código de Processo Civil passou então a dispor:
 
  
 Artigo 763.º
 
 (Fundamento do recurso)
 
  
 
 1. As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo 
 Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição 
 com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma 
 legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
 
 2. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito 
 em julgado, presumindo-se o trânsito.
 
 3. O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido 
 estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 A reforma do regime de recursos em processo civil assim gizada entrou em vigor 
 em 1 de Janeiro de 2008, como determina o artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/2007, mas não se aplica aos processos pendentes, nos termos do n.º 1 do 
 artigo 11.º desse mesmo diploma, que, sob a epígrafe “Aplicação no tempo”, 
 prescreve: “[s]em prejuízo do disposto no número seguinte, as disposições do 
 presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua 
 entrada em vigor”.
 Embora o recorrente identifique como objecto do recurso o bloco normativo 
 constituído pelas disposições dos citados artigos 11º, n.º 1, e 12º, n.º1, a 
 interpretação normativa que é censurada é a referente àquele primeiro preceito, 
 e prende-se com a restrição que é feita, no tocante à aplicação no tempo, do 
 novo sistema de recursos. A norma do artigo 12º, por sua vez, limita-se a fixar 
 a data do começo de vigência do diploma, por referência à qual se há-de 
 determinar se um dado processo, considerando o momento da sua entrada em juízo, 
 estava ou não pendente para efeito de ser ou não aplicável o novo regime de 
 recursos.
 
 É, pois, a norma do artigo 11º, n.º 1, que interessa essencialmente considerar, 
 embora esta não possa deixar de ser interpretada em conjugação com o preceito 
 subsequente, para que necessariamente remete num aspecto preciso da sua 
 regulamentação. 
 E essa norma, como bem se vê, tem a natureza de uma disposição de direito 
 transitório, que se destina a regular de modo expresso um problema de sucessão 
 de leis no tempo criado pela entrada em vigor no ordenamento jurídico de um novo 
 regime processual de recursos, e que, de outro modo, teria de ser solucionado 
 por aplicação dos princípios gerais.
 O recorrente pretende, porém, que a limitação dos efeitos do novo regime legal 
 aos processos que se iniciem a partir da entrada em vigor da lei nova (com a 
 consequente exclusão dos processos que se encontrem pendentes a essa data) é 
 susceptivel de violar o principio da igualdade consagrado no  artigo 13º, bem 
 como o princípio da tutela jurisdicional efectiva decorrente do artigo 20º, nºs 
 
 1 e 5, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, expresso no 
 artigo 18º, nº 2, e ainda os princípios da confiança e da segurança jurídica 
 
 ínsitos nos artigos 1º e 2º, todos da Constituição.
 A ideia central que subjaz à argumentação do recorrente de onde decorrem todos 
 os invocados vícios de inconstitucionalidade assenta na seguinte premissa: o 
 legislador quis estabelecer um novo recurso extrordinário para uniformização de 
 jurisprudênca para sanar s situações de oposição de julgados, pelo que lhe está 
 constitucionalmente vedado impedir as partes de utilizar essa garantia 
 processual com base num critério meramente aleatório que se traduza no factor 
 tempo.
 Tomando por base os parâmetros constitucionais da igualdade, da tutela 
 jurisdicional efectiva e do estado de Direito, o Tribunal Constitucional, 
 através do acórdão n.º 383/09, teve já oportunidade de se pronunciar sobre a 
 mesma interpretação normativa que está agora em causa em termos que mantêm plena 
 validade.
 Escreveu-se então o seguinte:
 
 10. […]
 
 É exacto que ao Supremo Tribunal de Justiça, como órgão superior da hierarquia 
 dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal 
 Constitucional (art.º 210.º da CRP) compete, além da comum função de julgamento 
 do caso individual que compartilha com todos os tribunais, a função específica 
 dos supremos tribunais que consiste em procurar assegurar a unidade da ordem 
 jurídica mediante a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos 
 tribunais. Princípio da uniformidade da jurisprudência que se entende sem 
 prejuízo da independência decisória e da liberdade judicativa das instâncias 
 jurisdicionais e da abertura a novas necessidades e a novos problemas da prática 
 jurídica que exijam a assimilação de novos critérios jurídicos. Mas que merece 
 tutela sob pena de os valores da segurança jurídica e da igualdade sofrerem 
 intolerável erosão no momento da aplicação da lei pelos tribunais. O Supremo é 
 chamado a desempenhar, dizendo-o como CASTANHEIRA NEVES, O Instituto dos 
 
 “Assentos” e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, p. 658, a tarefa de 
 
 “conjugar a estabilidade com a continuidade na unidade e como unidade 
 
 (prático-normativa), embora uma estabilidade que, como sabemos, não é nem deverá 
 ser fixidez e uma continuidade que não é nem deverá ser imutabilidade”. Para 
 essa função específica do Supremo Tribunal de Justiça contribuem, no modo 
 organizativo, a unicidade orgânica e a qualificação funcional dos seus Juízes 
 
 (inerente aos critérios de recrutamento e selecção) e, no plano processual, 
 instrumentos como os referidos julgamento ampliado da revista e recurso por 
 oposição de julgados.
 Porém, a mais do que aquilo que resulta da consagração constitucional da 
 hierarquia dos tribunais, trata-se de finalidade prosseguida pelo direito de 
 organização judiciária e processual infra-constitucional. E, ainda que se 
 considere possível retirar da Constituição, designadamente dos princípios da 
 segurança jurídica e da igualdade, a imposição ao legislador de um dever de 
 consagrar medidas organizatórias e instrumentos processuais especificamente 
 ordenados à prossecução do interesse da uniformização da jurisprudência,  
 tratar-se-á sempre de uma exigência de protecção institucional objectiva da 
 unidade da ordem jurídica, não de um direito subjectivo ou situação activa 
 equiparada dos cidadãos ( de cada cidadão litigante) a deduzir uma pretensão 
 dirigida à manutenção ( ou pelo menos à uniformização ) da jurisprudência. Como 
 no Acórdão nº 574/98 (Acórdãos, 41º, 149, 162) se afirmou “ não existe na Lei 
 Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro do processo civil, a 
 existência de um recurso para uniformização de jurisprudência”, pelo que não 
 pode considerar-se violados os preceitos constitucionais que a recorrente invoca 
 por lhe não ser aberta tal via processual. 
 
 11. O que, com maior credibilidade argumentativa, poderia perspectivar-se por 
 confronto com o princípio da igualdade seria o facto de, perante decisões do 
 Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão fundamental de direito tomadas 
 a partir do momento em que foi reintroduzido o recurso por oposição de acórdãos, 
 a uns interessados ser possível interpor recurso extraordinário para 
 uniformização de jurisprudência (obviamente, em ordem a obter que a divergência 
 se resolvesse em sentido favorável à sua pretensão) e a outros não assistir tal 
 faculdade, apenas em função do momento em que a acção foi instaurada. Abreviando 
 o passo, saber se passa o teste da proibição do arbítrio a norma transitória que 
 escolhe como factor determinante para negar este recurso – cuja (re)introdução 
 pelo legislador significa o reconhecimento do seu contributo para a melhor 
 aplicação do direito – o facto de o processo onde a decisão é proferida se 
 encontrar  já pendente à data da entrada em vigor da lei nova. 
 Como é de uso repetir-se, o princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 
 
 13.º da Constituição, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia 
 geral de proibição de arbítrio. O que ele proíbe ao legislador não é que 
 estabeleça distinções: proíbe-lhe, isso sim, que estabeleça distinções de 
 tratamento materialmente infundadas, irrazoáveis ou sem justificação objectiva e 
 razoável.
 No caso, o factor de diferenciação escolhido, no que concerne ao recurso para o 
 Pleno das secções cíveis, é o momento em que a acção foi proposta. O legislador 
 pretendeu resolver os complexos problemas de aplicação da lei processual no 
 tempo mediante uma norma de direito transitório que assegurasse que nas acções 
 propostas antes da entrada em vigor da lei nova os interessados conservassem 
 
 (positiva e negativamente) os meios de impugnação das decisões judiciais nela 
 proferidas que lhes eram reconhecidos no domínio da lei antiga. Esta solução não 
 se mostra irrazoável, sem justificação objectiva ou fundamento material, sendo 
 inspirada por óbvias preocupações de certeza e segurança jurídicas e de 
 protecção da confiança. Com efeito, há que ter presente, além de que a 
 estratégia processual das partes pode ter-se orientado em função dos meios 
 impugnatórios existentes, o facto de ao interesse de uma das partes em mais uma 
 via de recurso se contrapôr o interesse da outra parte em dar a discussão por 
 finda com a decisão que se lhe revela favorável. Assim, a ponderação legislativa 
 que levou à referida norma de direito transitório que torna a lei nova 
 inaplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, mesmo na 
 parte em que introduz a faculdade de recurso para o pleno das secções cíveis 
 para uniformização de jurisprudência, pode ser solução de mérito duvidoso, mas 
 não pode ser apodada de arbitrária.
 Estas considerações são perfeitamente transponíveis para o caso vertente e 
 conduzem inevitavelmente à improcedência da argumentos invocados pelo 
 recorrente.
 
  
 Na verdade, contrariamente ao que vem afirmado, a exclusão do novo de recurso 
 extraordinário para uniformização de jurisprudência em relação aos processos 
 pendentes à data da entrada em vigor da nova lei não assenta em qualquer factor 
 arbitrário ou aleatório, mas decorre de um facto processualmente relevante que é 
 o começo de vigência da nova lei. O que basicamente está em causa é uma 
 diferença de regimes decorrente da normal sucessão de leis, havendo que 
 reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento 
 do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. E nem é 
 sequer possível estabelecer um termo de comparação entre a situação dos sujeitos 
 processuais cujas acções entraram em juízo no domínio da lei precedente e a 
 daqueles outros cujos processos já se iniciaram na vigência da nova lei, e que, 
 por isso, ficam já subordinados ao novo regime legal. A diferenciação de 
 tratamento baseia-se, neste caso, numa distinção objectiva de situações e esta 
 distinção, por sua vez, encontra justificação num fundamento material bastante, 
 qual seja a entrada em vigor de um novo regime processual em matéria de recursos 
 cíveis. De resto, como o Tribunal tem sistematicamente afirmado, o «princípio de 
 igualdade não opera diacronicamente» (acórdãos nº 43/88, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 11º vol. pág. 565 e Acórdão n.º 309/93) ou, pelo menos, não 
 opera diacronicamente de forma a impedir a sucessão de leis no tempo (acórdãos 
 n.ºs 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08.
 
  
 
 É também evidente que não há qualquer violação do princípio da protecção da 
 confiança.
 
  
 Este conceito, como decorrência do princípio do Estado de Direito democrático,  
 postula  «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na 
 ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de 
 segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente 
 criadas». Nesse sentido, só uma «normação que, por natureza, obvie de forma 
 intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e 
 segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, 
 como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser 
 entendida como não consentida pela a lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 
 
 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65).
 
  
 Ora, no caso vertente, o recorrente não tinha qualquer expectativa de poder 
 lançar mão de um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, como 
 o que veio a ser admitido por força da aditamento das normas dos artigos 763º e 
 seguintes do Código de Processo Civil, porque justamente no momento em que 
 propôs a acção não era esse o regime legal vigente, o qual apenas passou a 
 entrar em vigor na pendência do processo. E, por outro lado, o recorrente 
 dispunha de um outro mecanismo destinado a assegurar a uniformidade da 
 jurisprudência, mediante o julgamento ampliado da revista que estava previsto no 
 artigo 732º-A do mesmo Código, que igualmente implicava a intervenção do 
 plenário das secções cíveis, e que satisfazia já o interesse processual de 
 prevenção de um eventual conflito de jurisprudência.
 
  
 Não pode, por isso, afirmar-se que a norma do artigo 11º, n.º 1, do Decreto-Lei 
 n.º 303/2007, ao afastar a retrospectividade na aplicação do novo regime de 
 recursos, tenha afectado de forma inadmissível as expectativas jurídicas do 
 recorrente, quando é certo que este tinha à sua disposição um meio processual 
 adequado a assegurar a uniformidade da jurisprudência e não poderia contar, 
 legitimamente, no momento em que propôs a acção, com um qualquer outro 
 expediente alternativo para atingir esse mesmo objectivo.
 
  
 E é também claro que não há qualquer violação do artigo 20º da Constituição 
 porque dessa norma não resulta que o legislador tenha de assegurar 
 imperativamente e sem restrições um duplo grau de recurso e, por maioria de 
 razão, nem ela impõe qualquer exigência de um duplo grau de recurso no seio do 
 tribunal de cúpula da ordem jurisdicional comum para efeito de garantir a 
 uniformização de jurisprudência (cfr., entre outros, acórdãos do TC n.ºs 209/90, 
 
 189/2001, 261/2002 e 490/2003).
 
  
 Resta verificar se interpretação normativa aqui em causa implica, como vem 
 alegado, uma violação do disposto no artigo 18º, nº 2, do CPP.
 
  
 Como pressuposto material para a restrição de direitos, liberdades e garantias, 
 o princípio da proporcionalidade genericamente considerado  impõe que a solução 
 normativa se revele como idónea para a prossecução dos fins visados pela lei, se 
 mostre necessária por não ser viável ou exigível que esses fins sejam obtidos 
 por meios menos onerosos para os direitos dos cidadãos, e se apresente ainda 
 como uma medida razoável, e, por isso mesmo, não excessiva ou desproporcionada 
 
 (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª 
 edição, Coimbra, págs. 392-393).
 
  
 Conforme vem sendo sublinhado pelo Tribunal Constitucional, «[s]ó as normas 
 restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e 
 alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir 
 pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de 
 exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental». 
 Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar 
 efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele se mostre desadequado e 
 desproporcionado de modo a que possa dificultar gravemente o exercício concreto 
 do direito em causa (acórdão n.ºs 413/89, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 15 de Setembro de 1989, cuja doutrina foi refirmada, designadamente, 
 no acórdão n.º 247/02).
 
  
 Sendo assim, só poderia considerar-se verificada a violação do princípio da 
 proporcionalidade relativamente ao direito de acesso à justiça e aos tribunais 
 se estivéssemos na presença de uma efectiva restrição ao exercício desse direito 
 ou, de outro modo, perante um condicionamento que se mostrasse excessivo ou 
 desproporcionado.
 
  
 Desde logo, a norma em si não afecta o conteúdo de um direito fundamental, mas 
 apenas regulamenta a produção de efeitos de um novo diploma legal; nesse 
 sentido, a norma não tem um carácter restritivo de direitos e nem sequer opera o 
 preenchimento ou desenvolvimento legislativo do conteúdo de um direito (quanto à 
 distinção entre restrição e regulamentação, Jorge Miranda, Manual de Direito 
 Constitucional, Tomo IV, 3ª edição, Coimbra, págs. 329-330). E, para além disso, 
 o recurso para uniformização de jurisprudência, como se deixou esclarecido, não 
 integra o direito de acesso aos tribunais, pelo que, também por essa razão, não 
 poderia considerar-se a existência de uma restrição de direito fundamental.
 
  
 Revertendo ao caso concreto, o que se constata é que o artigo 11º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007 se limitou a estabelecer uma norma de direito 
 transitório material destinada a adaptar o novo regime legal introduzido por 
 esse diploma às situações existentes no momento da sua entrada em vigor. Como se 
 observou já, o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na definição 
 do regime de aplicação da lei no tempo, havendo de atender a considerações de 
 política legislativa que possam justificar a aplicação da nova lei a relações já 
 constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor ou apenas a factos 
 novos.
 
  
 Nestes termos, o referido preceito limita-se a consignar uma das soluções 
 possíveis de regulação da transição entre dois regimes jurídicos.
 
  
 Nada permite concluir, por conseguinte, pela violação do disposto no artigo 18º, 
 n.º 2, da Constituição.
 
  
 Termos em que o recurso se mostra ser inteiramente improcedente. 
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a 
 decisão recorrida.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
 
  
 Lisboa, 27 de Outubro de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão