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Processo n.º 600/09 
 
 
 
 1ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira 
 
 
 EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO 
 
 
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 
 
 
 Relatório 
 
 
 
 1. A fls. 55 destes autos foi proferida a seguinte decisão sumária: 
 
 
 
 «Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se: 
 
 
 
 1. No processo crime que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Loures, 
 o arguido A. requereu uma diligência de prova, pedido que o tribunal entendeu 
 dever apreciar «oportunamente». O arguido recorreu do despacho para a Relação de 
 Lisboa, mas o recurso não foi recebido «por manifesta falta de interesse em agir», 
 em virtude de se haver considerado que «nenhuma decisão» contrária aos 
 interesses do requerente ter sido, então, «proferida». 
 
 
 
 2. Inconformado, o arguido reclamou da decisão de rejeição do recurso para o 
 Presidente da Relação de Lisboa, concluindo que «o entendimento emergente quanto 
 
 à norma adjectiva que sustenta a decisão de rejeição do recurso, a do artigo 401.º, 
 n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, viola os imperativos 
 constitucionais constantes dos artigos 3.º, n.º 2, 9º, alínea b), 13.º, 20.º, n.ºs 
 
 1, 4 e 5, 32º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 203.º da Constituição da República 
 Portuguesa, o que se deixa aqui expressamente arguido para todos os legais 
 efeitos, considerando-se correcta a interpretação de que o arguido tem 
 legitimidade e interesse em agir sempre que em causa esteja recurso, de qualquer 
 tipo, sobre decisão que impeça ou dificulte a prova da sua inocência em tempo 
 
 útil para evitar condenação, cabendo aos tribunais assegurar esses direitos em 
 igualdade de condições de cidadania e em submissão à lei e à constituição». 
 
 
 
 3. Mas a reclamação foi indeferida nos seguintes termos: 
 
 
 
 ?Nos termos do art. 399.º e 401.º, n.º 1 al. b) CPP o arguido tem legitimidade 
 para recorrer de quaisquer decisões contra ele proferidas, não podendo recorrer 
 quem não tiver interesse em agir (art. 401.º, n.º 2 CPP). 
 
 
 A decisão de que o arguido pretendia recorrer é a seguinte: 
 
 
 
 ?Oportunamente, o Tribunal decidirá da pertinência da reconstituição requerida?, 
 sendo que esse despacho foi proferido face ao requerimento do arguido em que 
 este no seio da sua contestação requeria a reconstituição do facto, nos termos 
 do disposto no art. 150.º n.º 1 do CPP. 
 
 
 Como se escreveu na reclamação n.º 3912/08 da 3.ª Secção deste Tribunal da 
 Relação de Lisboa: ?...para recorrer, não basta ter legitimidade; é necessário 
 também possuir ?interesse em agir? (art. 401.º n.º 2, do CPP). E o ?interesse em 
 agir? é o interesse em recorrer ao processo, na perspectiva de o direito do 
 recorrente estar necessitado de tutela. 
 
 
 Mas ?não se trata de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago. É 
 antes algo de intermédio: um estado de coisas reputado bastante grave para o 
 demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária? (Simas 
 Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 1988, pp. 32 e 33). 
 
 
 Será na perspectiva dada pelo recurso e perante os efeitos pretendidos com o 
 mesmo em confronto com o sistema legal que regula a área da pretensão formulada 
 que se poderá aferir do interesse do recorrente em agir.? 
 
 
 Ora, no caso em apreço, a pretensão do arguido não foi ainda apreciada e objecto 
 de decisão final, devidamente fundamentada, no sentido de deferir ou indeferir a 
 requerida reconstituição do facto, razão pela qual não se pode considerar o 
 mesmo minimamente afectado pelo despacho de que pretendia recorrer. 
 
 
 A questão da oportunidade da prolação do despacho que decidir o indicado 
 requerimento é matéria que poderá ser objecto de apreciação no eventual recurso 
 que possa recair sobre o hipotético indeferimento da diligência, certo é que 
 nesta fase o arguido não tem o anunciado interesse em agir, como foi dito, e bem, 
 no despacho que não admitiu o recurso. 
 
 
 Quanto à alegada inconstitucionalidade, há apenas a referir que se é verdade que, 
 nos termos do n.º 2 do artigo 20.º da CRP, ?a todos é assegurado o acesso aos 
 tribunais para defesa dos seus direitos?, não é menos correcto afirmar que a 
 Constituição não impõe que todas as decisões judiciais sejam susceptíveis de 
 impugnação por via de recurso. Na realidade, o direito ao recurso não é um 
 direito ilimitado e absoluto, sendo por isso perfeitamente legítimo e 
 constitucional que o legislador estabeleça regras limitativas a tal direito, 
 reservando esse importantíssimo direito para os casos de maior dignidade (neste 
 mesmo sentido veja-se o Ac. do Trib. Constitucional de 20.03.1996; Bol. do Min. 
 da Just., 455, 535). (?)?. 
 
 
 
 4. É desta decisão que o arguido pretende recorrer para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 
 
 28/82 de 15 de Novembro ? LTC) para apreciação da inconstitucionalidade da norma 
 contida no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na 
 interpretação de que o arguido não tem interesse em agir perante uma decisão «que 
 lhe cerceia os meios de prova», por tal entendimento ser, no seu entender, 
 violador dos imperativos dos artigos 3.º, n.º 2, 9.º, alínea b), 13.º, 20.º n.ºs 
 
 1, 4 e 5, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2 e 203.º da Constituição da República 
 Portuguesa, concomitantemente com o seu artigo 20.º, n.º 2. 
 
 
 
 5. É pressuposto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC que a questão de inconstitucionalidade seja invocada por referência 
 a uma norma e não por imputação à própria decisão recorrida. 
 
 
 Todavia, no presente caso, a alegação de inconstitucionalidade é claramente 
 imputada à decisão de rejeição do recurso, e não à norma que nela se aplicou; ou 
 seja, a inconstitucionalidade assenta ponderação de que, ao contrário do que 
 entendeu o tribunal a quo, o arguido tem efectivamente interesse em recorrer do 
 despacho que não ordenou, de imediato, a diligência de prova por si requerida. 
 Pretende, pois, o recorrente fazer inverter a decisão proferida, negando o seu 
 fundamento, por entender que, ao contrário do que se afirma nessa decisão, tem 
 interesse em agir. É, portanto, no juízo de avaliação do seu interesse 
 processual que residiria a desconformidade constitucional que se pretende ver 
 apreciada. Todavia, o recurso de inconstitucionalidade, em fiscalização concreta, 
 só pode ter na sua base a apreciação de normas, razão pela qual o recurso não 
 apresenta objecto idóneo, não podendo ser conhecido. 
 
 
 
 6. Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 
 do Tribunal Constitucional, decide-se não tomar conhecimento do objecto do 
 presente recurso. [...]» 
 
 
 
 2. Inconformado com esta decisão sumária, dela reclama o recorrente para a 
 conferência nos seguintes termos: 
 
 
 
 «[...] A decisão sumária proferida rejeita o recurso de inconstitucionalidade 
 interpretativa das normas aplicadas com fundamento essencial na falta de 
 pressupostos processuais no que tange à adequação formal, por, alegadamente, se 
 estar imputando a inconstitucionalidade à decisão de rejeição do recurso e não à 
 norma que nela se aplicou. 
 
 
 Salvo o devido e merecido respeito, que muito é, falece razão a uma tal tese 
 porquanto o recorrente identificou perfeitamente a norma em que assenta a 
 decisão de inadmitir o recurso ? a do art.º 401.º, n.º 1, al. b), CPP ? e 
 sumariou, daquilo que logrou percepcionar, o sentido que o tribunal a quo lhe 
 deu, qual seja a de que ?o recorrente, ali arguido, não tem interesse em agir 
 ante uma decisão que lhe cerceia os meios de prova por reconstituição de facto 
 por inexistir decisão definitiva, antes uma indexação para momento posterior 
 
 (?)?. 
 
 
 E esta é, insofismavelmente, a interpretação da norma que ambas as instâncias 
 fazem, ? o TRL por mera adesão ? coincidente com o teor da decisão, que outra 
 ali não vem expressa, para além das transcrições e citações jurisprudenciais. 
 
 
 
 É também o que resulta da primária suscitação de inconstitucionalidade efectuada 
 a art.º l5.º da referida reclamação: ?Pelo que o entendimento emergente quanto à 
 norma que sustenta a decisão de rejeição do recurso (...)?. 
 
 
 Ora, se o tribunal recorrido é lacónico na fundamentação e esta se resume 
 basicamente ao texto decisório, sem mais, não pode o recorrente arguínte de 
 inconstitucionalidade interpretativa da norma assentar noutra matéria quanto ao 
 emanente entendimento que não a que ficou consignada no próprio texto decisório. 
 
 
 Não está em causa a decisão mas, de forma simples e clarividente, a 
 interpretação da norma em que ela assenta e que faz parte do próprio texto 
 decisório, repete-se. 
 
 
 Carece, pois, o recurso de reapreciação nesta sede, até pela enormidade do erro 
 jurídico-interpretativo que se quer ver sindicado, que decapita o inderrogável 
 direito de um qualquer arguido à defesa plena, com acesso a todos os meios de 
 prova não proibidos por lei, e ao recurso, imperativos maiores do art.º 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição, maxime as convenções internacionais sobre direitos humanos 
 ratificadas pelo Estado Português e a elas obrigado. 
 
 
 Acolhe-se, pois, o arguido/recorrente, à sapiência de V. Ex.cias, na esperança 
 da almejada JUSTIÇA!» 
 
 
 
 3. O representante do Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no 
 sentido do indeferimento da reclamação. 
 
 
 Fundamentos 
 
 
 
 4. A decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso fundamentou-se na 
 circunstância de o recorrente imputar a inconstitucionalidade à decisão de 
 rejeição do recurso e não a qualquer norma que nessa decisão haja sido aplicada. 
 
 
 Contesta o reclamante este fundamento, esclarecendo que a norma impugnada seria 
 esta: ?o recorrente, arguido, não tem interesse em agir ante uma decisão que lhe 
 cerceia os meios de prova por reconstituição de facto por inexistir decisão 
 definitiva, antes uma indexação para momento posterior (?)?. 
 
 
 Simplesmente, esta formulação evidencia a errada perspectiva em que assenta a 
 pretensão em análise. Na verdade, e tal como se afirmou na decisão sumária em 
 causa, o recurso pretende fazer sindicar o entendimento, perfilhado pelo 
 tribunal a quo, de que o arguido não teria interesse processual em recorrer do 
 despacho que não ordenou, de imediato, a diligência de prova por si requerida. 
 Visa, portanto, o reclamante fazer inverter a decisão proferida, negando o seu 
 fundamento, por entender que, ao contrário do que se afirma nessa decisão, tem 
 interesse em agir. Tal como se afirmou na decisão sumária em crise, é no juízo 
 de avaliação do seu interesse processual que residiria a desconformidade 
 constitucional que o recorrente pretende ver apreciada neste recurso. Ora, uma 
 coisa é o critério jurídico-normativo que preside à solução do caso, ou seja, a 
 norma aplicada; outra, é a actividade jurisdicional de preenchimento dos 
 pressupostos jurídicos de aplicação da norma, ou seja, a decisão em si mesmo 
 considerada. O reclamante contesta precisamente a avaliação operada pelo 
 tribunal recorrido quanto ao pressuposto jurídico de aplicação da norma, o seu 
 interesse processual, e não o critério normativo segundo o qual só tem 
 legitimidade para recorrer quem «tiver interesse em agir» (n.º 2 do artigo 401º 
 do Código de Processo Penal), que foi a norma efectivamente aplicada como razão 
 de decidir da decisão recorrida. 
 
 
 Todavia, o recurso de inconstitucionalidade, em fiscalização concreta, só pode 
 ter na sua base a apreciação de normas, razão pela qual o recurso não pode ser 
 conhecido. 
 
 
 Decisão 
 
 
 
 5. Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão 
 sumária de não conhecimento do objecto do recurso. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. 
 
 
 Lisboa, 30 de Setembro de 2009 
 
 
 Carlos Pamplona de Oliveira 
 
 
 Maria João Antunes 
 
 
 Gil Galvão