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Processo n.º 943/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 10 de Dezembro de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto (TRP), de 14 de Julho de 2008, que, concedendo provimento a 
 recurso do Ministério Público contra o acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª Vara 
 Criminal da Comarca do Porto, de 7 de Fevereiro de 2008, que suspendera pelo 
 período de 4 anos e 6 meses a execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão que 
 lhe fora aplicada pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, 
 previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de 
 Janeiro, por referência às Tabelas IA e IC anexas a tal diploma, manteve a 
 anterior condenação na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
 
             De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o 
 recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie «sobre a 
 ilegalidade / inconstitucionalidade decorrente da completa desconsideração e, 
 assim, exclusão do subjacente ao preenchimento do invocado conceito de 
 
 ‘humanidade’, enquanto substrato co‑vinculante para determinar‑se a suspensão da 
 pena de prisão aplicada, para nós, com o sempre mui grande e elevado respeito 
 por melhor e douta opinião, plenamente contemplado e abarcado no n.º 1 do artigo 
 
 50.º do Código Penal (‘condições da sua vida’ – do arguido), na novel redacção 
 da Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, necessariamente preponderante e 
 prevalecente quando é posto em crise o ‘direito à saúde’ e / ou o ‘direito à 
 vida’ do arguido, em violação dos artigos 64.º, n.º 1, e / ou 24.º, n.º 1, ambos 
 da Constituição da República Portuguesa, destarte também violando o naquela 
 apontada norma substantiva, ao desaplicá‑la no sentido propugnado pelo Tribunal 
 Colectivo e pelo arguido – porque não mera faculdade do Tribunal, mas antes um 
 poder‑dever, ou poder funcional, cuja aplicação se mostrava e é a adequada, 
 formal e materialmente, em termos de prevenção geral e de prevenção especial e 
 da realização da justiça penal –, e, bem assim, o n.º 1 do artigo 205.º da 
 Constituição da República Portuguesa, tal como o n.º 4 do artigo 97.º do Código 
 de Processo Penal, por falta de fundamentação decisória, a propósito – maxime, 
 
 ‘de facto’ –, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC». 
 Mais referiu ter suscitado tais questões em sede de resposta à motivação do 
 recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto e também na 
 resposta apresentada, ao abrigo do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal (CPP), quanto ao parecer emitido pelo representante do Ministério Público 
 junto do Tribunal da Relação.
 
             O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRP, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
             Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
             Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.»
 
  
 
             3. No presente caso, o recorrente não suscitou – designadamente nas 
 peças processuais por ele identificadas – qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, limitando‑se a defender a correcção da decisão 
 de suspensão da execução da pena de prisão em que fora condenado.
 
             A argumentação por ele desenvolvida na resposta à motivação do 
 recurso do Ministério Público foi sintetizada nas seguintes conclusões:
 
  
 
             «1 – O douto acórdão recorrido, tomado por unanimidade, fez uma 
 correcta apreciação, ponderação e valoração da prova, subsunção e aplicação do 
 direito adjectivo e substantivo aplicável, na bastante censura da conduta do 
 arguido e da sua desejada e plena reinserção social, em liberdade.
 
             2 – A suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, em regime 
 de prova e sujeito a obrigações é, in casu, formal e materialmente a adequada e 
 em termos de prevenção geral e especial – maxime, de ‘humanidade’.
 
             3 – Na procedência do recurso do Ministério Público, em concreto 
 
 (face ao já ocorrido em E. P.), ficariam em crise o ‘direito à saúde’ e / ou o 
 
 ‘direito à vida’ do respondente.
 
             4 – Pelo que seriam violados os artigos 64.º, n.º 1, e / ou 24.º, 
 n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»
 
  
 
             Como é patente, não foi suscitada pelo então recorrido qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, não sendo imputado a qualquer norma 
 ou interpretação normativa, dotadas de generalidade e abstracção, a violação de 
 normas ou princípios constitucionais, limitando‑se o recorrente a sustentar a 
 justeza da concreta decisão judicial que havia concedido a suspensão da 
 execução da pena de prisão.
 
             De igual modo, nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa 
 foi suscitada pelo recorrente na resposta ao parecer do Ministério Público no 
 Tribunal da Relação do Porto. E nem sequer no requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional – apesar de tal ser manifestamente modo 
 e momento inadequados para o efeito – logrou o recorrente enunciar, com o mínimo 
 de precisão e clareza, um critério normativo cuja conformidade constitucional 
 pudesse ser apreciada por este Tribunal, limitando‑se a criticar directamente a 
 decisão judicial de não suspensão da execução da pena de prisão, por a reputar 
 injusta e desrespeitadora do princípio da «humanidade», atentas as 
 características especiais do caso concreto.
 
             Não tendo o recorrente suscitado, em termos adequados, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, o 
 presente recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do 
 seu objecto.”
 
             
 
                         1.2. A reclamação do recorrente assenta nos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
             “1. Naquela Decisão Sumária, com relevo, tem‑se que:
 
             a) A admissão do recurso pelo «Desembargador Relator do TRP ... não 
 vincula o Tribunal Constitucional ...»;
 
             b) «A competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao 
 controlo da inconstitucionalidade normativa ...» e «tratando‑se de recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC … a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada ‘durante o processo’, ‘de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer’ ..., e de a decisão recorrida ter 
 feito aplicação, como sua ratio decidendi, das suas dimensões normativas 
 arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente»; e,
 
             c) «Quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de 
 uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com um mínimo 
 de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como ‘na 
 interpretação dada pela decisão recorrida’ ou similares».
 
             Isto posto,
 
             2. Sendo inequívoco o em 1. a), não menos o é que no entendimento 
 daquele Venerando Desembargador Relator – e no nosso, percute‑se – a questão da 
 ilegalidade/inconstitucionalidade havia sido – e havia sido adequadamente – 
 suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado e em termos de o 
 tribunal recorrido estar obrigado a dela conhecer.
 
             3. Sustenta‑se na, aliás douta, Decisão Sumária que «no presente 
 caso, o recorrente não suscitou – designadamente nas peças processuais por ele 
 identificadas – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 limitando‑se a defender a correcção da decisão de suspensão da execução da pena 
 de prisão em que fora condenado». Será assim?
 
             4. Aqui chegados, atente‑se nos teores do
 
             a) Requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional:
 
             « (…) A., arguido no processo em epígrafe referenciado e nele melhor 
 identificado, em vista do no, aliás douto, acórdão datado de 17 de Julho de 
 
 2008, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em Secção, a fim 
 de este pronunciar‑se sobre a ilegalidade/inconstitucionalidade decorrente da 
 completa desconsideração e, assim, exclusão do subjacente ao preenchimento do 
 invocado conceito de ‘humanidade’, enquanto substrato co‑vinculante para 
 determinar‑se a suspensão da pena de prisão aplicada, para nós, com o sempre mui 
 grande e elevado respeito por melhor e douta opinião, plenamente contemplado e 
 abarcado no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal (‘condições da sua vida’ – do 
 arguido), na novel redacção da Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, necessariamente 
 preponderante e prevalecente quando é posto em crise o ‘direito à saúde’ e/ou o 
 
 ‘direito à vida’ do arguido, em violação dos artigos. 64.º, n.º 1, e/ou 24.º, 
 n.º 1, ambos da CRP, destarte também violando o naquela apontada norma 
 substantiva, ao desaplicá‑la no sentido propugnado pelo Tribunal Colectivo e 
 pelo arguido – porque não mera faculdade do Tribunal, mas antes um poder‑dever, 
 ou poder funcional, cuja aplicação se mostrava e é a adequada, formal e 
 materialmente, em termos de prevenção geral e de prevenção especial e da 
 realização da justiça penal –, e, bem assim, o no n.º 1 do artigo 205.º da CRP, 
 tal como o no n.º 4 do artigo 97.º do CPP, por falta de fundamentação decisória, 
 a propósito – maxime, ‘de facto’ –, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC.
 
             Estas questões foram suscitadas pelo recorrente, em sede de resposta 
 
 (n.º 1 do artigo 413.º do CPP – v., também, a resposta, nos termos do n.º 2 do 
 artigo 417.º do CPP) e dela decorrem.
 
             O recurso interposto segue os termos do recurso cível de apelação, 
 com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
 
             E porque legal e tempestivo, requer a V. Ex.as se dignem admiti‑lo.»
 
  
 
             b) Resposta, nos termos do n.º 1 do artigo 413.º do CPP:
 
             «(…) A – Introdução:
 
             Inconformado, interpôs o Ministério Público recurso do doutíssimo 
 acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo, em 7 de Fevereiro de 2008.
 
             Com o sempre mui grande e elevado respeito, diga‑se, todavia, que 
 não tem qualquer base sólida em que se alicerce.
 
             Isto, porque essa, percute‑se, douta decisão não merece um qualquer 
 reparo ou a mínima censura.
 
             Suficiente seria oferecer o merecimento dos autos e propugnar a sua 
 manutenção.
 
             No entanto, permita‑se focar alguns aspectos que, por certo, 
 contribuirão para uma melhor apreciação.
 
             Assim,
 
             Com relevo, colhe‑se do referido Acórdão:
 
             ‘1. (…) Para fundamentar a abertura da audiência, este arguido 
 alegou que:
 
             Foi condenado, por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça de 26 de Abril de 2007, na pena de quatro anos e seis meses de prisão 
 efectiva;
 
             Dispõe o artigo 2.º, n.º 3, do Código Penal que “quando as 
 disposições penais vigentes no momento ... da prática do facto punível forem 
 diferentes das estabelecidas em leis penais posteriores, é sempre aplicado o 
 regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”;
 
             A redacção do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal antes e à data da 
 prolação do aresto do STJ obstava à substituição de tal pena por pena suspensa;
 
             A novel redacção do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, introduzida 
 pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, consagra regime mais favorável para o 
 arguido ao estatuir que o Tribunal pode suspender a execução da pena de prisão 
 aplicada em medida não superior a cinco anos;
 
             O simples alargamento da pena de prisão de três para cinco anos 
 impõe a reapreciação da condenação em pena efectiva, o que se requer;
 
             Requereu também e em conformidade que fosse produzida prova 
 suplementar sobre a sua personalidade, condições de vida e conduta posterior ao 
 crime, para que, a final, lhe fosse suspensa a execução da pena de prisão 
 imposta, por ter como esbatidas as exigências punitivas, em termos de prevenção 
 geral e de prevenção especial e desaconselhada a aplicação/cumprimento da pena 
 efectiva de prisão.
 
             Face ao que, “procedeu‑se à audiência de discussão e julgamento com 
 observância do legal formalismo, nada impedindo o conhecimento do mérito da 
 causa”.
 
  
 
             2. Donde, a mais, terem resultado provados os seguintes factos 
 novos, ‘com interesse para a presente decisão’:
 
             ‘(…) Efectuado exame médico‑legal ao arguido, concluiu a Ex.ma 
 Perita que, de acordo com a informação clínica de que dispunha, foi 
 diagnosticado àquele:
 
             Infecção VIH, com carga vírica não detectada e CD4+0426/mmc em 
 
 2/11/2007 e SIDA, diagnosticada por pneumonia pneumocystis carinii, em Novembro 
 de 1998, estando o arguido a ser seguido no Hospital Joaquim Urbano desde 1986, 
 sob tratamento anti‑retrovírico;
 
             Hepatite C crónica tratada em 2006 e com resposta virológica 
 mantida;
 
             Linfoma não Hogkin de grandes células B, diagnosticado em 2004, 
 tratado com quimioterapia e radioterapia, actualmente em seguimento na consulta 
 de hematologia clínica do Hospital Geral de Santo António;
 
             Apneia do Sono à qual é seguido no Hospital Geral de Santo António, 
 encontrando‑se em tratamento com oxigénio nocturno, tendo a Ex.ma Perita 
 esclarecido em audiência que pode existir risco de paragem respiratória caso não 
 seja assegurado tal tratamento;
 
             Hipotiroidismo, diagnosticado durante o tratamento com “interferão e 
 ribavirina”, sob tratamento de Thirax;
 
             Efectuou cirurgia a varizes, sendo seguido em consulta de cirurgia 
 vascular do HGSA; esclareceu a Ex.ma Perita em audiência que, em caso de 
 imobilização prolongada, este tipo de doença pode originar tromboses;
 
             Da avaliação clínica efectuada durante o exame referiu a Ex.ma 
 Perita a presença de tosse e expectoração purulenta com 2‑3 semanas de evolução 
 e cefaleias esporádicas, o examinado referiu hipersudorese nocturna até há 
 alguns dias antes do exame.
 
             Na exploração física efectuada foi detectada hepatomegalia de 3 cm e 
 adenopatias cervicais infracentimétricas, móveis e não dolorosas; esclareceu a 
 Perita que tal patologia é consequência da radioterapia a que o arguido foi 
 sujeito, podendo a mesma agravar‑se, pelo que exige vigilância médica.
 
             Segundo esclareceu ainda a mesma Perita em audiência, as patologias 
 de que sofre o arguido estão neste momento estáveis porque controladas através 
 de tratamento médico e medicamentosos. Mais esclareceu que este estado de saúde, 
 para além de tais tratamentos, exige que o arguido seja objecto de vigilância 
 médica regular, tenha alimentação variada e adequada e ainda outros cuidados, 
 nomeadamente evitar apanhar frio, correntes de ar e humidade.
 
             A subsistência do agregado do arguido continua a ser assegurada 
 pelas verbas provenientes da sua reforma por invalidez no valor de € 230 
 mensais, e ainda pelos subsídios auferidos pela esposa em sede de rendimento 
 social de inserção no valor mensal de € 290, uma vez que não está inserida 
 laboralmente e do abono de família no valor mensal de € 50. Para fazer face às 
 despesas conta ainda o agregado com o apoio da sogra.
 
             Ao nível da dinâmica familiar, verifica‑se maior estabilidade 
 relativamente a tempos passados em que era frequente a conflitualidade que se 
 enquadrava no estilo de vida do arguido, condicionado pela sua 
 toxicodependência.
 
             Actualmente, as repercussões dessa vivência fazem‑se sentir no seu 
 estado de saúde, que requer cuidados continuados de acompanhamento clínico e de 
 prescrição medicamentosa, nomeadamente substitutiva de opiáceos e para as outras 
 doenças de que padece. Neste contexto, quando em liberdade, o quotidiano do 
 arguido estava preenchido nas inúmeras deslocações que efectua às várias 
 instituições de saúde que o acompanham (Hospital Geral de Santo António, 
 Hospital Joaquim Urbano e antigo CAT Oriental, agora designado de Centro de 
 Resposta Integrada Oriental).
 
             No contexto sócio‑residencial, a imagem do arguido encontra-se 
 marcada pelo seu percurso de toxicodependente e de contactos com a justiça, 
 apesar de, actualmente, lhe ser reconhecido maior enquadramento normativo.
 
             O arguido beneficia do apoio da sua esposa e filhas.
 
             Durante a sua actual detenção, que ocorreu em 4 de Janeiro de 2008, 
 o arguido já emagreceu alguns quilos, de forma visível.
 
             Em audiência, o arguido referiu‑se às suas condições pessoais 
 actuais, designadamente ao seu estado de saúde, dizendo que no EP não lhe foi 
 assegurado oxigénio nocturno e que se encontra a tomar metadona e não o 
 medicamento denominado “Subtex”, que tomava quando em liberdade, o que disse 
 afectar‑lhe o fígado, já fragilizado por causa da hepatite C de que padece. 
 Referiu ainda ter já emagrecido cerca de cinco quilos por causa da alimentação 
 que lhe é fornecida no EP.’
 
  
 
             3.1. Subsumindo a factualidade ao Direito, disse o Colectivo:
 
             ‘ (…) Nos termos do disposto no artigo 371.º‑A do Código de Processo 
 Penal, norma aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que entrou em vigor 
 no dia 15 de Setembro de 2007, “se, após trânsito em julgado da condenação mas 
 antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais 
 favorável, o condenado pode requerer a reabertura do processo para que lhe seja 
 aplicado o novo regime”.
 
             Foi ao abrigo de tal disposição legal que o arguido A., que se 
 encontra a cumprir uma pena de quatro anos e seis meses de prisão pela autoria 
 de um crime de trafico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, 
 n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, requereu a reabertura da 
 audiência, a fim de que este Tribunal aprecie a eventual aplicação da suspensão 
 da execução daquela pena de prisão, de acordo com o regime legal agora em vigor, 
 que se pode afigurar mais favorável para o ora requerente que o vigente, quer à 
 data dos factos, quer à data em que foi proferido o acórdão condenatório.
 
             Na verdade, o regime do instituto da suspensão da execução da pena 
 de prisão sofreu várias alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de 
 Setembro, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007.
 
             No regime vigente, quer à data dos factos quer à data da prolação do 
 acórdão, dispunha o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal que o tribunal podia 
 suspender a “execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três 
 anos”. Estabelecia ainda o n.º 5 da mesma disposição legal que “O período da 
 suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da 
 decisão”.
 
             Foi precisamente nestes dois aspectos – medida da pena de prisão que 
 permite a suspensão da respectiva execução e duração do período da suspensão – 
 que se verificaram as alterações mais significativas ao regime em causa, com a 
 entrada em vigor da Lei n.º 59/2007. Assim, actualmente, o Tribunal pode 
 suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco 
 anos, sendo que o período de suspensão tem duração igual à pena de prisão 
 determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em 
 julgado da decisão (cf. artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, na redacção actualmente em 
 vigor). Acresce que, quando a pena de prisão cuja execução se deva suspender for 
 superior a três anos, tal suspensão tem obrigatoriamente que ser acompanhada de 
 regime de prova (cf. artigo 53.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal na versão em 
 vigor).
 
             Em face do exposto, importa verificar se o novo regime pode ou não 
 ser aplicado ao arguido, ou seja, se a pena de prisão que lhe foi aplicada, 
 insusceptível de suspensão na sua execução no regime vigente à data dos factos 
 atenta a respectiva medida, pode agora beneficiar de tal suspensão, 
 necessariamente acompanhada de regime de prova porque superior a três anos, por 
 a tal não obstar já a referida medida, caso em que o novo regime seria mais 
 favorável em concreto para o condenado.
 
             A aplicação da lei mais favorável deverá obedecer ao critério do 
 artigo 2.º, n.º 4, primeira parte, do Código Penal (até aqui apenas aplicável no 
 caso de não haver condenação transitada, o que se justificava em nome da 
 segurança e estabilidade), ou seja, deve aplicar‑se ao agente, em “bloco”, o 
 regime legal que, em concreto lhe for mais favorável.
 
             Ora, a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão não é 
 automática, já que, tal como dispõe a segunda parte do artigo 50.º, n.º 1, do 
 Código Penal, que, neste aspecto, manteve a redacção anterior à Lei n.º 59/2007, 
 só pode ser determinada pelo julgador “se, atendendo à personalidade do agente, 
 
 às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às 
 circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena 
 realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
 
             Tais finalidades estão expressas no artigo 40.º do Código Penal.
 
             A primeira dessas finalidades tem que ver com a “tutela necessária 
 dos bens jurídicos no caso concreto” (cf. Direito Penal – Questões Fundamentais 
 da Doutrina do Crime, tomo I, Jorge Figueiredo Dias, pág. 76) e refere‑se à 
 prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, à ideia de que a pena serve 
 para “manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de 
 vigência das suas normas e, assim, no ordenamento jurídico‑penal”. Anote‑se que, 
 como refere o Professor Figueiredo Dias na obra citada (pág. 78), a vertente da 
 prevenção geral negativa ou de intimidação das outras pessoas através do 
 sofrimento que com ela se inflige ao condenado não constitui por si mesma uma 
 finalidade autónoma da pena, apenas podendo surgir como um efeito lateral da 
 necessidade de tutela dos bens jurídicos.
 
             A segunda das finalidades, a reintegração do condenado na sociedade, 
 reconduz‑se à prevenção especial, em qualquer uma das suas funções: seja a 
 positiva de socialização, seja a negativa, de “advertência individual, ou de 
 segurança ou inocuização” (cf. obra citada, pág. 79).
 
             A decisão de suspender a execução da pena deve, pois, ter na sua 
 base, para além da protecção dos bens jurídicos, um juízo de prognose favorável, 
 isto é, o julgador deve assegurar‑se de que o arguido compreendeu a advertência 
 que a condenação implica e que, por isso, não irá cometer novos crimes.
 
             Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de 
 Novembro de 1993, citado por Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal, I 
 vol., em anotação ao artigo 50.º, págs. 447/448, “factor essencial à filosofia 
 do instituto da suspensão da pena é a capacidade da medida para apontar ao 
 próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de 
 acordo com as exigências do direito penal, impondo‑se‑lhe como factor pedagógico 
 de contenção e de auto‑responsabilização pelo comportamento posterior”. Ou, nas 
 palavras do Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As consequências 
 jurídicas do crime, 1993, pág. 343), “… decisivo é aqui o conteúdo mínimo da 
 ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência”. Ou seja, nos 
 termos previstos no artigo 50.º, a averiguação da capacidade de a socialização 
 em liberdade poder ser alcançada deve ser aferida em concreto, a partir de 
 razões fundadas e sérias que levem a crer na capacidade do delinquente para a 
 auto‑prevenção do cometimento de novos crimes. Deverá assim negar‑se a suspensão 
 sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade, uma vez que com a 
 aplicação da suspensão da execução da pena se visa, acima de tudo, que o 
 delinquente não volte a cometer, no futuro, novos crimes.
 
             Importa ainda notar, como refere F. Dias na obra citada, a pág. 76, 
 que as referidas finalidades de prevenção geral e especial devem coexistir e 
 combinar‑se da melhor forma e até ao limite possíveis, para que umas e outras 
 se encontrem no propósito comum de prevenir a prática de futuros crimes.’
 
  
 
             3.2. Revertendo, então, para ‘o caso concreto’:
 
             ‘(…) O arguido A. foi condenado pela prática de um crime de tráfico 
 de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei 
 n.º 15/93, de 22 de Janeiro, praticado entre data não apurada de 2002 e 6 de 
 Julho de 2005.
 
             Tal como ficou apurado, a motivação deste crime residiu não só na 
 necessidade que o arguido tinha de financiar a sua toxicodependência de drogas 
 duras, mas também para fazer face às despesas do seu agregado, após ter 
 encerrado o seu negócio por falta de rentabilidade.
 
             A. confessou a quase totalidade dos factos apurados, explicitando a 
 sua motivação e condição pessoal, referindo que, com a sua conduta, apenas 
 pretendia financiar a aquisição de heroína para seu consumo.
 
             Sofria e sofre de graves problemas de saúde, elencados na 
 factualidade provada, que vão de infecção VIH, a Hepatite C crónica, Linfoma, 
 Apneia do Sono, que exige a utilização de oxigénio sob pena de poder sofrer 
 paragem respiratória, problemas vasculares (varizes) com risco de ocorrência de 
 tromboses, hipertiroidismo, consequência da hepatite C e hepatomegalia de 3 cm e 
 adenopatias cervicais bilaterais infacentimétricas, situação que pode 
 agravar‑se e é consequência da radioterapia que lhe foi aplicada para cura do 
 linfoma.
 
             Como resulta dos relatórios sociais constantes dos autos, A. 
 iniciou, entretanto, tratamento à sua toxicodependência e apresenta 
 comportamento mais estável e normativo, beneficiando de suporte familiar, sendo 
 o seu quotidiano, quando em liberdade, preenchido pelas inúmeras deslocações que 
 efectuava às várias instituições de saúde onde trata as suas doenças.
 
             Por outro lado, já esteve privado da liberdade quando foi sujeito a 
 medida de obrigação de permanência na habitação, que cumpriu, encontrando‑se 
 actualmente em cumprimento da pena em que foi condenado nos presentes autos.
 
             Todas estas circunstâncias nos levam a crer que, no caso concreto, 
 se pode fazer o juízo de prognose favorável que exige a aplicação do instituto 
 da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
 
             Na verdade, as exigências de prevenção especial, na vertente 
 positiva ou de socialização, serão melhor asseguradas através da suspensão da 
 execução da pena de prisão, com sujeição a regime de prova, como exige a lei: a 
 socialização do arguido só será plenamente alcançada se este continuar a tratar 
 a sua toxicodependência e as doenças de que padece da forma mais adequada, ou 
 seja, no caso concreto e tal como resulta dos factos provados, em meio livre, 
 com apoio familiar, como já vinha sucedendo antes da sua detenção, considerando 
 a gravidade do estado de saúde geral de A..
 
             Por outro lado, a prevenção especial, na sua vertente negativa de 
 advertência individual, pode ainda ser alcançada com a dita suspensão: o 
 arguido, ao confessar os factos nos termos referidos, ao mudar o seu estilo de 
 vida, agora “mais estável e normativo”, e ao esforçar‑se para tratar a sua 
 toxicodependência, revelou que tem consciência da gravidade da sua conduta e 
 está disposto a reintegrar‑se. Aliás, acreditamos que esta tomada de consciência 
 não é passageira nem leviana, mas será antes o resultado de reflexão sobre as 
 consequências que a toxicodependência, que motivou em parte o crime que 
 cometeu, trouxe para a sua vida e para o seu estado de saúde e também para a 
 sua liberdade da qual já esteve e está privado no âmbito destes autos. E, embora 
 o arguido já tenha sofrido outras condenações, não podemos esquecer que a última 
 delas já data de 1994, altura em que as condições pessoais do arguido eram 
 necessariamente diferentes.
 
             No que respeita à tutela dos bens jurídicos em causa, não se vê que 
 a mesma não possa ser garantida com a suspensão da execução da pena. Em 
 primeiro lugar, importa referir que este instituto pode ser aplicado 
 independentemente da natureza dos crimes cometidos, desde que se verifiquem os 
 pressupostos do artigo 50.º do Código Penal, devendo fazer‑se a análise de cada 
 caso concreto e não partir do princípio de que determinados crimes nunca podem 
 beneficiar da suspensão por razões de prevenção geral. A protecção dos bens 
 jurídicos não passa pela maior ou menor severidade das penas aplicadas, mas 
 antes pela sua adequação, justeza e até humanidade. Aliás, cada vez mais se 
 instala na comunidade em geral a convicção de que, quando está em causa a 
 punição de crimes motivados pela toxicodependência, tão importante é punir como 
 prevenir e tratar o delinquente da forma mais eficaz, o que nem sempre passa 
 pela aplicação de pena de prisão efectiva.
 
             No caso concreto, e não obstante a gravidade do crime cometido, a 
 protecção dos bens jurídicos e até a prevenção geral na sua vertente negativa 
 estão asseguradas quer com a medida da pena aplicada e respectivo período de 
 suspensão, quer com regime de prova e obrigações a que o condenado está sujeito 
 e às consequências que advirão do incumprimento de tal regime e deveres ou do 
 cometimento de novos crimes.’
 
  
 
             4. Isto posto,
 
             ‘(…) Assim e em conclusão, suspender‑se‑á a pena de 4 anos e 6 meses 
 de prisão aplicada ao arguido pelo mesmo período de quatro anos e seis meses, 
 com sujeição a regime de prova e a condições que permitam, para além da censura 
 da sua conduta, a sua desejada e plena reinserção (cf. artigos 50.º a 54.º do 
 Código Penal).’
 
  
 
             B – Análise do na, aliás douta, motivação e conclusões do Ministério 
 Público:
 
             Quanto à materialidade subjacente e às retiradas conclusões em 1, 2 
 e 3, nada há a contrapor.
 
             Em relação ao mais cabe, desde logo, dizer que o Supremo Tribunal de 
 Justiça, num outro quadro legal – muitíssimo mais restritivo (excepção da 
 excepção à regra geral) e já afastado –, apenas e tão‑só fez a subsunção dos 
 factos ao direito em função dos requisitos necessários à ‘atenuação especial da 
 pena’, que, então e em primeira instância, haviam sido tidos como 
 suficientemente preenchidos e aplicáveis, in casu.
 
             Ora, o disposto na novel redacção do artigo 50.º do Código Penal, ao 
 invés do que se pretende inculcar, não faz depender a suspensão da execução da 
 pena de pressupostos semelhantes ou, sequer, aproximáveis aos constantes do 
 artigo 72.º do Código Penal.
 
             Donde, com o devido e merecido respeito, as extrapolações e 
 
 ‘colagens’ efectuadas mostrarem‑se a despropósito e inadequadas, como é 
 evidenciado, à saciedade, pelo em 3.1. e 3.2., que antecedem e a que 
 integralmente se adere – dando‑se aqui, na totalidade, por reproduzido.
 
             As necessidades de prevenção geral e de prevenção especial, num são 
 e correcto entendimento do que subjaz, ficaram e ficam devidamente asseguradas 
 e acauteladas.
 
             Não só o ‘quadro motivacional’ se mostra profundamente alterado – v. 
 A – 2. –, como as ‘garantias’ de sucesso no tratamento da toxicodependência 
 surgem em crescendo – devidamente alicerçadas, com o factor ‘tempo’ –, como o 
 
 ‘arrependimento’ é mostrado (demonstrado) com actos e materialidade nova, 
 designadamente o ‘reconhecido maior enquadramento normativo’ – sendo certo que, 
 com anterioridade e entre o mais, já havia ‘confessado a quase totalidade dos 
 factos apurados, explicitando a sua motivação e condição pessoal, referindo que, 
 com a sua conduta, apenas pretendia financiar a aquisição de heroína para seu 
 consumo’.
 
             Reduzir o agora factualmente dado por provado (treze parágrafos!) 
 quanto ao estado de saúde do arguido a mais uma doença (‘apneia de sono’) é, no 
 mínimo, caricato.
 
             Mesmo que (ainda) se (man)tivesse que as patologias de que o arguido 
 sofre e padece, em abstracto, ‘não constituem problema para o qual o Direito 
 Penitenciário não tenha solução’, em concreto (‘... encontrando‑se em 
 tratamento com oxigénio nocturno, tendo a Ex.ma Perita esclarecido em audiência 
 que pode existir risco de paragem respiratória caso não seja assegurado tal 
 tratamento’ / ‘Mais esclareceu que este estado de saúde, para além de tais 
 tratamentos, exige que o arguido seja objecto de vigilância médica regular, 
 tenha alimentação variada e adequada e ainda outros cuidados, nomeadamente 
 evitar apanhar frio, correntes de ar e humidade’ / ‘Durante a sua actual 
 detenção, que ocorreu em 4 de Janeiro de 2008, o arguido já emagreceu alguns 
 quilos, de forma visível’ / Em audiência o arguido referiu‑se às suas condições 
 pessoais actuais, designadamente ao seu estado de saúde, dizendo que no EP não 
 lhe foi assegurado oxigénio nocturno e que se encontra a tomar metadona e não o 
 medicamento denominado ‘Subtex’, que tomava quando em liberdade, o que disse 
 afectar‑lhe o fígado já fragilizado por causa da hepatite C de que padece. 
 Referiu ainda ter já emagrecido cerca de cinco quilos por causa da alimentação 
 que lhe é fornecida no EP, após um mês e três dias de cárcere, só por mero acaso 
 se encontra vivo, já que não lhe foram propiciados os cuidados médicos e 
 medicamentosos exigidos e exigíveis!
 
             A proceder o recurso, sempre haveria violação do disposto no n.º 1 
 do artigo 64.º da CRP (direito à saúde) e/ou do no n.º 1 do artigo 24.º da CRP 
 
 (direito à vida), ainda que hipoteticamente – e tal, para nós e salvo melhor e 
 douta opinião, é o suficiente.
 
             A ‘personalidade, condições de vida e conduta posterior ao crime’ do 
 arguido justificam plenamente a – diríamos mais: obrigam à – suspensão da 
 execução da pena de prisão.
 
             Assim, no que tange à ilicitude / à gravidade objectiva da conduta / 
 
 à culpa e sem procurar‑se branquear comportamentos contrários à Lei, dir‑se‑á 
 que, comprovadamente, era ‘arraia miúda’, ‘simples correio’ (actuação por conta 
 doutrem), que financiava a sua dependência com o tráfico de estupefacientes – 
 basta atentar nos extractos bancários juntos aos autos, nos seus parcos haveres 
 e no facto de ‘desde há (mais de) dois anos que o agregado familiar do arguido 
 passou a residir na morada da avó materna da esposa do arguido, que também lhes 
 prestava auxilio económico e que entretanto faleceu’, e que, apesar de 
 constarem do seu CRC várias condenações, ‘não podemos esquecer que a última 
 delas já data de 1994’.
 
             É evidente que a droga é um flagelo. E as consequências desse 
 flagelo sofreu‑o, sofre‑o e sofrê‑lo‑á, mais que alguém, o arguido enquanto for 
 vivo.
 
             Dúvidas não subsistem – não podem subsistir – que a sua 
 personalidade alterou‑se, para melhor e a todos os níveis, as suas condições de 
 vida são muito mais estáveis e a sua conduta posterior ao crime ajuizado é 
 absolutamente exemplar e conforme ao Direito.
 
             Daí ser merecedor de ‘prognóstico favorável’, a ele não se opondo 
 
 ‘as necessidades de reprovação e prevenção do crime’.
 
             Falecem, pois, as, aliás doutas, conclusões do Ministério Público, 
 em 4., 5., 6., 7., 8., 9. e 10. 
 
             C – Em conclusão:
 
             1. O douto acórdão recorrido, tomado por unanimidade, fez uma 
 correcta apreciação, ponderação e valoração da prova, subsunção e aplicação do 
 direito adjectivo e substantivo aplicável, na bastante censura da conduta do 
 arguido e da sua desejada e plena reinserção social, em liberdade.
 
             2. A suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, em regime de 
 prova e sujeita a obrigações, é, in casu, formal e materialmente a adequada e em 
 termos de prevenção geral e especial – maxime, de ‘humanidade’.
 
             3. Na procedência do recurso do Ministério Público, em concreto 
 
 (face ao já ocorrido em EP), ficariam em crise o ‘direito à saúde’ e/ou o 
 
 ‘direito à vida’ do respondente,
 
             4. Pelo que seriam violados os artigos 64.º, n.º 1, e/ou 24.º, n.º 
 
 1, ambos da CRP.
 
             Termos em que o douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo 
 ou censura e obriga a boa administração da justiça que se mantenha, com o que se 
 fará a mais lídima justiça.»
 
  
 
             c) Resposta, nos termos do n.º 2 do artigo 417.º do CPP:
 
             «(…) Notificado o arguido para, querendo e em dez dias, responder ao 
 no parecer do Ex.mo Sr. Procurador‑Geral Adjunto, cabe, em acréscimo do já 
 aduzido e como reforço, dizer o seguinte:
 
             Não se desconhece que, em alguns recentes arestos, o STJ, em tese 
 geral, vem defendendo a aplicação de penas de prisão efectiva para crimes como o 
 nos autos, considerando que a sua suspensão, nestes casos e entre o mais, ‘seria 
 atentatória da necessidade de estratégia nacional e internacional de combate a 
 este tipo de crime’, em vista de dar respostas punitivas firmes ao tráfico de 
 droga. Tanto que, como pode ler‑se em Acórdão de 19 de Dezembro de 2007, ‘só em 
 casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e 
 o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do 
 instituto de suspensão da execução da pena de prisão’.
 
             Com o sempre mui grande e elevado respeito por melhor e douta 
 opinião, in casu verificam‑se tais pressupostos.
 
             Na verdade e dando aqui, no mais, por integrado e reproduzido o, a 
 propósito, no douto acórdão recorrido e em sede da antecedente resposta, 
 assumindo a pena de suspensão autonomia face à de prisão, certo é que coenvolve 
 um juízo de forte desvalor ético‑social e constitui uma chamada à razão do 
 condenado, saindo reforçada por esta poder vir a ser executada em caso de 
 comportamento(s) desviante(s) futuro(s) e constituindo eficaz meio pedagógico 
 efectivo de apoio à correcção de conduta social do agente, conforme à Lei e ao 
 Direito.
 
             A sociedade pode e deve tolerar uma certa perda do efeito preventivo 
 geral, desde que a pena de substituição não se mostre, de todo em todo, 
 ineficaz ou perversa.
 
             Ora, o ‘alarme social’ causado pelo arguido mostra‑se esbatido e o 
 poder punitivo do Estado / Tribunal sai reforçado com a sua manutenção em 
 liberdade – atentas as vincadas condicionantes derivadas do seu mais que 
 precário e abalado estado de saúde (consabidamente doente irreversível, em 
 estado físico decrépito, a carecer de cuidados médicos e medicamentosos e 
 desvelos constantes, vários e continuados, de dia e à noite) e sincero 
 arrependimento (consubstanciado em actos e factos, que não meras ‘palavras’).
 
             A simples ameaça de execução da pena de prisão é, destarte e em 
 concreto, elemento dissuasor bastante e suficiente para obstar ao cometimento 
 de futuros crimes, sem olvidar que as restritivas, mas adequadas, condições 
 impostas para tal também concorrem – e, por certo, asseguram e sustentarão o 
 sucesso (geral e especial) das finalidades das penas.
 
             Somatório de fundamentos e razões que levam a que o arguido mereça e 
 continue a merecer um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da 
 pena de prisão em que foi condenado.
 
             Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto 
 suprimento de V. Ex.as, a, aliás douta, decisão recorrida não merece qualquer 
 reparo ou censura e obriga a boa administração da justiça que seja mantida, com 
 o que se fará a mais lídima justiça.».
 
  
 
             Donde,
 
             5. As conclusões 3. e 4. (e o a final da 2.) na resposta ao na 
 motivação do recurso do Ministério Público irem para além – muito para além – do 
 
 «defender a correcção da decisão de suspensão da execução da pena de prisão em 
 que fora condenado», já que, manifestamente, tal havia‑se quedado pelo aí em 1. 
 e 2., traduzindo («pelo que seriam violados») o inequívoco suscitar de 
 ilegalidade / inconstitucionalidade do preconizado entendimento do no n.º 1 do 
 artigo 50.º do Código Penal («direito à saúde» e/ou «direito à vida», face aos 
 
 «artigos 64.º, n.º 1, e/ou 24.º, n.º 1, ambos da CRP.»).
 
             6. Aliás, expressamente nessa resposta consta «A proceder o recurso 
 
 (que visava a não manutenção da suspensão da execução da pena de prisão) sempre 
 haveria violação do disposto no n.º 1 do artigo 64.º da CRP (direito à saúde) 
 e/ou do no n.º 1 do artigo 24.º da CRP (direito à vida), ainda que 
 hipoteticamente – e tal, para nós e salvo melhor e douta opinião, é o 
 suficiente».
 
             7. Em causa, sempre em causa e obviamente, estava a interpretação 
 normativa do n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, na novel redacção da Lei n.º 
 
 51/2007, de 31 de Agosto (o que informa, decorre e consubstancia o nessas 
 alegações e, salienta‑se, o na resposta apresentada ao abrigo do n.º 2 do artigo 
 
 417.º do CPP).
 
             8. A «ilegalidade/inconstitucionalidade decorrente da completa 
 desconsideração e, assim, exclusão do subjacente ao preenchimento do invocado 
 conceito de ‘humanidade’, enquanto substrato co‑vinculante para determinar‑se a 
 suspensão da pena de prisão aplicada» vê‑se a fls. 2354 («4 – O arguido, em 
 resposta ao recurso, pugna pela bondade do decidido»), na desvalorização da 
 prova produzida ex novo – cf., por todas, fls. 2357 verso a 2358 verso, ab 
 initio – resumida a mais uma «patologia» («apneia do sono»), «atirada» para os 
 considerandos tecidos a propósito de anterior decisão – esta, então, no distinto 
 quadro do disposto no artigo 72.º do Código Penal – e onde nem sequer é, mesmo 
 en passant, referida a existência da apresentada resposta, nos termos do n.º 2 
 do artigo 417.º do CPP («dando..., no mais, por integrado e reproduzido o, a 
 propósito, no douto acórdão recorrido e em sede da antecedente resposta»).
 
             9. Dizer «e, de facto, não poderia ser apenas pela existência dessas 
 doenças que se poderia justificar a suspensão da execução da pena, quando os 
 demais pressupostos falham totalmente» é ou não postergar os 
 constitucionalmente protegidos direito à vida e à saúde do aqui recorrente?
 
             10. Concede‑se que, embora, em bom rigor, não se possa entender que 
 o Tribunal da Relação do Porto não deixou de pronunciar‑se sobre o objecto do em 
 apreciação, a verdade é que decidiu sem procurar elucidar ou esclarecer os 
 motivos e fundamentos, o que equivale a conclusão sem premissas, havendo, pois, 
 erro de actividade (erro de construção ou de formação) – no mesmo sentido, 
 acórdão do STJ, de 9 de Dezembro de 1987, in BMJ, n.º 372, p. 369.
 
             11. A necessidade de fundamentação prende‑se com a própria garantia 
 de direito ao recurso e tem a ver com a necessidade de legitimação da decisão 
 judicial em si mesma – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 55/85, de 25 
 de Março de 1985, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., págs. 467 e 
 seguintes.
 
             12. «III – A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é 
 um princípio geral que a própria Constituição consagra no artigo 208.º (ora 
 
 205.º), n.º 1, e tem que ser observado nas decisões judiciais, mesmo nas 
 proferidas em processo de jurisdição voluntária ou em processo tutelar» – 
 acórdão da Relação do Porto, de 17 de Outubro de 1991, in BMJ, n.º 410, pág. 
 
 876.
 
             13. «O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma 
 das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado social de 
 direito contra o arbítrio do poder judiciário» – Pessoa Vaz, Direito Processual 
 Civil – Do Antigo ao Novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211.
 
             14. A interpretação normativa do no recurso do Ministério Público, 
 acolhida pelo acórdão recorrido, salvo melhor e douta opinião, faz prevalecer a 
 tese de que a saúde e/ou a vida são elementos meramente concorrentes e não 
 preponderantes/prevalecentes sobre todos os demais.
 
             15. Em nossa opinião, tal resolve‑se, indubitavelmente, em que esses 
 mais altos e decisivos direitos e valores relativos à vida humana prevalecem e 
 afastam os demais e eram a ratio decidendi plenamente contemplada e abarcada 
 pelo invocado n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal («condições da sua vida» – do 
 aqui recorrente), susceptível de aplicação a outras situações análogas.
 
             16. Afigura‑se, destarte e também, que a (in)conformidade 
 constitucional da interpretação normativa foi identificada com, pelo menos, «um 
 mínimo de precisão» e havia/há‑de ser tida e decidida em conformidade.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal apresentou resposta, no sentido de que “a presente reclamação carece 
 manifestamente de fundamento”, dado que “o arrazoado ora apresentado pelo 
 reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à 
 evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto”.
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não 
 conhecimento do recurso na constatação de o recorrente não ter suscitado 
 adequadamente, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, já que não imputou a qualquer norma 
 de direito ordinário (ou a qualquer interpretação normativa dele extraída, 
 dotada de generalidade e abstracção, e com o respectivo sentido devidamente 
 identificado) a violação de princípios ou normas constitucionais.
 
                         A extensa reclamação do recorrente em nada infirma essa 
 constatação, antes a reforça. Na verdade, o recorrente continua a imputar a 
 violação dos direitos à vida e à saúde, consagrados nos artigos 24.º, n.º 1, e 
 
 64.º, n.º 1, da CRP, à decisão judicial que não manteve a suspensão da execução 
 da pena de prisão, decisão essa, que, em si mesma considerada, teria procedido a 
 uma incorrecta aplicação do critério de “humanidade” (crítica que, perante o 
 Tribunal da Relação, imputara à pretensão nesse sentido deduzida no recurso 
 interposto pelo Ministério Público), atentas as especificidades do caso 
 concreto, em especial as suas condições de saúde. É, assim, a decisão judicial 
 de, atentos os elementos particulares da situação concreta em causa, entender 
 não se justificar a suspensão da execução da pena de prisão, por não 
 preenchimento dos requisitos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que o 
 recorrente considera inconstitucional, e não qualquer interpretação, dotada de 
 generalidade e abstracção e minimamente identificada, deste preceito legal. Ora 
 
 – repete‑se – não cabe no âmbito da fiscalização concreta da 
 constitucionalidade a cargo do Tribunal Constitucional a sindicância de alegadas 
 violações da Constituição imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, enquanto procedem à subsunção dos casos concretos aos 
 critérios normativos aplicáveis,
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos