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Processo n.º 607/08
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1.
 Por acórdão de 28 de Maio de 2008, o Tribunal Central Administrativo Norte 
 decidiu conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Ministério 
 Público da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 12 de Junho 
 de 2007 e julgou procedente a acção administrativa especial instaurada contra o 
 Município de Vizela. Em consequência, o tribunal anulou as impugnadas 
 deliberações da Câmara Municipal de Vizela, de 6 de Dezembro de 2004, que 
 elaborou e remeteu à Assembleia Municipal as opções do plano e orçamento para 
 
 2005, e a da Assembleia Municipal de Vizela, de 22 de Dezembro de 2004, que 
 aprovou as opções do plano e orçamento para 2005.
 Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 “ [...]
 A Lei 24/98, de 26 de MAI, que aprovou o Estatuto do Direito de Oposição, dispõe 
 nos seus artºs 1º a 5º, do seguinte modo:
 
 […]
 Para além disso, estabelece o artº 53º-2-b) da Lei 169/99, de 18.SET, na 
 redacção dada pela Lei 5-A/02, de 11.JAN, o seguinte:
 
 […]              
 Tais disposições legais regulam os termos do exercício dos direitos de oposição, 
 de informação e de consulta prévia, e respectiva titularidade, sendo que o 
 direito de oposição, cujo conteúdo vem enunciado no artº 2.º, é conferido quer 
 aos partidos políticos quer aos grupos de cidadãos eleitores, nos termos dos nºs 
 
 1 a 3 do artº 3.º; o direito à informação, cujo conteúdo e modo de ser prestado 
 vem desenhado no artº 4.º, é conferido a todos os titulares do direito de 
 oposição, ou seja aos partidos políticos e aos grupos de cidadãos eleitores; o 
 direito de consulta prévia, respeitante às matérias elencadas no artº 5.º, 
 designadamente orçamental, é atribuído unicamente aos partidos políticos; e, 
 finalmente, a competência em matéria de aprovação das opções do plano e da 
 proposta de orçamento, bem como as respectivas revisões. 
 Perante tal enquadramento legal, a sentença recorrida foi do entendimento no 
 sentido de considerar não ter sido atribuído aos grupos de cidadãos eleitores o 
 direito de consulta prévia. 
 Contra tal entendimento, argumenta o Recorrente, por um lado, com a remissão 
 constante do nº 4 do artº 5.º para o nº 2 do artº 4.º, daquele Lei, a qual visa 
 claramente alargar aos demais titulares do direito de oposição o dever de 
 consulta prévia; por outro lado, que compreendendo o direito de oposição, a 
 possibilidade de crítica das orientações políticas dos órgãos executivos das 
 autarquias locais, fará todo o sentido que a todos os seus titulares seja 
 garantido, de forma objectiva, o exercício daquela actividade, designadamente 
 através da consulta prévia em aspectos essenciais para a vida de cada município, 
 como o são as questões suscitadas em torno dos elementos previsionais 
 mencionados no n.º 3 do artigo 5º do diploma legal em análise, não podendo 
 justificar-se que, numa situação hipotética, seja de conceder a consulta prévia 
 a um partido que apenas elege um membro da Assembleia Municipal e negá-lo ao 
 grupo de cidadãos que seja em número de mandatos a força mais importante da 
 oposição nesse Município; da mesma forma, não se vê por que razão seria de negar 
 a aplicação deste direito numa situação bipolarizada, em que o grupo de cidadãos 
 eleitores fosse a única força titular do direito de oposição; e, finalmente, que 
 podendo ambos discutir e aprovar o plano de actividades e orçamento no 
 exercício, por parte da assembleia municipal, das competências a este órgão 
 reconhecidas pelo artigo 53.º, n.º 2, alínea b) da Lei nº 169/99, de 18 de 
 Setembro, não se descortina o motivo, com base no qual, se reconhece a 
 titularidade do direito de consulta prévia aos partidos e não aos grupos de 
 cidadãos. 
 Vejamos, então. 
 Com referência àquela remissão, atentos os termos enunciados pelo nº 4 do art. 
 
 5.º, somos de considerar que a mesma é feita tão-só quanto ao modo de ser 
 facultado o exercício do direito de consulta prévia, que será o mesmo quanto às 
 informações, no âmbito do direito de informação, sendo que num e noutro caso, 
 tal será efectuado com relação aos titulares dos respectivos direitos, não 
 fazendo sentido que com tal remissão se pretendesse atribuir o direito de 
 consulta prévia aos titulares do direito de informação. 
 Relativamente à circunstância do direito de oposição compreender a possibilidade 
 de crítica das orientações políticas dos órgãos executivos das autarquias 
 locais, pelo que fará todo o sentido que a todos os seus titulares seja 
 garantido o exercício daquela actividade, designadamente através da consulta 
 prévia em aspectos essenciais para a vida de cada município, como o são as 
 questões suscitadas em torno dos elementos previsionais mencionados no n.º 3 do 
 artigo 5.º do diploma legal em análise, impõe-se referir que uma coisa é o 
 direito de oposição, cujo conteúdo vem desenhado no artº 2.º e que é conferido 
 quer aos partidos políticos quer aos grupos de cidadãos eleitores, outra coisa é 
 o direito de consulta prévia, sendo verdade também que o exercício daquele 
 direito pode exercitar-se por outras formas sem necessidade do recurso à figura 
 do direito de consulta prévia. 
 Acrescenta, porém, o Recorrente que, não pode justificar-se que, numa situação 
 hipotética, seja de conceder a consulta prévia a um partido que apenas elege um 
 membro da Assembleia Municipal e negá-lo ao grupo de cidadãos que seja em número 
 de mandatos a força mais importante da oposição nesse Município; da mesma forma, 
 não se vê por que razão seria de negar a aplicação deste direito numa situação 
 bipolarizada, em que o grupo de cidadãos eleitores fosse a única força titular 
 do direito de oposição. 
 Com relação a tal argumentação pode colocar-se a questão de se saber se a 
 denegação do direito de consulta prévia a grupos de cidadãos eleitores em 
 confronto com os partidos políticos, efectuada pela Lei 24/98, e perante a 
 circunstância de a ambos a lei eleitoral facultar quer o direito de participação 
 política, no que concerne às autarquias locais, quer o direito de oposição, 
 configurará alguma inconstitucionalidade daquele diploma legal, maxime por 
 violação do princípio democrático, do princípio da igualdade, do princípio da 
 liberdade de associação, do princípio da participação na vida pública, 
 consagrados nos artºs 10.º, 13º, 46º, 51º e 48º da CRP. 
 Com efeito, dispõem estes normativos constitucionais, o seguinte: 
 
 […]
 Do enunciado nestes normativos constitucionais e dos princípios deles 
 decorrentes parece poder inferir-se que os partidos políticos não constituem o 
 monopólio da organização da expressão da vontade política; que a dimensão 
 democrática exige a explícita proibição de discriminações na participação no 
 exercício do poder político, designadamente quanto ao modo, âmbito e conteúdo, 
 do exercício deste no que diz respeito às autarquias locais; e que constituem 
 específicos direitos fundamentais de igualdade, entre outros, os direitos de 
 participação política e de entre estes o direito de igualdade de participação na 
 vida pública. (Cfr. neste sentido vital moreira e gomes canotilho, in CRP 
 Anotada, 1, pp. 283 e segs.). 
 Ora, perante o enunciado de tais princípios constitucionais, pode legitimamente 
 colocar-se a questão de se saber se a atribuição do direito de consulta prévia 
 unicamente aos partidos políticos representados nos órgãos deliberativos das 
 autarquias locais sem a concomitante atribuição desse direito aos grupos de 
 cidadãos eleitores e sabido que quer a uns quer a outros é facultado o direito 
 de se constituírem e de participarem na vida política autárquica e 
 designadamente de se submeterem a escrutínio político e em consequência poderem 
 ser eleitos e tomarem assento nos órgãos políticos autárquicos, não configurará 
 violação daqueles princípios constitucionais, maxime do princípio da igualdade 
 de participação na vida pública. 
 Com efeito, assistindo a ambas as associações o direito de participação 
 política, nos termos referidos, em sede de Estatuto do Direito de Oposição, não 
 se vislumbram razões válidas legitimadoras dum desenho legal divergente do seu 
 direito de oposição, entendido este em sentido lato, de modo a abranger quer o 
 direito de oposição strito sensu quer o direito de informação quer, ainda, o 
 direito de consulta prévia, no que a elas concerne quanto à esfera de actuação 
 política no domínio autárquico. 
 Doutra forma, e parafraseando a posição do Recorrente não se entende como 
 justificável que, numa situação hipotética, seja de conceder a consulta prévia a 
 um partido que apenas elege um membro da Assembleia Municipal e negá-lo ao grupo 
 de cidadãos que seja em número de mandatos a força mais importante da oposição 
 nesse Município nem se vislumbra razão alguma para negar a aplicação deste 
 direito numa situação bipolarizada, em que o grupo de cidadãos eleitores fosse a 
 
 única força titular do direito de oposição. 
 Assim sendo, aceitando tal raciocínio, somos do entendimento de que a denegação 
 do direito de consulta prévia conferida pela Lei 24/98, de 26.MAI, a grupos de 
 cidadãos eleitores, em confronto com a atribuição de tal direito aos partidos 
 políticos, se configura como inconstitucional, porque violadora do princípio da 
 igualdade de participação na vida pública. 
 Perante tal entendimento, mostra-se prejudicada a apreciação do último 
 fundamento invocado pelo Recorrente nesta sede. 
 Em todo o caso, sempre se dirá que, quanto à discussão e aprovação o plano de 
 actividades e orçamento no exercício, por parte da assembleia municipal, no 
 
 âmbito das competências a este órgão reconhecidas pelo artigo 53.º, n.º 2, 
 alínea b) da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, não se descortina qualquer 
 relação entre o exercício dessa competência por parte daquele órgão e pelos 
 membros dele componentes e o direito de consulta prévia a atribuir a grupos de 
 cidadãos eleitores, sendo certo que a discussão e aprovação daqueles documentos 
 previsionais é efectuada pelos membros eleitos do órgão assembleia municipal e 
 não pelos partidos políticos e/ou grupos de cidadãos eleitores. 
 Perante tudo quanto se deixa sumariamente explanado, somos, pois de concluir, 
 ter sido denegado ao MIV o direito de consulta prévia. 
 Ora, a violação de tal direito configura, no âmbito da Teoria Geral do Acto 
 Administrativo, um vício de forma, sancionável, em sede de consequências 
 jurídicas, pela anulabilidade — Cfr. Art. 135º do CPA. 
 Assim, padecendo as deliberações impugnáveis do vício de forma que se deixa 
 assinalado, as mesmas são anuláveis. 
 
 [...]”
 
  
 
 2.  
 Deste acórdão foi interposto pelo Ministério Público recurso obrigatório, nos 
 termos do artigo 70º nº 1 alínea a) da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro), por ter 
 sido “recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação da norma do artigo 3.º, 
 n.º 3 da Lei n.º 24/98 de 26/05”, recurso que foi admitido no tribunal 
 recorrido.
 Oportunamente alegou o Ministério Público, concluindo:
 
  
 
 “A norma constante do artigo 5º, nº 3, da Lei nº 24/98, de 26 de Maio, 
 interpretada em termos de nela se restringir aos partidos políticos a 
 titularidade do direito de consulta prévia, nomeadamente em matéria de plano e 
 orçamento, aos partidos políticos representados em órgãos meramente 
 deliberativos das autarquias locais, excluindo-o quanto aos grupos de cidadãos 
 eleitores, ainda que naqueles representados, é inconstitucional, por violação do 
 princípio da igualdade de participação política, decorrente dos artigos 13º e 
 
 48º da Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 Por seu turno, o recorrido Município de Vizela apresentou contra alegação, que 
 concluiu do seguinte modo:
 
  
 
  
 
  
 
 “[…]
 
 1) O Legislador ao conferir expressamente a titularidade do direito de oposição 
 aos grupos de cidadãos eleitores entendeu porém reservar o direito de consulta 
 prévia previsto no art. 5.º, n.º 3, apenas aos partidos políticos, excluindo por 
 isso os grupos de cidadãos eleitores. 
 
 2) Só aos partidos políticos, porque concorrem para a livre formação e 
 pluralismo da expressão da vontade popular e organização do poder político, 
 contribuindo para o esclarecimento plural e exercício das liberdades políticas 
 dos cidadãos, estudando e debatendo os problemas da vida política, económica e 
 social e fazendo a critica da actividade dos órgãos executivos das autarquias, 
 conforme resulta da Lei dos Partidos Políticos e em concretização da mesma, é 
 concedido o direito de audiência previsto no art. 5.º nº 3 do Estatuto do 
 Direito de Oposição. 
 
 3) A Lei 24/98 não consagra um tratamento idêntico para os partidos e aos 
 movimentos dos cidadãos, mas este tratamento não resulta da violação do 
 principio da igualdade – constitucionalmente consagrado – mas da diferente 
 natureza e fins dos partidos e dos movimentos que justificam a concessão de um 
 tratamento diferenciado. 
 
 4) Os partidos políticos gozam de um estatuto constitucional, reconhecendo-lhe 
 um direito fundamental de participação política, enquanto pessoa jurídica 
 
 (distinta dos seus membros) aglutinadora de interesses de certas classes e 
 grupos sociais que contribuem para a formação da vontade popular; 
 
 5) Resulta da Lei que, apesar de se consagrar uma tendencial “igualdade de 
 direitos” entre os movimentos e os partidos, essa equiparação não é total nem 
 lhes são reconhecidos os mesmos direitos e deveres dos partidos políticos. 
 
 6) Esta diferença de tratamento encontra-se plasmada no art. 5.º n.º 3 do 
 Estatuto do Direito de Oposição porque aos movimentos de cidadãos falta a 
 existência de um elemento organizatório com carácter de permanência, distinta 
 dos seus membros e que não se esgota num acto eleitoral que caracteriza 
 exactamente os partidos políticos; 
 
 7) A falta de órgãos internos, democraticamente eleitos, representativos do 
 Movimento inviabiliza que lhe seja concedido o direito de audiência conforme o 
 mesmo foi configurado legalmente (o direito de audiência é concedido ao Partido 
 e não os membros que elegeu para a Assembleia Municipal); 
 
 8) O princípio da igualdade não impede a existência de tratamentos diferenciados 
 na Lei, impede apenas a existência de diferenciações sem fundamento material 
 bastante ou sem qualquer justificação razoável; 
 
 9) A razão fundamental para admitir um tratamento diferenciado entre os partidos 
 e os movimentos é porque os últimos, apesar de fomentadores da participação 
 democrática dos cidadãos, não são em termos organizatórios e de direitos e 
 deveres entidades equiparadas aos partidos políticos.
 
 10) O legislador nas várias versões do projecto-lei do Estatuto do Direito de 
 Oposição, apesar de ter alargado a titularidade do direito de oposição aos 
 movimentos de cidadãos eleitores, entendeu sempre reservar o direito de consulta 
 prévia aos partidos políticos;
 
 11) Ou seja, não foi intenção do legislador equiparar totalmente os Movimentos 
 dos Cidadãos aos Partidos Políticos;
 
 […]”
 
   
 
  II. Objecto do recurso
 
  
 
 3. 
 Como decorre da conclusão da sua alegação, o recorrente visa a apreciação da 
 norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela 
 Lei n.º 24/98, de 26 de Maio [“Os partidos políticos representados nos órgãos 
 deliberativos das autarquias locais e que não façam parte dos correspondentes 
 
 órgãos executivos, ou que neles não assumam pelouros, poderes delegados ou 
 outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções 
 executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre as propostas dos respectivos 
 orçamentos e planos de actividade”] interpretada “em termos de nela se 
 restringir [aos partidos políticos] a titularidade do direito de consulta 
 prévia, nomeadamente em matéria de plano e orçamento, aos partidos políticos 
 representados em órgãos meramente deliberativos das autarquias locais, 
 excluindo-o quanto aos grupos de cidadãos eleitores, ainda que naqueles 
 representados”. Com efeito, o Ministério Público rectificou, na sua alegação, o 
 lapso material cometido no requerimento de interposição do recurso, “já que a 
 norma desaplicada pela decisão recorrida é obviamente a que consta do artigo 
 
 5.º, n.º 3, da Lei n.º 24/98, enquanto restringe aos partidos políticos, 
 representados em órgãos deliberativos das autarquias locais (sem funções 
 executivas) a titularidade do direito de consulta prévia sobre as propostas 
 orçamentais e planos de actividade – excluindo-o relativamente aos grupos de 
 cidadãos eleitores representados nos mesmos órgãos deliberativos, os quais 
 apenas beneficiariam dos direitos de oposição e informação, nos termos dos 
 artigos 3º, n.º 3, e 4º do citado diploma legal”. Ora, tendo o presente recurso 
 sido interposto ao abrigo da alínea a) do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, constitui seu pressuposto a recusa, pelo tribunal recorrido, de 
 aplicação de norma jurídica, com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 Cumpre, por isso, verificar previamente se o tribunal recorrido recusou a 
 aplicação do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado 
 pela Lei n.º 24/98, de 26 de Maio, com o sentido normativo que o recorrente 
 submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
 A decisão recorrida depois de enunciar a questão de se saber se é 
 inconstitucional “a atribuição do direito de consulta prévia unicamente aos 
 partidos políticos representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais 
 sem a concomitante atribuição desse direito aos grupos de cidadãos eleitores” 
 respondeu no sentido de que a “denegação do direito de consulta prévia conferida 
 pela Lei 24/98, de 26.MAI, a grupos de cidadãos eleitores, em confronto com a 
 atribuição de tal direito aos partidos políticos, se configura como 
 inconstitucional, porque violadora do princípio da igualdade de participação na 
 vida pública.”  
 Esta decisão foi proferida no âmbito de uma acção administrativa especial que 
 tem por objecto a impugnação da deliberação da Câmara Municipal de Vizela que 
 elaborou e remeteu, à Assembleia Municipal, as opções do plano e orçamento para 
 
 2005, e a deliberação da Assembleia Municipal de Vizela que aprovou as opções do 
 plano e orçamento para 2005. No caso em apreço, estava em causa saber se um 
 grupo de cidadãos eleitores, representado na assembleia municipal, sem integrar 
 a câmara municipal, deveria ser ouvido sobre a proposta de orçamento e de plano 
 de actividades do município.
 Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, deve 
 apreciar-se a conformidade constitucional da norma do n.º 3 do artigo 5.º do 
 Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98, de 26 de Maio, 
 interpretada com o sentido de que não é obrigatório ouvir um grupo de cidadãos 
 eleitores – unicamente representados na assembleia municipal – sobre a proposta 
 de orçamento e de plano de actividades do município, por se haver considerado 
 que apenas os partidos políticos representados na assembleia municipal e que não 
 façam parte da câmara municipal ou que nela não assumam pelouros, poderes 
 delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício 
 de funções executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre a proposta de 
 orçamento e de plano de actividades do município.
 A questão que se coloca no presente recurso é, pois, a de saber se é 
 inconstitucional, por violação princípio constitucional da igualdade de 
 participação na vida pública, como considerou o tribunal recorrido, a norma do 
 n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 
 
 24/98, de 26 de Maio, na interpretação sindicada, na medida em que não confere 
 aos grupos de cidadãos eleitores representados na assembleia municipal e que não 
 façam parte da câmara municipal, o direito de serem ouvidos, tal como os 
 partidos políticos, sobre a proposta de orçamento e de plano de actividades do 
 município.
 
  
 III. Fundamentos
 
  
 
 4. 
 O artigo 48.º da Constituição, que tem como epígrafe “Participação na vida 
 pública”, e se insere no capítulo dedicado aos direitos, liberdades e garantias 
 de participação política, estabelece no seu n.º 1 que “[t]odos os cidadãos têm o 
 direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do 
 país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.” A 
 participação dos cidadãos na vida política a que se refere esta norma 
 constitucional “exerce-se, desde logo, ao nível da constituição dos órgãos do 
 poder político (órgãos do Estado, em sentido lato), constitucionalmente 
 previstos, e da formação das suas decisões. Ela efectiva-se, quer directamente – 
 a chamada «democracia directa» –, quer através de órgãos representativos, 
 eleitos pelos cidadãos – a chamada «democracia representativa» (J.J. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4ª 
 edição, Volume I, em anotação ao n.º 1 do artigo 48.º).       
 Nas autarquias locais, a participação dos cidadãos na vida política exerce-se 
 designadamente através das assembleias (órgãos do poder político dotados de 
 poderes deliberativos) eleitas por sufrágio universal, directo e secreto dos 
 cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia (n.º 2 do artigo 239.º da 
 Constituição). Por determinação constitucional (n.º 4 do artigo 239.º), 
 concretizada na Lei orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição 
 de titulares para os órgãos das autarquias locais, as candidaturas para a 
 eleição dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos 
 políticos (e coligações de partidos políticos constituídas para fins eleitorais) 
 e por grupos de cidadãos eleitores.
 Decorre, assim, do estabelecido nas normas constitucionais supra referidas, bem 
 como do regime consagrado na lei orgânica que regula a eleição de titulares para 
 os órgãos das autarquias locais, que os cidadãos recenseados na área do 
 município têm o direito de tomar parte na vida política da autarquia por 
 intermédio de representantes livremente eleitos para a assembleia municipal, 
 
 órgão representativo do município dotado de poderes deliberativos (artigo 251.º 
 da Constituição), em eleições para as quais podem ser apresentadas listas não só 
 pelos partidos políticos (e coligações de partidos políticos constituídas para 
 esse fim), mas também por grupos de cidadãos eleitores.
 
  
 
 5. 
 A participação no poder político nos moldes já referidos efectiva-se não só 
 mediante o exercício das funções políticas em que ficaram investidos os cidadãos 
 eleitos, mas também pelo exercício do chamado direito de oposição democrática. 
 Como sublinham J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da Republica 
 Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 526), o direito de oposição democrática é 
 uma concretização de outros princípios e direitos fundamentais da Constituição: 
 o princípio democrático (artigo 2.º e artigo 9.º, alínea b)) e direitos, 
 liberdades e garantias de participação política, designadamente o direito de 
 participação na vida pública (artigo 48.º). O direito de oposição democrática, 
 genericamente consagrado no n.º 2 do artigo 114.º da Constituição, concretiza o 
 direito de participação na vida pública das minorias assegurando-lhes o direito 
 a exercer uma oposição democrática ao Governo e aos órgãos executivos das 
 Regiões Autónomas e das autarquias locais de natureza representativa, nos termos 
 da Constituição e da lei, traduzida na actividade de acompanhamento, 
 fiscalização e crítica das orientações políticas (artigo 1.º e n.ºs 1 do artigo 
 
 2.º do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98). Este 
 direito de oposição das minorias integra os direitos, poderes e prerrogativas 
 previstos na Constituição e na lei (n.ºs 2 do artigo 2.º do Estatuto do Direito 
 de Oposição) sendo, no âmbito das autarquias locais, a sua titularidade 
 reconhecida aos partidos políticos e aos grupos de cidadãos eleitores 
 representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais, que não estejam 
 representados no correspondente órgão executivo, e aos partidos políticos e 
 grupos de cidadãos eleitores que estejam representados nas câmaras municipais, 
 desde que nenhum dos seus representantes assuma pelouros, poderes delegados ou 
 outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções 
 executivas (n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 3.º do Estatuto do Direito de Oposição).
 Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, pág. 
 
 294) que poderes idênticos aos atribuídos pela Constituição às minorias na 
 Assembleia da República são de atribuir às minorias nas Assembleias Legislativas 
 regionais e mutatis mutandis alguns também às minorias nas assembleias das 
 autarquias locais “entendendo-se que abrangem também os grupos de cidadãos nelas 
 representados”. Um dos direitos de oposição (poderes específicos atribuídos às 
 minorias, nas palavras destes autores na Constituição Portuguesa Anotada, pág. 
 
 292), previstos no Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei n.º 24/98, 
 
 é o de consulta prévia (artigo 5.º) que consiste, no que se refere às autarquias 
 locais, no direito de ser ouvido sobre a proposta de orçamento e de plano de 
 actividades (n.º 3). 
 Porém, a titularidade deste direito, na interpretação normativa sindicada, só 
 foi reconhecida aos partidos políticos representados na assembleia municipal e 
 que não façam parte da câmara municipal, ou que nela não assumam pelouros, 
 poderes delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo 
 exercício de funções executivas. Com efeito, ao contrário do que se verifica 
 quanto ao direito (geral) de oposição e ao direito à informação (artigo 4.º do 
 Estatuto do Direito de Oposição), o legislador não reconheceu aos grupos de 
 cidadãos eleitores representados na assembleia municipal e que não façam parte 
 da câmara municipal, ou que nela não assumam pelouros, poderes delegados ou 
 outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício de funções 
 executivas, o direito de ser ouvidos sobre a proposta do orçamento e do plano de 
 actividades do município; é esta opção legislativa que o tribunal recorrido 
 entendeu que ofende a Constituição «porque violadora do princípio da igualdade 
 de participação na vida pública».
 
  
 
 6. 
 O princípio da igualdade (de participação na vida política) não proíbe todas as 
 distinções, mas apenas aquelas que se afiguram destituídas de fundamento 
 razoável ou de qualquer justificação objectiva e racional. Dito de outro modo: o 
 legislador tem margem de livre conformação legislativa, permitindo-lhe a 
 Constituição efectuar diferenciações desde que estas não sejam material e 
 racionalmente infundadas.
 Mas há que reconhecer aos partidos políticos um papel especial na vida política 
 do País. Conforme o Tribunal já afirmou (Acórdão n.º 304/2003, publicado na I-A 
 série do DR de 19 de Julho de 2003), «os partidos são associações de natureza 
 privada de interesse constitucional e uma peça fundamental do sistema político 
 
 (é o próprio Estado a estimular a sua actividade, suportando parte do respectivo 
 financiamento), pois se lhes atribui – por vezes em exclusivo – a tarefa de 
 
 “concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular”». Daí que 
 a própria Constituição (artigo 51º) «prevê que as exigências que o princípio 
 democrático traz ao sistema político se estendam às associações privadas de 
 interesse constitucional, como são os partidos. A vigência prática do princípio 
 democrático nos partidos apresenta uma dupla vertente: tem uma dimensão 
 material, que concerne aos direitos fundamentais dos seus filiados e uma 
 dimensão estrutural, organizativa ou procedimental». É o papel que a 
 Constituição reserva aos partidos na organização política que impõe 
 significativas exigências (por exemplo, quanto ao financiamento e fiscalização 
 de contas, quanto a responsabilidade dos dirigentes, quanto a regras de 
 organização interna e de funcionamento, para além da personalidade jurídica, da 
 capacidade adequada à realização dos seus fins e de serem constituídos por tempo 
 indeterminado) das quais dispensa os simples grupos de cidadãos eleitores.
 Seguindo a fórmula sintética proposta por Jorge Miranda, “por partido entende-se 
 uma associação de cidadãos, constituída a título permanente, para a realização 
 de objectivos de modelação do Estado e da sociedade através do acesso aos órgãos 
 de poder, seja este nacional, regional ou local” a qual se distingue dos grupos 
 de cidadãos que apresentem candidaturas para os órgãos das autarquias locais 
 
 “porque estes só subsistem durante os mandatos dos titulares que consigam fazer 
 eleger” (Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra, 2007, pág. 160 e 
 
 161). Com efeito, os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidaturas a 
 
 órgãos das autarquias locais são destinados a durar apenas por certo período – o 
 da duração dos mandatos dos titulares eleitos – e embora dêem origem a uma 
 
 “individualidade distinta”, esta é destituída de personalidade jurídica por 
 
 “faltarem todos os necessários elementos de substrato e por causa da existência 
 muito contingente” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, 
 Coimbra, 2007, pág. 197 e 198).
 Ora, a substancial diferença que distingue os grupos de cidadãos eleitores dos 
 partidos políticos justifica uma diferenciação no seu tratamento legal. Na 
 realidade, é aceitável que a lei reserve a essas associações de natureza privada 
 e de interesse constitucional, que são uma peça fundamental do sistema político, 
 um estatuto próprio, distinto das demais organizações, no que respeita ao 
 funcionamento dos órgãos politicamente eleitos.
 Não é, por conseguinte, em razão da acutilância do princípio da igualdade, ainda 
 que especialmente dirigida à igualdade de participação na vida pública, que pode 
 verificar-se uma desconformidade constitucional da norma em análise. 
 Com efeito, como defendem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da 
 Republica Portuguesa Anotada, 4ª edição, Volume I, pág. 343) o artigo 48.º da 
 Constituição ao garantir a igualdade de participação na vida pública reafirma o 
 princípio geral de igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Para 
 estes autores (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4ª edição, Volume 
 I, pág. 337) o que o princípio da igualdade na sua “dimensão democrática” exige 
 
 é a “explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na 
 participação no exercício do poder político, seja no acesso a ele (sufrágio 
 censitário, etc.), seja na relevância dele (desigualdade de voto), bem como no 
 acesso a cargos públicos (cfr. artigos 10º n.º 1, 48.º e 50.º)”.
 
  
 
 7. 
 Todavia, não se vislumbram razões que possam levar a não atribuir aos grupos de 
 cidadãos eleitores, quando representados na assembleia municipal, mas que não 
 façam parte da câmara municipal, o direito de ser ouvidos sobre a proposta de 
 orçamento e plano de actividades do município (n.º 3 do artigo 5º do Estatuto do 
 Direito de Oposição). 
 Com efeito, as características próprias deste tipo de grupos, designadamente a 
 falta de personalidade ou a duração por tempo determinado, não impediram o 
 legislador de lhe atribuir o direito (geral) de oposição (n.º 3 do artigo 3.º do 
 Estatuto do Direito de Oposição) e até o direito à informação, ou seja, o 
 direito de ser informado regular e directamente pela câmara municipal sobre o 
 andamento dos principais assuntos de interesse público relacionados com a sua 
 actividade, informações estas que, nos termos do artigo 4.º do Estatuto do 
 Direito de Oposição, devem ser prestadas directamente e em prazo razoável às 
 suas estruturas representativas. Tendo os grupos de cidadãos eleitores 
 representados na assembleia municipal, que não façam parte da câmara municipal, 
 o direito de acompanhar, fiscalizar e criticar as orientações políticas da 
 câmara municipal, não há razão para não lhes conceder o específico direito de 
 serem ouvidos sobre os documentos de gestão previsional anual, que é, sem 
 dúvida, essencial para o exercício da oposição democrática. Na verdade, contendo 
 o orçamento a previsão das receitas e das despesas e o plano de actividades 
 
 (grandes opções do plano) o projecto de investimentos e das actividades a 
 realizar pelo município em determinado ano, a audição sobre as respectivas 
 propostas é o momento adequado a que a oposição se pronuncie sobre as 
 orientações políticas do órgão executivo da autarquia. É, assim, este o momento 
 para os ditos grupos, tal como os partidos que não integram a câmara, tentarem 
 influenciar a elaboração do documento, ou seja, a elaboração da proposta a 
 submeter a aprovação. Aliás, é a própria lei que reconhece ser esse o momento 
 decisivo, quando concede aos partidos políticos, que não integram a câmara, 
 aquele direito.
 Pode, assim, concluir-se que negando aos grupos de cidadãos eleitores o direito 
 de consulta prévia, nas circunstâncias já referidas, a norma aqui impugnada 
 restringe de forma intolerável o exercício do direito de oposição democrática 
 que, conforme se viu já, a Constituição confere a tais grupos, quando 
 minoritários nos órgãos das autarquias locais, nos termos das conjugadas 
 disposições do n.º 2 do artigo 114º e n.º 4 do artigo 239º da Constituição.
 Em suma, a norma do n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto do Direito de Oposição, 
 aprovado pela Lei n.º 24/98 de 26 de Maio, interpretada com o sentido de que 
 apenas os partidos políticos representados na assembleia municipal e que não 
 façam parte da câmara municipal, ou que nela não assumam pelouros, poderes 
 delegados ou outras formas de responsabilidade directa e imediata pelo exercício 
 de funções executivas, têm o direito de ser ouvidos sobre a proposta de 
 orçamento e de plano de actividades é inconstitucional, por restringir 
 desrazoável e injustificadamente o direito de oposição democrática dos grupos de 
 cidadãos eleitores quando minoritários nos órgãos das autarquias locais, direito 
 esse que resulta das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 114º e o n.º 4 do 
 artigo 239º da Constituição.
 
  
 IV. Decisão
 
  
 
 8.
 Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
 Sem custas. 
 Lisboa, 23 de Julho de 2009
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos