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Processo n.º 434/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             1. No presente processo de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, em que é recorrente A., SA e recorrido CGD Pensões - 
 Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, SA, o relator proferiu a seguinte 
 decisão:
 
 “1. A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2009, que confirmou um 
 despacho do aí relator que decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto 
 por legalmente inadmissível.
 Este acórdão é, na parte que interessa do seguinte teor:
 
  
 
 “(…)
 
 2. Alega a reclamante que, ao estabelecer que caberia “... sempre recurso para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa”, as partes pretenderam, tão-só e apenas, 
 excepcionar a aplicação do artigo 31º do RTA, sendo de aplicar o disposto no nº 
 
 1 do artigo 29º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (Arbitragem Voluntária), 
 segundo o qual “Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão 
 arbitral cabem para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da 
 sentença proferida pelo tribunal de comarca”. 
 Por outro lado, procura demonstrar que não pode retirar-se qualquer valor à 
 carta junta como doc. 18 à petição inicial, no que respeita à vontade das partes 
 relativamente à eventual (ir)recorribilidade da decisão arbitral, não só por ser 
 subscrita apenas pela recorrente, mas também porque a expressão “até” utilizada, 
 além de não ser rigorosa, vem precedida da expressão “pelo menos”. 
 
 3. Não se concorda com a reclamante. 
 O que aqui está em causa é a interpretação a dar às cláusulas compromissórias 
 insertas nos contratos de arrendamento em causa, no sentido de se apurar qual 
 foi a vontade das partes. 
 Logo, não é aqui chamado o citado artigo 29º, nº 1, da Lei n°31/86. 
 Acresce que, ao contrário do que refere a reclamante, o termo “até”, na carta 
 que constitui o doc. 18, junto com a petição inicial, não está precedido da 
 expressão “pelo menos” no que concerne à possibilidade de recurso para a 
 Relação. 
 
  
 O que aí se diz é “... pelo menos até à decisão do Tribunal Arbitral, a qual é 
 susceptível de recurso até à Relação, com as inerentes demoras …”.
 Bem diferente, portanto. 
 Não se vislumbra, assim, razão para não considerar que as partes apenas quiseram 
 afastar a aplicação do artigo 31º do Regulamento do Tribunal Arbitral do Centro 
 de Arbitragem Comercial, mediante a possibilidade de recurso para o Tribunal da 
 Relação (neste caso, de Lisboa), colocando, pois, este limite e renunciando, 
 deste modo, ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 4. Refere ainda a reclamante que não poderão deixar de se reputar de 
 inconstitucionais, por violação do artigo 20º da CRP, quer o artigo 29º, nº 1, 
 da Lei 31/86, quer o artigo 31º do RTA, na dimensão interpretativa que lhes foi 
 interpretada pela decisão ora reclamada. É por demais evidente que não lhe 
 assiste a mínima razão. 
 O citado artigo 20º da CRP faz alusão ao “Acesso ao direito e tutela 
 jurisdicional efectiva”, sendo que o seu nº 1 (só este poderia aqui relevar) 
 prescreve que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a 
 justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. 
 Ora, como já vimos, não foi aqui chamada à colação a aplicação do artigo 29º, nº 
 
 1, da Lei 31/86, pelo que não foi sequer aflorada a questão de saber se, apesar 
 de aí se aludir a recursos para o “tribunal da relação”, se deverá considerar 
 que poderá haver recurso do acórdão da Relação para o STJ, tendo em conta a 
 regra geral das alçadas, ou seja, tendo em consideração o disposto no artigo 
 
 678º, nº 1, do CPC. 
 Igualmente não foi feita qualquer interpretação do artigo 31º do RTA, apenas se 
 dizendo que precisamente as partes quiseram afastar a renúncia a recursos aí 
 prevista, embora limitando tal afastamento da renúncia pela consagração da 
 possibilidade de recorrerem apenas para a Relação. 
 
 5. Decorre, assim, do exposto que não assiste qualquer razão ao reclamante, pelo 
 que o despacho reclamado terá de ser mantido. 
 III — Nos termos expostos, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada pela 
 Autora/recorrente, confirmando-se, em consequência, o despacho reclamado, que 
 decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto, por legalmente 
 inadmissível. 
 
  
 
 2. A recorrente indica o objecto do presente recurso e constitucionalidade do 
 seguinte modo:     
 
  
 
 “(…)
 
 14. Nos termos e para os efeitos dessa mesma disposição legal, mais se refere 
 que a Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 29.º 
 n.º 1 da Lei n.º 31/86 de 29/08 e 31º do RTA (…) e, bem assim, da própria 
 Cláusula Compromissória inserida pelas partes no Contrato de Arrendamento entre 
 ambas celebrado – segundo a qual “As emergentes do presente contrato serão 
 resolvidas por recurso a arbitragem, de acordo com o Regulamento do Tribunal do 
 Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, Associação 
 Comercial de Lisboa, com recurso a 3 (três) árbitros nomeados de acordo com o 
 regulamento cabendo sempre recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa” 
 
 (sublinhado nosso) –, na dimensão interpretativa que lhes foi emprestada pelo 
 Acórdão Recorrido;
 
 (…).”
 
  
 
 3.Não pode conhecer-se do objecto do presente recurso.
 Com efeito, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso 
 de fiscalização de constitucionalidade das normas efectivamente aplicadas pela 
 decisão recorrida. 
 Ora, o Supremo Tribunal de Justiça fundou a sua decisão de não conhecimento do 
 recurso na interpretação que deu às cláusulas compromissórias insertas nos 
 contratos de arrendamento em causa, no sentido de se apurar qual foi a vontade 
 das partes. Como aí se diz, em termos que não compete ao Tribunal Constitucional 
 censurar, “não é aqui chamado o citado artigo 29º, nº 1, da Lei n°31/86” nem o 
 artigo 31º do Regulamento do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem 
 Comercial. Pelo que, independentemente de saber se esta última norma seria 
 susceptível de fiscalização de constitucionalidade, o recurso não pode 
 prosseguir relativamente a qualquer destas normas que não integram a ratio 
 decindendi da decisão recorrida.
 Resta o objecto de recurso que seria constituído pela “Cláusula Compromissória 
 inserida pelas partes no Contrato de Arrendamento entre ambas celebrado”. Ora, a 
 competência deste Tribunal, tal como a Constituição (artigo 280.º da CRP) e a 
 Lei (artigo 70.º da LTC) a desenham, restringe-se à apreciação de 
 constitucionalidade de normas jurídicas emanadas de actos do poder normativo 
 público, não tendo competência para apreciar a validade de cláusulas inseridas 
 em contratos de direito privado, ainda que com fundamento em que tais cláusulas 
 violam a Constituição. 
 
  
 
 4. A recorrida pretende a condenação da recorrente como ligante de má fé (fls. 
 
 3102). 
 
  
 
  
 O Tribunal Constitucional só poderia sancionar a recorrente como litigante de má 
 fé se considerasse que a interposição do recurso de constitucionalidade 
 preenche, na modalidade de imputação a título de dolo ou negligência grave, 
 qualquer das hipóteses do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil. A 
 conduta processual anterior poderá servir de elemento indiciante do propósito de 
 prosseguir um objectivo ilegal com o presente recurso, mas não cabe ao Tribunal 
 sancioná-la enquanto tal.
 Ora, a tudo atendendo, não se julga demonstrado que a interposição do presente 
 recurso preencha qualquer das hipóteses do n.º 2 do artigo 456.º do CPC, 
 designadamente que traduza o propósito consciente de conseguir um objectivo 
 ilegal, entorpecendo a acção da justiça ou protelando, sem fundamento sério, o 
 trânsito em julgado da decisão. A interpretação adoptada na decisão recorrida é 
 suficientemente duvidosa para justificar um voto de vencido e pode ter induzido 
 a recorrente, menos atenta aos limites de intervenção do Tribunal 
 Constitucional, a vislumbrar uma questão de constitucionalidade susceptível de 
 ser por este apreciada.
 Consequentemente, não se condena a recorrente como ligante de má fé.  
 
  
 
 5. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar 
 a recorrente nas custas, com 8 (oito) UC de taxa de justiça.”
 
  
 
             2. A recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do 
 artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), sustentando que deve 
 conhecer-se do recurso, em suma, pelo o seguinte:
 
             - O despacho que o acórdão recorrido confirmou decidiu que as 
 partes, ao acordar o que acordaram, pretenderam, além de afastar a aplicação do 
 disposto no artigo 31.º do RTA, limitar a possibilidade de recurso da decisão 
 dos árbitros, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º da Lei n.º 31/86, apenas para o 
 Tribunal da Relação, renunciando ao recurso do acórdão desta para o Supremo. 
 Pelo que as normas que a recorrente quer ver apreciadas integram efectivamente a 
 sua ratio decidendi;
 
             - As cláusulas compromissórias, apesar da sua origem contratual, 
 constituem não só regras dotadas das características de generalidade e 
 abstracção, mas também verdadeiras normas num conceito funcionalmente adequado 
 ao sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, designadamente 
 heteronomia e reconhecimento jurídico-público, tal como o Tribunal vem 
 entendendo quanto às convenções colectivas de trabalho.
 
                     
 A recorrida respondeu, em síntese, que a rejeição do recurso por parte do 
 Supremo Tribunal de Justiça resultou da interpretação da vontade das partes e 
 não das normas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada. 
 
  
 
 3. Como claramente resulta do acórdão recorrido, a única questão que esse 
 acórdão apreciou para decidir sobre a admissibilidade do recurso do acórdão da 
 Relação para o Supremo Tribunal de Justiça foi a da interpretação a dar às 
 cláusulas compromissórias insertas nos concretos contratos de arrendamento de 
 que emerge o litígio. Estava em causa a determinação do sentido de cláusulas com 
 a seguinte redacção: “As questões emergentes do presente contrato serão 
 resolvidas por recurso a arbitragem de acordo com o Regulamento do Tribunal do 
 Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Associação 
 Comercial de Lisboa, com recurso a 3 (três) árbitros nomeados de acordo com o 
 regulamento, cabendo sempre recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa”.
 Colocou-se sempre e só uma questão de interpretação da vontade das partes ao 
 comprometerem-se nos termos dessa cláusula e não a questão da sua validade. E 
 essa questão não foi resolvida por aplicação das normas referidas pela 
 recorrente. É certo que elas foram invocadas no despacho do relator que veio a 
 ser confirmado pelo acórdão recorrido. Mas, somente, para ilustrar o que 
 ocorreria se a vontade das partes não tivesse disposto sobre a matéria, não para 
 resolver qualquer questão por aplicação do teor normativo que se entendeu nelas 
 contido. Não foi aplicado o artigo 31.º do RTA, que vedaria o recurso, porque se 
 considerou afastado pela vontade das partes (sem curar de saber se seria 
 passível de constituir objecto do recurso). E o n.º 1 do artigo 29.º da Lei n.º 
 
 31/86, também não foi aplicado para resolver o problema da recorribilidade. A 
 não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não resultou do 
 dispositivo deste preceito, de qualquer interpretação que se desse à expressão 
 
 “da decisão arbitral cabem para o tribunal da Relação os mesmos recursos que 
 caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca”, mas do entendimento de 
 que a expressão “cabendo sempre recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa “ 
 significa que os outorgantes quiseram renunciar ao recurso para o Supremo.
 Assim, embora seja possível sustentar que a decisão de que uma dada situação não 
 cabe na hipótese de determinada norma ainda pode constituir uma forma de aplicar 
 essa norma, mantém-se que não houve aplicação de qualquer das referidas normas 
 porque o que se decidiu é indiferente ao sentido que possa ter-se se atribuído 
 ao que aí se prescreve.
 
  
 
 4. É destituída de fundamento sério a pretensão que as referidas cláusulas 
 compromissórias sejam consideradas normas para efeito de recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade. Tais cláusulas obrigam as partes que as 
 outorgaram por virtude da sua voluntária inclusão, ao abrigo da autonomia 
 privada, nos contratos em causa. São estipulações concretas, sem carácter de 
 generalidade e abstracção, e falta-lhes de todo heteronomia e reconhecimento 
 jurídico-político, pelo que nenhuma semelhança têm com as cláusulas das 
 convenções colectivas de trabalho (cfr. acórdão n.º 174/2008, do Plenário, 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). São simples produto da autonomia privada, que 
 apenas vinculam quem as estabeleceu ou sucedeu na respectiva posição. Poderiam 
 submeter-se ao Tribunal Constitucional as normas que permitam a sua celebração 
 ou aquelas que disciplinam a sua interpretação pelos tribunais, mas nunca as 
 cláusulas contratuais, por si mesmas, poderão constituir objecto idóneo do 
 recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal como a Constituição 
 
 (artigo 280.º da CRP) e a Lei (artigo 70.º da LTC) definem a competência do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
  
 
             5. Decisão
 
             Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a 
 reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UC
 Lx., 30/7/2009
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão