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Processo n.º 415/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório 
 
 
 
             1 – A., L.da recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 na sua redacção actual (LTC), pretendendo que o Tribunal Constitucional 
 fiscalize, sub species constitutionis, a norma do artigo 278.º do Código de 
 Procedimento e Processo Tributário, cuja inconstitucionalidade fora suscitada 
 perante o tribunal recorrido, quanto ao segmento normativo segundo o qual “a 
 subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos 
 nos n.ºs 3 e 5” do citado preceito”.
 
  
 
             2 – Com interesse para o caso sub judicio, colhe-se dos autos:
 
  
 
             2.1 – A recorrente, inconformada com a decisão proferida no Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Viseu, que determinara a subida a final da 
 reclamação, que aquela deduzira, nos termos do artigo 276.º do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário (doravante, abreviadamente, CPPT), 
 interpôs recurso, com fundamento exclusivo em matéria de direito, para o Supremo 
 Tribunal Administrativo, perante o qual alegou, em síntese:
 
      
 
      “1) A decisão recorrida faz aplicação da norma contida no artigo 278.º do 
 Código de Procedimento e de Processo Tributário na dimensão normativa segundo a 
 qual a subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente 
 previstos nos n.º 3 e 5.
 
      2) Padecendo essa dimensão normativa encontrada e aplicada de 
 inconstitucionalidade orgânica e material.
 
      3) A sentença recorrida deverá, por isso, vir revogada e substituída por o 
 que é de direito, com as legais consequências”.
 
  
 
             2.2 – Por acórdão de 28 de Novembro de 2007, o Supremo Tribunal 
 Administrativo negou provimento ao recurso, deixando consignado que:
 
      “(...)
 
      Patentemente, a fundamentação aduzida pela recorrente não está abrangida 
 pelo n.º 3 do citado artigo [278.º CPPT].
 
      Reconhecendo-se embora que tal normativo não é taxativo, reconhece-se que a 
 recorrente não alegou (e obviamente não provou) que a decisão de que reclama lhe 
 causou prejuízo irreparável.
 
      Condição para a subida imediata da reclamação.
 
      Pelo que o recurso está desde logo condenado ao insucesso.
 
      E se é certo que o M.mo Juiz a quo parece considerar apenas as ilegalidades 
 previstas no citado n.º 3 daquela norma, não é menos verdade que, com o alcance 
 mais vasto, que este Supremo Tribunal dá ao preceito em causa, mesmo aí se deve 
 entender que não foi alegado (e obviamente não se prova) qualquer prejuízo 
 irreparável, como consequência da decisão impugnada.
 
      (...)
 
      Assim, a reclamação deverá subir a tribunal, depois da penhora (e nunca 
 depois da venda, pois que o vício apontado ocorreu antes da penhora). Para 
 conhecer apenas da invocada ilegalidade do despacho que ordenou a instauração da 
 execução.
 
      A sentença recorrida (no tocante ao ponto em questão) é pois de confirmar, 
 com a presente fundamentação”.
 
  
 
             2.3 – Na sequência, foi interposto, nos termos supra descritos, o 
 presente recurso de constitucionalidade, para apreciação da norma contida no 
 artigo 278.º do CPPT, “na dimensão normativa encontrada pela sentença de 
 
 16/06/2007 e confirmada pelo acórdão recorrido, segundo a qual a reclamação 
 apresentada pela ora recorrente só deveria subir a final, depois da penhora”, 
 tendo a recorrente, em alegações, esgrimido a seguinte argumentação:
 
      
 
      “1. O douto Acórdão recorrido faz aplicação da norma contida no art. 278.º 
 do Código de Procedimento e Processo Tributário na dimensão normativa segundo a 
 qual a subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente 
 previstos nos seus n.ºs 3 e 5;
 
      2. A dimensão normativa encontrada e aplicada e referida no n.º anterior 
 padece de inconstitucionalidade orgânica e material;
 
      3. A inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do art. 278.º do 
 CPPT, na dimensão normativa aplicada, resulta da violação do disposto no art. 
 
 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, normativo que autoriza o Governo a 
 aprovar o CPPT “no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei 
 geral tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta 
 careçam”;
 
      4. O direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos 
 lesivos vem afirmado pelos arts. 95.º n.º 1 e n.º 2, al. j) e 103.º, n.º 2 da 
 LGT, pelo que a referida limitação aos casos taxativamente consagrados no n.º 3 
 do art. 278.º do CPPT, implica a falta de compatibilização dessa norma com as da 
 lei geral tributária, extravasando, por conseguinte, o âmbito da referida lei de 
 autorização legislativa e, por consequência, o âmbito da competência do Governo 
 nesta matéria, no quadro da reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP);
 
      5. A inconstitucionalidade material da dimensão normativa extraída do art. 
 
 278.º do CPPT resulta da violação do disposto nos arts. 26.º, n.º 1 (direitos ao 
 bom nome e reputação, imagem e a protecção legal contra quaisquer formas de 
 discriminação), 103.º, n.º 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja 
 liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei) e 268.º, n.º 4 (garantia 
 dos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou 
 interesses legalmente protegidos), todos da Constituição”.
 
  
 
             2.4 – Por seu turno, o Representante da Fazenda Pública, 
 contra-alegou o seguinte:
 
      “a) o douto acórdão recorrido não fez qualquer interpretação restritiva 
 
 (meramente literal) – cuja inconstitucionalidade aliás não temos por evidente – 
 do art. 278.º do CPPT, limitando-se a não considerar verificado um requisito 
 fundamental para a admissão imediata das reclamações de actos do órgão de 
 execução fiscal: a alegação e prova de prejuízo irreparável;
 
      b) A exigência de tal requisito não padece de qualquer 
 inconstitucionalidade;
 
      c) Nem orgânica, por violação da norma de autorização legislativa que 
 autorizou a aprovação do CPPT na medida em que seria incompatível com a LGT, já 
 que nem a invocada LGT é uma lei de valor constitucional nem os seus princípios 
 são incompatíveis com o teor do art. 278.º do CPPT;
 
      d) As restrições contidas na previsão do art. 278.º quanto à subida 
 imediata das reclamações não constituem violação constitucional da tutela 
 jurisdicional efectiva uma vez que a vinculação jurídico-material do legislador 
 aos comandos constitucionais não elimina a liberdade de confirmação legislativa;
 
      e) Nem material por violação do art. 268.º, n.º 4 da CRP, porque a tutela 
 constitucional, de garantia jurisdicional dos administrados, é perfeitamente 
 compatível com a regulamentação do exercício de recursos e restrições 
 processuais;
 
      f) Nem a aplicação da lei efectuada pelo acórdão recorrido belisca o bom 
 nome e reputação e protecção legal, efectua qualquer discriminação ou conduz a 
 que esteja a ser exigido pagamento de impostos contra os termos da lei”.
 
  
 
             2.5 – Notificada a recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a 
 eventualidade deste Tribunal não tomar conhecimento do objecto do recurso, com 
 fundamento na não aplicação da norma do artigo 278.º do CPPT, no segmento 
 normativo impugnado, veio dizer:
 
      “1.º Entende a recorrida, resumidamente, que o douto acórdão recorrido não 
 fez qualquer interpretação restrita do art. 278.º do CPPT, antes limitou-se a 
 não considerar verificado o requisito da alegação e prova do prejuízo 
 irreparável.
 
      2.º Ora, considerando-se, o que por mera hipótese e sem transigir se 
 refere, que o Supremo Tribunal Administrativo não se baseou numa dimensão 
 normativa do art. 278.º CPPT segundo a qual a subida imediata das reclamações só 
 acontece nos casos aí taxativamente previstos, mas ao invés, e de acordo com a 
 alegação da recorrida, no facto da recorrente não ter procedido à alegação e 
 prova do prejuízo irreparável, a verdade é que também tal interpretação por si 
 só está ferida de inconstitucionalidade orgânica, como de resto, foi também 
 oportunamente alegado pela ora recorrente. Assim,
 
      3.º O n.º 2 do art. 103.º e alínea i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP 
 estabelece como matéria de competência relativa da Assembleia da República a 
 criação do sistema fiscal, nomeadamente das garantias dos contribuintes, logo, a 
 actuação legislativa do Governo está limitada aquela autorização legislativa, 
 sob pena de inconstitucionalidade orgânica.
 
      4.º Neste sentido, os Decretos-Lei que aprovaram a LGT e o CPPT, por 
 legislarem sobre matéria de competência relativa da Assembleia da República e 
 terem sido decretados pelo Governo, foram precedidos de uma lei de autorização – 
 lei essa que é de valor reforçado – a qual teve por função, para além de 
 facultar a mencionada autorização, de tornar previsível e transparente para o 
 cidadão as hipóteses em que o Governo viria fazer uso dessa mesma autorização, 
 bem como o conteúdo que, com fundamento na mesma, viriam a ter as normas 
 autorizadas.
 
      5.º Ora, a autorização legislativa para aprovar a LGT, para além do mais, 
 estabeleceu que esta deveria consagrar o direito dos particulares de solicitar a 
 intervenção do juiz no processo – cf. alíneas 19), art. 2.º da Lei 41/98 de 4 de 
 Agosto.
 
      6.º Em conformidade, o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal 
 de todos os actos lesivos vem afirmado pelos arts. 95.º, n.º 1 e 2 n.º 2, al. j) 
 e 103.º, n.º 2 da LGT.
 
      7.º Por outro lado, o art. 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, 
 autorizou o Governo a aprovar o CPPT “no respeito pela compatibilização das suas 
 normas com as da lei geral tributária e regulamentação das disposições da 
 referida lei que desta careçam”.
 
      8.º Desta forma, e ao contrário do que alega a recorrida, a LGT ao 
 estabelecer um conjunto de normas que estabelecem princípios gerais aos quais o 
 CPPT não pode em caso algum desobedecer ou contrariar, encontra-se em 
 reconhecida supremacia sobre aquele outro diploma.
 
      9.º Pelo que, não pode o CPPT afastar a possibilidade de reclamação para o 
 juiz em todos os casos em que o acto praticado pelo órgão da execução fiscal 
 seja potencialmente lesivo.
 
      10.º A recorrente alegou também que a reclamação sempre teria de subir 
 imediatamente e independentemente da alegação de prejuízos irreparáveis, porque 
 a sua retenção e subida diferida torná-la-iam inútil, o que se reconduz à 
 denegação da possibilidade de reclamação em contravenção da Constituição e da 
 lei correctamente interpretada na conformidade com a mesma.
 
      11.º Neste mesmo sentido refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Processo 
 e Procedimento tributário anotado e comentado, 2007, p. 668, que “nos casos em 
 que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição 
 deste regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, 
 pois ela não terá qualquer efeito prático, o que é incompatível com a LGT e o 
 referido sentido da lei de autorização legislativa”.
 
      12.º Ora, se por mera hipótese entendermos, como entende a recorrida, que o 
 Supremo Tribunal Administrativo rejeitou a atribuição de efeito suspensivo à 
 presente reclamação porque a recorrente não alegou quaisquer factos susceptíveis 
 de enquadrar prejuízos irreparáveis então tal entendimento por si só reconduz-se 
 
 à denegação da possibilidade de reclamação.
 
      13.º Assim, a dimensão normativa do art. 278.º do CPPT que a recorrida 
 alega ter sido adoptada pelo Supremo Tribunal [Administrativo], segundo a qual a 
 recorrente não alegou nem demonstrou a existência de quaisquer factos 
 susceptíveis de integrar a ocorrência de prejuízo irreparável, extravasa o 
 
 âmbito de competência legislativa facultada ao Governo, motivo pelo qual a 
 mencionada norma padece de inconstitucionalidade orgânica, tal como foi 
 oportunamente alegado.”
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             3 – Antes de mais, importa abordar, a título de questão prévia, a 
 hipótese de não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento no facto do 
 Tribunal recorrido não ter feito aplicação da norma do artigo 278.º do CPPT, na 
 dimensão normativa cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver 
 apreciada, uma vez que, atenta a natureza instrumental do recurso de 
 constitucionalidade, decorrerá, daí, a impossibilidade da decisão deste Tribunal 
 se repercutir no juízo recorrido.
 
             Como resulta do relatado, a recorrente impugnou junto do Supremo 
 Tribunal Administrativo a constitucionalidade da norma do artigo 278.º do CPPT 
 
 “na dimensão segundo a qual a subida imediata das reclamações se restringe aos 
 casos taxativamente previstos nos n.ºs 3 e 5” dessa norma.
 
             Apesar de, no requerimento de interposição de recurso para este 
 Tribunal, a definição do objecto do recurso ter sido, impropriamente, realizada 
 por remissão para a “dimensão normativa encontrada pela sentença de 16/06/2007 e 
 confirmada pelo acórdão recorrido”, controvertendo-se o juízo segundo o “qual a 
 reclamação apresentada pela ora recorrente só deverá subir a tribunal, depois da 
 penhora”, entendeu-se, cum grano salis – decerto –, relevar a menção da prévia 
 suscitação da questão de constitucionalidade, por remissão para o requerimento 
 de recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, juízo este 
 confirmado pelo teor das conclusões do recurso apresentadas já neste Tribunal 
 pela recorrente, onde considera a norma do artigo 278.º do CPPT “na dimensão 
 normativa segundo a qual a subida imediata das reclamações se restringe aos 
 casos taxativamente previstos nos seus n.ºs 3 e 5”.
 
             Será, pois, em função desse critério normativo que se perscrutará a 
 satisfação dos requisitos de admissibilidade do recurso na dimensão, 
 circunstancialmente, em causa.
 
             Ora, no acórdão recorrido sustentou-se, precisamente, que o elenco 
 tipificado no artigo 278.º, n.º 3 do CPPT, não tem carácter taxativo, o que vale 
 por admitir a subida imediata da reclamação sempre que esta se fundamentar em 
 prejuízo irreparável, independentemente do seu enquadramento nas diversas 
 alíneas dessa disposição, com o que, apesar de se haver confirmado a sentença 
 recorrida, o Supremo abonou-se num diferenciado fundamento decisório. 
 
             Nesses termos, a ratio decidendi do juízo proferido não se estriba 
 na aplicação da norma impugnada, outrossim na circunstância, normativamente, 
 projectada ou reflectida, do efeito cominado no artigo 278.º, n.º 3, do CPPT, 
 exigir a alegação de que a subida a final da reclamação é susceptível de causar 
 prejuízo irreparável ao reclamante.
 
             O que implica, necessariamente, a impossibilidade de tomar 
 conhecimento do objecto do recurso assim delimitado.
 
             Não se olvida que a recorrente, como salientou na resposta supra 
 transcrita – ponto 2.5 –, nas alegações produzidas neste Tribunal invocou que “a 
 reclamação sub specie iuditio sempre terá de subir imediatamente, 
 independentemente da invocação dos aludidos prejuízos irreparáveis”, contudo não 
 pode fazer-se equivaler esta menção a qualquer redefinição do objecto do recurso 
 de constitucionalidade, a qual, de resto, se encontraria prejudicada pela 
 impossibilidade de alterar, substitutivamente, o objecto do recurso em sede de 
 alegações.
 
             Na verdade, como se escreveu no Acórdão n.º 379/96, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, “o requerimento de interposição do recurso limita 
 o seu objecto às normas nele indicadas (cfr. o artigo 684º, n.º 2, do Código de 
 Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 conjugado com o artigo 75º-A, n.º 1, desta lei), sem prejuízo, obviamente, de 
 esse objecto, assim delimitado, vir a ser restringido nas conclusões da alegação 
 
 (cfr. o citado artigo 684º, n.º 3). O que, na alegação (recte, nas suas 
 conclusões), o recorrente não pode fazer é ampliar o objecto do recurso antes 
 definido', alterando a norma cuja inconstitucionalidade se controvertera.
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             4 – Destarte, atento o exposto, decide-se não tomar conhecimento do 
 objecto do recurso.
 
  
 Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) UCs.
 Lisboa, 10.12.2008
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos