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Processo n.º 530/09 
 
 
 
 2ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I - Relatório 
 
 
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal Judicial de Anadia, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério 
 Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do 
 recurso, com fundamento no seguinte: 
 
 
 
 «[?] 2. Não obstante as omissões de que padece o requerimento de interposição de 
 recurso, verifica-se, de forma evidente, que não estão reunidos os pressupostos 
 necessários ao conhecimento do objecto do recurso. O que torna inútil o convite 
 ao aperfeiçoamento daquele requerimento e justifica a prolação de decisão 
 sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei da Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). 
 
 
 Em primeiro lugar, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 174.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que 
 pode ser ordenada busca ao domicílio quando não existem indícios de que alguém 
 oculta na sua residência quaisquer objectos relacionados com um crime ou que 
 possam servir de prova (cfr. conclusão 9. da motivação de recurso, a fls. 281). 
 Constata-se, no entanto, que esta interpretação não foi a efectivamente adoptada 
 no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, aqui recorrido. Pelo contrário, na 
 decisão recorrida afirma-se que a busca domiciliária foi autorizada na sequência 
 de suspeitas, apoiada em informações e denúncias da população civil, 
 documentadas nos autos, e que ?sustentaram o fundado da suspeição? (ponto 3.1. 
 do acórdão, fls. 337/338). 
 
 
 Não tendo a decisão recorrida adoptado a interpretação do artigo 174.º do CPP, 
 cuja inconstitucionalidade o arguido invocou, não pode conhecer-se do recurso 
 nesta parte. 
 
 
 Em segundo lugar, o recorrente alegou a inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de se 
 considerarem válidas as apreensões validadas pela autoridade judiciária em prazo 
 diverso do previsto naquele preceito legal e, designadamente, no prazo de 96 
 horas, por violação do artigo 62.º da Constituição (cfr. conclusão 14. da 
 referida motivação de recurso, a fls. 282). Mais uma vez se verifica que esta 
 interpretação não coincide com a perfilhada na decisão recorrida. De facto, o 
 entendimento subscrito pelo Tribunal da Relação de Coimbra é, em síntese, o de 
 que «o prazo máximo de 72 horas se reporta à sujeição das apreensões efectuadas 
 por órgão de polícia criminal à posterior validação pela autoridade judiciária, 
 ou seja, refere-se à apresentação ao Ministério Público das apreensões 
 realizadas e não ao prazo máximo em que esta autoridade judiciária terá de 
 proferir o despacho de validação.» 
 
 
 Sendo esta razão suficiente para não conhecimento do objecto do recurso, nesta 
 parte, outro fundamento poderá ainda aduzir-se: o de que o recorrente, como bem 
 refere a decisão recorrida, não suscitou a questão de constitucionalidade em 
 termos adequados, na medida em que se limitou a afirmar que aquela interpretação 
 da norma viola o artigo 62.º da Constituição, sem explicar, ainda que 
 sumariamente, em que medida a interpretação questionada é susceptível de 
 afrontar o direito de propriedade privada, garantido naquele preceito 
 constitucional. 
 
 
 Em terceiro lugar, o recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade 
 do artigo ?44.º? do Código Penal. A referência a este preceito legal (revogado) 
 
 é, certamente, um lapso. Na conclusão 27. da motivação do recurso (a que alude 
 no requerimento de interposição do recurso), o que o recorrente questiona é que 
 o tribunal recorrido lhe tenha aplicado um regime ?menos favorável?. Mas também 
 aqui não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa (enunciação 
 de uma norma, aplicada pela decisão recorrida, a qual se aponta o vício de 
 inconstitucionalidade), sendo certo que o recorrente coloca a questão no plano 
 da aplicação da norma ao caso concreto. 
 
 
 Por último, o recorrente aponta, como objecto do recurso, três normas da própria 
 Constituição: os artigos 18.º, 13.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, da Constituição. 
 Aparentemente, o recorrente labora num erro, uma vez que inclui no objecto do 
 recurso as normas da Constituição com base nas quais procurou fundamentar, no 
 decurso do processo, as suas posições jurídicas ou que utilizou para imputar o 
 vício de inconstitucionalidade à decisão do seu caso concreto (cfr., por exemplo, 
 a conclusão 34. da citada motivação de recurso). O que, manifestamente, não 
 constitui objecto idóneo do recurso de constitucionalidade. 
 
 
 Forçoso é, portanto, concluir pela inadmissibilidade do recurso, no seu todo. [?.]» 
 
 
 
 2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos: 
 
 
 
 «[?] 1° 
 
 
 Na decisão sumária proferida o Sr. Juiz Relator refere que o recorrente 
 pretendeu com a interposição do recurso a apreciação da constitucionalidade do 
 artigo 44.º do CP e que por esse preceito legal se encontra revogado, e por ter 
 considerado que o que o arguido pôs em causa foi o facto de lhe ter sido 
 aplicado um regime menos favorável, não conheceu do recurso nessa parte. 
 
 
 Ora, 
 
 
 
 2° 
 
 
 O referido preceito legal, ao contrário do que foi dito na decisão sumária, não 
 está revogado e tem a seguinte redacção: 
 
 
 
 ?Regime de permanência na habitação? 
 
 
 
 1- Se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na 
 habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre 
 que o Tribunal concluir que esta forma de cumprimento, realiza de forma adequada 
 e suficiente as finalidades de prisão (...) 
 
 
 No caso, 
 
 
 
 3° 
 
 
 Entendeu o recorrente, ser-lhe possível ser aplicado o regime de permanência na 
 habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. 
 
 
 Porém, 
 
 
 
 4° 
 
 
 O Tribunal recorrido entendeu que tal não era possível por a casa do arguido não 
 dispor de ligação à rede pública de energia eléctrica. 
 
 
 
 5º 
 
 
 Houve, na opinião do recorrente discriminação entre duas pessoas em abstracto 
 porque uma delas não detinha rede de luz, violando-se assim o principio da 
 igualdade previsto no artigo 13.º n.° 2 da CRP 
 
 
 
 6° 
 
 
 Não está em causa, nem isso foi invocado pelo arguido, a aplicação de um regime 
 
 ?menos favorável? entre dois regimes sucessivos no tempo 
 
 
 Pelo que, 
 
 
 
 7º 
 
 
 Se mantém o entendimento de que a interpretação do artigo 44.º tal como foi 
 feita, isto é, no sentido de não ser possível determinar a execução da pena de 
 prisão aplicável ao arguido em regime de permanência na habitação, por a 
 habitação do arguido não dispor de energia eléctrica é inconstitucional por 
 violação do artigo 44.º do CP e do artigo 13.º n.° 2 da CRP 
 
 
 
 8° 
 
 
 Assim o disse e entendeu o recorrente, nas suas alegações no ponto numero 27, 
 aliás referido na decisão sumária 
 
 
 
 9º 
 
 
 Curiosamente, agora, Julho de 2009 o recorrente já dispõe de uma habitação com 
 energia eléctrica! 
 
 
 Só pelas razões agora expostas deveria o presente recurso ter sido recebido, 
 requerendo-se agora à conferencia o seu recebimento e posterior decisão, 
 
 
 Como é de JUSTIÇA» 
 
 
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 apresentou resposta, pugnando pela improcedência da reclamação, por considerar, 
 em síntese, que se mantêm inteiramente válidas as conclusões a que chegou a 
 decisão reclamada, não tendo sido adiantados, pelo reclamante, argumentos 
 susceptíveis de as contrariar. 
 
 
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II ? Fundamentação 
 
 
 
 4. A decisão sumária reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do 
 recurso, no seu todo. 
 
 
 A reclamação ora apresentada apenas contesta esta decisão na parte referente à 
 apreciação da constitucionalidade do ?artigo 44.º do Código Penal?. 
 
 
 
 É, pois, apenas quanto a esta questão que cumpre decidir. 
 
 
 Diga-se, desde já, que assiste razão ao reclamante quando refere que a decisão 
 sumária reclamada contém um lapso manifesto ao referir-se ao artigo 44.º do 
 Código Penal como estando revogado. 
 
 
 Mas quanto ao demais, deve manter-se integralmente a decisão sob reclamação. 
 
 
 Na verdade, as omissões do requerimento de interposição do recurso ? aliás, 
 referidas na decisão sumária ? induziram o tribunal em erro quanto à peça 
 processual onde teria sido suscitada a suposta questão de constitucionalidade 
 referente ao ?artigo 44.º do Código Penal?. Assim, a decisão reclamada faz 
 referência à ?conclusão 27. da motivação do recurso?, referindo-se à que consta 
 do recurso de fls. 43 dos autos (daí, a referência que se fez a um ?lapso? do 
 ora reclamante), por ser essa a peça processual onde, segundo o próprio 
 recorrente, teriam sido suscitadas as demais questões a que alude o requerimento 
 de interposição do recurso. 
 
 
 Mas, na verdade, percebe-se agora, o recorrente, ora reclamante, pretendia, 
 nessa parte, referir-se à ?conclusão 27.? de outra motivação de outro recurso, a 
 constante de fls. 118. 
 
 
 Não pode deixar de se notar que o requerimento de interposição do recurso 
 referia-se várias vezes a ?motivações de recurso?, sem identificação das 
 respectivas fls. do processo e, além disso, era totalmente omisso quanto à 
 identificação da decisão recorrida e também não enunciava as questões de 
 constitucionalidade, limitando-se a referir os preceitos legais questionados. 
 
 
 Não obstante, a verdade é que o recurso também não se mostra admissível quanto a 
 esta última questão, abordada na ?conclusão 27.? da motivação do recurso de fls. 
 
 118. Independentemente de se saber se estamos perante uma verdadeira questão de 
 constitucionalidade normativa e, bem assim, de saber se, neste caso, podia caber 
 recurso de constitucionalidade da decisão do tribunal de primeira instância que 
 aplicou tal norma, o certo é que a apreciação de tal questão se mostraria inútil. 
 Na verdade, a decisão que se pronunciou pela não aplicação do regime de 
 permanência na habitação, fundou-se também noutros motivos, nomeadamente, na 
 conclusão de que, quanto ao arguido A., esta forma de execução da pena não 
 realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelas razões 
 aí explicitadas (cfr. fls. 96 dos autos). Não tendo tais motivos sido 
 questionados, do ponto de vista da sua constitucionalidade, revelar-se-ia inútil 
 o conhecimento do recurso nesta parte, ainda que estivessem verificados os 
 demais pressupostos exigidos para o efeito. 
 
 
 Deve, por isso, improceder a reclamação. 
 
 
 III. Decisão 
 
 
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta. 
 
 
 Lisboa, 20 de Outubro de 2009 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Benjamim Rodrigues 
 
 
 Rui Manuel Moura Ramos