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Processo n.º 612/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha 
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 
 A. veio recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 
 
 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça que confirmou a anterior decisão da Relação de Lisboa, pela 
 qual foi decidido deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu (MDE) 
 emitido pelo 1º Julgado de Instrução de Palma de Maiorca (Espanha) e ordenar a 
 entrega do arguido às autoridades espanholas.
 
  
 Pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 3° da Lei n.° 
 
 65/2003 quando interpretada e aplicada no sentido de que as informações “ambos 
 ganharam a confiança de terceiros como sejam os queixosos, mediante o uso de 
 engano...” constantes no mandado de detenção, são suficientes para atendimento à 
 exigência de «descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, 
 incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa 
 procurada», precisando, no requerimento de interposição de recurso, que a 
 questão de constitucionalidade havia sido suscitada nos pontos 1, 3 e 5 das 
 alegações de recurso que deram origem à decisão recorrida.
 
  
 Por decisão sumária de fls. 223 e seguintes entendeu-se ser de não conhecer do 
 objecto do recurso de constitucionalidade, pelos seguintes fundamentos:
 
  
 
 “Resulta do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que o 
 recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, sob o ponto de vista 
 da sua constitucionalidade, o artigo 3º da Lei n.º 65/2003, na interpretação 
 segundo a qual certas informações constantes do mandado de detenção europeu 
 contra si emitido são suficientes para cumprimento da exigência de descrição das 
 circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o 
 grau de participação na infracção da pessoa procurada.
 Contudo, esta interpretação normativa só formalmente o é. Em substância, mais 
 não pretende o recorrente do que a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, da 
 correcta aplicação do direito aos factos a que procederam as instâncias: ou 
 seja, a apreciação de que certas imposições legais se consideram cumpridas 
 verificadas certas circunstâncias de facto (que são as informações, constantes 
 do MDE, de que “ambos ganharam a confiança de terceiros, como sejam os 
 queixosos, mediante o uso de engano”).
 Não possuindo o Tribunal Constitucional competência para controlar a aplicação 
 do direito pelas instâncias, mas apenas para apreciar normas, ou interpretações 
 normativas, como decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, forçoso é concluir que não pode conhecer-se do objecto 
 do recurso de constitucionalidade, por o mesmo extravasar a competência deste 
 Tribunal.
 Por outro lado, o recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, a 
 concreta questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada: as duas 
 motivações de recurso por si produzidas não referem que seja inconstitucional a 
 
 “interpretação” segundo a qual certas informações constantes do mandado de 
 detenção europeu contra si emitido são suficientes para cumprimento da exigência 
 de descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o 
 momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada. 
 Por isso, mesmo que a questão que o recorrente pretende agora ver apreciada 
 constituísse uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa – o que, 
 como se disse, manifestamente não sucede -, da mesma não poderia também 
 conhecer-se, por não cumprimento do ónus de suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade durante o processo, a que se referem os artigos 70º, n.º 
 
 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
 Não pode, assim, conhecer-se do objecto do recurso”.
 
  
 Notificado dessa decisão, A. vem dela reclamar para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos (fls. 230 e seguintes):
 
  
 
 “[…] 1. No recurso para o Tribunal Constitucional o ora reclamante colocou para 
 escrutínio desse órgão de focalização da constitucionalidade das leis a seguinte 
 questão: 
 
 «o artigo 3° da Lei n.° 65/2003 quando interpretado e aplicado no sentido de que 
 as informações “ambos ganharam a confiança de terceiros como sejam os queixosos, 
 mediante o uso de engano...” constantes no mandado de detenção, são suficientes 
 para atendimento à exigência de «descrição das circunstâncias em que a infracção 
 foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção 
 da pessoa procurada». 
 
 2. De acordo com o reclamante a violação da Lei Fundamental ocorria porquanto 
 haviam sido desrespeitados em relação a esta questão as seguintes normas da 
 Constituição: «Os artigos 1º, 27°, 29º, 30°, 32° n.° 1 e 2 da CRP» 
 
 3. A matéria havia sido prevenida nos pontos 1, 3 e 5 das alegações de recurso 
 que deram origem à decisão recorrida. 
 
 4. Conhecendo tal matéria, a decisão sob reclamação considerou que «não pode 
 conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade, por o mesmo extravasar 
 a competência deste Tribunal — pois não estaria em causa uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa» e ainda porque que «o recorrente não suscitou, 
 perante o Tribunal recorrido, a concreta questão de inconstitucionalidade que 
 pretende ver apreciada, pelo que não cumpriu o ónus a que se referem os artigos 
 
 70°, n.° 1, alínea b), e 72°, n.° 2, da Lei do TC. 
 
 5. Salvo o devido respeito, nem a questão de constitucionalidade suscitada se 
 afigura extravasar a competência do Douto Tribunal, nem se verifica a violação 
 apontada do disposto nos artigos 70°, n.° 1, alínea b), e 72º, n° 2, da Lei do 
 TC. 
 
 6. Na verdade, o acórdão recorrido sustenta que não seja necessário dar 
 conhecimento ao arguido dos factos referentes ao grau da sua alegada 
 participação, o que não se confunde com outra questão, que se refere à 
 suficiência da exigência da descrição das circunstâncias. 
 
 7. O reclamante não pretendeu com o recurso apresentado suscitar a questão do 
 concreto juízo de subsunção dos factos ao direito, questão essa que de facto se 
 entende extravasar a competência deste Douto Tribunal, mas antes a interpretação 
 normativa do artigo 3° da Lei n.° 65/2003 no que se refere à aplicação que 
 resulta do acórdão recorrido relativamente à desnecessidade da indicação dos 
 factos referentes ao grau de participação. 
 
 8. Entende ainda o reclamante que, pese embora a questão de constitucionalidade 
 não haja sido expressamente plasmada nas conclusões de recurso apresentadas, a 
 questão foi suscitada nos pontos 1, 3 e 5 das motivações apresentadas, não tendo 
 o reclamante sido convidado pelo Tribunal a aperfeiçoar as conclusões e tendo o 
 Tribunal conhecido da questão suscitada, pese embora a mesma não haja sido 
 levada às conclusões. 
 
 9. Na verdade, e embora as conclusões enquanto parte integrante da motivação, 
 tenham por função a delimitação do objecto do recurso, o Tribunal Superior, pode 
 conforme refere Simas Santos em «Recursos em Processo Penal» oficiosamente 
 conhecer de outras questões nelas não inscritas. 
 
 10. Nem se diga, atento o facto de a ora signatária não ter subscrito o recurso 
 em causa, e como tal os termos em que a questão é «fraseada» divergirem, que 
 antes não havia já sido suscitada precisamente a questão que agora vem 
 formulada. 
 Nestes termos, salvo o devido respeito, entende o reclamante que a questão de 
 inconstitucionalidade que colocou deve ser conhecida, com a consequente reforma 
 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que aplicou a norma sob sindicância”.
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu 
 
 à reclamação, pronunciando-se no sentido do seu indeferimento (fls. 234 e 
 seguintes).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 No requerimento de interposição do presente recurso, o ora reclamante indicou 
 que pretendia a declaração da inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei n.º 
 
 65/2003, na interpretação segundo a qual certas informações constantes do 
 mandado de detenção europeu contra si emitido são suficientes para cumprimento 
 da exigência de descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, 
 incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa 
 procurada.
 
  
 Entendeu-se na decisão sumária reclamada que esta interpretação se confundia com 
 a aplicação do direito aos factos, pois que redundava na apreciação de que 
 certas imposições legais se consideram cumpridas verificadas certas 
 circunstâncias de facto: e por não consubstanciar uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não podia dela conhecer-se.
 
  
 O reclamante discorda deste entendimento por, em síntese, considerar que ainda 
 está em causa “a interpretação normativa do artigo 3º da Lei n.º 65/2003 no que 
 se refere à aplicação que resulta do acórdão recorrido relativamente à 
 desnecessidade da indicação dos factos referentes ao grau de participação”.
 
  
 Não se alcança o sentido da argumentação do reclamante, sendo certo, porém, que 
 a mesma não se dirige ao ponto que era preciso demonstrar para pôr em causa a 
 fundamentação da decisão sumária: que o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade é uma interpretação normativa, pois que ainda é possível 
 destrinçá-lo, em atenção à sua aptidão para regular um número indefinido de 
 casos, da própria aplicação do direito aos factos.
 
  
 Não ocorrendo manifestamente tal demonstração, a argumentação do reclamante tem 
 de improceder.
 
  
 A isto acresce que o reclamante não demonstra que tenha suscitado a questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido (o outro dos fundamentos de 
 não conhecimento em que se alicerçou a decisão sumária reclamada): com efeito, 
 alega que a suscitou “nos pontos 1, 3 e 5 das motivações apresentadas”, mas 
 percorrendo estes trechos das duas motivações que apresentou (cfr. fls. 129 e 
 seguintes e fls. 136 e seguintes), facilmente se constata que nunca neles se 
 imputa qualquer inconstitucionalidade ao “artigo 3º da Lei n.º 65/2003, na 
 interpretação segundo a qual certas informações constantes do mandado de 
 detenção europeu contra si emitido são suficientes para cumprimento da exigência 
 de descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o 
 momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada”, 
 nesta ou em qualquer idêntica formulação dessa mesma (suposta) interpretação. 
 
  
 Na verdade, e no que diz respeito à primeira motivação, no ponto 1 alega-se uma 
 ilegalidade e inconstitucionalidade de um acórdão; no ponto 3, a 
 inconstitucionalidade da entrega do recorrente ao Estado espanhol; e, no ponto 
 
 5, a injustiça de um acórdão.
 
  
 Quanto à segunda motivação, no ponto 1 alega-se a inconstitucionalidade do 
 artigo 3º da Lei 65/2003, mas sem mencionar qualquer interpretação desse 
 preceito; no ponto 3, alega-se a violação de vários preceitos legais e de 
 direito internacional, mas sem imputar tal violação a qualquer norma ou 
 interpretação normativa; no ponto 5, menciona-se os elementos que devem constar 
 do mandado de detenção europeu, mas sem imputar qualquer inconstitucionalidade a 
 qualquer norma ou interpretação normativa.
 
  
 Termos em que também improcede a argumentação do reclamante respeitante à 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação e 
 confirma-se a decisão reclamada.
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.  
 
  
 Lisboa, 6 de Agosto de 2009
 
  
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão