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Processo n.º 1206/2007
 
 3.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  O Banco A., S.A. reclamou créditos em execução fiscal promovida pelo Serviço 
 de Finanças de Olhão, em que é executada B. e exequente a Fazenda Nacional, com 
 fundamento na titularidade de um crédito com garantia real.
 Por ocasião da realização da venda do imóvel sobre que recaía a garantia, a 
 Fazenda Pública não notificou o credor reclamante com garantia real para o 
 efeito de, depois de frustrada a venda judicial através de propostas em carta 
 fechada devido à inexistência de propostas, este se pronunciar sobre a 
 modalidade de venda por negociação particular bem como sobre o preço base.
 Assim, do despacho do Chefe do Serviço Local de Finanças de Olhão que determinou 
 que se procedesse à venda desse imóvel por negociação particular (após a venda 
 do imóvel por propostas em carta fechada não ter sido conseguida, por nenhuma 
 proposta ter sido formulada), apresentou o Banco A., S.A. reclamação, pedindo a 
 anulação do processado, incluindo a venda deste modo efectuada.
 
  
 
 2.  O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou a reclamação 
 improcedente. Fê-lo nos seguintes termos:
 
  
 Importa apreciar e resolver as seguintes questões:
 
 (.)
 
 1ª Caso a venda efectuada numa execução fiscal por meio de propostas em carta 
 fechada fique deserta, tem o órgão de execução fiscal que notificar o credor 
 reclamante para se pronunciar sobre a subsequente modalidade de venda- 
 
 (.)
 Vejamos em seguida a primeira das enunciadas questões.
 Como sabemos, por princípio «a venda será feita por meio de propostas em carta 
 fechada, pelo valor base que for mencionado nas citações, editais e anúncios a 
 que se refere a presente secção» (art.° 248.º do Código de Procedimento e de 
 Processo Tributário).
 Casos há, no entanto, em que outra pode ser a modalidade da venda, avultando, 
 inter alia, o previsto no art.° 252.° do Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário, o qual, na parte relevante, nos diz o seguinte:
 
 «1. A venda por uma das modalidades extrajudiciais previstas no Código de 
 Processo Civil só se efectuará nos seguintes casos: 
 a)  Quando a modalidade de venda for a de propostas em carta fechada e no dia 
 designado para a abertura de propostas se verificar a inexistência de 
 proponentes ou a existência apenas de propostas de valor inferior ao valor base 
 anunciado;
 
 (…)»
 Nos normativos referidos (nem de quaisquer outros do Código de Procedimento e de 
 Processo Tributário) não se vê rasto da alegada necessidade do credor reclamante 
 ser ouvido sobre a modalidade da venda no caso de se frustrar a venda por meio 
 de propostas em carta fechada Mas também se não pode ignorar que o processo 
 civil é subsidiário do processo tributário e, por isso, em caso de lacuna deverá 
 a mesma ser preenchida com o recurso ao mesmo, nos termos regulados pelo art.° 
 
 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Daí que se compreenda a 
 pretensão dos Reclamantes em recorrer aos termos da lei processual civil para 
 tentar levar a água aos seus moinhos e por isso importa fazer um excurso sobre o 
 que nos reserva esse regime legal.
 Com relevo encontra-se o art.° 886.°-A do Código de Processo Civil, que nos diz 
 o seguinte:
 
 «1. Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao 
 agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia 
 sobre os bens a vender.
 
 2. A decisão tem como objecto:
 a)  A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens 
 penhorados, nos termos da alínea e) do artigo 904.º da alínea b) do n.° 1 do 
 artigo 906.° e do n.° 3 do artigo 907.°;
 
 (…)
 
 4. A decisão é notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes 
 de créditos com garantia sobre os bens a vender.
 
 5.  Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, 
 cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso.»
 Ainda com aparente relevo constata-se que do art.° 904.° do mesmo Código de 
 Processo Civil consta o que segue:
 
 «A venda é feita por negociação particular.
 
 (...)
 d) Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de 
 proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo 
 proponente aceite;
 
 (...).»
 Assim sendo as coisas, o regime previsto no Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário para o caso de a venda por propostas em carta fechada ficar deserta é 
 similar ao que o Código de Processo Civil prevê. A questão poderia ser diversa 
 apenas se estivesse em causa a necessidade do órgão da execução fiscal ouvir o 
 executado e o credor reclamante na execução fiscal previamente à sua decisão de 
 escolha da modalidade da venda mas essa, como vimos, não é a que aqui se coloca. 
 Mas ainda que fosse, sempre a solução a encontrar deveria ser diversa da 
 propugnada pelos Reclamantes, como de resto se acentuou no recente Acórdão do 
 Supremo Tribunal Administrativo, prolatado no dia 28-03-2007 (.)
 
  
 Neste acórdão, o STA decidira que o legislador preceituara integral e 
 imperativamente no CPPT o regime da venda no processo de execução fiscal, 
 excluindo, ao contrário do que acontece na execução comum, a audição do credor 
 com garantia sobre a modalidade da venda (e consequente notificação da decisão 
 do agente de execução). Daqui decorreria a necessária aceitação, por parte do 
 dito credor e no caso de negociação particular, do comprador ou do preço 
 proposto pelo exequente, justificando-se tal interpretação atendendo à natureza 
 e características da execução fiscal. Estando nela em causa a cobrança de 
 receitas tributárias que visam “a satisfação das necessidades financeiras do 
 Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da 
 igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na 
 distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º, n.º 1 da Lei Geral 
 Tributária –, a execução fiscal caracterizar-se-ia pela sua celeridade.
 
  
 
  
 
 3.  Da decisão do TAF de Loulé veio o Banco A., S.A. interpor o presente recurso 
 de constitucionalidade sobre o qual, inicialmente, recaiu um despacho de 
 indeferimento por falta de preenchimento de pressupostos processuais, mas que, 
 após reclamação deferida pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 
 
 464/2007, veio a ser admitido pelo Tribunal a quo.
 A norma que delimita o objecto do recurso de constitucionalidade é a que resulta 
 das disposições conjugadas da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 3 do artigo 
 
 252.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e dos artigos 201.º, 
 
 904.º e alínea c), do n.º 1 do artigo 909.º do Código de Processo Civil, quando 
 interpretada “no sentido de dispensar a audição dos credores providos com 
 garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, 
 fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a 
 adjudicação consequente”.
 No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente 
 alega que a norma viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da 
 CRP, pois entende não ser aceitável que, num Estado de Direito, o legislador 
 consagre, expressamente, a protecção dos direitos dos credores reclamantes 
 providos de garantia real para aplicação na jurisdição comum e omita esses 
 mesmos direitos no âmbito de uma execução fiscal.
 A esse fundamento, vem o recorrente, nas alegações apresentadas, acrescentar o 
 da violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2), do princípio 
 do acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 4) e do direito de propriedade privada 
 
 (artigo 62.º, n.º 1), assim pretendendo reforçar o entendimento de que, mesmo 
 considerando-se as características particulares da execução fiscal, ainda assim 
 não se justifica que aí seja dispensada a audição prévia dos credores 
 reclamantes providos de garantia real para efeitos de escolha da modalidade de 
 venda e de fixação do preço base.
 
  
 
  
 
 4.  Relativamente ao princípio da igualdade, afirma o recorrente que a opção do 
 legislador de não consagrar, expressamente, para o processo de execução fiscal, 
 a solução do processo de execução comum, se apresenta in casu , e numa 
 perspectiva jurídico-constitucional, intolerável ou inadmissível, por se não 
 poder encontrar para ela fundamento material bastante. A diferença entre o 
 regime da execução fiscal e o regime da execução comum não é materialmente 
 sustentada em critérios objectivos, constitucionalmente relevantes, e que 
 permitam tratar de forma desigual a tramitação da execução fiscal, sendo para 
 tanto insuficiente a justificação assente na necessidade de celeridade da 
 execução fiscal e no interesse público da cobrança de impostos. Além disso, diz, 
 
 é violado o princípio da igualdade porque, quando detém a posição processual de 
 credor reclamante em execução comum e na liquidação do activo em processo de 
 insolvência, a Fazenda Nacional é sempre ouvida enquanto credor com garantia 
 sobre os bens a vender nesses processos.
 
  
 
  
 
 5.  No que respeita ao princípio da proporcionalidade, o recorrente reconhece 
 que a execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívidas ao 
 Estado ou entidades equiparadas, tende a caracterizar-se por uma pretendida 
 celeridade, o que revela ter este princípio geral uma notável premência nessa 
 forma de processo. Simplesmente, considera que não existe qualquer justificação 
 para aí dispensar a audição prévia dos credores reclamantes providos de garantia 
 real. São três os argumentos utilizados. Em primeiro lugar, o recorrente 
 considera que o argumento da celeridade prova demais, na medida em que também na 
 execução comum é relevante a celeridade, sendo que aí não é legítimo que a 
 Fazenda Nacional deixe de ser ouvida quando reclama os seus créditos em execução 
 pendente no Tribunal Comum. Além disso, afirma que não se vislumbra de que modo 
 
 é que a audição dos credores vai atrasar a execução fiscal, sendo certo que 
 basta uma notificação aos credores reclamantes feita nos termos previstos no 
 CPPT (o que vale por dizer que na grande maioria das situações se trata de 
 notificações feitas aos mandatários forenses dos referidos credores). Por 
 
 último, entende o recorrente não valer o argumento segundo o qual o fim da 
 execução fiscal é o de garantir a não preterição dos créditos do Estado, porque 
 os credores reclamantes com garantia real têm em muitas e variadas situações 
 direito a serem pagos, prioritariamente, aos créditos do Estado.
 
  
 
  
 
 6.  Relativamente ao direito de propriedade privada consagrado no n.º 1 do 
 artigo 62.º da CRP, entende o recorrente que o mesmo se estende ao direito do 
 credor à satisfação do seu crédito e que tal direito é violado pela dispensa de 
 audição prévia. O facto de o credor com garantia real poder ser confrontado com 
 uma modalidade de venda e preço que desconhecia e que por esse facto é colocado 
 na situação de credor preterido por uma decisão arbitrária de um agente 
 administrativo é, desde logo, razão bastante para considerar infundado, 
 ilegítimo e inconstitucional o regime do CPPT em relação ao CPC. Porque assim se 
 coloca o credor provido de garantia real na situação de ver total ou 
 parcialmente frustrada a possibilidade de satisfação do seu crédito sobre o seu 
 devedor que até lhe prestou uma garantia, a dispensa de audição prévia é 
 excessiva, abrindo a porta a tudo quanto é possível imaginar no seio do mercado 
 imobiliário, incluindo a venda dos bens por menos de metade do seu valor de 
 mercado (como terá ocorrido no caso dos autos).
 
  
 
 7.  Já o direito de acesso aos tribunais surge violado pela circunstância de 
 entre a frustração da venda por propostas em carta fechada e a consumação da 
 venda por negociação particular vigorar a arcana praxis da Administração Fiscal, 
 o que tem como efeito que o credor reclamante desconhece o momento temporalmente 
 adequado para intervir na venda do bem, assim ficando privado de desencadear 
 qualquer actuação processual tendente a acompanhar a venda e, consequentemente, 
 de defender a efectivação da garantia patrimonial do seu crédito. Por via do 
 secretismo da actuação da Administração Fiscal e em face da dispensa de 
 notificação, o credor reclamante com garantia real vê ser-lhe negado o direito 
 ao contraditório e a um processo justo e equitativo.
 Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 8. Nos processos de execução fiscal, a execução não pode prosseguir se não forem 
 citados os credores que detenham garantias reais relativamente aos bens 
 penhorados. É o que determina o Código de Procedimento e de Processo Tributário, 
 que confere ainda, aos referidos credores, um prazo de 15 dias após a citação 
 para que possam reclamar os seus créditos (artigos 239.º e 240.º do CPPT).
 
  Em regra geral, e neste tipo de processos, a venda de bens penhorados  faz-se 
 por meio de propostas em carta fechada, conforme dispõe o artigo 248.º do CPPT. 
 A disposição, introduzida por redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, veio 
 pôr termo ao regime anteriormente vigente, nos termos do qual se admitia, neste 
 tipo de processos, a venda por arrematação em hasta pública, sempre que o órgão 
 de execução fiscal, em despacho fundamentado, sustentasse a manifesta vantagem 
 da adopção dessa modalidade de venda, tendo em conta a natureza dos bens a 
 penhorar e uma vez assegurada a transparência da operação.
 Com esta mudança de regime, efectuada em 2001, terá querido o legislador 
 ordinário dificultar o conluio entre potenciais compradores que o processo de 
 venda em hasta pública sempre possibilitaria. Semelhante intenção, manifestada 
 na reforma do processo de execução comum (que veio a proibir, também, a adopção 
 dessa modalidade de venda: veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 
 de Dezembro), justificar-se-ia, por maioria de razão, em processo de execução 
 fiscal, que, prosseguindo o interesse público da cobrança de impostos, não pode 
 deixar de ser ordenado de modo a garantir a transparência de todas as operações. 
 Ao impor, como regra geral, a venda feita por meio de propostas em carta 
 fechada, pretendeu portanto o legislador assegurar que, neste tipo de processo, 
 as acções de venda se realizassem num contexto inquestionável de “regularidade”.
 A regra tem, no entanto, excepções. De acordo com o artigo 248.º do CPPT, a 
 venda é feita desse modo [por meio de propostas em carta fechada] “salvo quando 
 diversamente se disponha na presente lei”. A disposição diversa é a que consta 
 do artigo 252.º, que determina que a venda se faça por outra das modalidades 
 previstas no Código de Processo Civil quando “no dia designado para a abertura 
 de propostas se verificar a inexistência de proponentes ou a existência de 
 propostas de valor inferior ao valor de base anunciado”.
 Foi precisamente a inexistência de propostas o que ocorreu no caso em juízo.
 
  
 As outras modalidades a que se refere o artigo 252.º [do CPPT] são as que 
 constam do artigo 886.º do Código de Processo Civil: venda em bolsa de capitais 
 ou mercadorias; venda directa a pessoas ou entidades; venda por negociação 
 particular; venda em estabelecimento de leilões; venda em depósito público ou 
 equiparado; venda em leilão electrónico. No caso, a Administração Fiscal decidiu 
 escolher a modalidade da venda por negociação particular.
 
  
 Nos termos do regime de execução comum, os credores reclamantes de créditos com 
 garantia sobre os bens a vender são sempre ouvidos quanto à escolha da 
 modalidade da venda e quanto à fixação do valor base dos bens. É o que decorre 
 do artigo 886.º-A do CPC, que determina que a decisão – que inclui tanto a 
 escolha da modalidade da venda, quanto a fixação do preço dos bens, quanto a 
 eventual formação de lotes – seja notificada pelo agente de execução aos 
 credores reclamantes, que dela podem discordar. Se tal suceder, o juiz decidirá, 
 sem recurso: n.º 7 do artigo 886º-A do CPC.
 
  
 Como já se viu, entende a decisão recorrida que em processo de execução fiscal 
 se não deve aplicar esta regra, pelo que a venda dos bens penhorados se 
 efectuará sem a notificação dos credores reclamantes, que assim não poderão 
 discordar da decisão tomada, nem quanto à modalidade da venda, nem quanto ao 
 preço base atribuído pela Administração Fiscal aos bens a vender. Isto, apesar 
 de o Código de Procedimento e de Processo Tributário determinar, no seu artigo 
 
 2.º, que, “de acordo com a natureza dos casos omissos”, são de aplicação 
 supletiva ao procedimento e ao processo judicial tributário as normas do Código 
 de Processo Civil. Como também já se sabe, as razões para este entendimento 
 fundam-se nas exigências próprias do processo fiscal, nomeadamente nas 
 exigências de celeridade. Considera portanto a decisão recorrida que, por causa 
 destas exigências próprias, a “natureza” da questão a decidir impedirá aqui a 
 aplicação subsidiária do regime do CPC.
 
  
 
  
 
 9.  Deve começar por dizer-se que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar 
 se a decisão recorrida interpretou correctamente o direito infra-constitucional. 
 Na verdade, não lhe cabe censurar a correcção do juízo hermenêutico desenvolvido 
 pelo tribunal a quo e, nomeadamente, se, como defende o recorrente, decorre do 
 disposto nos artigos 2.º e 252.º do CPPT que o CPC é subsidiariamente aplicável 
 
 à notificação dos actos relevantes na execução fiscal como seja a venda qualquer 
 que seja a modalidade adoptada.
 Sob apreciação está única e exclusivamente a norma que resulta das disposições 
 conjugadas da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 3 do artigo 252.º do CPPT e 
 dos artigos 201.º, 904.º e alínea c), do n.º 1 do artigo 909.º do CPC, quando 
 interpretada “no sentido de dispensar a audição dos credores providos com 
 garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, 
 fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a 
 adjudicação consequente”.
 Na interpretação do recorrente tal norma seria inconstitucional por violação do 
 princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade, do direito de 
 propriedade privada e do direito a um processo justo e equitativo.
 Vejamos, pois.
 
  
 
  
 
 10.  Sustenta o recorrente que a opção do legislador de não consagrar, 
 expressamente, para o processo de execução fiscal, a solução do processo de 
 execução comum, lesa antes do mais o princípio da igualdade, consagrado no 
 artigo 13.º da CRP.
 Alega-se essencialmente que tal opção se apresenta, in casu e numa perspectiva 
 jurídico-constitucional, como uma solução intolerável ou inadmissível, por se 
 não encontrar para ela fundamento material bastante. Ao ser “apenas” justificada 
 a partir da necessidade de celeridade da execução fiscal e no interesse público 
 da cobrança de impostos, a diferença, quanto ao ponto agora relevante, entre o 
 regime da execução fiscal e o regime da execução comum não será (no entender do 
 recorrente) materialmente sustentada em critérios objectivos, que permitam 
 tratar de forma desigual a tramitação da execução fiscal; além disso, diz-se, é 
 violado o princípio da igualdade porque, quando detém a posição processual de 
 credor reclamante em execução comum e na liquidação do activo em processo de 
 insolvência, a Fazenda Nacional é sempre ouvida enquanto credor com garantia 
 sobre os bens a vender nesses processos.
 
  
 Não tem razão o recorrente. É que a justificação da dispensa de audição prévia 
 do credor reclamante com garantia real com base na necessidade de celeridade da 
 execução fiscal e no interesse público de cobrança de impostos consubstancia 
 objectivamente fundamento material bastante para efeitos de uma distinção de 
 regimes, não cabendo ao Tribunal substituir-se ao legislador na avaliação da 
 razoabilidade dessa distinção sobre ela formulando um juízo positivo, como se 
 estivesse no lugar deste e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a 
 solução razoável, justa e oportuna (cf. Acórdão da Comissão Constitucional n.º 
 
 458, de 25 de Novembro de 1982, in Apêndice ao Diário da República, de 23 de 
 Agosto de 1983). O controlo do Tribunal é antes de carácter negativo, 
 cumprindo-lhe tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em 
 absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspectiva 
 jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento 
 inteligível. Como foi salientado, entre muitos outros, nos Acórdãos n.ºs 186/90, 
 
 187/90 e 188/90 (qualquer deles disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade 
 legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a 
 adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, 
 desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento 
 razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. 
 Numa perspectiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio 
 vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio 
 
 (Willkürverbot)”.
 
  
 No que especificamente respeita à razoabilidade de diferenciação de regimes com 
 base na relevância do interesse público subjacente à eficiência do sistema 
 fiscal, ainda que versando norma diferente da dos autos, decidiu o Tribunal 
 Constitucional, no Acórdão n.º 345/2006, que:
 
  
 
 […] atento o interesse público subjacente à actividade da cobrança dos impostos, 
 cuja eficiência é essencial para o regular funcionamento dos serviços públicos, 
 vocacionados à satisfação de necessidades colectivas, não surge como inadequada, 
 irracional ou desajustada a solução de só consentir a sustação da execução 
 fiscal perante um despacho judicial que ou determine o prosseguimento do 
 processo de recuperação da empresa executada ou decrete a sua falência, não 
 deixando o normal andamento da execução fiscal inteiramente dependente do mero 
 requerimento por um credor desse tipo de processos, sem prévio controlo 
 judicial, por mais perfunctório que seja, da sustentabilidade desse 
 requerimento.
 A não aplicabilidade do regime do artigo 870.º do CPC ao processo de execução 
 fiscal explica-se, assim, pelo interesse público ínsito na cobrança de créditos 
 através do processo de execução fiscal, que recomenda que não se coloque na 
 disponibilidade das partes, independentemente de qualquer intervenção judicial, 
 a possibilidade de suspensão do processo, que tem como corolário um prejuízo 
 para aqueles interesses.
 A razoabilidade de diferenciação de regimes com base na relevância do interesse 
 público subjacente à eficiência do sistema fiscal, revelado quer em normas de 
 natureza substantiva, quer de índole adjectiva, tem sido reiteradamente 
 salientada por este Tribunal. Assim, no Acórdão n.º 153/2002, que não julgou 
 inconstitucional a norma da primeira parte do n.º 1 do artigo 736.º do Código 
 Civil, que outorga ao Estado um privilégio mobiliário geral, para garantia de 
 créditos fiscais provenientes de IVA e respectivos juros compensatórios, 
 considerou-se não ser “arbitrária, irrazoável ou infundada – e, como tal, 
 violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição – 
 a consagração de tal privilégio a favor do Estado”, pois se trata “de uma medida 
 legislativa justificável atentas as múltiplas funções do Estado – económicas, 
 sociais e culturais –, funções estas que exigem uma cobrança, rápida e segura, 
 das receitas provenientes das contribuições e impostos para cobrir as despesas 
 públicas com aumento constante”, que “atentas as finalidades subjacentes ao 
 sistema fiscal”, torna “justificável a quebra da regra da par conditio 
 creditorum, a que a norma ora em causa procede”. Ou nos Acórdãos n.ºs 302/97, 
 
 303/97, 213/98, 251/98 e 355/98, que não julgaram inconstitucional a norma do 
 artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, que estabelecera um prazo 
 prescricional de 5 anos para as contra-ordenações fiscais, superior ao do regime 
 geral, consignando-se que a aludida diferenciação de prazos não “encerra uma 
 desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável ou material 
 bastante dos arguidos em processos de contra-ordenação fiscal em comparação com 
 os arguidos em outros processos de contra-ordenação”, considerando-se, além do 
 mais, que “a relevância das funções cometidas pela Lei Fundamental ao «sistema 
 fiscal» (artigos 106.º e 107.º da Constituição da República Portuguesa) 
 constituirá suporte material bastante para legitimar o estabelecimento de um 
 regime especial de prescrição do procedimento contra-ordenacional fiscal menos 
 favorável aos infractores, dificultando e desincentivando a fuga ao cumprimento 
 dos deveres fiscais – essenciais à satisfação das necessidades financeiras do 
 Estado e demais entidades públicas e à realização de relevantes objectivos de 
 justiça social”.
 Idênticos valores justificam que, no presente caso, se considere não arbitrário 
 que, para a sustação da execução fiscal, o legislador tenha considerado 
 insuficiente a mera apresentação por um qualquer credor de requerimento de 
 processo de recuperação de empresa ou de declaração de falência, exigindo, para 
 que tal sustação tenha lugar, uma intervenção judicial no sentido do 
 prosseguimento daquele processo ou do decretamento da falência.
 No sentido da razoabilidade da solução legislativa em causa ainda se poderá 
 invocar a diferença de consistência das diversas categorias de crédito em causa: 
 enquanto nos processos comuns (de execução e de falência), os créditos dos 
 credores comuns ainda demandam, em regra, uma actividade de reconhecimento 
 judicial ou da assembleia de credores, já os créditos do Estado, advindos de 
 impostos ou de contribuições para a Segurança Social, têm-se, à partida, por 
 definitivos, certos e exigíveis com o acto de liquidação, que tem a natureza de 
 um título formal, de fonte legal, de reconhecimento da existência dos créditos, 
 sem prejuízo, obviamente, de superveniência de anulação judicial perante 
 impugnação da liquidação. Sendo assim, compreende-se que, quando estejam em 
 causa créditos dependentes de reconhecimento, a sustação da execução apenas 
 ocorra após prolação de despacho judicial de prosseguimento da acção de 
 recuperação da empresa ou de decretação da falência.
 Não ocorre, pois, a alegada violação das normas e princípios constitucionais 
 invocados pela recorrente.
 
  
 Também a dispensa, em processo de execução fiscal, ao contrário do que sucede em 
 processo de execução comum, de audição prévia do credor reclamante com garantia 
 real não é materialmente infundada, irrazoável ou arbitrária, ficando a 
 satisfação do crédito do credor reclamante com garantia real dependente de 
 factores aleatórios, como seja o de ser um particular ou a Fazenda Pública a 
 promover a execução.
 E não o é, desde logo, pelo simples facto de que, em execução fiscal, quem 
 conduz o processo é a Fazenda Pública, a quem a lei reconhece competência para 
 avaliação patrimonial com base em critérios legalmente determinados. Ao 
 contrário do que sucede em processo de execução comum, que corre os seus termos 
 num tribunal e é conduzido por um solicitador de execução nomeado pelo tribunal, 
 e em que, portanto, a contribuição de terceiros, designadamente, de credores 
 reclamantes com garantia real, pode revelar-se de extrema utilidade para efeitos 
 de avaliação do bem objecto de venda, o processo de execução fiscal corre na 
 repartição de finanças do executado, sendo o valor base para venda, tratando-se 
 de imóveis, inscritos ou omissos na matriz, fixado pelo órgão da execução 
 fiscal, podendo a fixação ser precedida de parecer técnico do presidente da 
 comissão de avaliação ou de um perito avaliador designado nos termos da lei [tal 
 
 é, nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 250.º do CPPT, o regime 
 vigente à data da execução fiscal em causa e anterior às alterações introduzidas 
 pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro].
 Tudo isto permite concluir que não seja desrazoável, ou arbitrário, presumir a 
 capacidade técnica ou a idoneidade da Administração Fiscal para proceder ela 
 própria à avaliação de um bem, tanto mais que se lhe reconhece essa competência 
 para efeitos de cálculo do imposto devido pelo contribuinte (pelo menos nas 
 situações em que o valor do imposto está directamente relacionado com o valor do 
 bem sobre que incide o imposto). Nestes termos, não tem razão o recorrente, 
 quando entende que a inconstitucionalidade do regime sob juízo se funda, desde 
 logo, na violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
 Resta saber se o juízo de inconstitucionalidade se não poderá fundar na lesão de 
 outras normas ou princípios constitucionais.
 
  
 
  
 
 11.  O Tribunal tem sempre dito, em jurisprudência firme, que o direito de 
 propriedade a que se refere o artigo 62.º da Constituição “não abrange apenas a 
 proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a 
 propriedade industrial, mas também outros direitos que normalmente não são 
 incluídos sob a designação de «propriedade», tais como, designadamente, os 
 direitos de crédito e os «direitos sociais»  (Vejam-se, entre muitos outros, os 
 Acórdãos n.ºs 491/02, 273/04 e 620/04, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Significa isto que, não havendo coincidência entre o conceito constitucional de 
 propriedade e o correspondente conceito civilístico, e incluindo-se no âmbito de 
 protecção da norma contida no n.º 1 do artigo 62.º da CRP situações patrimoniais 
 outras que não apenas as respeitantes à propriedade das coisas e aos direitos 
 reais menores, alguma tutela reservará a garantia constitucional da propriedade 
 aos chamados direitos de crédito.
 O conteúdo concreto que, nos diferentes momentos históricos, adquirem estes 
 direitos é no entanto conformado pela lei ordinária e não pela Constituição. 
 Assim, e como o Tribunal tem esclarecido em jurisprudência também ela constante 
 
 – vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.ºs 340/91, 494/94, 516/94, para além dos 
 já citados Acórdãos n.ºs 273/04 e 620/04 –, no âmbito de protecção da norma 
 constitucional relativa à garantia do património privado não se contém o direito 
 de crédito em si mesmo considerado, mas tão somente o direito do credor à 
 satisfação do seu crédito, direito esse que se traduz na possibilidade de 
 exigir, em caso de inadimplência, a realização coactiva do crédito à custa do 
 património do devedor.
 
 12.  Por imperativo constitucional que decorre, desde logo, do princípio do 
 Estado de direito, está o legislador ordinário vinculado a conformar os 
 processos de execução comum e de execução fiscal de modo tal que, através de 
 ambos, se atinjam os fins de realização do Direito e de efectiva garantia de 
 exercício dos direitos. É certo que os dois tipos de processo (de execução comum 
 e de execução fiscal) se distinguem entre si por assinaláveis diferenças de 
 natureza (cfr. supra, ponto 10). Como se disse no Acórdão n.º 263/02, “[n]ão se 
 vislumbrando qualquer composição de interesses no acto de instauração da 
 execução pelos serviços da administração fiscal, não pode naturalmente 
 aceitar-se a sua natureza materialmente jurisdicional”, pelo que o processo de 
 execução fiscal envolverá “uma actividade que se enquadra ainda no exercício da 
 função tributária” assumindo por isso fundamentalmente um carácter 
 administrativo, “sem deixar de se reconhecer que esse processo comporta, em todo 
 o caso, momentos claramente jurisdicionais.” (Diário da República, II.ª Série, 
 n.º 262, 13/11/2002, p. 18789). Contudo, e não obstante estas assinaláveis 
 diferenças de natureza – que explicam que o processo de execução fiscal não 
 possa ser considerado um processo judicial “puro” –, o que é claro é que através 
 da conformação deste último, tal como através da conformação do processo de 
 execução comum, estará sempre o legislador ordinário vinculado a adoptar 
 procedimentos justos e adequados de acesso ao Direito e de realização do 
 Direito: quanto mais não seja, e independentemente da natureza de que se revista 
 o concreto procedimento em causa, tal vinculação decorrerá inquestionavelmente 
 do princípio consagrado no artigo 2º da CRP.
 Ora, sendo a realização do Direito determinada pela conformação jurídica dos 
 processos e dos procedimentos, tal conformação corresponderá a um dever do 
 legislador, que terá que ser cumprido – ainda de acordo com os imperativos 
 constitucionais inscritos no artigo 2º -  com observância das  exigências 
 decorrentes quer do princípio da proibição do excesso quer do princípio da 
 proibição do “deficit” ou da insuficiência. 
 Com efeito, e como o Tribunal tem sempre dito (vejam-se a este propósito os 
 Acórdãos nºs 205/2000 e 491/2002), o princípio da proporcionalidade ou da 
 proibição do excesso, enquanto princípio vinculativo das acções de todos os 
 poderes públicos, decorre antes do mais das próprias exigências do Estado de 
 direito a que se refere o artigo 2.º da Constituição, por ser consequência dos 
 valores de segurança nele inscritos. Como se sabe, o que através dele se 
 pretende é evitar cargas coactivas excessivas ou ingerências desmedidas na 
 esfera jurídica dos particulares (assim mesmo, J.J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª ed., pp. 273).
 No entanto, tal como do princípio do Estado de direito decorre o imperativo 
 constitucional de proibição do excesso, também do mesmo princípio decorre a 
 proibição da insuficiência ou do deficit: é tão censurável, para a perspectiva 
 constitucional, que o legislador imponha cargas excessivas aos particulares, 
 quanto o é que adopte medidas insuficientes para proteger ou garantir a 
 realização dos seus direitos, caso decorra da Constituição um dever de legislar 
 em ordem a essa protecção ou realização. (Canotilho, op. et loc. cits) 
 Como vimos, a conformação dos processos de execução comum e fiscal corresponde 
 ao cumprimento de um dever de legislar, que merecerá assim censura 
 constitucional se vier a ser cumprido ou de forma excessiva ou de modo 
 insuficiente ou deficitário. 
 
  
 
 13. Sobre o que seja o princípio da “proibição do deficit”, ou da “proibição da 
 insuficiência”, e sobre as circunstâncias apertadas em que pode o juiz 
 constitucional censurar uma medida legislativa por esta se mostrar, face a 
 deveres estaduais de protecção ou de prestação de normas, deficitária ou 
 insuficiente, já se pronunciou com clareza o Tribunal. No Acórdão n.º 75/2010, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt, ocupou-se o Tribunal da dogmática 
 geral dos imperativos jurídico-constitucionais de protecção, já que estavam 
 então em causa deveres de normação, impendentes sobre o legislador ordinário, 
 destinados a proteger bens jusfundamentais face a potenciais agressões provindas 
 de terceiros. No presente caso, estamos perante deveres de normação impendentes 
 sobre o legislador ordinário, dirigidos a garantir o cumprimento de bens 
 jusfundamentais através da instituição de organizações e procedimentos. Em ambas 
 as situações, o juízo de inconstitucionalidade só poderá ser emitido se se 
 provar que o legislador cumpriu insuficientemente, ou deficitariamente, o dever 
 de prestação de normas a que estava vinculado.
 Basicamente, poderá considerar-se que existe um deficit inconstitucional de 
 protecção (ou de prestação normativa), quando as entidades sobre as quais recai 
 o dever de proteger adoptam medidas insuficientes para garantir a protecção 
 adequada às posições jusfundamentais em causa, sendo que tal sucede sempre que 
 se verificar um duplo teste: (i) sempre que se verificar que a protecção não 
 satisfaz as exigências mínimas de eficiência que são requeridas pelas posições 
 referidas; (ii) cumulativamente, sempre que se verificar que tal não é imposto 
 por um relevante interesse público, constitucionalmente tutelado. (Neste 
 sentido, e quanto à dogmática geral dos imperativos jurídico-constitucionais de 
 protecção, veja-se o já citado Acórdão n.º 75/2010, ponto 11.4.3).
 Para que se saiba se a protecção adoptada satisfaz ou não as exigências mínimas 
 de eficiência requeridas pelas posições jusfundamentais em causa necessário é 
 que se tenha em conta a intensidade do perigo ou do risco de lesão que pode 
 resultar, para as referidas posições, da medida legislativa sob juízo. Por seu 
 turno, para que se saiba se tal risco de lesão é ou não justificado, em 
 ponderação, por motivos constitucionais relevantes, necessário é que se 
 identifiquem os bens jurídicos e interesses contrapostos às referidas posições, 
 e se decida se, na escolha do legislador, foi ou não sobreavaliado o seu peso 
 
 (Acórdão n.º 75/2010, loc. cit).
 
  
 
 14. Assim, e seguindo a metodologia atrás definida, importa, desde logo, 
 identificar qual o valor constitucionalmente protegido que possa estar em 
 conflito com o direito do credor à satisfação do seu crédito e, uma vez 
 identificado este, proceder a um juízo da razoabilidade da ponderação, efectuada 
 pelo legislador ordinário, entre os direitos e ou valores em conflito.
 A sentença recorrida louva-se no acórdão do STA de 28 de Março de 2007, proc. 
 n.º 026/07, que justifica a dispensa de audição prévia dos credores reclamantes 
 com garantia real a partir das características próprias do processo de execução 
 fiscal. O princípio da celeridade nessa forma de processo – por estar em causa a 
 cobrança de receitas tributárias que visam a satisfação das necessidades 
 financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a promoção da justiça 
 social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das 
 desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nos termos do n.º 1 do 
 artigo 5.º da Lei Geral Tributária – requereria, ele próprio, a dispensa de 
 audição.
 Conforme resulta de jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, “[o] 
 legislador [não está] impedido de tutelar os créditos do Estado de forma mais 
 intensa, quer no plano substantivo, através da criação de garantias reais, quer 
 no plano adjectivo, através de formas processuais adequadas que respeitem o 
 núcleo essencial do direito de propriedade” (nesse sentido, não obstante aí se 
 ter concluído pela violação do n.º 1 do artigo 62.º, Acórdão n.º 516/94). É o 
 que sucede no caso dos autos, em que por razões relacionadas com a necessidade 
 de celeridade na cobrança de impostos para a prossecução do interesse público o 
 legislador, de acordo com a interpretação do direito infra-constitucional 
 adoptada na sentença do Tribunal a quo, prescinde da audição prévia dos credores 
 reclamantes com garantia real.
 Assim identificado o valor constitucionalmente protegido, importa então proceder 
 a uma ponderação entre a intensidade do sacrifício imposto ao direito do credor 
 
 à satisfação do seu crédito e a necessidade da dispensa, em execução fiscal, da 
 audição prévia de credores reclamantes com garantia real para efeitos de escolha 
 da modalidade de venda e de fixação do preço base, por apenas desse modo se 
 lograr a cobrança de impostos para a prossecução do interesse público.
 Ao apreciar a norma do n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Tributário, 
 entretanto já revogado, que previa como regra a impenhorabilidade de bens 
 penhorados em execução fiscal, o Tribunal Constitucional julgou-a 
 inconstitucional por violação da garantia do direito do credor à satisfação do 
 seu crédito conjugada com o princípio da proporcionalidade (v. acórdão n.º 
 
 494/94, já atrás referido). Importa observar que a norma em causa não 
 determinava, só por si, a impossibilidade de satisfação do crédito do credor 
 comum, apenas aumentava o risco de o mesmo ver o seu crédito satisfeito. Dito de 
 outro modo, o sacrifício imposto pelo legislador atingia a posição 
 jusfundamental apenas numa zona sensivelmente próxima dos seus limites externos. 
 Simplesmente, o Tribunal entendeu que, do mesmo modo, a vantagem que a norma em 
 causa trazia para a realização do interesse público de celeridade do processo de 
 execução fiscal e de garantia de cobrança das dívidas através do foro fiscal com 
 prevalência total sobre a de quaisquer créditos comuns era de tal modo 
 irrelevante, que não podia servir para justificar um regime que fazia impender 
 sobre o credor comum o risco de ver totalmente frustrada a possibilidade de 
 satisfação do seu crédito. A ponderação é efectuada, portanto, através do 
 confronto entre a intensidade do sacrifício imposto à posição jusfundamental e a 
 necessidade e vantagem para o interesse público resultante desse mesmo 
 sacrifício.
 Também a norma sub judicio, ou seja a dispensa do dever de audição prévia dos 
 credores reclamantes com garantia real, não compromete, só por si, o direito de 
 satisfação do crédito. Com efeito, a execução não deixa de prosseguir e a venda 
 não deixa de ser realizada, podendo, aliás, os credores reclamantes com garantia 
 real preceder o próprio Estado na satisfação do seu crédito, consoante a 
 graduação verificada. Pode, assim, afirmar-se que, tal como no caso que vimos de 
 analisar, o direito do credor à satisfação do seu crédito é aqui atingido com 
 pouca intensidade. Também aqui a norma apenas vem aumentar o risco de 
 insatisfação do crédito do credor reclamante com garantia real.
 De modo a analisar em que se traduz, rigorosamente, esse aumento do risco, 
 importa começar por fazer uma distinção entre a audição prévia dos credores 
 reclamantes com garantia real para efeitos de escolha da modalidade de venda e a 
 sua audição para efeitos de determinação do valor base do bem para a venda. No 
 que respeita à escolha da modalidade de venda, não se verifica, num primeiro 
 momento, qualquer aumento do risco de insatisfação do crédito dos credores 
 reclamantes com garantia real imputável à não-realização da audição prévia. Com 
 efeito, resulta do facto de o artigo 248.º do CPPT estabelecer, como regime 
 regra, a venda por meio de propostas em carta fechada, que não é conferida à 
 Administração Fiscal qualquer discricionariedade na escolha da modalidade de 
 venda, revelando-se, portanto, para esse efeito, desprovida de qualquer efeito 
 
 útil a eventual audição prévia dos credores reclamantes com garantia real. Porém 
 
 – e como já se viu supra, ponto 8 – decorre do regime legal (al. a) do n.º 1 do 
 artigo 252.º do CPPT) que sempre que se vir frustrada a venda por propostas em 
 carta fechada por no dia designado para a abertura de propostas se verificar a 
 inexistência de proponentes ou a existência apenas de propostas de valor 
 inferior ao valor base anunciado, a venda há-de efectuar-se por outra das 
 modalidades previstas no CPC, cabendo a escolha à Administração Fiscal. Tal 
 significa que, nessa hipótese, a audição prévia dos credores reclamantes com 
 garantia real não é de todo inconsequente. No que respeita à determinação do 
 valor base do bem para a venda, a lei, na versão anterior à alteração 
 introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, atribui ao órgão da 
 execução fiscal competência para fixar o valor base para a venda (al. a) do n.º 
 
 1 do artigo 250.º), o que significa que a eventual audição prévia dos credores 
 reclamantes com garantia real não é, também aqui, desprovida de utilidade. 
 Conclui-se, portanto, que o aumento do risco de insatisfação do crédito dos 
 credores reclamantes com garantia real decorre do facto de não serem ouvidos 
 tanto para efeitos da escolha da modalidade de venda como para efeitos da 
 determinação do valor base do bem para a venda.
 Simplesmente, não basta a conclusão, segundo a qual se verifica in casu um 
 aumento do risco de insatisfação do crédito, para com isso se dar por verificada 
 a inconstitucionalidade, por cumprimento insuficiente ou deficitário dos deveres 
 de prestação normativa que impendem sobre o legislador ordinário nos termos, já 
 analisados, do princípio decorrente do artigo 2.º da CRP. Como se afirmou 
 anteriormente, o direito do credor à satisfação do seu crédito há-de ser 
 confrontado com a necessidade da dispensa, em execução fiscal, da audição prévia 
 de credores reclamantes com garantia real para efeitos de escolha da modalidade 
 de venda e de fixação do preço base, por apenas desse modo se lograr a cobrança 
 de impostos para a prossecução do interesse público.
 Importa, assim, analisar se, e em que medida, é efectivamente necessária para a 
 realização do interesse público de cobrança coerciva de impostos, a dispensa da 
 audição prévia dos credores reclamantes com garantia real.
 Ora, não se vê como é que tal dispensa pode pôr em causa a realização do 
 interesse público. Mesmo considerando eventuais incidentes de reclamação que 
 possam vir a ocorrer ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, resulta da 
 circunstância de, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º do mesmo Código, o 
 tribunal só conhecer de reclamações após a realização da venda – justamente por, 
 de outro modo, a subida imediata da reclamação poder afectar a desejada 
 celeridade do processo de execução fiscal –, que a dispensa de audição prévia 
 dos credores reclamantes com garantia real não pode, objectivamente, ser 
 considerada uma medida necessária, de forma tal que a sua ausência comprometa 
 inelutavelmente os fins pertinentes de interesse colectivo.
 Tanto basta para que se conclua a norma sub judicio não assegura uma ponderação 
 razoável entre a posição jusfundamental que deve acautelar e o valor 
 constitucional (de realização do interesse público) que com tal posição 
 conflitua.
 A tudo isto acresce que, para a ponderação a efectuar, não pode deixar de 
 relevar o facto de a audição prévia dos credores reclamantes com garantia real 
 poder vir a compensar o eventual prejuízo que dela resulte em termos de 
 celeridade processual. Com efeito, uma formação mais informada da decisão 
 administrativa sobre a escolha da modalidade de venda e sobre o valor base do 
 bem para a venda – informação essa resultante da contribuição oferecida, em 
 audição prévia, pelos credores reclamantes com garantia real – pode redundar num 
 ganho geral do interesse público. Assim, e independentemente da questão da 
 celeridade do processo de execução fiscal, importa assinalar que, em abstracto, 
 longe de existir um conflito entre o interesse público e o interesse dos 
 credores reclamantes, poderá existir uma convergência de interesses consistente 
 em realizar a venda do bem de modo a garantir a satisfação dos seus créditos.
 Conclui-se assim que, in casu, o legislador que conformou as normas pertinentes 
 do CPPT não conferiu, às posições jurídicas tuteladas, a protecção eficiente que 
 poderia ter conferido; e fê-lo por razões de interesse público que, uma vez 
 ponderadas, se mostram, na sua relação com os outros bens e valores 
 constitucionalmente tutelados, claramente sobreavaliadas.
 Tanto basta, por isso, para que se considere, à luz da metodologia atrás 
 definida, que se não cumpriu aqui o imperativo constitucional de proibição do 
 deficit ou da insuficiência, decorrente do artigo 2.º da CRP.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 14.  Pelo exposto, e com estes fundamentos, decide-se
 a)   Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 2.º da CRP, a 
 norma que resulta das disposições conjugadas da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º 
 e n.º 3 do artigo 252.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e dos 
 artigos 201.º, 904.º e alínea c), do n.º 1 do artigo 909.º do Código de Processo 
 Civil, quando interpretada “no sentido de dispensar a audição dos credores 
 providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de 
 Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação 
 particular e feita a adjudicação consequente”;
 b)  Consequentemente, conceder provimento ao recurso e revogar a decisão 
 recorrida para ser reformada de acordo com o juízo de constitucionalidade agora 
 formulado.
 
  
 Sem custas.
 
  
 
  
 Lisboa, 28 de Abril de 2010
 
              Maria Lúcia Amaral (com declaração)
 Carlos Fernandes Cadilha
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Entendeu o Colégio que, neste caso, a decisão de inconstitucionalidade se 
 deveria fundar, exclusivamente, na lesão do princípio do Estado de direito, 
 consagrado no artigo 2.º da CRP. 
 Discordei desta orientação. 
 Considerei – e foi nesse sentido que, como relatora, elaborei o projecto de 
 fundamentação que, quanto a este ponto, não obteve vencimento – que se 
 encontrava primacialmente no n.º 1 do artigo 62.º da CRP o parâmetro 
 constitucional que, no caso, fora violado. 
 Partindo do princípio segundo o qual o direito do credor à satisfação do seu 
 crédito se inclui ainda no âmbito de protecção da norma constitucional relativa 
 
 à tutela da propriedade ou do património privado, conclui que os deveres de 
 organização e de procedimento, impendentes sobre o legislador ordinário que, 
 nesta situação, se mostravam deficitária ou insuficientemente cumpridos, 
 decorriam antes do mais de posições jusfundamentais tuteladas (nos termos 
 definidos pelo ponto 11 do Acórdão) no nº 1 do artigo 62.º da CRP. 
 
 É certo que a sede última dos deveres do legislador de instituir procedimentos 
 justos e adequados à realização do Direito e à garantia do exercício efectivo 
 dos direitos se encontra no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 
 
 2º da CRP. E certo é, também, que deste mesmo princípio decorre, em última 
 análise, o imperativo constitucional da proibição da insuficiência ou do deficit 
 de protecção. No entanto, tal não significa, a meu ver, que o princípio do 
 artigo 2º possua, nesta situação, um alcance prescritivo tal que lhe permita ser 
 o parâmetro único fundador do juízo de inconstitucionalidade. Entendo antes que 
 ele é apenas o auxiliar hermenêutico que permite ao juiz constitucional censurar 
 a decisão do legislador com fundamento em cumprimento insuficiente de deveres de 
 
 “protecção” que decorrem, antes do mais, do disposto no nº 1 do artigo 62.º da 
 CRP.
 
  
 
        Maria Lúcia Amaral