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Processo n.º 422/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
             Acordam, na 3ª Secção, no Tribunal Constitucional
 
   
 
             1. Hospital de Santo André, EPE, com sede em Leiria, propôs uma 
 acção contra A., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 106,00, 
 correspondente a cuidados médicos prestados, acrescida de taxas moderadoras no 
 montante de € 23,40 e juros de mora.
 
             Por sentença de 14 de Janeiro de 2009, o Tribunal Judicial de Leiria 
 
 (2.º Juízo Cível) decidiu não aplicar a norma constante do artigo 2.º, n.º 3, do 
 Decreto‑Lei n.º 198/95, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 52/2000, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do disposto 
 nos artigos 2.º, 18.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa e, em 
 consequência, julgar que o Hospital tinha direito, apenas, às taxas moderadoras 
 e respectivos juros.
 
             
 
 2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do artigo 72.º da LTC, visando a apreciação da 
 constitucionalidade da norma desaplicada pela sentença recorrida.
 Tendo o recurso prosseguido, o Ministério Público alegou salientando que não se 
 verificam circunstâncias similares àquelas que terão influenciado o julgamento 
 de inconstitucionalidade proferido no acórdão n.º 67/2007 e sustentando que o 
 recurso deve proceder, na esteira do acórdão n.º 221/2009 do Plenário, não se 
 julgando inconstitucional a referida norma.
 
  
 
             Alegou também o Hospital de Santo André, EPE, concluindo como segue:
 
 “1. Os factos apreciados no Acórdão n.º 67/2007 são diferentes dos que estão em 
 discussão.
 
 2. No caso ali apreciado ficou provado que o sinistrado, fora do prazo dos 10 
 dias, provou a sua qualidade de utente do Serviço Nacional de Saúde e no 
 entendimento daquele Acórdão não podem ser imputadas, assim, ao sinistrado as 
 despesas de saúde, atendendo ao principio da proporcionalidade e outros direitos 
 constitucionais, mesmo que essa prova se verifique no decurso do processo 
 judicial.
 
 3. E o que está em causa nos presentes autos foi o incumprimento definitivo da 
 disposição legal já referida.
 
 4. O sinistrado não forneceu o n.º de utente quando se dirigiu ao Hospital, não 
 forneceu no prazo de 10 dias contados a partir do momento em que foi notificado 
 por carta registada com aviso de recepção, que recusou receber, nem quando foi 
 notificado judicialmente, nem posteriormente.
 
 5. No caso, nem se conhece se o sinistrado recorrido nos presentes autos é 
 beneficiário do Serviço Nacional de Saúde.
 
 6. Interpretar o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto‑Lei n.º 198/95, de 29 de Julho, 
 com a redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 52/2000, de 7 de Abril, com o 
 entendimento que lhe foi dado pelo Acórdão n.º 67/2007, é retirar do 
 ordenamento jurídico uma lei, entendimento que não tem suporte prático legal.
 
 7. Pelo que não pode ser julgado inconstitucional no caso presente o artigo 3.º, 
 n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 198/95, de 29 de Julho, com a redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 52/2000, de 7 de Abril, pois o recorrido não fez prova de que 
 era beneficiário do Serviço Nacional de Saúde, não podendo desta forma 
 aplicar‑se a jurisprudência vertida no Acórdão n.º 67/2007, devendo antes 
 seguir‑se o douto entendimento expendido no Acórdão deste Tribunal n.º 512/2008, 
 que não julgou inconstitucional a legislação em causa.
 
 8. Foram violados o artigo 23.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, o 
 artigo 2.º, n.º 3, do Decreto‑Lei n.º 198/95, de 29 de Julho, e o artigo 13.º da 
 CRP.” 
 
  
 
  
 
             3. A questão que vem discutida é a de saber se é conforme ao 
 disposto nos artigos 2.º, 18.º e 64.º da Lei Fundamental, a norma extraída do 
 artigo 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 198/95, de 29 de Julho, alterado pelo 
 artigo único do Decreto-Lei n.º 52/2000, de 7 de Abril, no sentido de ser 
 efectuada a cobrança do valor da prestação de cuidados de saúde em 
 estabelecimento ou serviço integrado no Serviço Nacional de Saúde, quando o 
 interessado, não tendo apresentado o cartão de identificação de utente, não 
 tenha feito a prova, no prazo cominado naquela disposição, de que é dele titular 
 ou requereu perante os serviços competentes a sua emissão. 
 Esta questão de constitucionalidade foi, como refere a decisão recorrida, 
 objecto de decisões divergentes do Tribunal Constitucional. Porém, submetida a 
 questão ao Plenário, pelo acórdão n.º 221/2009, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 15 de Junho de 2009, foi decidido não julgar a referida 
 norma inconstitucional.
 
             No caso, não se apresenta uma situação que possa ser configurada 
 como reveladora de uma dimensão aplicativa concreta do referido preceito legal 
 que justifique diversa ponderação. Com efeito, como salienta o Ministério 
 Público, o réu recusou receber a carta do Hospital e, tendo sido considerado 
 pessoalmente citado (uma vez que recusou receber a citação), também nada veio 
 dizer ao processo. 
 
             Resta, pois, em aplicação da doutrina do referido acórdão do 
 Plenário, conceder provimento ao recurso, não julgando inconstitucional a norma 
 do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 198/95, com a redacção que lhe foi 
 dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2000, interpretado no sentido de ser devido o 
 pagamento dos serviços prestados quando o utente não demonstre ser titular ou 
 ter pedido a emissão de cartão de utente no prazo de dez dias subsequentes à 
 interpelação para pagamento dos encargos com os cuidados de saúde.
 
  
 
             4. Decisão
 
             Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, 
 determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo agora 
 efectuado quanto à questão de constitucionalidade.   
 Lx. 27/X/2009
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão