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Processo n.º 670/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
          Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 A. e B. vieram interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão 
 proferida no processo executivo nº 5645/03.4TVLSB, da 1ª Secção, da 7ª Vara 
 Cível de Lisboa, que determinou a sua notificação, enquanto executados, para 
 procederem à entrega de um imóvel, nos termos dos artigos 901.º e 928.º, do 
 C.P.C..
 
  
 Por despacho proferido em 3-10-2007 não foi admitido este recurso.
 
  
 Os referidos executados reclamaram para o Presidente do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, tendo este, por decisão proferida em 20-5-2008, indeferido a reclamação.
 
  
 Notificados desta decisão vieram os executados interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos:
 
 “…notificados do indeferimento da Reclamação junto do Senhor Presidente do 
 Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, continuando a não se conformarem com a 
 decisão proferida pelo Tribunal a quo que rejeitou a admissão do recurso, e uma 
 vez que a decisão ainda não transitou em julgado, mas dela já não cabe qualquer 
 recurso ordinário, dela pretendem interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, o que fazem nos seguintes termos: 
 O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70 da LCT, 
 pretendendo-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada aos 
 artigos 679º, 681º e 901º, quando conjugada com o disposto nos artigos 65º, 202º 
 e 204º, da CRP. 
 A não admissão do recurso viola os princípios constitucionais que emanam dos 
 artigos 65º, 202º e 204º, da CRP. 
 A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na Reclamação apresentada pela 
 não admissão do recurso, porquanto, só nesse momento se deparou com a 
 interpretação de tais preceitos pelo Tribunal a quo, justificando a rejeição do 
 recurso apresentado.”
 
  
 Neste Tribunal foi proferida em 23-9-2008 decisão sumária de não conhecimento do 
 recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
 
 “O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, 
 do artigo 70.º, da LTC.
 Resulta deste requerimento que os recorrentes pretendem questionar a 
 constitucionalidade duma interpretação normativa sustentada pela decisão do 
 tribunal de 1ª instância, proferida em 3-10-2007, que não admitiu o recurso por 
 eles aí interposto.
 Conforme consta do n.º 2, do artigo 70.º, da LTC, os recursos previstos na 
 alínea b), do número anterior, apenas cabem das decisões que não admitem recurso 
 ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que 
 no caso cabiam.
 Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, quando tenha 
 havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os 
 recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual 
 
 (artigo 70.º, n.º 4, da LTC).
 Se é interposto recurso ordinário e este é apreciado, a decisão recorrida já não 
 pode ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo este recair 
 sobre a decisão proferida pelo tribunal superior, caso se encontre nas condições 
 exigidas pelo n.º 2, do artigo 70.º, da LTC. Este é um reflexo do chamado 
 princípio da exaustão das instâncias que visa limitar o acesso ao Tribunal 
 Constitucional apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas 
 pela hierarquia judicial correspondente, devendo ser objecto de recurso apenas a 
 decisão definitiva (vide, neste sentido, JORGE MIRANDA, em “Manual de direito 
 constitucional”, tomo VI, pág. 221, da 2ª ed. da Coimbra Editora, GOMES 
 CANOTILHO, em “Direito constitucional e teoria da Constituição”, pág. 996-998, 
 da 7ª ed., da Almedina, e CARLOS BLANCO DE MORAIS, em “Justiça Constitucional”, 
 tomo II, pág. 729, da ed. de 2005, da Coimbra Editora).
 Ora, o n.º 3, do referido artigo 70.º, da LTC, equipara as reclamações para os 
 presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão do recurso, aos 
 recursos ordinários, pelo que, tendo os aqui recorrentes reclamado para o 
 Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa da decisão de não admissão de 
 recurso proferida pelo tribunal de 1ª instância em 3-10-2007, não podem agora 
 recorrer desta decisão para o Tribunal Constitucional, para sindicar 
 interpretação normativa aí sustentada.
 Assim, uma vez que a decisão recorrida não é susceptível de recurso para o 
 Tribunal Constitucional, nos termos dos n.º 2, 3 e 4, do artigo 70.º, da LTC, 
 não deve ser conhecido o recurso interposto, proferindo-se decisão sumária 
 nesse sentido (artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC).”
 
  
 Após ter sido indeferido pedido de aclaração desta decisão os recorrentes 
 reclamaram para a conferência, com os seguintes fundamentos:
 
 “Na douta decisão de que agora se reclama, refere-se que conforme consta do nº 
 
 2, do artigo 70º, da LCT, os recursos previstos na alínea b), do número 
 anterior, apenas cabem das decisões que não admitem recurso ordinário, por a lei 
 o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam. 
 Todavia, no caso em apreço, a decisão do Senhor Juiz Presidente do Tribunal da 
 Relação de Lisboa é equiparada, nos termos do nº 3 do artigo 70º da LCT, aos 
 recursos ordinários 
 Assim, salvo o sempre devido respeito que é muito, entendem os ora reclamantes, 
 que foi integralmente respeitado o princípio da exaustão das instâncias, que 
 parece fundamentar a douta decisão que aqui se reclama. 
 Na verdade, a questão da inconstitucionalidade só foi suscitada na Reclamação 
 apresentada pela não admissão do recurso, porquanto, só nesse momento os ora 
 reclamantes se depararam com a interpretação de tais preceitos pelo Tribunal a 
 quo, justificando a rejeição do recurso apresentado 
 Assim sendo, pretendem os Reclamantes ver apreciada a inconstitucionalidade da 
 interpretação dada aos artigos 679º, 681º e 901º, quando conjugada com o 
 disposto nos artigos 65º, 202º e 204º, da CRP. 
 Ademais, salvo o sempre devido respeito que é muito, a não admissão do presente 
 recurso, violaria os princípios constitucionais que emanam dos artigos 65º, 202º 
 e 204º, da CRP. 
 Mormente, a violação do direito à habitação, expressamente consagrado no artigo 
 
 65º da CRP e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, conferido pelo 
 artigo 20º da CRP.”
 
  
 O recorrido respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 Conforme se referiu na decisão reclamada, no sistema de recursos de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, 
 b), da C.R.P., vigora o princípio da exaustão das instâncias que visa limitar o 
 acesso ao Tribunal Constitucional apenas às pretensões que já tenham sido 
 previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, devendo ser 
 objecto de recurso apenas as decisões definitivas (artigo 70.º, n.º 2, da LTC). 
 Assim, se é interposto recurso ordinário de decisão de tribunal da 1ª instância 
 e este é apreciado por tribunal superior, a decisão recorrida já não pode ser 
 objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo este recair sobre a 
 decisão proferida pelo tribunal superior, caso se encontre nas condições 
 exigidas pelo n.º 2, do artigo 70.º, da LTC. 
 Equiparando, o n.º 3, do referido artigo 70.º, da LTC, as reclamações para os 
 presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão do recurso, aos 
 recursos ordinários, nestas situações já só pode ser interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional da decisão do presidente do tribunal superior e não da 
 decisão reclamada de não admissão de recurso proferida pelo tribunal da 1ª 
 instância.
 
  Os reclamantes recorreram para o Tribunal Constitucional da decisão de não 
 admissão de recurso proferida pelo tribunal da 1ª instância, pretendendo que 
 fosse fiscalizada interpretação normativa sustentada nessa decisão, quando o 
 Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa já havia apreciado a reclamação que 
 aqueles entretanto haviam apresentado desse despacho, pelo que se revela 
 correcta a decisão de não conhecer aquele recurso, uma vez que não tem por 
 objecto uma decisão definitiva.
 Os reclamantes questionam a constitucionalidade desta solução.
 Se a referência ao direito constitucional à habitação (artigo 65.º, da C.R.P.) é 
 descabida, uma vez que a solução questionada se limitou a não admitir um recurso 
 para o Tribunal Constitucional, indiferente ao conteúdo do direito substantivo 
 em litígio no processo onde foi interposto aquele recurso, já a invocação do 
 direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 
 
 20.º da C.R.P.), concretizado no direito ao recurso ao Tribunal Constitucional 
 das decisões dos tribunais por aplicação de norma inconstitucional (artigo 
 
 280.º, n.º 1, b), da C.R.P.), merece uma breve reflexão.
 A Constituição não admitiu o direito ao recurso para o Tribunal Constitucional 
 das decisões dos tribunais que apliquem norma inconstitucional de forma 
 absoluta, tendo ela própria estabelecido alguns limites (na própria alínea b), 
 do n.º 1, do artigo 280.º, e nos n.º 4 e 6 do mesmo artigo) e conferido ao 
 legislador ordinário liberdade para fixar os requisitos de admissão deste tipo 
 de recursos (artigo 280.º, n.º 4, da C.R.P.).
 Foi no uso dessa liberdade conformadora que o legislador ordinário aderiu ao 
 princípio da exaustão dos recursos, o qual já havia figurado no primitivo texto 
 constitucional (artigo 282.º, da C.R.P. de 1976).
 A limitação dos recursos das decisões que apliquem norma inconstitucional aos 
 que tenham por objecto decisões definitivas, conforme resulta do disposto no 
 artigo 70.º, n.º 2, da LTC, não se revela excessiva, arbitrária ou desrazoável, 
 uma vez que não retira ao interessado a possibilidade de submeter à 
 fiscalização do Tribunal Constitucional a norma aplicada pelos tribunais que 
 entende violar a Constituição, impondo apenas que o exercício desse direito se 
 faça somente quando ocorra uma pronúncia definitiva pela hierarquia judicial 
 correspondente, de modo a racionalizar a actividade do Tribunal Constitucional. 
 Na verdade, teria um interesse meramente académico a apreciação pelo Tribunal 
 Constitucional de norma aplicada em decisão susceptível de recurso para tribunal 
 superior, atenta a natureza precária dessa decisão, justificando-se que essa 
 fiscalização só seja exercida quando a aplicação daquela norma assuma um 
 carácter definitivo na respectiva hierarquia judicial.
 Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. e B. da decisão 
 sumária proferida neste tribunal em 23-9-2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 
  
 Lisboa, 16 de Dezembro de 2008
 João Cura Mariano
 Mário Torres
 Rui Manuel Moura Ramos