 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 642/09 
 
 
 
 2.ª Secção 
 
 
 Relator: Juiz Conselheiro Benjamim Rodrigues 
 
 
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
 
 A ? Relatório 
 
 
 
 1 ? O Ministério Público, junto do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, 
 recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), 
 da sentença daquele tribunal, de 07 de Abril de 2009, que recusou a aplicação do 
 n.º 7 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 30/2008, de 20 de Fevereiro, com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica e material, por violação do 
 disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP) e do princípio do acesso ao direito, na sua vertente do 
 princípio do contraditório e princípio da proporcionalidade (artigo 20.º, n.ºs 1 
 e 4, da CRP). 
 
 
 
 2 ? Alegando, no Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral Adjunto concluiu a 
 sua argumentação com a seguinte síntese conclusiva: 
 
 
 
 «1- Nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, se 
 findo o contrato, o locatário não proceder à entrega do bem ao locador, este 
 pode requerer ao tribunal que esse bem lhe seja entregue imediatamente. 
 
 
 
 2- Dadas as características específicas do contrato de locação financeira, o 
 regime desta ?providência cautelar de entrega judicial?, afasta-se, em alguns 
 aspectos, do vigente para o processo cautelar comum, adequando-se àquelas 
 especificidades. 
 
 
 
 3- O n.º 7 do artigo 21.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2008 de 25 
 de Fevereiro, veio permitir que, decretada a providência, o tribunal, 
 posteriormente, possa emitir um juízo sobre a causa principal, tornando-se, 
 dessa forma, desnecessário a propositura da acção, cujo objecto seria, 
 materialmente, o mesmo da providência. 
 
 
 
 4- No entanto, esse juízo sobre a causa principal, só pode ser emitido após 
 audição das partes, e se no processo se encontrarem todos os elementos 
 necessários à resolução definitiva do caso. 
 
 
 
 5- Sendo obrigatória a audição das partes, o locatário tem oportunidade de, 
 nessa audição, exercer plenamente o contraditório em relação à pretensão do 
 locador. 
 
 
 
 6- Esta circunstância aliada ao facto de o tribunal só poder decidir se tiver os 
 elementos necessários para tal, faz com que a norma daquele n.º 7 do artigo 21.º, 
 na dimensão em causa, não seja inconstitucional por violação do direito de 
 acesso aos tribunais e do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 
 e 4, da Constituição). 
 
 
 
 7- A norma também não é organicamente inconstitucional, porque tratando-se de 
 uma norma de processual civil e não levando à alteração de competências dos 
 tribunais, não viola o artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e p), da Constituição. 
 
 
 
 8 - Termos em que deverá proceder o presente recurso». 
 
 
 
 3 ? A recorrida não contra-alegou. 
 
 
 B ? Fundamentação 
 
 
 
 4 ? Na perspectiva da melhor compreensão da questão decidenda, importa dar conta 
 do quadro processual de que a mesma emerge. 
 
 
 O Banco A. S.A., propôs um processo de providência cautelar de entrega judicial 
 do bem locado, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, 
 de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 340/2008, de 25 de 
 Fevereiro, alegando ter celebrado com a requerida B., Lda., um contrato de 
 locação financeira, que teve por objecto o veículo ligeiro de mercadorias, marca 
 Mitsibishi, modelo Fuso Canter, n.º ?-..-.., que foi entregue à requerida, sendo 
 que esta deixou de pagar as rendas e neste contexto, o requerente resolveu o 
 contrato, mas a requerida não procedeu à entrega do veículo. 
 
 
 
 5 ? Por sentença, de 17 de Novembro de 2008, proferida sem prévia audição da 
 requerida, o Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, decretou a providência 
 requerida, ordenando ? entrega imediata ao requerente do veículo automóvel atrás 
 identificado, devendo fazer-se tal entrega judicial de imediato e através de 
 funcionário judicial?. 
 
 
 
 6 ? Notificado para, no prazo de 10 dias, propor a acção da qual a providência 
 cautelar depende, o Banco A. veio requerer o prosseguimento dos autos de acordo 
 com o disposto no Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro e que o tribunal 
 decidisse a relação material ou a causa principal em litígio, com dispensa da 
 proposição de acção autónoma definitiva. 
 
 
 
 7 ? Esse pedido foi indeferido pela decisão recorria com base nas seguintes 
 considerações: 
 
 
 
 «II. Em síntese interpretativa do requerimento, o requerente pretende que, ao 
 invés de (impulsionar) acção autónoma definitiva, de que o presente procedimento 
 cautelar é dependente, nos termos gerais consagrados para a estrutura (processual) 
 dos procedimentos cautelares, conforme prescrito na norma do art. 389°, nº 2, do 
 CPC, o tribunal accione o disposto no art. 21°, do DI. 149/95, de 24 de Junho, 
 na redacção saída do DI. 30/2008, de 25 de Fevereiro. 
 
 
 De acordo com o dispositivo (saído da redacção conferida pelo recente DL. 30/2008) 
 em causa, e concretamente de acordo com o seu nº 7, ?decretada a providência 
 cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, 
 excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2, os 
 elementos necessários à resolução definitiva do caso.? O nº 2, por seu turno, 
 prescreve que ?Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos 
 requisitos previstos no número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do 
 registo, ficando o tribunal obrigado à consulta do registo, a efectuar, sempre 
 que as condições técnicas o permitam, por via electrónica? 
 
 
 Pode retirar-se do preâmbulo deste diploma que esta nova redacção dada ao art. 
 
 21°, do DL. 149/95, se insere/inseriu no ?esforço de racionalização da justiça 
 que foi iniciado em 2005 com a aprovação do Plano de Acção para o 
 Descongestionamento dos Tribunais (PADT), o XVII Governo Constitucional aprovou, 
 através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de Novembro, um 
 novo conjunto de medidas destinadas a reduzir a pressão da procura sobre os 
 tribunais e, assim, melhorar a sua capacidade de resposta.? E um dos propósitos 
 anunciados no mesmo preâmbulo foi, específica e concretamente, (...) a revisão 
 do regime de locação financeira, no sentido de evitar acções judiciais 
 desnecessárias.? 
 
 
 Assim e em primeiro lugar, o DL. em referência vem esclarecer que o cancelamento 
 do registo da locação financeira é independente de qualquer tipo de acção 
 judicial intentada para a recuperação da posse do bem locado. Por consequência, 
 clarifica que é desnecessária a propositura de qualquer acção judicial para o 
 cancelamento desse registo, que se pode efectuar pelas vias administrativas 
 normais. Ainda em matéria de cancelamento do registo da locação financeira, o 
 Decreto-Lei n.º 30/2008 prevê a apresentação destes pedidos por via electrónica, 
 estabelecendo, ademais, que o tribunal deve verificar o respectivo cancelamento, 
 em caso de acção judicial, através de consultas electrónicas, assim se 
 dispensando o envio de documentos e certidões em papel pelos requerentes ou 
 autores, bem como a comunicação entre tribunal e conservatória em suporte de 
 papel. Em segundo lugar, permite -se ao juiz decidir a causa principal após 
 decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo -se a 
 obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a 
 caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao 
 abrigo do disposto no artigo 21.° do Decreto -Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, 
 alterado pelos Decretos -Leis n.ºs 265/97, de 2 de Outubro, e 285/2001, de 3 de 
 Novembro. Evita -se assim a existência de duas acções judiciais ? uma 
 providência cautelar e uma acção principal ? que, materialmente, têm o mesmo 
 objecto: a entrega do bem locado.? 
 
 
 Para tal, a lei expressa, então, que, como já dito, ?decretada a pro vidência 
 cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal?. 
 
 
 
 * 
 
 
 III. A interpretação do normativo em causa, na vertente de que pela mera ?audição 
 das partes?, após ter sido decretada, cautelarmente e com fim antecipatório, a 
 entrega do bem/objecto locado, se pode antecipar o julgamento/decisão definitiva 
 sobre a ?causa?, com ?antecipação do juízo sobre a causa?, afigura-se-me 
 ilegítima, por violação dos princípios constitucionais que enformam o processo 
 civil. 
 
 
 O art. 20º, da Constituição da República Portuguesa (doravante designada pela 
 sigla CRP), estatui, sob o a epígrafe ?acesso ao direito e tutela jurisdicional 
 efectiva?, que ?A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a 
 justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos? (nº 1). Por seu 
 turno, o nº 4, consagra que ?Todos têm direito a que numa causa em que 
 intervenham, seja objecto de decisão em prazo razoável mediante processo 
 equitativo?. - 
 
 
 O direito fundamental ao ?processo equitativo?, aliás, está igualmente 
 consagrado da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu art. 10º. 
 
 
 No que tange à componente do direito de acesso aos tribunais ? ou de acesso à 
 tutela jurisdicional ? o Tribunal Constitucional tem entendido que o mesmo 
 implica a garantia de uma eficaz e efectiva protecção jurisdicional, desdobrada: 
 no direito, para defesa de um direito ou interesse legítimo, de acesso a órgãos 
 independentes e imparciais por quem goza estatutariamente de prerrogativas de 
 inamovibilidade e irresponsabilidades quanto às suas decisões (neste sentido, 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3ª ed., pp 161 e seguintes). 
 
 
 Direito fundamental, o acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses 
 legítimos há-de imperativamente ser facultado pelo legislador em termos que 
 permitam uma tutela efectiva desses direitos e interesses. 
 
 
 Mas dispõe o legislador de uma considerável margem de liberdade na regulação 
 desse acesso. Liberdade que, no entanto, não pode configurar os meios utilizados 
 para atingir o desiderato constitucional, de modo tal que o acesso se torne 
 injustificada ou desnecessariamente complexo. 
 
 
 O acesso ao direito e aos tribunais é também elemento integrante do princípio 
 material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode 
 deixar de exigir a democratização do direito. 
 
 
 Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, 
 compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito a 
 prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial 
 sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo, baseado nos 
 princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo 
 exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o 
 direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão 
 jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da 
 sentença proferida pelo tribunal. 
 
 
 Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual «a proibição da 
 indefesa», que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do 
 particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que 
 lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o 
 ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo 
 quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de 
 processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de 
 alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses (cfr. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 
 Coimbra, 1993, p. 163 e 164, e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, p. 82 
 e 83). 
 
 
 Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como 
 sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se 
 deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e 
 independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das 
 regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas 
 razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do 
 adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. os 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 404/87, 86/88 e 222/90, Diário da 
 República, II Série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22 de Agosto 
 de 1988 e 17 de Setembro de 1990). 
 
 
 Em todas estas decisões se concluiu que, à luz do sentido genérico atribuído ao 
 direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada/implícita a 
 proibição da indefesa. 
 
 
 O direito de acesso aos tribunais é ?o direito a ver solucionados os conflitos, 
 segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e 
 independência, e perante o qual as partes se encontrem em condições de plena 
 igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista? (neste 
 sentido, Ac. nº 346/92, do Tribunal Constitucional, publicado nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, volume 23°, páginas 451 e seguintes). 
 
 
 E um tal direito de acesso aos tribunais é dominado por uma imanente ideia de 
 igualdade, um a vez que o princípio da igualdade vincula todas as funções 
 estaduais, a jurisdicional incluída (neste sentido, o Ac, n°.147/92, do Tribunal 
 Constitucional, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 21°, 
 páginas 623). 
 
 
 A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, a mais do que significar 
 igualdade de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais, 
 de onde decorre que ?as partes têm que dispor de idênticos meios processuais 
 para litigar, de idênticos direitos processuais?. É o princípio da igualdade de 
 armas ou da igualdade das partes no processo, que constitui uma das essentialia 
 do direito a um processo equitativo (acórdão nº. 223/95, publicado no Diário da 
 República, II série, de 27 de Junho de 1995). 
 
 
 O processo civil tem estrutura dialéctica ou polémica, pois que assume a 
 natureza de um debate ou discussão entre as partes. E estas ? repete-se ? devem 
 ser tratadas com igualdade. Para além do princípio do dispositivo ou da livre 
 iniciativa e do ditame da livre apreciação das provas pelo julgador, constituem, 
 assim, traves mestras do processo o princípio do contraditório e o da igualdade 
 das partes (igualdade de armas). 
 
 
 O princípio do contraditório (audiatur et altera pars), enquanto princípio 
 reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade 
 de ?deduzir as suas razões (de facto e de direito)?, de ?oferecer as suas provas?, 
 de ?controlar as provas do adversário? e de ?discretear sobre o valor e 
 resultados de umas e outras? (cfr., neste sentido, Prof. Manuel de Andrade, in 
 Noções Elementares de Processo Civil, 1 Coimbra, ed. de 1956, a págs. 364). 
 
 
 De facto, também o processo civil tem que ser, como se disse, um due process of 
 law, um processo equitativo e leal. E isso exige, não apenas um juiz 
 independente e imparcial ? um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça 
 mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo 
 do que à lei e aos ditames da sua consciência ? como também que as partes sejam 
 colocadas ?em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas 
 possibilidades de obter a justiça que lhes é devida? (cfr., ainda, Prof. Manuel 
 de Andrade, obra citada, a págs. 365). 
 
 
 Cada uma das partes há-de, pois, poder expor as suas razões perante o tribunal (princípio 
 do contraditório). E deve poder fazê-lo em condições que a não desfavoreçam em 
 confronto com a parte contrária (princípio da igualdade de armas). 
 
 
 Ora, entende-se que a equidade exigível, na vertente da ?igualdade de armas?, é 
 claramente restringida quando, por imposição da norma em análise (nº 7, do art. 
 
 21°, na redacção do DL. 30/2008, de 20 de Fevereiro) e depois de decretada (em 
 sede de índole meramente cautelar/provisória) a entrega de um bem (veículo 
 automóvel, no caso), com base em alegado incumprimento contratual que determinou 
 a resolução por comunicação de uma das partes outorgantes à outra, a parte (inadimplente) 
 fica confinada a ?ser ouvida?, sem mais, ou seja, sem possibilidade exercício 
 efectivo e pleno de contraditório, nomeadamente com apresentação de provas, no 
 sentido de poder infirmar um dos pressupostos da ordenada entrega do bem locado 
 
 ? e que é a regularidade da declaração (unilateral) de resolução contratual. 
 
 
 Ao permitir-se (e pretender-se) um ?juízo antecipado? sobre a ?causa principal? 
 e sendo que o objecto ?desta causa principal? por referência à necessária causa 
 de pedir que pode sustentar o pedido de entrega, por efeito de resolução 
 contratual por incumprimento, é muito mais lato/abrangente que o simples pedido/pretensão 
 de entrega, está-se necessariamente a coarctar o direito de defesa do requerido. 
 
 
 Ou seja, o conteúdo do direito de defesa do requerido em providência cautelar, 
 quando coarctado desta forma, fica diminuído na sua vertente de exercício pleno 
 do contraditório e da igualdade de armas. 
 
 
 Conclui-se, pois que a norma em causa padece de vício de inconstitucionalidade 
 material ? por ofensa do princípio do acesso ao direito (na sua vertente de 
 princípio do contraditório e princípio da proporcionalidade). 
 
 
 Ou seja e concluindo, a interpretação normativa do segmento do dispositivo em 
 causa (nº 7, do art. 21°), na parte em que, com dispensa da acção de cariz 
 definitivo, permite antecipar um juízo (de mérito definitivo) sobre a causa 
 principal, não é compatível com nenhuma destas exigências de conformidade 
 constitucional (vinculante): não se mostra necessária para os efeitos 
 pretendidos. 
 
 
 Acresce que a interpretação em causa, na medida em que restringe os direitos (processuais) 
 de uma das partes, viola igualmente o princípio da igualdade decorrente do art. 
 
 13°, nº 2, do mesmo texto fundamental, na vertente da proibição de discriminação. 
 
 
 
 * 
 
 
 Para além do vício da inconstitucionalidade material, a norma em causa é também 
 orgânicamente inconstitucional. 
 
 
 Na verdade e na medida em que a mesma contende com as garantias do processo 
 civil (restringindo-as), cai no âmbito de reserva legislativa da Assembleia da 
 República, nos termos do art. 165°, nº 1, al. b), da CRP, sendo pois que e não 
 tendo havido autorização legislativa para tanto, a iniciativa governamental é, 
 por isso, inconstitucional por violação da reserva legislativa. 
 
 
 Há, pois, que formular um juízo de desconformidade constitucional da norma, o 
 que determina a sua não aplicação, por ilegal. 
 
 
 
 * 
 
 
 IV. Em face do exposto e com base na inconstitucionalidade da norma em causa (dispositivo 
 do nº 7, do art. 21°, em análise), indefere-se o requerido (a aplicação da mesma). 
 
 
 
 * 
 
 
 Notifique e registe.» 
 
 
 
 8.1 ? Como se constata do relatado, a decisão recorrida considerou que a norma 
 cuja aplicação recusou sofria de inconstitucionalidade orgânica, por, cabendo no 
 
 âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República, haver sido emitida a 
 descoberto de autorização legislativa e violar, assim, o disposto no artigo 165.º, 
 n.º 1, alínea b), da CRP, bem como de inconstitucionalidade material, por 
 atentar contra o princípio do acesso ao direito, na sua vertente do princípio do 
 contraditório e do princípio da proporcionalidade (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da 
 CRP) e o princípio da igualdade decorrente do artigo 13.º, n.º 2, da Lei 
 Fundamental. 
 
 
 Vejamos, pois, começando pela imputada inconstitucionalidade orgânica. 
 
 
 Como se vê da história do preceito feita na decisão recorrida, bem como da 
 funcionalidade jurídica do instrumento processual que está em causa, também, aí 
 recortada, cuja bondade não se afasta, a norma em crise institui, ao fim e ao 
 cabo, um instrumento de conhecimento e de decisão, antecipados e definitivos, da 
 relação material cujo bonus fumus juris suporta, no processo da providência 
 cautelar, o decretamento da específica providência cautelar de entrega do bem 
 locado, nos casos em que ?findo o contrato [de locação financeira] por resolução 
 ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário 
 não proceder à restituição do bem ao locador? e este haja [antes de requerer a 
 providência] efectuado ?pedido de cancelamento do registo da locação financeira, 
 a efectuar por via electrónica, sempre que as condições técnicas o permitam?. 
 
 
 Em termos simplificados, pode dizer-se que a norma permite que, uma vez 
 apreciada a situação sob litígio, no processo cautelar, para o efeito do 
 decretamento da providência específica de entrega do bem locado financeiramente 
 ao seu locador, o tribunal possa conhecer, no mesmo processo, em termos 
 definitivos dessa situação ou relação jurídico-material a que respeita a lide. 
 
 
 Deste modo, a medida processual delineada pelo legislador tem, essencialmente, a 
 natureza de um meio processual simplificado, da espécie cível, que está 
 funcionalizado para o conhecimento e julgamento de um determinado tipo de 
 relações jurídicas de direito privado emergentes de contrato: no caso, de 
 relações relacionadas com a cessação do contrato de locação financeira por 
 resolução ou por decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra que 
 constituía o título jurídico de detenção e fruição da coisa por banda do 
 locatário, prendendo-se, deste modo, com a realização, em juízo, dos direitos de 
 crédito emergentes do contrato de locação financeira e do direito de propriedade 
 relativo à coisa locada financeiramente. 
 
 
 O artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição estabelece que é da exclusiva 
 competência da Assembleia da República legislar sobre os direitos, liberdades e 
 garantias. 
 
 
 Seguramente que esta norma competencial abarca a regulamentação de todos os 
 direitos fundamentais enunciados no Título II da Parte I da Constituição. Mas 
 tem-se suscitado dúvidas sobre se a reserva de competência legislativa abrange, 
 nos mesmos termos, os direitos constitucionais de natureza análoga. 
 
 
 Jorge Miranda começou por defender que só o regime material dos direitos, 
 liberdades e garantias é que se aplicava, por força do artigo 17.º da CRP, a 
 todos os direitos fundamentais enunciados no Título II e aos direitos 
 fundamentais de natureza análoga (1.ª edição do tomo IV do seu Manual de Direito 
 Constitucional - Coimbra Editora, Coimbra, 1988, págs. 144 e 145). 
 
 
 Nas 2.ª e 3.ª edições do tomo IV do mesmo Manual (Coimbra Editora, Coimbra, 1993 
 e 2000, págs. 143-145 e 153-155), o mesmo Autor passou, todavia, a distinguir 
 entre os direitos de natureza análoga constantes do Título I da Parte I (direitos 
 de acesso a tribunal, de resistência, a indemnização do Estado e de queixa ao 
 Provedor de Justiça) e os demais direitos. Quanto aos primeiros, começou a 
 defender que se aplicariam todas as regras constitucionais pertinentes, porque 
 incindíveis dos princípios gerais com imediata projecção nos direitos, 
 liberdades e garantias. Já quanto aos segundos, o Autor manteve a posição de que 
 o artigo 17.º não se reporta senão ao regime material, por duas ordens de razões: 
 por um lado, porque, atenta a inserção sistemática do artigo 17.º na parte do 
 direito constitucional substantivo, precedendo imediatamente regras dessa índole, 
 não se vê como pudesse cobrir também regras orgânicas e de revisão 
 constitucional; depois, porque, se esses direitos estivessem compreendidos na 
 reserva de competência legislativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º (anteriormente 
 
 168.º) da CRP, não se compreenderia que no mesmo preceito se previssem 
 especificamente certas reservas que já caberiam naquela ?cláusula geral?. 
 
 
 Diferentemente doutrina José Carlos Vieira de Andrade, sustentando não existirem 
 razões ?para concluir que o artigo 17.º não se refere, em princípio, à 
 globalidade do regime, e, pelo contrário, (...) a analogia substancial com os 
 direitos, liberdades e garantias justifica que também os direitos abrangidos 
 gozem dos diversos aspectos desse regime, incluindo as garantias da 
 irrevisibilidade e da protecção resultante da reserva de lei formal?, 
 acrescentando, porém, que ?a reserva orgânica do Parlamento não é, em si, uma 
 exigência decorrente da determinabilidade dos direitos, mas sim da sua maior 
 proximidade valorativa ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana? (Os 
 Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, Almedina, 
 Coimbra, 2001, págs. 194 e 195). 
 
 
 O Tribunal Constitucional tem mantido uma orientação próxima desta última tese, 
 fazendo assentar o radical da diferenciação do regime competencial na regulação 
 dos aspectos que contendem com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por 
 aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actividade 
 legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias? (formulação 
 do Acórdão n.º 373/91, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) ou, de 
 acordo com algumas concretizações, na regulamentação de aspectos materiais que 
 traduzem ?uma garantia de defesa dos cidadãos perante o Estado que é a relação 
 típica de incidência dos clássicos direitos, liberdades e garantias? (cf. 
 Acórdão n.º 78/86, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.º vol., 
 tomo II, pág. 702) ou que se prendem com a ?realização do Homem como pessoa? (cf. 
 Acórdão n.º 517/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
 
 Tem-se por seguro que a opção do legislador quanto à conformação de um processo 
 específico para a realização judicial dos direitos em causa no procedimento, 
 quando emergentes das situações jurídicas referidas, em alternativa à regra 
 geral da autonomia completa do procedimento cautelar e da acção principal conexa, 
 não cabe no âmbito competencial desses direitos que é abrangido pela reserva de 
 competência, por não contender com o núcleo essencial do direito de acesso aos 
 tribunais e ao processo equitativo. 
 
 
 Como se disse no Acórdão n.º 447/93, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, 
 e cuja doutrina veio posteriormente a ser recuperada no Acórdão n.º 132/01, 
 consultável no mesmo sítio, «(...) em matéria processual a lei fundamental só 
 inclui na reserva relativa da Assembleia da República a legislação sobre 
 processo criminal (...), bem como sobre 'o regime geral dos actos ilícitos de 
 mera ordenação social e do respectivo processo' (...). A edição de disposições 
 claramente adjectivas, como as referentes à admissibilidade de recursos 
 jurisdicionais em processo civil, comum ou laboral, não cabe na reserva relativa 
 de competência da Assembleia da República». 
 
 
 O afirmado relativamente à admissibilidade dos recursos jurisdicionais em 
 processo civil vale igualmente para a instituição das formas de processo civil e 
 para a definição da sua tramitação. 
 
 
 
 É claro que pode esgrimir-se a argumentação de que, na formatação desse processo, 
 o legislador pode ?tocar? no âmbito de tutela decorrente dos direitos, 
 liberdades e garantias fundamentais que a Constituição consagra. 
 
 
 Mas esse ?toque? pode quedar-se pela exigência de o legislador, na sua 
 actividade normativo-constitutiva de regulamentação processual, ter de respeitar 
 as normas e princípios constitucionais, entre eles se contando aqueles que 
 consagram direitos fundamentais, como o direito a um processo equitativo, ou 
 atingir o âmbito de tutela próprio desses direitos sujectivados, como sejam a 
 liberdade, a saúde, a autonomia pessoal, etc., etc. 
 
 
 A circunstância de, ao legislar sobre a concepção das formas de processo civil e 
 a sua concreta tramitação, o legislador dever obedecer aos parâmetros 
 constitucionais ínsitos no conteúdo do direito de acesso aos tribunais, entre 
 eles se contando o respeito pelo princípio do contraditório, do processo 
 equitativo, da igualdade, da celeridade razoável, da prioridade e da tutela 
 plena e efectiva, não demanda que tenha de concluir-se que o legislador está a 
 dispor sobre matéria de direitos, liberdades e garantias inseridas no âmbito 
 competencial do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição. 
 
 
 Coisa diversa terá de concluir-se nos casos em que, na formatação do regime de 
 processo, venha a afectar-se o âmbito de tutela próprio dos direitos 
 fundamentais. 
 
 
 Estas situações não podem deixar de considerar-se abrangidas pelo estatuto dos 
 direitos fundamentais previsto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição. 
 
 
 De tudo resulta, pois, que não procede o fundamento da inconstitucionalidade 
 orgânica. 
 
 
 
 8.2 ? Vejamos, agora, a questão da inconstitucionalidade material. A norma 
 impugnada, constante do artigo 21.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de 
 Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro, dispõe 
 do seguinte modo: 
 
 
 
 ?Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo 
 sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, 
 nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso?. 
 
 
 Este preceito prevê a possibilidade de a relação material, própria da causa 
 principal, ser conhecida de modo definitivo, no procedimento cautelar, nas 
 situações abrangidas pela hipótese da norma (de entrega imediata da coisa locada 
 ao locador em virtude do fim do contrato de locação financeira, por força da sua 
 resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra), 
 excepto ?quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2 [do 
 mesmo artigo], os elementos necessários à resolução definitiva do caso?. 
 
 
 Por seu lado, este n.º 2 estabelece que ?com o requerimento [do pedido de 
 providência cautelar de entrega judicial imediata da coisa locada 
 financeiramente], o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no 
 número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do registo, ficando o 
 tribunal obrigado à consulta do registo, a efectuar, sempre que as condições 
 técnicas o permitam, por via electrónica?. 
 
 
 Destes preceitos, conjugadamente interpretados, resulta que o tribunal, nos 
 casos em que tenha decretado [sem audição do requerido] a providência cautelar 
 de entrega imediata ao locador dos bens locados [a qual é necessariamente 
 precedida de pedido de cancelamento do registo de locação financeira], por 
 virtude do fim do contrato de locação financeira resultante da sua resolução ou 
 do decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, conhece, depois 
 de ouvidas as partes, no próprio processo cautelar, de modo definitivo, a 
 questão decidenda no processo principal, salvo naquelas situações em que as 
 partes não tenham trazido ao processo os elementos necessários, entre eles 
 ressaltando, as provas dos factos relevantes para o direito a aplicar, à 
 resolução definitiva do caso. 
 
 
 O procedimento cautelar ?convola-se?, assim, ope legis, em processo adequado 
 para conhecer de modo definitivo do direito do locador de ver restituídos os 
 bens. 
 
 
 O processo passa a prosseguir a funcionalidade própria de uma acção de 
 condenação do locatário dos bens a ver reconhecido o direito do locador de 
 restituição definitiva dos bens locados. 
 
 
 De acordo com a mens legislatoris expressa no exórdio do diploma que consagrou 
 esta medida processual (Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro), ?Evita-se 
 assim a existência de duas acções judiciais ? uma providência cautelar e um 
 acção principal ? que, materialmente, têm o mesmo objecto: a entrega do bem 
 locado?. 
 
 
 Conquanto, expressamente, apenas se acentue, como razão determinante da opção 
 legislativa, o tipo de tutela intencionado pela acção (a entrega do bem locado), 
 
 é, todavia, a especial natureza das situações que estão em causa e a específica 
 forma como se constituem e se extinguem as correspondentes relações jurídicas 
 que justificam a funcionalidade ambivalente deste instrumento processual. 
 
 
 Na verdade, a situação litigiosa sob exame reporta-se a um tipo contratual cujo 
 feixe de obrigações se encontra recortado normativamente em termos objectivos, 
 bem precisados, estando a sua celebração sujeita à forma legal de, pelo menos, 
 documento particular, surgindo, por regra, sob a forma de contrato de adesão (cf. 
 artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho). 
 
 
 Neste tipo contratual, as obrigações de cada uma das partes, mesmo que 
 particularizadas por adesão, estão bem definidas e os actos das partes tendentes 
 a cumpri-las têm, por regra, expressão documental (v.g., celebração do contrato, 
 pagamento da retribuição, comunicações à contra-parte). 
 
 
 Deste modo, os elementos factuais e probatórios com base nos quais as partes 
 podem deduzir as suas pretensões em juízo são, tendencialmente, bem precisos e, 
 normalmente, do seu conhecimento, logo, desde o momento em que ocorrem. 
 
 
 Uma vez obtida a tutela cautelar do direito do credor, sem audição do locatário, 
 através da entrega imediata dos bens, assim se evitando o risco do seu extravio 
 ou da sua desvalorização que o decurso dos trâmites próprios de um processo que 
 conhecesse, logo, da causa principal sempre potenciaria, entendeu o legislador 
 ser de aproveitar o processo existente para conhecer da causa principal, na 
 medida em que os elementos de facto nele conhecidos e as provas nele produzidas 
 por ocasião da apreciação do pedido de tutela cautelar sejam potencialmente os 
 mesmos a relevar para a prolação da decisão definitiva. 
 
 
 A solução legislativa assenta na ideia de que a resolução definitiva da questão 
 atinente à acção principal não demanda, por regra, a necessidade de outros 
 elementos que não sejam os já ponderados para a prolação da decisão cautelar, 
 apenas se impondo conceder às partes a possibilidade de proceder ao seu controlo, 
 mediante a sua audição, momento este não concedível antes do decretamento da 
 providência cautelar para não afectar a plenitude e efectividade da tutela 
 cautelar do direito do locador. 
 
 
 Corresponde a uma dimensão do direito de acesso aos tribunais, consagrado do 
 artigo 20.º da Constituição, o direito de acção judicial adequada para fazer 
 valer em juízo os direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 5). 
 
 
 Segundo a própria formulação constitucional, ?para a defesa dos direitos, 
 liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos 
 judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela 
 efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos?. 
 
 
 Cabe, assim, na discricionariedade constitutiva do legislador ordinário a 
 previsão e a configuração das acções adequadas à obtenção da tutela judicial. 
 
 
 No que importa a tal matéria, as únicas exigências que decorrem daquele direito 
 de acesso aos tribunais são as de que a acção judicial deva propiciar a obtenção 
 de ?tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações? dos direitos e 
 interesses legalmente protegidos e que a causa seja objecto de decisão em prazo 
 razoável e mediante processo equitativo (n.º 4). 
 
 
 No direito a um processo equitativo ou a um processo justo, insere-se, como seu 
 vector, o princípio do contraditório, consubstanciado no direito de a parte 
 alegar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas, de 
 controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados de 
 umas e outras (cf., entre muitos, Acórdão n.º 249/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
 
 Tal princípio não tem, todavia, a natureza de um direito absoluto, sendo 
 constitucionalmente admissível, para realizar outros valores constitucionais, 
 como a celeridade processual (cf. Acórdão n.º 1193/96, publicado nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, volume 35.º, pagina 529 e seguintes) e a efectividade 
 da tutela jurisdicional, que o momento do seu exercício possa ser deferido (cf. 
 Acórdãos n.ºs 259/00 e 303/03, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), 
 como acontece em sede de procedimentos cautelares típicos e atípicos, nestes se 
 inserindo o presente caso. 
 
 
 Assim sendo, caberá na discricionariedade do legislador ordinário, desde que 
 respeite a axiologia constitucional, a opção de, no recorte do sistema das 
 acções judiciais, atribuir às acções cautelares, sempre, uma função instrumental 
 relativamente à acção principal ou, ao invés, em certos casos, ?confundir? as 
 duas acções em um só processo, de modo que a tutela seja concedida ab initio a 
 título definitivo, com perda de toda a ideia de instrumentalidade do processo 
 cautelar, ou a tutela definitiva se possa suceder à tutela cautelar. 
 
 
 Não existe, em termos constitucionais, qualquer princípio, para além daquele 
 quadro paramétrico, que obrigue a que, na obtenção de ?tutela efectiva e em 
 tempo útil contra ameaças ou violações? dos direitos e interesses legalmente 
 protegidos, deva ser seguida uma regra de instrumentalidade necessária da acção 
 cautelar em relação à acção principal. 
 
 
 O julgamento de questões jurídicas fora do processo comum adequado segundo as 
 regras gerais para o conhecimento dos direitos controvertidos, e no âmbito de 
 processo especial concebido para a realização de outros direitos específicos, 
 não constituiu novidade no nosso próprio sistema jurídico, vindo do período pré-constitucional. 
 
 
 Na verdade, era o que se passava, no domínio do processo de inventário (processo 
 especial para pôr fim à comunhão hereditária), no Código de Processo Civil de 
 
 1962, com o conhecimento das questões relacionadas com a falta ou a exclusão da 
 relacionação de bens a partilhar, com a sua sonegação ou com a negação de 
 dívidas activas ou passivas (artigos 1341.º a 1346.º e 1355.º), as quais eram 
 conhecidas no processo de inventário desde que pudessem ser resolvidas em face 
 dos documentos apresentados e de outras provas que os interessados produzissem, 
 sendo os interessados remetidos para o processo comum, na hipótese contrária. 
 
 
 Também aqui a questão principal relativa a esses direitos controvertidos poderia 
 ser resolvida enxertadamente no processo especial e fora do processo comum 
 adequado para o efeito. 
 
 
 Mas a antecipação do juízo sobre a causa principal no processo cautelar ? com 
 quebra do princípio da instrumentalidade dos procedimentos cautelares - 
 constitui hoje uma possibilidade admitida, em termos gerais, no processo 
 contencioso administrativo (em cuja previsão o legislador do Decreto-Lei n.º 30/2008 
 se terá, porventura, inspirado). 
 
 
 Na verdade no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais 
 Administrativos prevê-se que ?quando a manifesta urgência na resolução 
 definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos 
 interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a 
 adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo 
 todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes 
 pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal?. 
 
 
 A ausência de instrumentalidade formal é, também, um fenómeno constatável no 
 direito processual civil estrangeiro. 
 
 
 A este respeito constata Rui Pinto (A Questão de Mérito na Tutela Cautelar, 
 Coimbra Editora, 2009, pp. 58-59): 
 
 
 
 ?(?) 
 
 
 II. No direito processual civil estrangeiro conhecem-se no plano das previsões 
 normativas providências cautelares autónomas, ou seja, sem instrumentalidade 
 formal. 
 
 
 Assim, note-se que desde 1 de Março de 2006 tomou-se desnecessária a propositura 
 de acção principal após a obtenção de uma providenza d?urgenza do art. 700.° CPC/It 
 ou de qualquer outra providência cautelar idónea a antecipar os efeitos da 
 sentença de mérito e, mesmo a extinção dessa eventual acção de mérito, não 
 determina a ineficácia das providências. 
 
 
 
 É isso que sempre vigorou relativamente ao reféré francês e às einstweilige 
 Verfügungen alemãs (cf. § 926 ZPO) (210). 
 
 
 Mesmo no mero plano de facto, o que sucede com estas últimas é particularmente 
 elucidativo. Há a constatação na doutrina alemã (211) de que as einstweiligen 
 Verfügungen tendem a valer como finais, já que frequentemente as partes perdem o 
 interesse em colocar a acção principal, pela sua duração e custos, e aceitam a 
 decisão provisória como viável para o seu litígio, não apenas quando houve 
 antecipação da realização do direito, mas mesmo quando apenas foi proferida uma 
 medida de segurança ou regulação do status quo. Mais: quando sucede ser 
 instaurado o processo principal quer o tribunal da acção principal, quer o 
 tribunal de recurso tendem a limitar-se a confirmar a decisão cautelar. 
 
 
 Enfim, outro exemplo, novamente no plano normativo: o art. 2409º., 3.ª al., CC/It 
 estatui que ?se houver suspeita fundada de graves irregularidades no cumprimento 
 dos deveres dos administradores e gestores, os sócios que representem de um 
 décimo do capital social podem denunciar os factos ao tribunal? o qual pode 
 decretar as ?providências cautelares oportunas [v. g., inibições] e convocar a 
 assembleia para as subsequentes deliberações? e ?nos casos mais graves pode 
 destituir os administradores e gestores e nomear um administrador judiciário, 
 fixando-lhe os poderes?. 
 
 
 Perante o que vem sendo dito, pode concluir-se não existir impedimento 
 constitucional a que se conheça da acção principal no procedimento cautelar aqui 
 em causa, regido pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, contanto que seja 
 observado o princípio do contraditório e o processo contenha os elementos 
 necessários à resolução definitiva da causa. 
 
 
 Ora, o preceito em causa pode ser entendido no sentido de que ambas as partes 
 podem, a quando da audição prevista no preceito ? assim se respeitando o 
 princípio do processo equitativo, na sua dimensão de igualdade processual ?, 
 exercer o contraditório de alegação e de prova, sem limitações, e de o tribunal 
 poder decretar a resolução definitiva do caso apenas quando disponha dos 
 elementos necessários para poder tirar essa conclusão. 
 
 
 Na verdade, a norma sindicada não estabelece quaisquer restrições à 
 possibilidade de alegação das partes e de oferecimento e controlo das provas 
 produzidas. 
 
 
 
 É claro que pode suceder que, por virtude do exercício do contraditório, a 
 tarefa do tribunal tenha de ultrapassar os limites do julgamento factual e 
 jurídico que suportou o decretamento da providência e o julgador caia numa 
 situação de não dispor dos elementos necessários à resolução definitiva do caso. 
 
 
 Em tal hipótese, afigura-se não restar outra solução do que remeter a resolução 
 do caso para acção autónoma, sob pena de ofensa do direito a um processo 
 equitativo. 
 
 
 Mas tal situação está manifestamente fora do âmbito aplicativo da norma. 
 
 
 Do que vem dito resulta que a decisão recorrida só chegou a conclusão diferente 
 porque entendeu a norma sindicada no sentido de o dever de audição das partes, 
 nela prevista, ter um alcance diferente do transportado pelo princípio do 
 contraditório e de o tribunal estar obrigado a decretar, sempre, a resolução 
 definitiva da causa, mesmo quando não disponha dos elementos necessários para o 
 efeito. 
 
 
 Demonstrada a insubsistência da interpretação feita pela decisão recorrida, face 
 aos parâmetro constitucionais, impõe-se concluir pela não inconstitucionalidade 
 da norma sindicada. 
 
 
 C ? Decisão 
 
 
 
 9 ? Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide: 
 
 
 a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 21.º, n.º 7, do 
 Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, 
 de 25 de Fevereiro; 
 
 
 b) Conceder provimento ao recurso e, consequentemente, 
 
 
 c) Ordenar a reforma da decisão recorrida em função do precedente juízo de 
 constitucionalidade. 
 
 
 Lisboa, 04/02/2010 
 
 
 Benjamim Rodrigues 
 
 
 João Cura Mariano 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Rui Manuel Moura Ramos