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Processo n.º 99/10
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 A. propôs em 18 de Julho de 2002 acção de investigação de paternidade que corre 
 termos no 1.º Juízo do Tribunal de Lamego (Proc. n.º 388/2002) contra B., 
 pedindo que este fosse condenado a reconhecê-lo como seu filho.
 
  
 O Réu contestou, excepcionando, além do mais, a caducidade do direito invocado 
 pelo Autor.
 
  
 Em 27 de Julho de 2007 foi proferida sentença que julgou a acção procedente, 
 tendo declarado que o Autor é filho do Réu.
 
  
 O Réu interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, 
 por acórdão proferido em 12 de Novembro de 2008, julgou improcedente o recurso.
 
  
 O Réu interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 Após ter interposto este recurso, o Réu apresentou um requerimento em que, 
 invocando a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, peticionava que 
 se reconhecesse a caducidade da acção, com a sua consequente absolvição do 
 pedido.
 
  
 A Desembargadora Relatora indeferiu este pedido, por considerar esgotado o poder 
 jurisdicional do Tribunal da Relação sobre tal matéria.
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 8 de Outubro de 2009, 
 negou provimento à revista.
 
  
 O Réu apresentou um requerimento de arguição de nulidade em que concluiu do 
 seguinte modo:
 
 “O douto acórdão não se pronunciou sobre a questão da caducidade do direito 
 levantada como questão prévia e para aplicação imediata da alteração legislativa 
 que foi introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 1/04, e, para tanto invocou-se a 
 existência dum caso julgado que, em bom rigor, não se verifica; por isso o douto 
 acórdão é nulo nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 668.º e artºs 716.º 
 e 732.º, do C.P.C. (versão pré-reforma, aqui aplicável).
 E subjacente a esta nulidade está uma interpretação inconstitucional do nº 4, do 
 artº 498º, do C.P.C. (mesma versão), e por violação do artº 20º - 1, da 
 Constituição, conforme supra se desenvolveu.”
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 14 de Janeiro de 2010, 
 indeferiu a reclamação apresentada, por entender que o acórdão questionado tinha 
 apreciado a questão cuja omissão de pronúncia lhe era apontada.
 
  
 O Réu recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea 
 b), do n.º 1, do artigo 70.º, da C.R.P., apontando como objecto do recurso:
 
 “O facto de na mui douta decisão recorrida se fazer a aplicação sob uma 
 interpretação normativa inconstitucional do n.º 4, do artº 498 do CPC e 
 violadora do artº 20-1 da Constituição.
 Inconstitucionalidade esta que foi devidamente invocada no anterior requerimento 
 do Recorrente e que foi decidida na douta decisão lavrada em 14/01 e da qual, 
 nesta parte, ora se recorre”.
 
  
 Em 1 de Março de 2010 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do 
 recurso com os seguintes fundamentos:
 
 “No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas.       
 Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 
 
 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), 
 e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente, atenta a 
 natureza instrumental do recurso constitucional.
 A decisão recorrida é um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu um 
 incidente pós-decisório – uma arguição de nulidade por omissão de pronúncia.
 O Recorrente pretende que seja fiscalizada a interpretação que esta decisão fez 
 do n.º 4, do artigo 498.º, do Código de Processo Civil.
 Contudo, essa interpretação não constitui ratio decidendi da decisão recorrida.
 
 É o seguinte o seu conteúdo:
 
 “A sentença (acórdão) é nula, diz-se na al. d) do n° 1 do art. 668° C.Pr.Civil, 
 quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 
 A nulidade do acórdão ocorre quando nele não se tratou de todas as questões que 
 as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, dever imposto ao juiz no n° 
 
 2 do art. 660° C.Pr.Civil. 
 Na presente acção o réu/recorrente invocou, em sua contestação, a caducidade do 
 direito aqui exercido pelo autor/recorrido. 
 Esta excepção foi decidida e julgada improcedente por decisão não impugnada e, 
 como tal, transitada em julgado. 
 Entretanto foi publicada e entrou em vigor a Lei 14/2009, de 1 Abril, que 
 estabeleceu como limite o prazo de dez anos posteriores à maioridade ou 
 emancipação do investigante para propositura da acção de investigação, 
 preconizando ser este dispositivo de aplicação aos processos pendentes à data da 
 sua entrada em vigor. 
 E o reclamante solicitou então expressamente que a questão da caducidade fosse 
 de novo apreciada perante este enquadramento legal. 
 No acórdão reclamado, apreciando esta questão, consignou-se que “a excepção de 
 caducidade, oportunamente suscitada pelo ora recorrente, foi decidida e julgada 
 improcedente por decisão transitada em julgado, ainda antes da publicação da 
 aludida Lei. 
 Por isso, quando esta Lei entrou em vigor a excepção de caducidade estava 
 definitivamente arrumada, ou seja, já não estava pendente. 
 A determinação de aplicação do normativo aos processos pendentes tem de ser 
 entendida como de aplicação imediata apenas às questões que ainda não tenham 
 sido definitivamente julgadas no processo. 
 A aplicação imediata da Lei esbarra, no caso vertente, com o respeito pela 
 intangibilidade do caso julgado. 
 Não pode, pois, esta concreta questão ser já objecto de nova apreciação.” 
 Daqui ressalta claramente que não houve qualquer omissão de pronúncia sobre a 
 questão da caducidade. 
 Agora o que se entendeu é que a mesma não poderia ser de novo abordada, 
 porquanto fora decidido, de um modo definitivo, que esta concreta acção de 
 investigação de paternidade fora proposta em tempo. E que, por isso, a 
 apreciação desta questão já não estava pendente quando aquela Lei 14/2009 entrou 
 em vigor. 
 Tinha sido reconhecido ao investigante que estava em tempo de prosseguir com a 
 acção em vista da averiguação da sua paternidade. 
 Com o devido respeito e consideração pela posição expendida pelo reclamante, 
 pensamos que não lhe assiste razão quando vem dizer que não se formou caso 
 julgado, já que o facto jurídico concreto que fundamenta a agora invocada 
 excepção de caducidade é diferente da que suportara a suscitada em sede de 
 contestação. 
 Aquela concreta questão suscitada na acção, repete-se, foi decidida, com força 
 de caso julgado. E, por isso, não poderia ser objecto de nova apreciação. As 
 posteriores alterações legais que viessem a verificar-se sempre esbarrariam 
 nessa decisão definitiva, impeditiva da sua aplicação. 
 Diga-se ainda e enfileirando pela argumentação usada pelo reclamante, de que a 
 instância estabilizou e a causa de pedir já nem poderia ser alterada face ao 
 disposto no art. 273°, n' 1 C.Pr.Civil. 
 
 2. Sustenta ainda o reclamante que, subjacente a esta invocada omissão de 
 pronúncia, está uma interpretação inconstitucional do n° 4 do art. 498° 
 C.Pr.Civil na medida em que limita a defesa daquele que invoca a caducidade ao 
 não considerar todas as situações integrantes da respectiva causa de pedir. 
 Como se deixou referido, e este é o ponto essencial subjacente à decisão sobre a 
 suscitada caducidade, decidiu-se definitivamente que, nesta situação concreta, o 
 investigante estava em tempo para prosseguir com a acção de averiguação da sua 
 paternidade. E a declarada tempestividade da acção jamais poderia ser posta em 
 causa por nova situação jurídica entretanto surgida, por a isso se opor a 
 eficácia do caso julgado que envolve essa decisão. 
 Não se restringe o constitucionalmente assegurado direito de defesa do 
 recorrente, que foi por si exercido oportunamente e também oportunamente 
 apreciado e decidido. Agora também é verdade que as decisões definitivas gozam 
 de forçam vinculativa.
 Por isso também se nos afigura não ter sido cometida a apontada 
 inconstitucionalidade.
 Termos em que se desatende a reclamação apresentada”
 Da leitura da decisão recorrida verifica-se que a mesma desatendeu a arguição 
 duma nulidade, por omissão de pronúncia, de acórdão anteriormente proferido, com 
 fundamento em que este acórdão apreciou a questão que se diz não ter sido 
 conhecida, sem recurso a qualquer interpretação do artigo 498.º, do Código de 
 Processo Civil.
 Se a decisão recorrida reforça argumentos, relativamente ao conhecimento que 
 havia efectuado da referida questão no anterior acórdão, sustentando também aqui 
 uma determinada interpretação do artigo 498.º, do Código de Processo Civil e a 
 sua constitucionalidade, fá-lo, nitidamente, em obiter dictum, uma vez que o 
 indeferimento da arguição de nulidade apenas se baseou no fundamento de que a 
 questão cuja omissão de pronúncia foi apontada havia sido conhecida.
 Assim sendo, o conhecimento do mérito da questão de constitucionalidade colocada 
 neste recurso não tem qualquer efeito útil prático, pois, mesmo que procedesse a 
 pretensão do Recorrente, tal decisão não teria qualquer repercussão na decisão 
 recorrida, uma vez que ela não teve o seu fundamento na interpretação normativa 
 agora questionada.
 Daí que seja comum dizer-se que já não é eficaz a suscitação de questões de 
 constitucionalidade perante o tribunal recorrido nos incidentes pós-decisórios, 
 salvo se as normas questionadas tenham fundamentado a decisão desses incidentes.
 Por isso, atenta a natureza instrumental dos recursos interpostos para o 
 Tribunal Constitucional, em fiscalização sucessiva concreta, não deve ser 
 conhecido este recurso, proferindo-se decisão sumária nesse sentido, nos termos 
 do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
 
  
 O Recorrente reclamou desta decisão para a conferência alegando o seguinte:
 
 “…ao contrário do que consta da douta Decisão Sumária, o Acórdão que decidiu 
 indeferir a nulidade fê-lo por recurso ao artº 498 do CPC, embora não o invoque 
 expressamente. 
 De facto, na mesma reafirma-se a posição de “não apreciação” com o fundamento de 
 existir caso julgado anterior. 
 Ora, a reflexão jurídica sobre se há, ou não, “caso julgado’ só pode resultar da 
 aplicação do artº 498 do CPC, maxime, no caso concreto, do seu nº 4. 
 Logo, a questão levantada sobre a interpretação normativa inconstitucional do 
 citado nº 4 foi pertinente, e uma vez que tal interpretação está na base da 
 decisão conforme se alegou e se expôs perante o STJ. 
 Por outro lado, reconhecida que seja a invocada inconstitucionalidade na 
 interpretação do nº 4 citado e nos termos antes explicitados, daqui resultará 
 que, na verdade o S T J não se pronunciou sobre a questão concreta da caducidade 
 que lhe foi posta, donde a nulidade invocada com a consequência de a mesma ter 
 que ser sanada com novo Acórdão que se debruce sobre a questão prévia antes já 
 delimitada. 
 EM CONCLUSÃO: 
 A) O segundo Acórdão do S T J, de facto, aplica o artº 498 do CPC, nomeadamente 
 o seu nº 4, embora não o diga expressamente e esta aplicação resulta de uma 
 interpretação normativa inconstitucional nos termos já referidos perante aquele 
 Alto Tribunal. 
 B) A procedência do presente recurso (reconhecimento da interpretação normativa 
 inconstitucional do citado nº 4), implicará o reconhecimento da nulidade 
 invocada e consequentemente a mesma deve ser sanada, pronunciando-se o S T J 
 sobre a questão prévia suscitada, 
 Donde, 
 C) Impõe-se que a Decisão Sumária seja revogada e o recurso prossiga os seus 
 termos”.
 
  
 
                                                *
 Fundamentação
 O Reclamante sustenta que a decisão recorrida, ou seja o Acórdão do S.T.J. que 
 indeferiu a arguição de nulidade de anterior Acórdão que havia conhecido do 
 mérito de recurso interposto para aquele Tribunal, se fundamentou na aplicação 
 duma interpretação normativa cuja fiscalização de constitucionalidade foi 
 peticionada ao Tribunal Constitucional, pelo que discorda que ela não tenha 
 integrado a ratio decidendi da decisão recorrida.
 Ora, da leitura dessa decisão constata-se que a arguição da omissão de pronúncia 
 foi indeferida por se ter entendido que esta não existia, uma vez que o acórdão 
 acusado de ter cometido nulidade tinha-se pronunciado sobre a questão cuja falta 
 era apontada, tendo entendido que sobre a mesma já se tinha formado caso 
 julgado.
 A ratio decidendi da decisão recorrida foi, pois, a de que o anterior acórdão 
 não tinha cometido a omissão de que era acusado, e não a existência de caso 
 julgado, a qual tinha fundamentado sim aquele acórdão do S.T.J. que havia 
 conhecido do mérito do recurso.
 Se é certo que a decisão recorrida aproveitou também para reafirmar a posição 
 tomada no anterior acórdão sobre a existência da referida situação de caso 
 julgado, fê-lo em obiter dictum, uma vez que não era essa a questão que estava 
 em causa no incidente de nulidade, nem foi ela que sustentou o seu 
 indeferimento.
 Não tendo a interpretação normativa questionada no requerimento de interposição 
 de recurso integrado a ratio decidendi da decisão recorrida, deve a reclamação 
 apresentada ser indeferida.
 
                            
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por B., da decisão sumária 
 proferida nestes autos em 1 de Março de 2010.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 
  
 
                                                     *
 Lisboa, 14 de Abril de 2010
 João Cura Mariano
 Catarina Sarmento e Castro
 Rui Manuel Moura Ramos