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Processo 99/09 
 
 
 
 3ª Secção 
 
 
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins 
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I ? RELATÓRIO 
 
 
 
 1. Nos presentes autos em que é recorrente Ministério Público e recorrida A., 
 Lda., foi interposto recurso, com carácter obrigatório, ao abrigo do n.º 3 do 
 artigo 280º, da CRP, e do artigo 70º, n.º 1, alínea a) da LTC, da sentença 
 proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 5 de Setembro de 
 
 2009 (fls. 70 a 76), que desaplicou a norma constante do n.º 1 do artigo 4º do 
 Código do Imposto de Valor Acrescentado [de ora em diante, identificado por CIVA], 
 por ?faltar à norma o «elevado grau de determinação conceitual» exigível, assim 
 afrontando o disposto no Art.º 103/2 CRP (?)? (fls. 74). 
 
 
 
 2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu as seguintes 
 alegações: 
 
 
 
 «1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada. 
 
 
 O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da decisão, 
 proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos autos de impugnação 
 em que figura como uma impugnante A. Loja do Ceramista, na parte em que se 
 recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma constante 
 do artigo 4º, nº 1, do CIVA. 
 
 
 Na óptica da decisão recorrida, tal norma - de carácter ?residual? e grande 
 amplitude ? violaria o princípio da legalidade tributária, já que dela 
 decorreria um desenho ?elástico? quanto à incidência de tal imposto, 
 transferindo para a administração tributária o poder de decidir quais as 
 situações de facto que se lhe subsumem ? e levando, no caso dos autos, à 
 inclusão de um negócio jurídico de cessão da posição contratual, detido em 
 contrato de locação financeira, tido por subsumível no amplo conceito de ?prestação 
 de serviços a título oneroso?, delineado pela norma desaplicada. 
 
 
 O princípio de legalidade tributária não impede que o legislador fiscal possa 
 utilizar conceitos indeterminados ou cláusulas gerais na definição dos 
 pressupostos da obrigação tributária, incluindo a definição do âmbito da 
 incidência fiscal. 
 
 
 A questão de admissibilidade e do âmbito do uso pela lei fiscal de cláusulas 
 gerais ou de conceitos indeterminados foi aprofundadamente analisada pelo 
 Tribunal Constitucional no Acórdão nº 252/05, que procede a um levantamento 
 exaustivo de anterior jurisprudência sobre tal tema, concluindo que não pode 
 inferir-se automaticamente do princípio da legalidade e da tipicidade que esteja 
 vedada a utilização de conceitos indeterminados no âmbito da ?fattispecie? 
 normativa que releva para delimitar a incidência tributária ? impondo-se 
 distinguir os casos de inadmissível outorga à Administração Fiscal de 
 verdadeiros poderes discricionários, judicialmente insindicáveis, ?daqueloutros 
 onde, perante um conceito indeterminado, a actuação administrativa é 
 completamente vinculada e, por isso, sindicável pelo tribunal em toda a sua 
 extensão (?), ?sendo que, no domínio tributário ? mesmo no que toca 
 especificamente à definição dos elementos essenciais dos impostos nos aspectos 
 relacionados com a sua incidência ? o princípio da legalidade não impede que a 
 prescrição legislativa que contenha conceitos indeterminados através dos quais 
 se ?remeta (?) a administração para a consideração de circunstâncias de índole 
 técnica (?) (possa) significar a preterição da instancia jurisdicional decidente, 
 
 (ou) a condenação do contribuinte a uma mera decisão administrativa (?)?. 
 
 
 
 ?Na verdade, não pode deixar de reconhecer-se que tais ?conceitos indeterminados? 
 são passíveis de uma interpretação concretizadora que opere a sua determinação 
 conceitual (?) [não colocando] nas mãos da Administração Fiscal o monopólio da 
 sua densificação (?) como autênticas ?cláusulas de discricionariedade?, 
 porquanto, ?se nem todos os conceitos legais têm o mesmo grau de indeterminação, 
 a verdade é que todos são interpretáveis e, embora a determinação do sentido 
 jurídico-normativo da norma interpretada seja marcada por uma ineliminável 
 subjectividade, tal não significa, contudo, que a mobilização de normas legais 
 onde estejam inseridos conceitos indeterminados não possa ser pertinentemente 
 sindicada pelos tribunais fiscais?. 
 
 
 No caso dos autos, o problema detectado prende-se ? mais do que com a 
 indeterminação conceitual ? com a amplitude ? tida por desproporcionada e 
 excessiva ? da previsão normativa constante do artigo 4º, nº 1, do CIVA: na 
 verdade, tal norma inclui no âmbito de incidência do IVA todas as operações 
 efectuadas a título oneroso - perspectivadas como ?prestação de serviços? ? 
 mesmo que não integrem transmissões onerosas de bens, prestações onerosas de 
 serviços ou actos de transferência onerosa de bens corpóreos por forma 
 correspondente ao exercício do direito de propriedade. 
 
 
 Tudo se passa, em rigor, como se tal norma submetesse à incidência do IVA todas 
 as transmissões ou atribuições patrimoniais, feitas a título oneroso, 
 independentemente da estrutura jurídica do negócio em que as mesmas se 
 corporizam. 
 
 
 Não se pode dizer que tal ampla previsão normativa implique a criação de uma ?zona 
 obscura? ou de fronteira, de difícil apreensão, determinabilidade e controlo, 
 nomeadamente jurisdicional: é que a norma, com tal interpretação e configuração, 
 
 é clara e tem um conteúdo determinável, embora efectivamente muito amplo, sendo 
 questões diferentes e autónomas a indeterminação e a amplitude da ?fattispecie? 
 das normas que regem sobre a incidência tributária. 
 
 
 Na verdade, estatuir que todos os actos que se consubstanciam numa transferência 
 ou aquisição patrimonial, feita a título oneroso, estão sujeitos a IVA não 
 traduz qualquer indeterminabilidade dos elementos que integram esta previsão 
 normativa ? implicando apenas que o legislador fiscal optou por estabelecer uma 
 cláusula de grande amplitude, mas de sentido perfeitamente apreensível pelos 
 destinatários da norma e controlável pelos tribunais. 
 
 
 
 É certo que a qualificação de tais actos de atribuição patrimonial, a título 
 oneroso, como ?prestações de serviços? pode ? do ponto de vista estritamente 
 jurídico - configuram-se como efectivamente discutível, nomeadamente por os 
 mesmos nada terem que ver com o conceito jus-civilístico de ?prestação de 
 serviços?, decorrente do artigo 1154º do Código Civil (sendo evidente que o 
 negócio de cessão de posição contratual nada tem que ver com a figura do 
 contrato de prestação de serviço, regulada naqueles artigos 1154/1156 do Código 
 Civil). 
 
 
 Tal objecção não se afigura, porém, precedente por um duplo fundamento: 
 
 
 
 - em primeiro lugar, nada obriga a que os conceitos utilizados pela lei fiscal 
 tenham de coincidir com os conceitos normativos ?paralelos? utilizados pelo 
 direito civil ?comum? ? bem podendo o direito fiscal, moldado essencialmente em 
 função de realidades económicas, prescindir da estrutura jurídico-formal de 
 certas figuras, paralelas ou análogas , tal como vigoram no campo do direito 
 civil; 
 
 
 
 - em segundo lugar ? e decisivamente ? este problema não se configura, em rigor, 
 como envolvendo uma questão de inconstitucionalidade normativa, - mas apenas e 
 tão somente ? com a realização pelo juiz de uma actividade subsuntiva, estranha 
 
 à fiscalização da constitucionalidade de ?normas?: na verdade, se o tribunal ?a 
 quo? entender, no exercício dos seus poderes de interpretação da lei fiscal, que 
 o conceito de ?prestação de serviço?, utilizado pela norma que integra o objecto 
 deste recurso, em nenhumas circunstâncias poderá abarcar a referência a um 
 negócio de cessão da posição contratual, terá apenas, no exercício de tais 
 poderes interpretativos, de optar por não subsumir à norma do artigo 4º, nº1, o 
 negócio jurídico controvertido na presente impugnação. 
 
 
 
 2. Conclusão 
 
 
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se: 
 
 
 
 1º 
 
 
 Como decorre do acórdão nº 252/05, não pode inferir-se dos princípios da 
 legalidade e da tipicidade, contidos no princípio constitucional da reserva da 
 lei fiscal, que esteja absolutamente proscrita a utilização, pelas normas 
 determinadoras da incidência dos impostos, de conceitos indeterminados ? sendo 
 esta legítima desde que não envolva a outorga à Administração Fiscal de 
 verdadeiros poderes discricionários, judicialmente insindicáveis. 
 
 
 
 2º 
 
 
 A ampla previsão normativa constante do artigo 4º, nº 1, do CIVA implica que se 
 devam ter por situados no âmbito da incidência deste imposto todos os actos de 
 atribuição ou transferência, de natureza patrimonial, efectuados a título 
 oneroso, qualificados como ?prestação de serviços?, independentemente da 
 natureza e estrutura jurídica formal que lhes assista e os caracterizem. 
 
 
 
 3º 
 
 
 Tal previsão normativa ? apesar da sua muito ampla abrangência ? não é 
 obviamente indeterminável, possibilitando aos destinatários da norma um juízo 
 sobre o respectivo âmbito e ao juiz, no momento subsuntivo, um efectivo controlo 
 da actividade administrativa no preenchimento de tal fattispecie. 
 
 
 
 4º 
 
 
 Termos em que deverá proceder o presente recurso.» (fls. 94 a 99) 
 
 
 
 3. Notificada das referidas alegações, a recorrida deixou expirar o respectivo 
 prazo, sem que tenha vindo aos autos apresentar as correspondentes contra-alegações: 
 
 
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II ? FUNDAMENTAÇÃO 
 
 
 
 4. A norma que foi alvo de decisão de desaplicação pela decisão recorrida e que 
 se configura agora como objecto do presente recurso corresponde à constante do n.º 
 
 1 do artigo 4º do CIVA, de acordo com a redacção que lhe foi conferida pelo 
 Decreto-Lei n.º 100/95, de 19 de Maio, que estipula o seguinte: 
 
 
 
 ?Artigo 4º 
 
 
 
 1 ? São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a 
 título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou 
 aquisições de bens.? 
 
 
 Para melhor compreensão do regime de tributação de IVA das prestações de 
 serviços, tem-se por conveniente transcrever igualmente os n.ºs 2 e 3 do 
 referido artigo 4º do CIVA: 
 
 
 
 ?2 - Consideram-se ainda prestações de serviços a título oneroso: 
 
 
 a) Ressalvado o disposto no n.º 1 do artigo 25.º, a utilização de bens da 
 empresa para uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral para fins 
 alheios à mesma e ainda em sectores de actividade isentos quando, relativamente 
 a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou 
 parcial do imposto (de acordo com a redacção conferida pelo Dec.-Lei n.º 195/89, 
 de 12 de Junho); 
 
 
 b) As prestações de serviços a titulo gratuito efectuadas pela própria empresa 
 com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, 
 a fins alheios à mesma; 
 
 
 c) A entrega de bens móveis produzidos ou montados sob encomenda com materiais 
 que o dono da obra tenha fornecido para o efeito, quer o empreiteiro tenha 
 fornecido, ou não, uma parte dos produtos utilizados. (de acordo com a redacção 
 conferida pelo art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 206/96, de 26 de Outubro) 
 
 
 
 3 - São equiparadas a prestações de serviços a cedência temporária ou definitiva 
 de um jogador, acordada entre os clubes com o consentimento do desportista, 
 durante a vigência do contrato com o clube de origem e as indemnizações de 
 promoção e valorização, previstas no n.º 2 do artigo 22.º do Contrato de 
 Trabalho Desportivo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, 
 devidas após a cessação do contrato. (de acordo com a redacção conferida pelo n.º 
 
 1 do art.º 34.º da Lei n.º 127-B/97, de 20 de Dezembro)? 
 
 
 Daqui decorre que o legislador ordinário optou por fixar o âmbito de incidência 
 objectiva do IVA, no que concerne às prestações de serviços, através de um 
 método dualista. Assim, por um lado, foi adoptado um elenco exemplificativo de 
 operações que correspondem ao conceito de ?prestações de serviços a título 
 oneroso? sujeitas a IVA ? vide n.ºs 2 e 3 do referido artigo 4º do CIVA ?, que é 
 complementado, por outro lado, o n.º 1 do artigo 4º do CIVA estabelece uma 
 cláusula geral que permite a qualificação dessas mesmas prestações de serviço 
 mediante recurso a um conceito jurídico indeterminado que extravasa as situações 
 especificamente previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito. 
 
 
 Ora, sucede que a decisão recorrida considerou que a previsão legal de tal 
 cláusula geral, assente num conceito jurídico indeterminado, briga com o 
 princípio da legalidade tributária (artigo 103º, n.º 2, da CRP), por se tratar 
 de: 
 
 
 
 ?(?) uma norma de carácter residual onde cabem todas as operações não abrangidas 
 pelas anteriores normas de incidência. 
 
 
 
 (?) 
 
 
 Mas porque «esse tudo» é indeterminável, tal implica devolução à administração 
 fiscal do poder de preenchimento e selecção factual, subtraindo ao Parlamento o 
 poder de decidir quais os factos tributáveis ? ainda que mediante autorização 
 legislativa. 
 
 
 Conclui-se faltar à norma o «elevado grau de determinação conceptual exigível, 
 assim afrontando o disposto no Art.º 103/2/CRP (?)? (fls. 73 e 74). 
 
 
 Importa, portanto, verificar se procedem os fundamentos adoptados pela decisão 
 recorrida para justificar a decisão de desaplicação da norma prevista no n.º 1 
 do artigo 4º do CIVA. 
 
 
 
 5. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar, por diversas 
 vezes, a problemática decorrente da necessidade de compatibilização entre o 
 princípio da legalidade democrática e a previsão de conceitos jurídicos 
 indeterminados que concedem à administração fiscal uma relativa margem de 
 discricionariedade no seu preenchimento, a propósito de cada relação jurídico-administrativa 
 em concreto. A compatibilidade da previsão de tais conceitos jurídicos 
 indeterminados com o referido princípio da legalidade tributária, desde que seja 
 objectivamente possível que o destinatário possa antever a criação legal de uma 
 obrigação tributária tem sido jurisprudência consolidada neste Tribunal. 
 
 
 Assim, no Acórdão n.º 233/94 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), este 
 Tribunal entendeu o seguinte: 
 
 
 
 (?) 
 
 
 
 ?11. Como já vimos, a norma em causa insere?se de pleno no domínio fiscal, 
 estando, por assim dizer, duplamente vinculada à lei, por um lado por força da 
 cominação expressa do artigo 106º, nºs 2 e 3, da Constituição e, por outro, em 
 virtude de a matéria em causa se inserir na esfera de competência reservada da 
 Assembleia da República [artigo 168º, nº 1, alínea i) ? 'criação de impostos e 
 sistema fiscal']. 
 
 
 Ora, o que verdadeiramente a recorrente pretende criticar na norma em causa é a 
 violação do princípio da legalidade tributária na óptica da insuficiente 
 densificação legislativa das condições de aplicação do aludido preceito (ou seja, 
 do insuficiente grau de precisão e determinabilidade das regras legais atinentes 
 a esta específica situação tributária que poderiam colocar o regime em crise a 
 descoberto das garantias decorrentes dos aludidos princípios constantes do 
 artigo 106º, nºs 2 e 3, da Constituição). 
 
 
 Dito ainda de outra forma, estando em causa matéria tributária, matéria de 
 definição dos pressupostos de aplicação de um determinado imposto, a recorrente 
 parece entender que se mostra incompatível com o aludido princípio da legalidade 
 tributária a circunstância de a lei, com base em conceitos indeterminados ou só 
 indirectamente determinados, conferir uma certa margem de livre apreciação à 
 Administração para efeitos de determinação da substituição de um sistema de 
 tributação (típico do grupo A) por um outro (o do grupo B), este mais gravoso do 
 que aquele, em virtude do incumprimento, por parte do contribuinte, de certas 
 regras atinentes às suas obrigações fiscais. 
 
 
 Recorde?se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional já teve ocasião de 
 dizer que em sede de restrição de direitos, liberdades e garantias, a 
 Constituição não veda ao legislador a possibilidade de este conferir à 
 Administração a faculdade de actuar ao abrigo de poderes discricionários, desde 
 que as balizas de exercício de tais poderes constem de forma suficientemente 
 densificada na própria lei ( cfr. Acórdão nº 285/92, publicado no Diário da 
 República, I Série?A, de 17 de Agosto de 1992). Ou seja: em sede de restrições 
 de direitos, liberdades e garantias, o recurso a conceitos jurídicos 
 indeterminados, para efeitos de definição dos pressupostos e da amplitude de 
 exercício de poderes discricionários pela Administração, deve encontrar na letra 
 da lei um tal grau de densificação normativa que correspondam a um mínimo de 
 critérios objectivos que balizem essa actuação discricionária da Administração, 
 em termos tais que permitam aos cidadãos, com um mínimo de segurança, saber com 
 que quadro normativo contam quanto à possível aplicação dessa lei e que 
 simultaneamente confiram aos tribunais elementos objectivos suficientes para 
 apreciação da adequação e proporcionalidade no uso de tais poderes. 
 
 
 E se se chama este lugar paralelo da jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 para apreciação do caso em análise é apenas para tornar mais evidente que, desde 
 logo para quem entenda que a actividade normativa de definição do sistema 
 tributário, à luz do princípio da legalidade tributária, não se traduz numa 
 verdadeira e própria restrição de direitos, liberdades e garantias, então parece 
 não constituir obstáculo inultrapassável que a lei acolha na sua formulação 
 conceitos jurídicos indeterminados e, com base neles, confira à Administração 
 uma 'margem de livre apreciação' para analisar uma dada situação de facto de 
 incumprimento ou de desvio de um dever fiscal e, consequentemente, decidir da 
 aplicação do mecanismo de substituição do sistema de tributação (como resulta do 
 
 § 2º do artº 114º do Código da Contribuição Industrial), desde que tal 
 habilitação preencha o conteúdo mínimo exigível ao cabal cumprimento do aludido 
 requisito da legalidade tributária (no sentido de previsão legal do imposto). 
 
 
 Mas mesmo para quem veja na definição normativa do sistema tributário, em 
 concorrência com os ditâmes do princípio da legalidade e da tipicidade 
 tributárias, uma específica forma de restrição de direitos, liberdades e 
 garantias, ou melhor, de direitos fundamentais de natureza análoga, que 
 beneficiariam do regime do artigo 18º da Constituição, por força do disposto no 
 artigo 17º da Lei Fundamental, será também de concluir que, à luz do critério 
 jurisprudencial atrás referenciado, quando a lei usa conceitos jurídicos 
 indeterminados, embora daí resulte que a Administração vem a beneficiar de uma 
 certa margem de liberdade de apreciação, não haverá ofensa da Constituição desde 
 que os dados legais contenham uma densificação tal que possam ser tidos pelos 
 destinatários da norma como elementos suficientes para determinar os 
 pressupostos de actuação da Administração e que simultaneamente habilitem os 
 tribunais a proceder ao controlo da adequação e proporcionalidade da actividade 
 administrativa assim desenvolvida.? (com sublinhado nosso) 
 
 
 Em sentido idêntico, quanto à questão da constitucionalidade de conceitos 
 indeterminados em matéria fiscal, veja-se igualmente o Acórdão n.º 756/95 (disponível 
 in www.tribunalconstitucional.pt): 
 
 
 
 ?4.1. Será a norma de incidência aqui questionada tão ampla e vaga na sua 
 formulação, que ponha em causa esse mínimo de precisão exigível às normas 
 fiscais? 
 
 
 A resposta a esta interrogação pressupõe o caracterizar da articulação - 
 constitucionalmente viável - entre o emprego, neste tipo de normas, de conceitos 
 indeterminados e aquilo que a jurisprudência constitucional alemã definiu como 'princípio 
 da determinabilidade' (Bestimmenheitgrunsatz), referindo-se à exigência destas 
 normas construírem a respectiva previsão 'assegurando um mínimo de clareza e de 
 transparência do tipo' e que 'permita a calculabilidade e a previsibilidade da 
 obrigação fiscal' (J.L: Saldanha Sanches, A Segurança Jurídica no Estado Social 
 de Direito, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 310/312, pág. 299). 
 
 
 A justificação de qualquer destas realidades (conceitos amplos/exigências de 
 determinabilidade) não deixa de ser possível face a regras ou princípios 
 constitucionalmente relevantes: se a determinabilidade se acolhe na defesa dos 
 contribuintes contra o arbítrio da Administração Fiscal, que subjaz aos artºs 
 nºs 2 e 3, do artº 106º, o emprego de conceitos amplos e por vezes 
 indeterminados - os únicos que garantem a plasticidade que possibilite a 
 adaptação ao constante aparecimento de novas situações que, substancialmente 
 iguais a outras já tributadas, não estejam ainda formalmente descritas com 
 precisão - não deixa, o emprego desse tipo de conceitos, de se poder louvar no 
 cumprimento do mandato de igualdade em sentido material, não permitindo o 
 aparecimento constante de refúgios de evitação fiscal. 
 
 
 Só a harmonização entre estas duas realidades, potencialmente conflituantes, é 
 susceptível de fornecer soluções equilibradas que, sacrificando o menos possível 
 dos valores subjacentes a cada uma, garanta o essencial desses valores. 
 
 
 Esta harmonização vem sendo prosseguida, nomeadamente no plano das jurisdições 
 constitucionais, excluindo as cláusulas gerais que operem como que uma 
 transferência da 'criação da obrigação fiscal' para a 'discricionariedade da 
 administração', mas não inviabilizando liminarmente certas 'cláusulas gerais', 'conceitos 
 jurídicos indeterminados', 'conceitos tipológicos' (Typusbegriffe), 'tipos 
 discricionários' (Ermessentatbestände), e certos conceitos que atribuem à 
 administração uma margem de valoração, os chamados 'preceitos poder' (Kaan-Vorschrift). 
 
 
 Todas estas figuras, guardadas certas margens de segurança, flexibilizam o 
 sistema tornando-o apto a abranger, através da interpretação, 'circunstâncias 
 novas, porventura imprevisíveis ao tempo da formulação da lei' (JL Saldanha 
 Sanches, ob. cit. pág. 297 e 299/300). 
 
 
 Ganha, assim, a tipicidade tributária, concretizada no princípio da 
 determinabilidade, um valor específico, aquele que (e citamos de novo JL 
 Saldanha Sanches) 'tem o seu núcleo essencial na reserva da competência da lei 
 para a selecção dos factos da vida social que devem ser objecto de tributação, 
 na manutenção do dictum do legislador ordinário quanto à determinação dos factos 
 tributáveis', mas que não inviabiliza 'que este se sirva de uma formulação 
 suficientemente ampla para abranger factos da mesma natureza e igualmente 
 indicadores de capacidade tributária, ainda que com características que entre si 
 os diferenciem' (ob. cit. pág. 299). 
 
 
 Ora, a norma aqui constitucionalmente questionada, como verdadeira norma 
 residual de um universo que o legislador define com suficiente precisão (a 
 Secção B do Imposto de Capitais - v. artº 3º, do CIC); construída em torno de um 
 conceito - 'rendimentos derivados da simples aplicação de capitais' - que 
 concretizado de acordo com as regras interpretativas possíveis relativamente a 
 normas de incidência fiscal, está muito longe de colocar nas mãos da 
 administração um poder arbitrário de concretização; uma norma com estas 
 características, dizíamos, não pode à partida ser tida como 
 inconstitucionalmente indeterminada.? 
 
 
 No acórdão n.º 252/05, (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), foi 
 apreciada a constitucionalidade de norma que incluía um conceito jurídico 
 indeterminado indispensável a habilitar a administração fiscal a corrigir a base 
 tributável de IRC, quando estejam em causa relações especiais indiciadoras de ?preços 
 de transferência? (daquela feita, tratava-se do n.º 1 do artigo 57º, do CIRC), o 
 Tribunal Constitucional pôde já afirmar a inexistência de qualquer antinomia 
 entre o princípio da legalidade tributária e a previsão legal de conceitos 
 jurídicos indeterminados ? porém, determináveis ? que permitam a definição dos 
 elementos fundamentais de impostos devidos pelos contribuintes: 
 
 
 
 ?5.2.4.2 ? Não há dúvida de que a presente construção legislativa assenta na 
 mobilização tipológica de conceitos indeterminados, que, pela sua natureza, não 
 se prestam a uma aplicação ?automática?, antes exigindo uma valoração 
 problematicamente concretizadora do sentido jurídico-normativo da norma, e, 
 portanto, uma concretização especificante em atenção ao caso a considerar. 
 
 
 Contudo, tal conclusão não autoriza que, sem mais, possa concluir-se por uma 
 apodíctica preterição do princípio da legalidade fiscal ? com a inerente 
 dimensão de tipicidade ? e, do mesmo passo, pelo reconhecimento de um 
 insindicável espaço de discricionariedade à actuação administrativa, mesmo 
 salientando-se que nessa esfera não pode estar em causa a concessão de um poder 
 arbitrário de conformação normativa, porquanto, a bem ver, no âmbito de um 
 Estado de direito materialmente comprometido, toda a actuação administrativa, 
 ainda que discricionária, está sempre ?sujeita a uma regra de absoluta 
 juridicidade? (cf. João Pedro Silva Rodrigues, Critérios normativos de 
 predeterminação da matéria tributável ? Os novos caminhos abertos pela [pré-] 
 suposta avaliação indirecta na imposição fiscal do rendimento, Coimbra, 2002, pp. 
 
 110; e, mais expressivamente, A. Castanheira Neves, ?O problema da 
 discricionariedade?, in Digesta ? Escritos acerca do Direito, do Pensamento 
 jurídico, da sua Metodologia e Outros, Volume 1.º, Coimbra, 1995, pp. 531 e ss., 
 esp.te 586). 
 
 
 Nesta linha discursiva, sempre haverá, então, que distinguir as questões 
 relacionadas com o exercício de poderes discricionários, ?daqueloutras onde, 
 perante um conceito indeterminado, a actuação administrativa é completamente 
 vinculada e, por isso, sindicável pelo tribunal em toda a sua extensão (...)?, 
 sendo que, no domínio tributário ? mesmo no que toca especificamente à definição 
 dos elementos essenciais dos impostos e aos aspectos relacionados com a sua 
 incidência ? o princípio da legalidade não impede que a prescrição legislativa 
 que contenha conceitos indeterminados através dos quais se ?remeta (...) a 
 administração para a consideração de circunstâncias de índole técnica (...) [possa] 
 significar a preterição da instância jurisdicional decidente, [ou] a condenação 
 do contribuinte a uma mera decisão administrativa (...)?. 
 
 
 Na verdade, não pode deixar de reconhecer-se que tais «conceitos indeterminados 
 são passíveis de uma interpretação concretizadora que opere a sua determinação 
 conceitual (...) [não colocando] nas mãos da administração fiscal o monopólio da 
 sua densificação, (...) como autênticas ?cláusulas de discricionariedade?», 
 porquanto, ?se nem todos os conceitos legais têm o mesmo grau de indeterminação, 
 a verdade é que todos são interpretáveis e, embora a determinação do sentido 
 jurídico-normativo da norma interpretanda seja marcada por uma ineliminável 
 subjectividade, tal não significa, contudo, que a mobilização de normas legais 
 onde estejam inseridos conceitos indeterminados não possa ser pertinentemente 
 sindicada pelos tribunais fiscais? (cf. João Pedro Silva Rodrigues, «Conceitos 
 indeterminados e a sindicabilidade pelo tribunal da sua ?interpretação-aplicação?», 
 in Saldanha Sanches et alii, Jurisprudência Fiscal Anotada, 2001, pp. 89 e ss. 
 esp.te 102-103) 
 
 
 E, no âmbito desta distinção, sempre importará precisar que não será, pois, o 
 maior ou menor grau de indeterminação conceitual a determinar ? ou afastar ? a 
 sindicância jurisdicional do juízo administrativo, antes havendo que determinar 
 se, para lá da estrutura conceitual da norma e, portanto, do seu ?conteúdo 
 significativo-conceitual?, o legislador pretendeu desvincular a actuação 
 administrativa de uma esfera de revisibilidade jurisdicional, admitindo, quanto 
 a determinados aspectos do acto administrativo, uma verdadeira ? e insindicável 
 
 ? liberdade de escolha. 
 
 
 
 (?) 
 
 
 Essencial, será, assim, que a norma em questão possa ?ser interpretada e 
 aplicada em termos de assegurar aos interessados uma suficiente densificação que 
 sirva de critério orientador à actividade administrativa e à dos próprios 
 tribunais quando chamados a controlar a actividade da administração? (cf. o 
 mencionado Acórdão n.º 233/94, deste Tribunal). 
 
 
 
 (?) 
 
 
 Podemos assim concluir, sintetizando, que estamos, no caso, perante conceitos 
 indeterminados cujo conteúdo não demanda a atribuição de qualquer poder 
 constitutivo à administração fiscal em sede de determinação da matéria 
 colectável, pois apenas pode ser admitido como critério de decisão aquele 
 sentido objectivo que resulta directamente da lei tributária. Isto, ao contrário 
 do que se passava na norma sindicada pelo Acórdão n.º 233/94, em que a lei 
 erigia a dúvida subjectiva da administração fiscal sobre a correspondência à 
 realidade da matéria colectável declarada a elemento normativo determinante e 
 especificante da mudança do critério de tributação. Diversamente, à 
 administração tributária apenas é reconhecida, agora, uma competência de 
 prognose probatória relativamente aos factos que preencherão esses conceitos 
 jurídicos, gozando tão somente de liberdade quanto à escolha dos meios de prova 
 a utilizar, de entre os permitidos em direito. 
 
 
 E conquanto a determinação em concreto dos termos em que ocorrem as relações 
 entre ?pessoas independentes? admita, segundo os padrões de normalidade 
 probatória, alguma álea, como vem sendo dito, não poderá dizer-se que esta seja 
 atentatória do princípio da previsibilidade das obrigações fiscais do 
 destinatário da 
 
 
 norma e do princípio da segurança jurídica, que encarnam a essência material do 
 princípio da legalidade tributária no Estado de direito democrático, avaliados 
 pelo crivo dos princípios da necessidade e da proporcionalidade: até porque 
 ninguém melhor do que o sujeito passivo conhecerá as regras de mercado cuja 
 existência pode evidenciar à administração e perante o tribunal.? 
 
 
 Tendo em conta esta firme jurisprudência do Tribunal, resta verificar se a norma 
 em apreço (n.º 1 do artigo 4º do CIVA), face ao seu teor, encerra em si um 
 mínimo de significação normativa que se revela apta a limitar o exercício 
 interpretativo da administração fiscal e a permitir ao sujeito tributário o 
 prévio conhecimento da obrigação tributária que sobre si recai. 
 
 
 
 6. Parece evidente que o diploma legal em causa fixa, de modo apreensível para 
 qualquer destinatário, o âmbito de incidência objectiva do imposto a cobrar. 
 
 
 Com efeito, a alínea a) do n.º 1 do artigo 1º do CIVA determina que ?estão 
 sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: (?) as transmissões de bens e as 
 prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso, por 
 um sujeito passivo agindo como tal?. Após esta fixação do âmbito de incidência 
 objectiva do imposto, o legislador opta ainda por densificar tais conceitos 
 jurídicos, mediante a exemplificação de condutas concretas que são susceptíveis 
 de se enquadrar nos referidos conceitos de ?transmissões de bens? (cfr. artigo 3º 
 do CIVA) e ?prestações de serviços? (cfr. artigo 4º do CIVA). 
 
 
 Sucede que, no caso do artigo 4º do CIVA, o legislador opta por associar um 
 critério geral (cfr. n.º 1 do artigo 4º do CIVA), à previsão de um elenco 
 exemplificativo de operações qualificáveis como ?prestações de serviços?. 
 
 
 Ora, o recurso a tal conceito jurídico não prejudica, no caso concreto em apreço, 
 a susceptibilidade de apreensão dos factos sujeitos a imposto por parte de um 
 destinatário normal, nem tão pouco viola o princípio da legalidade tributária. 
 
 
 Acresce ainda que, conforme já notado, a alínea a) do n.º 1 do artigo 1º do CIVA 
 determina estarem sujeitas a imposto as ?prestações de serviços efectuadas em 
 território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal?. 
 Ora, quando o intérprete recorre ao conceito de sujeito passivo do imposto, 
 constata que são enquadráveis como tais ? conforme decorre da alínea a) do n.º 1 
 do artigo 2º do CIVA: 
 
 
 
 ?As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter 
 de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de 
 serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões 
 livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só 
 operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das 
 referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente 
 dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e 
 de IRC?. 
 
 
 Assim, apesar de amplo, o conceito jurídico consagrado no n.º 1 do artigo 4º do 
 CIVA é determinável, pelo que, qualquer que fosse o seu sentido, a decisão da 
 administração fiscal permaneceria sempre passível de ser controlada pelo 
 competente tribunal administrativo e tributário. 
 
 
 Como tal, conclui-se que a adopção do conceito jurídico constante do n.º 1 do 
 artigo 4º do CIVA não constitui violação do princípio da legalidade tributária (artigo 
 
 102º, n.º 3º, da CRP). 
 
 
 III ? DECISÃO 
 
 
 Pelos fundamentos expostos, decide-se: 
 
 
 a) Julgar procedente o presente recurso; 
 
 
 E, em consequência: 
 
 
 b) Determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para que seja reformada a 
 decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo de não 
 inconstitucionalidade, conforme determina o n.º 2 do artigo 80º da LTC. 
 
 
 Sem custas, por não serem legalmente devidas. 
 
 
 Lisboa, 30 de Setembro de 2009 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Vítor Gomes 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Gil Galvão