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Processo n.º 783/08 
 
 
 
 2ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano 
 
 
 
 (Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro) 
 
 
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional 
 
 
 Relatório 
 
 
 A. e outros intentaram, contra o Estado Português, acção declarativa de 
 condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo, cada um deles, a 
 condenação daquele no pagamento de quantias resultantes da diferença entre o 
 valor atribuído pelo Governo às participações sociais dos Autores nas empresas 
 nacionalizadas, pertencentes ao então denominado ?Grupo Claras?, e o valor 
 atribuído às mesmas participações pelas comissões arbitrais, bem como a sua 
 condenação no pagamento do ?saldo? entre os valores indicados no ?quadro 5?, 
 referenciado nos autos, actualizado à data do efectivo pagamento, a cada Autor, 
 
 à taxa de juro implícita no coeficiente de correcção monetária estabelecido em 
 portaria pelo Governo e os valores que, efectivamente, cada Autor tiver recebido 
 e venha a receber do Estado, actualizados financeiramente à mesma taxa e com 
 referência à mesma data, saldo ao qual se deduzirá ainda o valor resultante do 
 primeiro pedido. 
 
 
 Por sentença da 2ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a acção foi julgada 
 parcialmente procedente, decidindo-se absolver o Estado do primeiro pedido, e, 
 julgando-se materialmente inconstitucionais os artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, 
 condená-lo no pagamento, a cada um dos Autores, de quantias correspondentes à 
 actualização do valor indemnizatório fixado, mediante a diferença entre os juros 
 capitalizados e pagos e o que resulta da aplicação dos coeficientes de correcção 
 monetária previstos no Portaria n.º 362/2008 (ou a que estiver em vigor à data 
 do pagamento), desde a data da nacionalização até integral pagamento. 
 
 
 Desta sentença, os Autores recorreram directamente para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, 
 recurso esse que foi objecto da decisão sumária de não conhecimento. 
 
 
 Da mesma sentença o Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, 
 ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, na parte em que 
 recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, dos artigos 18.º e 
 
 19.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro. 
 
 
 O recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões: 
 
 
 Conforme entendimento jurisprudencial reiterado, não são inconstitucionais as 
 normas constantes dos artigos 18.° e 19.° da Lei n.° 80/77, de 26 de Outubro, 
 enquanto nelas se prevê ? em concretização do artigo 83° da Constituição da 
 República Portuguesa ? que o direito à indemnização ao titular de bens 
 produtivos nacionalizados se efectiva mediante entrega de títulos de dívida 
 pública, de valor igual ao fixado, desdobrando-se em várias classes, em função 
 do montante global, às quais correspondem ? nos termos do quadro anexo ? prazos 
 de amortização e de diferimento diferenciados e taxas de juro decrescentes. 
 
 
 Na verdade, não pode extrair-se daquele preceito constitucional que a 
 indemnização a arbitrar, como decorrência do acto político de nacionalização, 
 tenha de ser fixado em montante pecuniário, correspondente ao valor efectivo dos 
 bens, imediatamente disponível pelo respectivo titular ? podendo a lei, de modo 
 constitucionalmente legítimo, estabelecer critérios concretos de ressarcimento, 
 referentes não apenas ao valor patrimonial, como também à forma e ao tempo do 
 pagamento, justificados por relevantes ponderações de necessidade política, económica 
 e social. 
 
 
 Não conduz a uma indemnização ?irrisória? o critério normativo que não prevê nem 
 institui a correcção monetária do valor dos títulos da dívida pública 
 originariamente arbitrados ao titular dos bens nacionalizados, já que o risco de 
 depreciação monetária, por ele suportado, é equivalente ao sofrido pelos 
 titulares de outros títulos de dívida pública, de juro fixo, não se estando, no 
 caso, no âmbito da atribuição de uma indemnização em dinheiro, enquadrável no 
 regime civilístico do artigo 566.°, n.° 2, do Código Civil. 
 
 
 Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de 
 constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.» 
 
 
 Os recorridos contra-alegaram, concluindo o seguinte: 
 
 
 
 «1. A Constituição garante, como um dos direitos fundamentais, o direito à 
 propriedade privada (art.° 62.° da Constituição). 
 
 
 
 2. Trata-se indiscutivelmente, de um DIREITO FUNDAMENTAL, como resulta, desde 
 logo, da inserção do art.° 62.° na parte I da CRP, sob o título ?Direitos e 
 Deveres Fundamentais?. 
 
 
 
 3. A distinção doutrinária entre os conceitos de ?nacionalização? e ?expropriação? 
 não permite, sem mais, concluir por uma diferença de tratamento nos respectivos 
 regimes de indemnização. 
 
 
 
 4. Em qualquer caso, na perspectiva do direito de propriedade, enquanto direito 
 fundamental, por que motivo racional, compreensível, haveria que indemnizar-se 
 diferentemente, consoante aquele direito fosse atingido por um acto de 
 nacionalização ou de expropriação? 
 
 
 
 5. Uma tal distinção, além de incompreensível, traduzir-se-ia em discriminação 
 intolerável dos cidadãos: perante actos de ofensa ao direito de propriedade, por 
 transferência de bens para a titularidade do Estado, a indemnização 
 correspondente resultaria da motivação que o Estado invocasse para os actos de 
 transferência; se invocar motivos ideológico-políticos, a indemnização compensatória 
 não terá sequer que ser aproximada ao valor dos bens, se invocar outros motivos 
 de interesse público, já a indemnização terá de corresponder à reintegração 
 plena do património do visado. 
 
 
 
 6. Por isso, salvo o devido respeito, a tese do R. acerca da distinção entre as 
 indemnizações por expropriações e as indemnizações por nacionalizações, está 
 irremediavelmente datada de uma época histórica ultrapassada e corresponde a uma 
 visão constitucional repudiada pela simples ideia do Estado de Direito. 
 
 
 
 7. Assim, teremos de concluir que o princípio da justa indemnização consagrado 
 no N.° 2 do art.° 62.° da CRP, como corolário da protecção do direito de 
 propriedade garantido pelo N.° 1, se aplica à expropriação em sentido amplo, 
 abrangendo tanto a expropriação stricto sensu, para utilizar a terminologia de 
 Fausto de Quadros, como a nacionalização. 
 
 
 
 8. Esse reconhecimento foi feito pelo próprio Estado, logo em 1977, na Lei 80/77, 
 em cujo art.° 1.° se dispôs que ?do direito à propriedade privada, reconhecido 
 pela Constituição, decorre que toda a nacionalização ... apenas poderá ser 
 efectuada mediante justa indemnização?. 
 
 
 
 9. Mas mesmo que se admita que a indemnização por nacionalização pode ser 
 distinta da devida por expropriação, em qualquer caso ela está subordinada a um 
 imperativo de justiça decorrente de um conjunto de exigências constitucionais e 
 do Estado-de-Direito, (art.° 2.° da C.R.P.) relativas à boa-fé, à protecção da 
 confiança e da segurança, à proporcionalidade, ao princípio da igualdade e à 
 garantia constitucional genérica dos direitos fundamentais (art.°s 17.° e 18.° 
 da Constituição). 
 
 
 
 10. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros princípios do Direito 
 Internacional acolhidos na nossa Constituição (art.°s 8.° N.° 1 e 16.° N.°s 1 e 
 
 2), conferem aos cidadãos dos Estados aderentes um autêntico direito à 
 propriedade privada. 
 
 
 
 11. Também em Portugal, a doutrina é quase unânime no sentido de que a 
 indemnização tem de ser justa, o que quer dizer proporcional ao valor dos bens 
 nacionalizados; ?ela tem de compensar o valor substancial que foi subtraído ao 
 particular? 
 
 
 
 12. Embora o Tribunal Constitucional não tenha assumido integralmente a posição 
 que aqui sustentamos, a verdade é que da sua jurisprudência resulta a 
 inconstitucionalidade das normas em causa, face à matéria de facto apurada. 
 
 
 
 13. Segundo essa jurisprudência, a indemnização pode não ser plena, mas tem de 
 ser razoável e não manifestamente desproporcionada. 
 
 
 
 14. Como resulta da matéria de facto apurada nos autos, o diferimento no tempo 
 do pagamento da indemnização, os juros compensatórios fixados por esse 
 diferimento, decorrentes da aplicação dos preceitos legais arguidos de 
 inconstitucionalidade, conduziram a que as indemnizações efectivamente pagas 
 sejam ?manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados? (expressão 
 do Tribunal Constitucional). 
 
 
 
 15. Na verdade, para que a indemnização não seja irrisória ou manifestamente 
 desproporcionada, é indispensável que a sua forma de pagamento, quando 
 temporalmente protelada (como foi o caso), beneficie de correcção monetária que 
 assegure um mínimo de equivalência com o valor dos bens à data da nacionalização 
 
 (vide Profs. Doutor Gomes Canotilho e outros, em trabalho de investigação por 
 equipe de docentes da Fac. de Direito de Coimbra, de que está junta fotocópia ao 
 processo). 
 
 
 
 16. A indemnização resultante dos diplomas legais que regularam o respectivo 
 cálculo e forma de pagamento, ?transmutou-se em indemnização irrisória.., em 
 virtude da dilação temporal manifestamente excessiva com que foi paga? (Gomes 
 Canotilho, no Estudo cit.). 
 
 
 
 17. Acresce que, tratando-se de dívidas do Estado, é o próprio devedor, através 
 do Governo, a influenciar decisivamente a desvalorização da moeda, através da 
 política monetária, política que, durante todo o período em que foram 
 amortizados os títulos do Tesouro com que o Estado pagou as indemnizações que 
 ele próprio fixou unilateralmente, foi conduzida pelo Governo. 
 
 
 
 18. Ou seja, em termos simples, foi a seguinte a actuação do Estado através do 
 Governo: 
 
 
 
 1º atribuiu unilateralmente e arbitrariamente o valor dos bens nacionalizados 
 para efeitos da ?indemnização? a pagar aos expropriados; 
 
 
 
 2° decidiu pagar a ?indemnização? através da entrega de Títulos do Tesouro 
 amortizáveis a longo prazo; 
 
 
 
 3° fixou unilateralmente as taxas de juro da dívida titulada nas Obrigações do 
 Tesouro, fazendo-o com taxas fixas extremamente baixas; 
 
 
 
 4° contribuiu decisivamente, através da política monetária, para uma inflação 
 que ultrapassou em larga escala as taxas de juro das Obrigações, fazendo com que 
 o valor a receber se fosse deteriorando ao longo do período de amortização. 
 
 
 
 19. Este procedimento do Governo materializou-se ao abrigo dos preceitos legais 
 que, pelas razões expostas, têm de considerar-se como ofensivos dos princípios e 
 preceitos constitucionais citados. 
 
 
 
 20. Contra estes pesados argumentos, no sentido da inconstitucionalidade dos 
 preceitos em causa, o recorrente refugia-se na jurisprudência deste Tribunal, 
 considerando que ?as normas legais que determinaram o pagamento das 
 indemnizações por nacionalização - assente em critério materialmente autónomo da 
 
 ?justa indemnização? constitucionalmente consagrado para as expropriações por 
 utilidade pública - através da entrega de títulos da dívida pública, com prazos 
 de amortização muito dilatados no tempo e com taxas de juro fixas iguais ou inferiores 
 a 2,5% numa época em que a taxa de inflação era claramente superior, não 
 determina a qualificação como ?irrisórias? ou meramente simbólicas das indemnizações 
 arbitradas aos titulares das empresas nacionalizadas.? 
 
 
 
 21. Esta argumentação do recorrente é meramente conclusiva e abstrai totalmente 
 da realidade. 
 
 
 
 22. A questão é muito concreta e pode resumir-se no seguinte: 
 
 
 Por aplicação dos preceitos declarados inconstitucionais, os valores 
 indemnizatórios devidos pelas nacionalizações foram pagos num prazo médio de 28 
 anos, com uma taxa de juro média de 3,09% (alínea Q1 da Especificação). No mesmo 
 período, as taxas de inflação estiveram sistematicamente muitíssimo acima da 
 taxa de remuneração dos títulos do Tesouro com que foram pagas as indemnizações. 
 
 
 
 23. Essa brutal diferença fez com que os valores indemnizatórios efectivamente 
 pagos tenham representado uma pequena parte dos nominalmente atribuídos. 
 
 
 
 24. Assim, apenas por aplicação dos preceitos declarados inconstitucionais, as 
 indemnizações são manifestamente desproporcionadas à perda dos bens 
 nacionalizados, são mesmo irrisórias, para utilizar as expressões do Acórdão N.° 
 
 39/88 do Tribunal Constitucional. 
 
 
 
 25. Aliás, seria importante e exigível que o recorrente e este Tribunal se 
 dignassem esclarecer o que entendem por ?manifestamente desproporcionado?. Será 
 metade do valor dos bens? Um quarto? Um décimo? 
 
 
 
 26. O que distinguirá, no entender do Estado, uma nacionalização de um confisco? 
 Será que basta ao Estado pagar uma qualquer indemnização para que a norma que a 
 estabelece seja considerada conforme à Constituição? 
 
 
 
 27. Lendo a douta alegação do recorrente, parece que é esse o critério. Qualquer 
 que seja o prazo do seu pagamento aos lesados e a taxa de remuneração pelo 
 diferimento, o recorrente considera estarem satisfeitas as exigências 
 constitucionais da ?justa indemnização?. 
 
 
 
 28. Com todo o respeito, o Tribunal Constitucional não pode consagrar esse 
 critério, sob pena e reduzir a zero a protecção do direito da propriedade 
 perante o Estado. 
 
 
 
 29. Deve, assim, ser inteiramente confirmada a douta decisão recorrida.» 
 
 
 
 * 
 
 
 Fundamentação 
 
 
 
 1. Da delimitação do objecto do recurso 
 
 
 A sentença recorrida, na sua parte decisória, recusou a aplicação, com 
 fundamento em inconstitucionalidade material, dos artigos 18.º e 19.º, da Lei n.º 
 
 80/77, de 26 de Outubro (sucessivamente alterada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 
 
 2 de Setembro, pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto, pela Lei n.º 5/84, de 7 de 
 Abril e pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro). 
 
 
 O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade desses 
 mesmos artigos, que dispõem o seguinte: 
 
 
 
 «Artigo 18.º 
 
 
 
 1. Com excepção do disposto no artigo 20.º, o direito à indemnização, tanto 
 provisória como definitiva, efectiva-se mediante entrega ao respectivo titular, 
 pelo Estado, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos 
 termos e condições constantes dos artigos seguintes. 
 
 
 
 2. O Governo regulará, por decreto, sob proposta do Ministro das Finanças, as 
 condições de entrega dos títulos. 
 
 
 Artigo 19.º 
 
 
 
 1. Os empréstimos a emitir para os fins previstos no artigo anterior desdobrar-se-ão 
 em várias classes, em função do montante global a indemnizar por titular, às 
 quais corresponderão prazos de amortização e de diferimento progressivamente 
 mais longos e taxas de juros decrescentes. 
 
 
 
 2. Para os efeitos referidos no n.º 1, a determinação das taxas de juro, anos de 
 amortização e período de diferimento far-se-á em função das classes definidas 
 pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo. 
 
 
 ANEXO
 Quadro referido no artigo 19.º
 Classificação dos empréstimos e taxas de juro, anos de amortização e períodos de 
 diferimento respectivos, nos termos do artigo 19.º 
 Classes  
 Montante a indemnizar  
 Taxa de juro
 
 _
 Percentagem  
 Anos de amortização  
 Período de diferimento  
 Período total  
 I  
 Até 50 000$  
 
 13  
 
 6  
 
 2  
 
 8  
 II  
 De 50 000$ a 125 000$  
 
 12,8  
 
 6  
 
 2  
 
 8  
 III  
 De 125 000$ a 250 000$  
 
 12,4  
 
 7  
 
 2  
 
 9  
 IV  
 De 250 000$ a 450 000$  
 
 11,8  
 
 7  
 
 2  
 
 9  
 V  
 De 450 000$ a 750 000$  
 
 11  
 
 9  
 
 2  
 
 11  
 VI  
 De 750 000$ a 1 175 000$  
 
 10  
 
 11  
 
 2  
 
 13  
 VII  
 De 1 175 000$ a 1 750 000$  
 
 9,8  
 
 13  
 
 3  
 
 16  
 VIII  
 De 1 750 000$ a 2 500 000$  
 
 8,4  
 
 15  
 
 3  
 
 18  
 IX  
 De 2 500 000$ a 3 450 000$  
 
 6,8  
 
 17  
 
 4  
 
 21  
 X  
 De 3 450 000$ a 4 625 000$  
 
 5  
 
 19  
 
 4  
 
 23  
 XI  
 De 4 625 000$ a 6 050 000$  
 
 3  
 
 21  
 
 5  
 
 26  
 XII  
 Acima de 6 050 000$  
 
 2,5  
 
 23  
 
 5  
 
 28  
 
 
 Como se vê, os preceitos em causa desdobram-se em múltiplos segmentos normativos, 
 com relativa independência entre si, incidindo sobre aspectos parcelares do modo 
 de efectivação da indemnização concedida aos titulares dos bens nacionalizados, 
 incluindo os dados do quadro anexo. 
 
 
 Uma visão englobante desse conjunto de critérios normativos permite concluir que 
 o regime aplicável se traduz numa dação em pagamento de títulos da dívida 
 pública, com condições de entrega a regular por decreto, com períodos de 
 amortização e diferimento e de taxas de juro diferenciados por classes ou 
 escalões de títulos, em função do montante global a indemnizar, de acordo com os 
 dados do quadro anexo ao diploma. 
 
 
 O ter-se reportado o apontado vício de inconstitucionalidade genericamente às 
 normas dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, sem qualquer 
 precisão indicativa dos segmentos inquinados por tal vício, pode deixar entender 
 que a decisão o estende a todo o regime constante desses artigos. 
 
 
 Todavia, é possível colher da fundamentação da sentença recorrida elementos que 
 contrariam essa conclusão, evidenciando, de forma clara, que a recusa de 
 aplicação dos mencionados artigos se deveu, por um lado à forma de pagamento da 
 indemnização estabelecida no artigo 18.º daquela lei e, por outro lado, à 
 duração dos prazos de amortização e de diferimento dos empréstimos 
 correspondentes aos títulos de dívida pública entregues para satisfação do 
 direito de indemnização, conjugados com o valor dos juros remuneratórios desses 
 empréstimos, estando esses dados fixados no quadro anexo ao referido diploma, 
 para o qual remete o n.º 2, do referido artigo 19.º. 
 
 
 Na verdade, ainda que considerando o não pagamento imediato do valor das 
 indemnizações como justificado, o tribunal recorrido sustentou que a sua prestação 
 sob forma de obrigações de tesouro, amortizáveis a muito longo prazo, em 
 conjunção com uma taxa de remuneração fixa, notoriamente inferior à taxa de 
 inflação verificada, determinou que as indemnizações pagas ?se tornassem 
 irrisórias pelo próprio decurso do tempo?, conquanto o não fossem à partida, em 
 si mesmas. 
 
 
 Em conformidade com tal juízo, foi proferida decisão de procedência parcial da 
 acção, que se traduziu na condenação do Estado a uma actualização do valor 
 atribuído como indemnização, sujeitando-o a determinados coeficientes de 
 correcção monetária. 
 
 
 Sendo assim, verifica-se que o juízo de inconstitucionalidade incidiu na norma 
 constante do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, que determina que 
 o direito à indemnização se efectiva mediante entrega ao respectivo titular pelo 
 Estado de títulos da dívida pública, e também no segmento em que o legislador 
 fixou os prazos de amortização e diferimento dos empréstimos e o valor das taxas 
 de juro, os quais constam do quadro anexo para onde remete a parte final do n.º 
 
 2, do artigo 19.º, do mesmo diploma. 
 
 
 Deste modo justifica-se que a questão de constitucionalidade a decidir incida 
 apenas sobre a referida norma do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, 
 e sobre a duração dos prazos e o valor das taxas de juro constantes do quadro 
 anexo, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma. 
 
 
 
 2. Do mérito do recurso 
 
 
 
 2.1. De entre os princípios em que assenta a organização económico-social do 
 País, conta-se, nos termos do artigo 80.º, alínea d), da C.R.P., o da ?propriedade 
 pública dos recursos naturais e dos meios de produção, de acordo com o interesse 
 colectivo?. 
 
 
 Na dinâmica da sua actuação, e em função do referido interesse (?por motivo de 
 interesse público?, como expressa a alínea l), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P.), 
 esse princípio legitima actos de desapropriação forçada de meios de produção 
 integrados em qualquer dos outros sectores (muito em particular no sector 
 privado), transferindo-os para o sector público. 
 
 
 Traduzindo-se, quanto aos bens dela objecto, numa mudança de titularidade, em 
 ablação, por acto unilateral autoritário, da anteriormente detida por sujeitos 
 privados, uma tal intervenção deve necessariamente articular-se com a garantia 
 constitucional do direito de propriedade (artigo 62.º, da C.R.P.). 
 
 
 Daí a previsão específica de uma regra habilitante, consagrando a faculdade 
 constitucional de ?apropriação pública dos meios de produção? e cometendo à lei 
 o encargo de traçar os respectivos requisitos. Preceitua, na verdade, o artigo 
 
 83.º da Constituição que «a lei determina os meios e as formas de intervenção e 
 de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação 
 da correspondente indemnização». 
 
 
 A ?apropriação pública? aqui referida tem como manifestação nuclear a figura da 
 nacionalização de unidades produtivas. Através deste acto, do que, fundamentalmente, 
 se trata ? como lapidarmente expressou o Acórdão n.º 39/88 ? ?é, pois, de 
 subtrair à propriedade privada determinados bens, em virtude de [?] se entender 
 que é do interesse da colectividade que eles passem para a titularidade do 
 Estado e sejam geridos de acordo com o interesse geral? (pub. em ATC, 11º vol., 
 pág. 233). 
 
 
 Embora a terminologia seja, nesta matéria, algo flutuante, não se abstendo a 
 Constituição de falar, neste quadrante normativo, de ?expropriação?, para 
 referir a apropriação de meios de produção ? cfr. os artigos 88.º, n.º 1, e 94.º, 
 n.º 1 ?, a verdade é que a nacionalização não se confunde com a expropriação, em 
 sentido estrito e próprio. De múltiplos pontos de vista as duas figuras se 
 distinguem. Quer quanto ao objecto, fundamento e fim, quer, reflexamente, quanto 
 aos respectivos regimes (designadamente quanto ao procedimento de efectivação), 
 as notas características da nacionalização demarcam-na da expropriação por 
 utilidade pública, como mais desenvolvidamente se pôs em destaque no Acórdão n.º 
 
 452/95 (pub. em ATC, 31º vol., pág. 135). 
 
 
 Também no que diz respeito aos critérios constitucionais de indemnização, não há 
 coincidência de regimes. Enquanto que o n.º 2, do artigo 62.º, da C.R.P., 
 estabelece que a expropriação por utilidade pública só pode ter lugar ?mediante 
 o pagamento de justa indemnização?, o artigo 83.º, da C.R.P., aplicável à 
 nacionalização, como forma de apropriação pública dos meios de produção, limita-se 
 a remeter para a lei ?os critérios de fixação da correspondente indemnização?, 
 sem precisar qualquer pauta valorativa que à lei cumpra observar no cumprimento 
 desta tarefa. 
 
 
 Desta renúncia à predeterminação de um critério constitucionalmente ajustado de 
 indemnização, bem como da utilização do plural (?critérios?) para designar o 
 objecto da remissão para a lei, pode retirar-se a ideia de que o legislador goza, 
 em sede de nacionalizações, de um grau elevado de discricionariedade, inteiramente 
 afastada, no caso das expropriações por utilidade pública. 
 
 
 Nestas, o princípio da justa indemnização impõe uma compensação integral, 
 tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua 
 cotação no mercado. A função da indemnização é a de fazer entrar, na esfera do 
 atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, 
 efectuada a expropriação, o seu património activo muda de composição, mas não 
 diminui de valor. 
 
 
 No caso das nacionalizações, atenta a natureza específica desta medida, a 
 Constituição deixou margem ao legislador para ponderar e fazer reflectir no 
 regime indemnizatório um conjunto de factores, complexos e variáveis, de 
 carácter político, económico e social, que podem justificar um quantum 
 indemnizatório não inteiramente correspondente à perda do anterior titular, bem 
 como modalidades e momentos de pagamento desviantes de uma regra estrita de 
 sinalagmaticidade funcional. Como se sustenta no supracitado Acórdão n.º 452/95, 
 a Constituição permite que as indemnizações a prestar pela expropriação e pela 
 nacionalização sejam diferentes ?no que respeita à sua extensão, ao seu valor ou 
 ao seu quantum, ao momento em que uma e outra sejam postas à disposição do 
 sujeito que delas beneficia e ainda à forma ou formas do seu pagamento?. 
 
 
 O que não significa, evidentemente, que o desempenho, pelo legislador, da 
 incumbência que o artigo 83.º, da C.R.P., lhe fixa esteja liberto de qualquer 
 parametrização constitucional, com incidência na conformação do modo e do 
 quantitativo da indemnização, em termos constitucionalmente adequados. 
 Simplesmente, na falta (justificada) de um específico e apertado critério 
 decorrente da justiça comutativa, como o vigente em sede de expropriação, são 
 aqui aplicáveis os menos exigentes princípios gerais de justiça, como princípios 
 elementares de um Estado de Direito. 
 
 
 Estes opõem-se apenas a que a indemnização perca grande parte da sua 
 efectividade e consistência, por conceder ao anterior titular um montante 
 irrisório ou manifestamente irrazoável. 
 
 
 
 «O artigo 82.º [actualmente 83.º] ? afirma-se no acima referido Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 39/88? basta-se com que se trate de uma indemnização 
 razoável ou aceitável que cumpra a exigências mínimas de justiça que vão 
 implicadas na ideia de Estado de direito». Ou, como se pode ler em GOMES 
 CANOTILHO/VITAL MOREIRA: «A lei goza de alguma discricionariedade na definição 
 dos critérios de indemnização, podendo inclusivamente estabelecer critérios 
 diferentes, de acordo com o tipo e o montante dos bens desapropriados [?], mas 
 não pode deixar de haver uma indemnização razoável ou aceitável, que não pode 
 ser irrisória ou manifestamente exígua nem desproporcionada em relação ao valor 
 venal dos bens desapropriados». ( In ?Constituição da República Portuguesa 
 anotada?, vol. I, pág. 996, da ed. de 2007, da Coimbra Editora). 
 
 
 Tem sido esta a orientação uniformemente seguida por este Tribunal, desde o 
 referido acórdão n.º 39/88 (vide os acórdãos n.º 605/92, em ATC, 23.º vol., pág. 
 
 585, n.º 452/95, em ATC, 31.º vol., pág. 135, n.º 85/2003, em ATC, 55.º vol., 
 pág. 509, n.º 148/2004, em 58.º vol., pág. 731, e n.º 144/2005, no D.R., II 
 Série, de 14-6-2005). 
 
 
 E, não ignorando as vozes que pugnam por uma equiparação dos critérios 
 indemnizatórios da nacionalização e da expropriação (vide JOÃO PAULO CANCELLA DE 
 ABREU, em Anotação ao acórdão n.º 39/88, em O Direito, Ano 121.º (1989), vol. IV, 
 pág. 831-837, OLIVEIRA ASCENSÃO, em ?Estudos sobre expropriações e 
 nacionalizações?, pág. 227 e seg., da ed. de 1989, da Imprensa Nacional, FREITAS 
 DO AMARAL e ROBIN DE ANDRADE, em ?As indemnizações por nacionalização em 
 Portugal, na R.O.A., Ano 49.º (1989), vol. I, pág. 5 e seg., RUI MEDEIROS, em ?Ensaio 
 sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos?, pág. 288-290 e 
 
 346, da ed. de 1992, da Almedina, RUI GUERRA DA FONSECA, em ?Comentário à 
 Constituição Portuguesa?, II vol., pág. 278-280, da ed. de 2008, da Almedina, e 
 MANUEL NOGUEIRA DE BRITO, em ?A justificação da propriedade privada numa 
 democracia constitucional?, pág. 1049-1050, da ed. de 2007 da Almedina) 
 entendemos que tal orientação é reiterar, pois mantém plena validade. 
 
 
 
 2.2. O Decreto-Lei n.º 280-C/75 de 5 de Junho, ponderando ?a grande importância 
 estratégica do sector dos transportes, quer no plano económico, quer no plano 
 político, e a necessidade de reestruturar e recuperar o sector dos transportes?, 
 procedeu à nacionalização de dezenas de empresas que operavam no sector dos 
 transportes colectivos de passageiros, entre as quais as empresas do chamado 
 grupo ?Claras?. 
 
 
 Nos termos referidos pelo n.º 2 da declaração preambular ?esta medida insere-se 
 na política de controle dos sectores básicos da economia pelo Estado, no sentido 
 de prosseguir na via da concretização de uma política colocada ao serviço das 
 classes trabalhadoras?. 
 
 
 O artigo 2.º, do referido Decreto-Lei, determinou que o Estado pagaria ?às 
 entidades privadas titulares de acções ou quotas representativas do capital 
 social das empresas nacionalizadas, contra a entrega dos respectivos títulos, 
 uma indemnização a definir, quanto ao montante, prazo e forma de pagamento, em 
 diploma a publicar?, uma vez que só ?uma análise ulterior mais detalhada 
 permitirá determinar com justeza as formas e os montantes da indemnização a 
 fixar para o capital pertencente ao domínio privado?. 
 
 
 Depois do Conselho da Revolução ter emitido um primeiro diploma sobre esta 
 matéria que ficou a aguardar regulamentação (o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de 
 Junho), a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, que 
 veio dispor sobre os termos e condições em que deveriam ser indemnizados os ex-titulares 
 de direitos sobre as empresas nacionalizadas após o 25 de Abril de 1974. 
 
 
 Segundo o artigo 18.º deste diploma, as indemnizações deveriam ser pagas, em 
 regra, mediante a entrega pelo Estado ao respectivo titular de títulos de dívida 
 pública de montante igual ao da indemnização fixada, o que se traduz no 
 cumprimento da obrigação de indemnização através da dação em pagamento daqueles 
 títulos. 
 
 
 Estes títulos de dívida pública correspondiam a obrigações ao portador 
 respeitantes a um empréstimo interno, amortizável, denominado ?Obrigações de 
 Tesouro, 1977 ? Nacionalizações e expropriações? exclusivamente destinado a ocorrer 
 ao pagamento de indemnizações por força de nacionalizações e expropriações, 
 estando o serviço deste empréstimo confiado à Junta do Crédito Público (artigo 
 
 26.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 80/77). 
 
 
 Estes empréstimos, nos termos do quadro anexo referido no artigo 19.º, da Lei n.º 
 
 80/77, encontravam-se escalonados por classes (I a XII), tendo como critério 
 distintivo o valor da indemnização atribuída, às quais correspondiam diferentes 
 períodos de diferimento, prazos de amortização e taxas de juro. Quanto maior 
 fosse o montante da indemnização fixada, tanto mais longo seriam os prazos de 
 diferimento e de amortização e menor a taxa de juro remuneratória, 
 correspondendo à classe XII, que abrangia os montantes indemnizatórios acima de 
 
 6.050.000$00, um prazo de diferimento de 5 anos, um prazo de amortização de 23 
 anos e uma taxa de juro anual de 2,5%. 
 
 
 As taxas de juro venciam-se desde a data da nacionalização, sendo capitalizados 
 os juros vencidos até à data da emissão das obrigações destinadas ao pagamento 
 das indemnizações provisórias e pagos anualmente os vencidos a partir dessa data 
 
 (artigo 24.º, da Lei n.º 80/77). 
 
 
 As obrigações eram transaccionáveis na Bolsa de Valores (artigo 26.º, da Lei n.º 
 
 80/77) e eram mobilizáveis pelo titular originário ou, em caso de morte, os seus 
 herdeiros, para diferentes e relevantes finalidades, sendo o seu valor 
 actualizado à taxa de juro correspondente à da classe I, que era de 13% ao ano (artigo 
 
 29.º, n.º 1, do Lei n.º 80/77). 
 
 
 Os fins da mobilização das obrigações entregues para pagamento das indemnizações 
 podiam ser os seguintes: 
 
 
 
 - Para pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização pelo titular do 
 direito à indemnização perante a Caixa Geral de Aposentações ou outras 
 instituições de previdência, o Fundo de Desemprego ou instituições de crédito (artigo 
 
 31.º, da Lei n.º 80/77, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80); 
 
 
 
 - Para caucionar operações de crédito para investimento produtivo e saneamento 
 financeiro, especialmente para investimentos integrados em contratos de 
 viabilização e contratos de desenvolvimento para a exportação (artigo 32.º, da 
 Lei n.º 80/77, na redacção dada pela Lei n.º 36/81); 
 
 
 
 - Para investimento produtivo ou para saneamento financeiro de empresas (artigo 
 
 33.º, da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, alterado pela Lei 
 n.º 36/81); 
 
 
 
 - Para aquisição de participações no sector empresarial do Estado susceptíveis 
 de alienação (artigo 34.º, da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, 
 alterado pela Lei n.º 36/81); 
 
 
 
 - Para pagamento de impostos directos referentes a obrigações fiscais nascidas 
 antes de 1 de Janeiro de 1977 e correspondentes encargos (artigo 30.º, da Lei n.º 
 
 80/77); e 
 
 
 
 - Para aquisição de habitação própria (mais precisamente: como meio de pagamento 
 da entrada inicial ou das prestações de amortização referentes à aquisição ou 
 construção de habitação própria, quando financiada por instituições de crédito, 
 Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência) (artigo 35.º, 
 da Lei n.º 80/77). 
 
 
 A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, não fixou um prazo específico para a entrega 
 dos referidos títulos de dívida pública, pelo que a mesma era imediatamente 
 exigível após se mostrar fixada a respectiva indemnização provisória, sendo 
 certo que o artigo 9.º, daquele diploma determinava que ?dentro de 60 dias a 
 contar da presente lei, o Ministro das Finanças fixará, por despacho publicado 
 no Diário da República, o valor provisório das acções ou partes de capital das 
 empresas nacionalizadas?(n.º 1) e ?nos trinta dias seguintes à publicação do 
 despacho referido no número precedente a Junta do Crédito Público apurará o 
 valor provisório da indemnização a atribuir a cada interessado? (n.º 2). 
 
 
 
 2.3. Na sentença recorrida sustentou-se que a longa duração da soma dos prazos 
 de diferimento e de amortização, conjugada com a baixa taxa de juros fixa, 
 constantes do quadro anexo referido no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 80/77, de 
 
 26 de Outubro, face aos índices de inflação entretanto verificados, determinou o 
 recebimento de indemnizações irrisórias, devendo, portanto afastar-se, por 
 inconstitucionalidade, a aplicação de tais critérios normativos. 
 
 
 
 É uma posição que tem apoios doutrinários (v.g. Oliveira Ascenção, na ob. cit., 
 pág. 254-255), mas que este Tribunal tem rejeitado em sucessivos acórdãos (vide 
 os acima referidos acórdãos n.º 39/88, 85/2003, 148/2004 e 144/2005) 
 
 
 Para a resolução desta questão é importante realçar que se é problemática a 
 ponderação da capacidade financeira do Estado como entidade indemnizante para se 
 ajuizar da razoabilidade da indemnização fixada, já relativamente à forma de 
 pagamento dessa indemnização é perfeitamente legítimo que esse elemento tenha um 
 papel decisivo na sua determinação, nomeadamente justificando o recurso ao 
 pagamento em títulos de dívida pública, o qual corresponde a uma dação em pagamento 
 imposta por lei como forma de extinção da obrigação indemnizatória (vide, neste 
 sentido, SOUSA FRANCO, em ?As indemnizações e as privatizações como instituto 
 jurídico-financeiro?, em ?Direito e Justiça?, vol. V (1991), pág. 123-125). 
 
 
 No entanto, quando se utiliza esta forma de cumprimento da prestação 
 indemnizatória devida por um acto de nacionalização, se é justificado que o 
 regime dos títulos entregues em substituição do dinheiro reflicta as específicas 
 dificuldades do Estado em solver aquela obrigação, não pode do mesmo resultar a 
 atribuição duma indemnização irrisória ou manifestamente irrazoável. 
 
 
 A avaliação desta exigência constitucional deve ser feita perante esse regime 
 legal reportada ao momento previsto para a entrega dos títulos de dívida pública, 
 e não a um momento posterior, nomeadamente a data da amortização desses títulos, 
 em que o valor real destes já foi influenciado pelo evolução superveniente do 
 mercado económico financeiro. A indemnização pela nacionalização não é paga com 
 a amortização dos títulos, mas sim com a entrega destes ao seu titular. 
 
 
 Ora, a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, visou atribuir indemnizações relativamente 
 
 à maior parte das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril de 1974, as 
 quais abrangeram as principais empresas dos sectores mais importantes do tecido 
 económico nacional (vide, dando nota de todas as operações de nacionalização 
 realizadas no período que decorre entre 15 de Maio de 1974 e 29 de Julho de 1976, 
 FERNANDO JOSÉ BRONZE, em ?As indemnizações em matéria de nacionalizações?, na R.D.E., 
 Ano II, n.º 2, pág. 478 e seg.), sendo notória a incapacidade financeira do 
 Estado para assegurar num curto ou médio prazo o pagamento das respectivas 
 indemnizações. 
 
 
 Daí que se tenha justificado plenamente o seu pagamento através do recurso à 
 dação em pagamento de títulos de dívida pública que se traduziam em obrigações 
 ao portador respeitantes a um empréstimo interno. 
 
 
 A fixação de prazos de amortização, que relativamente às indemnizações de 
 montante mais elevado (superiores a 6.050.000$00), atingiam 23 anos, com um 
 período de 5 anos de diferimento, se dificultavam a possibilidade dos titulares 
 dessas indemnizações receberem num curto prazo a respectiva importância dinheiro, 
 não a inviabilizavam, uma vez que aqueles títulos eram livremente transacionáveis 
 e podiam ser mobilizados para determinadas finalidades, nem, só por si, punham 
 em causa o valor da indemnização atribuída, uma vez que o empréstimo titulado 
 era remunerado. 
 
 
 Na verdade, tendo em consideração o fenómeno da natural desvalorização da moeda 
 numa economia em crescimento, a previsão do pagamento de juros compensatórios é 
 um mecanismo que previne os riscos da fixação de longos prazos de amortização. 
 
 
 O legislador previu o pagamento de taxas de juro fixas diferenciadas, sendo de 2,5% 
 ao ano para as obrigações correspondentes às indemnizações acima de 6.050.000$00. 
 
 
 Na altura, a taxa de inflação no ano de 1976 havia sido de 18,3%, a taxa de 
 desconto do Banco de Portugal era de 13%, e a taxa de juro legal vigente, nos 
 termos do artigo 559.º, do Código Civil, era de 5% ao ano. 
 
 
 Apesar de todas as incertezas que na altura se viviam pode dizer-se que para 
 estes títulos, correspondentes às indemnizações de valor elevado, se fixou uma 
 taxa de juro inalterável inferior às que previsivelmente iriam ser praticadas no 
 mercado monetário e financeiro durante o longo prazo de amortização de tais 
 títulos, o que diminuía, à partida, o valor real destes, pela sua fraca 
 rentabilidade, e, na prática, afectava a sua negociabilidade. 
 
 
 Este efeito negativo foi, porém, minorado pela possibilidade concedida aos 
 titulares de direito de indemnização provenientes de nacionalização de mobilizarem 
 antecipadamente, para diversas finalidades, aqueles títulos pelo seu valor actualizado 
 
 à taxa de juro correspondente à da classe I, que era de 13% ao ano (artigo 29º, 
 n.º 1, da Lei n.º 80/77), não sendo possível concluir que a entrega de tais 
 títulos em substituição do pagamento em dinheiro das quantias indemnizatórias, 
 mesmo relativamente às de montante mais elevado, atento o seu regime, resulte 
 numa degradação das indemnizações para valores irrisórios ou manifestamente 
 irrazoáveis. 
 
 
 Note-se que a circunstância de algumas das hipóteses de mobilização antecipada 
 dos títulos de dívida pública previstas na Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, não 
 terem chegado a ter uma aplicação efectiva, por falta ou por inadequada regulamentação 
 
 (vide, dando nota destas situações, FREITAS DO AMARAL e ROBIN DE ANDRADE, na ob. 
 cit., pág. 30-39) não inutiliza a ponderação daquela possibilidade, pois ela 
 integrava o regime daqueles títulos, devendo qualquer vício neste domínio ser 
 imputado à referida regulamentação ou à sua ausência (vide, neste sentido 
 MARCELO REBELO DE SOUSA, em ?As indemnizações por nacionalização e as comissões 
 arbitrais em Portugal?, na R.O.A., Ano 49.º (1989), vol. II, pág. 450-456). 
 
 
 Assim como a verificação de atrasos significativos na entrega daqueles títulos 
 não pode ter reflexos neste juízo de fiscalização de constitucionalidade dos 
 critérios legais, uma vez que apenas revela uma deficiente aplicação da lei. 
 
 
 Deste modo, ponderando a dimensão dos encargos financeiros resultantes da 
 indemnização dos actos de nacionalização contemplados pela Lei n.º 80/77, o 
 facto dos prazos de amortização e diferimento e das taxas de juro serem 
 diferenciados conforme o montante da indemnização e a possibilidade dos títulos 
 entregues como forma de pagamento das indemnizações poderem ser mobilizados 
 antecipadamente, não é possível concluir que tais prazos e taxas, mesmo 
 relativamente às indemnizações incluídas na classe XII, do quadro anexo à Lei n.º 
 
 80/77, de 26 de Outubro, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma, 
 conduzam à atribuição de indemnizações que se possam considerar irrisórias ou 
 manifestamente irrazoáveis, encontrando-se aqueles critérios abrangidos pela 
 margem de liberdade que o legislador ordinário goza neste domínio. 
 
 
 Do exposto resulta que nem a norma constante do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, 
 de 26 de Outubro, nem a duração dos prazos e o valor das taxas de juro 
 constantes do quadro anexo, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma, 
 violam o disposto no artigo 83.º, da C.R.P. 
 
 
 Por este motivo, deve ser julgado procedente o recurso interposto, ordenando-se 
 a reforma da decisão recorrida em conformidade. 
 
 
 
 * 
 
 
 Decisão 
 
 
 Pelo exposto, decide-se: 
 
 
 a) Não julgar inconstitucional o artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro; 
 
 
 b) Não julgar inconstitucional o quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, 
 para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma. 
 
 
 c) Julgar procedente o recurso, ordenando-se a reforma da decisão recorrida em 
 conformidade. 
 
 
 
 * 
 
 
 Lisboa, 29 de Setembro de 2009 
 
 
 João Cura Mariano 
 
 
 Vítor Gomes 
 
 
 Maria João Antunes 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins 
 
 
 Gil Galvão 
 
 
 Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa) 
 
 
 Carlos Pamplona de Oliveira ? vencido, conforme declaração 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, de acordo com a declaração anexa) 
 
 
 Maria Lúcia Amaral (vencida, em geral, pelas razões constantes da declaração de 
 voto do Senhor Conselheiro Sousa Ribeiro, mas sublinhando o seguinte fundamento: 
 o regime decorrente do quadro anexo à Lei n.º 80/77, para onde remete o art. 19.º, 
 n.º 2, da mesma lei, faz impender sobre o nacionalizado, sem salvaguardas, os 
 riscos inerentes à depreciação monetária. Tanto basta, a meu ver, para que se 
 conclua que ele não assegura a percepção de uma indemnização que cumpra o 
 requisito Constitucional da razoabilidade.) 
 
 
 José Borges Soeiro (vencido, de harmonia, fundamentalmente com a declaração de 
 voto do Ex.mo Conselheiro Sousa Ribeiro para a qual, com a devida vénia, remeto). 
 
 
 Rui Manuel Moura Ramos (Vencido, nos termos da posição assumida no acórdão n.º 
 
 148/2004). 
 
 
 Tem voto de conformidade do Conselheiro Mário José de Araújo Torres 
 
 
 que não assina o acórdão por, entretanto, ter deixado de fazer parte do 
 
 
 Tribunal. 
 
 
 DECLARAÇÃO DE VOTO 
 
 
 Votei vencido essencialmente pelos fundamentos constantes do voto de vencido 
 aposto ao Acórdão n.º 148/04. Em síntese, entendemos que os critérios 
 legistativos constitucionalmente sindicados são manifestamente irrazoáveis, a 
 vários títulos: primeiro, porque os riscos da erosão monetária foram colocados 
 primacialmente sobre titular dos bens nacionalizados, ao ter-se fixado um prazo 
 muito longo de amortização ou de resgate dos títulos e uma taxa fixa de juros de 
 baixo valor; depois porque, não obstante subtrair os bens nacionalizados à 
 economia de mercado, o legislador dotou os títulos de pagamento do valor das 
 nacionalizações de um estatuto jurídico tal que afectou seriamente o seu valor 
 dentro das regras de uma economia de mercado: a mobilização condicionada dos 
 títulos, que foi estabelecida, e não segundo as regras próprias da economia de 
 mercado dos produtos financeiros fez com que o seu valor ficasse brutalmente 
 depreciado. 
 
 
 Benjamim Rodrigues 
 
 
 DECLARAÇÃO DE VOTO 
 
 
 Vencido. 
 
 
 Aderi à solução defendida no projecto apresentado pelo Senhor Conselheiro 
 Joaquim de Sousa Ribeiro que não obteve vencimento. Remeto, por isso, para a 
 declaração de voto do primitivo Relator, cujos fundamentos, no essencial, 
 perfilho, nos termos sucintamente já enunciados na declaração de voto ao Acórdão 
 n.º 85/2003. 
 
 
 Carlos Pamplona de Oliveira 
 
 
 DECLARAÇÃO DE VOTO 
 
 
 A sentença recorrida recusou a aplicação, com fundamento em 
 inconstitucionalidade material, dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, de 25 
 de Outubro (alterada pela Lei n.º 5/84, Lei n.º 36/81 e Decreto-Lei n.º 332/91). 
 
 
 A primeira disposição prevê, basicamente, o pagamento das indemnizações por 
 nacionalização mediante a entrega de títulos de dívida pública; a segunda, 
 integrada por um quadro anexo para que remete, fixa doze classe de títulos, 
 consoante o montante em dívida, a que correspondem específicos prazos de 
 amortização (progressivamente mais longos) e diferenciadas taxas de juro (progressivamente 
 mais baixas). No escalão mais alto, aplicável em 86,54% às indemnizações dos 
 recorrentes, o prazo de amortização é de 28 anos e a taxa de juro de 2,5%. 
 
 
 Considero inteiramente conforme à Constituição (contrariamente à decisão 
 recorrida) a forma de pagamento estabelecida. Mas o seu diferimento no tempo ? 
 em si mesmo, também, de validade não contestável ?, por um prazo muitíssimo 
 longo ? o que, só por si, é problemático, do ponto de vista da garantia de 
 efectividade da indemnização ? imporia a previsão de mecanismos de salvaguarda 
 perante o fenómeno da depreciação monetária. Na sua falta, pode verificar-se uma 
 muito significativa perda de valor do quantum indemnizatório, no momento em que 
 
 é recebido pelos beneficiários, com redução drástica da indemnização, em termos 
 reais. 
 
 
 Esse risco, deixado em aberto pela estatuição normativa, concretizou-se 
 flagrantemente no caso sub judicio, em resultado da muito elevada taxa de 
 inflação verificada no período em questão, por contraponto a uma taxa fixa de 
 remuneração do capital em dívida, de valor várias vezes abaixo das taxas de 
 inflação registadas. De facto, segundo cálculo da sentença recorrida (resposta 
 ao quesito 7, a fls. 1169), os recorrentes, findo o prazo de amortização, 
 receberam 38, 814% do valor nominal da indemnização. O que corporiza uma 
 indemnização que, não sendo ?irrisória?, é ?de valor manifestamente 
 desproporcionado?, por aplicação do próprio critério, a que inteiramente adiro, 
 que o Tribunal sempre tem utilizado. 
 
 
 Nessa medida, pronunciei-me pela inconstitucionalidade do artigo 19.º da Lei n.º 
 
 80/77, e respectivo quadro anexo. 
 
 
 Para mais desenvolvida explicitação da razão de ser desta posição, tomo a 
 liberdade de transcrever um trecho do projecto de acórdão por mim elaborado, 
 como primitivo relator: 
 
 
 
 «A esta luz, a questão decisiva será a de ajuizar se a indemnização recebida 
 pelos recorrentes está ou não dentro dos limites do que pode ainda ser 
 considerado razoável, sem sacrifício desmesurado e injustificado dos interesses 
 patrimoniais afectados com a nacionalização. 
 
 
 Para uma tomada de posição, é de relevo determinante decidir se o que conta é a 
 situação no momento da atribuição da indemnização ou a situação no momento em 
 que ela é efectivamente percebida pelos sujeitos beneficiários. Pois, na verdade, 
 quando se institui um regime de dilação do pagamento, ainda para mais, como no 
 caso dos autos, por um período total extremamente alongado, que chega, no 
 escalão mais alto, aos vinte e oito anos, o objecto da prestação pecuniária que 
 ingressa na esfera do credor pode sofrer, atento o fenómeno inflacionário, uma 
 diminuição muito sensível de valor aquisitivo. Tudo dependerá da previsão, ou 
 não, de adequados mecanismos de compensação. 
 
 
 Ora, não sofre dúvida de que a apreciação que a questão suscita deve se 
 reportada ao segundo momento, aquele em que o titular dos bens nacionalizados 
 passa a dispor do montante pecuniário correspondente à indemnização que lhe foi 
 atribuída. Só o ingresso, na sua esfera, desse valor tem eficácia solutória e 
 extintiva da obrigação estadual de indemnização. A realização de uma prestação 
 diversa da devida, no exclusivo interesse do Estado e decorrente de um acto de 
 exercício do seu poder soberano, tem uma função pro solvendo, não desonerando o 
 devedor. Como se enuncia na epígrafe do capítulo IV da Lei n.º 80/77, os títulos 
 de dívida pública são ?títulos representativos do direito à indemnização?, 
 direito que se conserva e só será satisfeito com o vencimento desses títulos e a 
 prestação aos detentores do valor que eles incorporam. 
 
 
 Saber se esse valor é ou não o bastante para traduzir a indemnização aceitável 
 que os princípios gerais de justiça exigem é a ultima e decisiva questão sobre 
 que urge tomar posição. Dela nos passaremos a ocupar. 
 
 
 A sentença recorrida deu como provado que, tendo em conta a distribuição pelas 
 várias classes de títulos de indemnização, o capital correspondente aos 
 atribuídos aos autores venceu juros a uma taxa média de 3,09%, por um prazo 
 médio, também ponderado, de quase 28 anos. 
 
 
 Comparando essa taxa com a taxa de juro legal, vigente no período em questão, 
 constata-se que ela foi, na maior parte desse período, significativamente 
 inferior, pois aquela taxa, fixada em 5% até Agosto de 1980, subiu depois para 
 
 15%, dessa data até Maio de 1983, tendo depois atingido o máximo de 23%, até 
 Abril de 1987, descendo depois para 15%, até Setembro de 1995. Só a partir de 
 Abril de 1999, baixou dos dois dígitos, para 7%, vigorando, desde Maio de 2003, 
 a taxa de 4%. Tal significa que a compensação remuneratória da privação do 
 capital ficou bastante aquém do que, numa avaliação em abstracto, o legislador 
 entendeu que, em geral, era adequado ao ressarcimento das perdas sofridas pelos 
 credores com a não disponibilidade imediata do quantitativo monetário a que têm 
 direito. 
 
 
 Por outro lado, mantendo-se essa taxa inalterada durante todo o período de 
 amortização, ela não reflectiu a depreciação monetária ocorrida em tal período. 
 Depreciação que atingiu taxas muito elevadas, sempre na casa dos dois dígitos, 
 até 1991, abeirando-se, no seu pico mais alto (1984), dos 30%. 
 
 
 Somando os dois dados ? taxa remuneratória fixa, mais baixa do que a vigente, em 
 geral, no mercado, por força da lei, e muito inferior à taxa de inflação ? temos 
 que a taxa nominal traduziu-se, em termos reais, numa taxa fortemente negativa. 
 O que equivale a dizer que o capital se degradou, pela erosão provocada por tais 
 dados económicos, levando a que a importância recebida, quando o foi, ?valesse 
 menos? ? significativamente menos ? do que a importância atribuída como 
 indemnização, fosse ela prestada uno actu, no momento em que, pela 
 desapropriação, era devida. 
 
 
 Ora, vimos já que a indemnização por nacionalização não tem que corresponder, na 
 
 íntegra, ao valor efectivo do bem dela objecto. Pode acrescentar-se que os 
 concretos critérios legais de cálculo indemnizatório, constantes, em particular, 
 dos artigos 21.º, 24.º e 28.º da Lei 80/77 e dos artigos 1.º a 8.º do Decreto-Lei 
 n.º 332/91, não merecem censura constitucional, conforme repetidamente decidido 
 por este Tribunal, em jurisprudência referida (e reiterada) na decisão sumária 
 proferida no âmbito deste processo (fls. 1327 e s.). E, neste quadro normativo, 
 o tribunal recorrido entendeu que a indemnização fixada unilateralmente pelo 
 Governo, ainda que correspondente a apenas 43,66% do valor atribuído 
 anteriormente por comissões arbitrais, não era, em si própria, irrisória, pelo 
 que rejeitou o pedido, na parte em que respeitava à condenação do Estado ao 
 pagamento da diferença. 
 
 
 Mas a admissibilidade, sem reservas, destes pressupostos, tem como reverso a 
 aplicação rigorosa do parâmetro da razoabilidade ou da proporcionalidade, o 
 
 único aqui vigente. Há que ?levar a sério? as exigências que dele decorrem, sob 
 pena de se transformar a inaplicação do critério da justa indemnização na 
 legitimação apriorística de qualquer resultado ressarcitório, com um grau de 
 elasticidade valorativa que aquele parâmetro manifestamente não comporta. 
 
 
 Na verdade, se esse critério rejeita uma medida rígida e fixa de indemnização, 
 como única admissível, impõe uma proibição de insuficiência notória, o respeito 
 por um limite mínimo correspondente ao limite do sacrifício exigível ao 
 particular afectado, na prossecução do interesse público que fundamenta a 
 nacionalização. A ultrapassagem desse limite importa a violação de princípios 
 elementares de justiça, a que está sujeita, num Estado de direito, qualquer 
 intrusão dos poderes públicos na esfera dos particulares. 
 
 
 Em nosso juízo, tal ocorreu, no caso dos autos. De facto, em função do montante 
 global a indemnizar, a grande maioria (86,54%) dos títulos atribuídos aos 
 autores ficaram integrados no escalão sujeito às condições mais desfavoráveis, 
 quer quanto ao prazo de pagamento (28 anos), quer quanto à taxa de juro 
 aplicável (2,5%). Trata-se, como facilmente se constata, de um vencimento a 
 prazo muito dilatado (tão dilatado que, só por si, torna problemática a 
 efectividade da reparação) e de uma taxa de juros bastante inferior à taxa legal 
 de remuneração e de carácter fixo, sem indexação à taxa de inflação. Tendo isto 
 em conta, ao montante nominal da indemnização há que deduzir as menos-valias 
 decorrentes da desvalorização da moeda. Ora, esta processou-se, no período em 
 questão, de forma contínua e pronunciada, a uma taxa várias vezes superior à da 
 remuneração do capital em dívida ? retido e usufruído pelo Estado, dele privando 
 o particular. 
 
 
 Conjugando todos estes elementos de valoração, pode concluir-se, mesmo operando 
 aqui, como é devido, com um critério de evidência, que a indemnização, ainda que 
 não irrisória (pelo menos em valor absoluto), acabou por ser manifestamente 
 desproporcionada ao valor dos bens nacionalizados. Ela não era (no momento em 
 que foi atribuída), mas tornou-se (no momento em que foi recebida) 
 excessivamente reduzida, manifesta e desrazoavelmente exígua, em relação ao 
 valor efectivo das participações sociais objecto de nacionalização. Se podia 
 considerar-se, no momento em que foi calculada, aceitável (mas apenas isso), é 
 forçoso concluir que, tendo sido sujeita, pelo decurso do tempo, a uma drástica 
 perda de valor real, ela deixou de o ser, pelo que não satisfaz padrões mínimos 
 de justiça. 
 
 
 Dir-se-á, em contrário, que tal não resulta necessariamente do critério legal de 
 cálculo, só se tendo verificado por força do evoluir do mercado económico e 
 financeiro. A situação de facto poderia, em teoria, ter-se desenhado em sentido 
 diferente, ou até oposto, conduzindo a um resultado perfeitamente consentâneo 
 com aqueles padrões. 
 
 
 Mas o argumento não procede. Na verdade, o que precisamente está em causa é 
 saber se é justo fazer recair sobre o titular dos bens nacionalizados o risco de 
 depreciação monetária ? risco de concretização perfeitamente expectável, nas 
 circunstâncias da época, e de consequências sobremodo gravosas para os titulares 
 activos de obrigações a muito longo prazo. 
 
 
 Ora, há que atentar em que a colocação nesta situação não resultou de uma opção 
 livre dos sujeitos afectados pela nacionalização, mas antes da forma de 
 pagamento imperativamente fixada na lei. Não estamos em face de uma aplicação 
 financeira voluntária, em que faz sentido deixar à auto-responsabilidade do 
 interessado a ponderação do risco trazido por uma taxa de juro fixa. Do que se 
 trata é da sujeição, contra o interesse próprio, e no exclusivo interesse do 
 Estado (para evitar sobrecargas orçamentais e o aumento súbito do défice público), 
 a um regime de pagamento que o protela para uma data longínqua, em relação ao 
 momento de constituição do débito indemnizatório. Tal só seria, no limite, 
 admissível com manutenção, em medida razoável, da eficácia reparadora presente 
 no cálculo inicial, através de resguardos adequados, de cariz compensatório, 
 designadamente no que concerne a correcções adaptativas às taxas de inflação. É 
 
 à omissão completa dessas medidas, ou seja, a uma dada forma de conformação 
 normativa do pagamento das indemnizações, que é imputável o resultado 
 desproporcionado, que a indemnização, quando acaba por ser recebida, traduz. 
 Reflexamente, o critério normativo que a ele conduz não pode ser validado 
 constitucionalmente. 
 
 
 Para esse juízo não releva determinantemente o instrumento jurídico adoptado, de 
 titularização da dívida em obrigações do Tesouro. Ainda que se trate de uma 
 dação em função do pagamento subtraída ao regime comum, porque imposta ao credor, 
 ela seria, em si mesma, ainda compatível com as exigências constitucionais, por 
 atendimento do interesse público subjacente â nacionalização, nas condições em 
 que foi prosseguido. A Constituição não impõe a imediata disponibilidade, pelo 
 titular, da importância monetária objecto da indemnização decorrente de 
 nacionalização, e o desvio à legislação cível não configura, de per si, uma 
 violação constitucional. Esta resulta antes da previsão de um longuíssimo 
 período de amortização e de diferimento a uma taxa de juro baixa e não 
 actualizável, o que conduziu, por conjunção com uma taxa de inflação 
 continuamente muito mais elevada, à significativa redução da indemnização, em 
 termos reais. 
 
 
 Estar o capital em dívida, correspondente ao montante da indemnização, 
 representado por títulos de dívida pública apenas serve de instrumento ao 
 diferimento da prestação monetária a cargo do Estado, mas não é causa necessária 
 do regime de remuneração que, tal como fixado, conduz, esse sim, à depreciação 
 daquele montante. As duas soluções não estão indissoluvelmente interligadas, 
 sendo certo que a obrigação de aceitação de títulos, se associada a uma taxa de 
 juro actualizável pelos valores do mercado e a um regime de mobilização ?aberto? 
 e livre, sem as rígidas condicionantes estabelecidas, não ocasionaria, por si 
 própria, um prejuízo patrimonial significativo aos seus detentores. Essa 
 imposição não se mostra, assim, nem condição necessária, nem condição suficiente, 
 da exiguidade desproporcionada da indemnização, pelo que não pode ser englobada 
 no juízo de inconstitucionalidade que ela suscita. Como esclarece 
 pertinentemente o Acórdão n.º148/2004, ?o que está em causa não é propriamente a 
 forma de pagamento da indemnização, pela entrega de títulos, mas o valor da 
 mesma, pela fixação de classes com prazos de amortização e taxas de juro fixas 
 
 [?]?». 
 
 
 Lisboa, 29 de Setembro de 2009 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro