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Processo n.º 410/09
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
         
 I - Relatório           
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., e recorrido GOP – Gestão 
 de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto, EM, o relator proferiu decisão 
 sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
 
 «[….] 2. O presente recurso vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.04.2009, 
 para apreciação de duas questões.
 A primeira, refere-se à inconstitucionalidade da norma contida no artigo 23.º, 
 n.º 1, do Código do Trabalho, na versão introduzida pela Lei n.º 99/2003, de 27 
 de Agosto (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, da versão introduzida pela Lei 
 n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), conjugada com a norma contida no artigo 32.º, 
 n.º 2, alíneas b) e d), da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (artigo 23.º, alíneas 
 b) e d), do Código de Trabalho de 2009) quando interpretadas com o sentido de 
 que «factos como os que foram invocados pela Autora – concretamente, os 
 descritos nos artigos 34.º a 35.º da Petição Inicial, e interpretados pela Ré, 
 nos artigos 44.º, 45.º e 50.º da sua Contestação − não podem “inserir-se na 
 categoria de factores característicos de discriminação”».
 A segunda questão, respeita à inconstitucionalidade da norma contida no artigo 
 
 23.º, n.º 3, do Código de Trabalho de 2003 (artigos 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código 
 de Trabalho de 2009), conjugada com o artigo 33.º, n.º 1, alíneas a) e c), da 
 Lei n.º 35/2004 (artigos 25.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Trabalho de 2009), 
 quando interpretadas no sentido de que «para fundamentar a discriminação não 
 basta provar que o equiparando do Autor foi contratado para o substituir nas 
 suas funções, já que incumbirá − pretensamente − a este último, ainda, o ónus de 
 prova de que tal actividade contratada fora efectivamente desenvolvida por 
 ambos, em algum momento da execução dos seus contratos».
 Verificando-se que não estão reunidos os pressupostos exigidos para o 
 conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, cumpre proferir 
 decisão sumária, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
 Na verdade, as duas apontadas questões não têm natureza normativa, pois não 
 correspondem a critérios normativos de decisão que, sendo independentes das 
 particularidades do caso concreto, sejam susceptíveis de aplicação genérica. 
 Pelo contrário, o que a recorrente reputa inconstitucional é o juízo de 
 aplicação dos citados preceitos legais ao seu caso concreto.
 Como é sabido, o Tribunal Constitucional apenas se pode pronunciar sobre a 
 inconstitucionalidade de uma norma ou de uma dada interpretação normativa, mas 
 nunca sobre o juízo de aplicação do direito infraconstitucional ao caso 
 concreto.
 Mas ainda que assim não fosse, outra razão obstaria ao conhecimento do objecto 
 do recurso. É que a recorrente não suscitou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa junto do tribunal recorrido. Nas 
 contra-alegações que apresentou no Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente 
 limitou-se a fazer afirmações genéricas, mas em momento algum enunciou, com 
 precisão, uma interpretação normativa para depois a pôr em confronto com a 
 Constituição (cfr. as respectivas conclusões). […]»
 
  
 
 2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
 
 «[…]1.º       A douta Decisão sumária não conheceu do objecto do recurso por 
 duas razões: 
 i) «As duas apontadas questões [introduzidas pela recorrente] não têm natureza 
 normativa, pois não correspondem a critérios normativos de decisão que, sendo 
 independentes das particularidades do caso concreto, sejam susceptíveis de 
 aplicação genérica. Pelo contrário, o que a recorrente reputa inconstitucional é 
 o juízo de aplicação dos citados preceitos legais ao caso concreto»; 
 
  
 ii) «A recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa junto do tribunal recorrido. Nas contra-alegações que apresentou no 
 Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente limitou-se afazer afirmações 
 genéricas, mas em momento algum enunciou, com precisão, uma interpretação 
 normativa apara depois a pôr em confronto com a Constituição (cfr. as 
 respectivas conclusões). » 
 Especificadamente, 
 A)    Quanto à primeira douta objecção crítica colocada: 
 
 2.°   Salvo o devido respeito, não foi feita a melhor aplicação do art.° 78.°-A, 
 n.° 1 LCT, 
 
 3.°   Pois, se por um lado, está em causa saber se os factos descritos nos 
 art.°s 34.° a 53.° da Petição Inicial, e interpretados pela Ré, nos art.°s 44.º, 
 
 45.° e 50.º da sua Contestação podem «inserir-se na categoria de factores 
 característicos de discriminação» previstos nos art.°s 13.° e 59.° n.°1 a) da 
 CRP, mesmo que por analogia, 
 
 3°    Por outro, «dado que a Ré não logrou demonstrar a existência de causa 
 justificativa da diferenciação» (Parte II, p. 3.1 do Acórdão recorrido, destaque 
 nosso), 
 
 4.°   Pelo que se coloca a questão de saber se a diferenciação de tratamento 
 entre trabalhadores de uma mesma Empresa não é já «constitucionalmente 
 censurável se no assentar em justificação e fundamento material bastante, como 
 sempre tem ponderado a jurisprudência constitucional» (Ac. Tribunal 
 Constitucional n.° 464/02). 
 
 5°    Ou seja, tal como sucedeu em outras apreciações (cf, nomeadamente, os 
 doutos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.° 464/02, n.° 402/O 1 e n.° 313/89) 
 cujo objecto de recurso foi conhecido pelo Tribunal Constitucional — justamente, 
 por se entender que os critérios normativos das decisões em crise eram 
 susceptíveis de aplicação genérica —, 
 
 6.°   Também no recurso em causa se veio questionar se a arbitrariedade, a 
 ausência de critérios ou de justificação das diferenciações não ofenderiam já os 
 evidenciados catálogos (legal, constitucional, comunitário e internacional) de 
 factores de discriminação, ou seja, se aquela não fundamentaria já esta última, 
 só assim se harmonizando com aqueles, o sentido interpretativo dado à norma 
 contida no art.° 23.º, n.° 3, do Código do Trabalho de 2003 (art.° 24.°, n.° 1, 
 do Cód. do Trabalho de 2009). 
 B)    Quanto à segunda objecção crítica colocada pela douta Decisão sumária: 
 
 7.°   Salvo o devido respeito, a segunda douta objecção colocada também não 
 revela a melhor interpretação dada ao disposto no art.° 78.°-A, n.° 1 da LCT. 
 
 8.°   Pois, se em primeiro lugar, o douto Acórdão recorrido veio corresponder a 
 uma decisão inesperada no processo, não se mostrando adequado exigir à 
 recorrente um juízo de prognose relativo a essa aplicação, situação evidenciada 
 já no requerimento de interposição de recurso em causa (cf. a nota 12), de 
 resto, tal como tem vindo a ser defendido em jurisprudência recorrente nesse 
 Venerando Tribunal Constitucional. 
 
 9.°   Em segundo lugar, também não deve ser rejeitado o conhecimento do objecto 
 do recurso com base na ideia de que «a recorrente limitou-se a fazer afirmações 
 genéricas» (nas contra-alegações que apresentou no Supremo Tribunal de Justiça), 
 quando é a própria douta Decisão sumária a afirmar — genericamente —, ou seja, 
 sem fundamentar ou especificar que afirmações, artigos ou em que medida, as 
 mesmas não enunciariam uma interpretação normativa confrontável com a 
 Constituição. 
 
 10.º Por último, e pese embora a recorrente tivesse indicado no seu requerimento 
 de interposição de recurso (Parte III), as peças processuais (art.° 75.°-A, 
 parte final, da LCT) onde as questões da inconstitucionalidade haviam sido 
 suscitadas nos autos, o certo é que a douta Decisão sumária nem sequer se 
 referiu à Resposta daquela ao douto Parecer do digno representante do MP junto 
 do STJ (Pontos I a IV, VIII e Conclusão em B). 
 Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser 
 admitido o recurso.»
 
         
 
         3. Notificada a recorrida, esta nada disse.
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do 
 objecto do recurso com dois fundamentos: (i) falta de normatividade das questões 
 que se pretende submeter a julgamento; (ii) incumprimento do ónus de suscitação 
 da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido.
 A reclamante contesta o primeiro fundamento, sustentando a normatividade das 
 questões colocadas e, quanto ao segundo fundamento, invoca o carácter inesperado 
 da decisão recorrida. Acrescenta, ainda, que a decisão sumária reclamada “não 
 fundamenta” (porque faz afirmações “genéricas”) em que medida as afirmações 
 feitas, pela ora reclamante, nas contra-alegações apresentadas ao Supremo 
 Tribunal de Justiça, não enunciam uma “interpretação normativa confrontável com 
 a Constituição”; e, por fim, refere que a decisão sumária não faz qualquer 
 referência à resposta, apresentada, pela ora reclamante ao parecer do 
 representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
 Adiante-se, desde já, que não assiste razão à reclamante.
 No que respeita à falta de normatividade das questões colocadas, a verdade é que 
 a reclamante não logra contrariar o fundamento da decisão, sendo despropositada 
 a invocação dos acórdãos do Tribunal citados no ponto 5.º da reclamação, pois 
 estes versaram sobre normas ou interpretações normativas em sentido próprio. O 
 carácter puramente casuístico − e não normativo − da primeira questão que a 
 reclamante pretende colocar ao Tribunal é, aliás, revelado pela própria 
 formulação que utiliza na presente reclamação (como já antes fizera), a qual não 
 passa sem referência aos factos descritos em determinados artigos da petição 
 inicial e à interpretação que a ré faz dos mesmos em determinados artigos da 
 contestação (cfr. ponto 3.º da reclamação). 
 A que acresce, no que respeita à segunda questão (a que nem alude na presente 
 reclamação), que o reclamante não logrou identificar com precisão o sentido da 
 norma ou interpretação normativa que reputava inconstitucional e que pretendia 
 submeter a julgamento, de modo a que o Tribunal a pudesse enunciar na sua 
 decisão, assim permitindo, caso a viesse a julgar inconstitucional, que os 
 destinatários soubessem qual o sentido da norma que não podia ser utilizado por 
 ser incompatível com a Constituição (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 178/95 
 e 116/02). Só o faz, com enunciação suficientemente adequada, nos artigos 17.º e 
 
 18.º do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – em momento, 
 pois, para tal intempestivo.
 Importa salientar, ainda, que a reclamante entra em contradição: enquanto que no 
 requerimento de interposição do recurso afirmava ter suscitado, perante o 
 tribunal recorrido, as supostas questões de constitucionalidade, indicando as 
 peças processuais relevantes (cfr. ponto 30.º do requerimento), já no ponto 8.º 
 da presente reclamação vem defender que o acórdão recorrido constituiu uma 
 
 “decisão inesperada”, pelo que não se mostrava “adequado exigir à recorrente um 
 juízo de prognose relativo a essa aplicação”. Ou seja, admite, neste segundo 
 momento, não ter cumprido aquele ónus.
 Verifica-se que, não só não estamos perante uma daquelas situações excepcionais 
 em que não era exigível ao recorrente suscitar a questão de constitucionalidade 
 antes da prolação da decisão recorrida, como a ora reclamante, de facto, não 
 suscitou, de forma adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa 
 perante o tribunal recorrido. Nem nas contra-alegações referidas da decisão 
 reclamada, nem na resposta ao parecer do Ministério Público a que alude a 
 presente reclamação. Basta ler estas peças processuais para chegar a tal 
 conclusão. 
 Deve, por isso, manter-se a decisão reclamada.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 3 de Setembro de 2009
 
  
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos