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Processo n.º 324/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
 
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente A.  e recorridos CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 
 B., C., S.A., D., S.A. e E., a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos CMVM – Comissão do 
 Mercado de Valores Mobiliários, B., C., S.A., D., S.A. e E., foi interposto 
 recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, relativamente ao despacho proferido pelo 
 Vice-Presidente, em representação do Presidente Supremo Tribunal de Justiça, em 
 
 07 de Janeiro de 2009 (fls. 56 a 58), nos termos do qual se indeferiu a 
 reclamação de despacho do Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação de Lisboa 
 que rejeitou a admissão de recurso interposto ao abrigo do artigo 754º, do CPC, 
 posteriormente complementado por despacho de outro Vice-Presidente, em 
 representação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 27 de 
 Fevereiro de 2009 (fls. 73 e 74), que rejeitou a arguição de nulidade daquele 
 despacho.
 
  
 O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade das normas 
 
 “invocadas para a prolação dos despachos recorridos” (fls. 86) que – segundo o 
 seu entendimento – correspondem às normas que foram arguidas de 
 inconstitucionais, “na parte XII do requerimento de 15.10.2008” (idem), bem como 
 
 “com o sentido invocado no requerimento de 15.10.2008, parte XI, nºs 1 e 6” 
 
 (fls. 88) ou seja, às normas extraídas dos seguintes artigos:
 
  
 a)                            “artigo 688º, n.º 1, ao fixar de forma definitiva 
 e irremovível a competência para apreciar e decidir sobre a admissibilidade de 
 um recurso” (fls. 10, “ex vi” § 12, a fls. 86);
 b)                            “artigo 688º, nº 3, que manda proferida a decisão 
 sobre a reclamação, no tribunal «a quo», não obriga que este se pronuncie sobre 
 as questões nela postas, designadamente sobre a arguição de nulidades de que 
 enferme o despacho reclamado, nos termos em que o faz o disposto no artigo 668º, 
 nº 4 do mesmo código; e essa omissão de pronúncia não é sancionada nos termos do 
 disposto no artigo 744º, nº 5, do dito código” (fls. 10, “ex vi” § 12, a fls. 
 
 86);
 c)                             “a norma que regula a actividade instrutória a 
 que se refere a 2ª parte do nº 1 do artigo 689º - à revelia das partes” (fls. 
 
 10, “ex vi” § 12, a fls. 86);
 d)                            “nº 2 do artigo 689º segundo a qual a decisão do 
 presidente não pode ser impugnada” (fls. 10, “ex vi” § 12, a fls. 86);
 e)                             “nº 2 do artigo 689º segundo a qual se o 
 presidente manda admitir o recurso não obsta a que o tribunal ao qual o recurso 
 
 é dirigido decida em contrário” (fls. 10, “ex vi” § 12, a fls. 86);
 f)                              “artigo 754º, nº 2, do CPC, com o sentido 
 invocado no requerimento de 15.10.2008, parte XI, nºs 1 a 6, e efectivamente 
 aplicado nos despachos recorridos” (fls. 88)
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 91), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula 
 o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, 
 pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos 
 de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC. 
 Sempre que o Relator verifique que os mesmos não foram preenchidos, pode 
 proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do 
 artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 3. A efectiva aplicação pela decisão recorrida das normas ou interpretações 
 normativas que constituem objecto do recurso de constitucionalidade constitui 
 condição indispensável para que o Tribunal Constitucional possa dele conhecer 
 
 (artigo 79º-C, da LTC). Ora, das decisões recorridas resulta que as 
 interpretações normativas reputadas de inconstitucionais pelo recorrente não 
 foram, na verdade, aplicadas por aquelas, o que impede o conhecimento do objecto 
 do presente recurso.
 
  
 O recorrente pretende que seja aferida a constitucionalidade da norma extraída 
 do n.º 2 do artigo 754º do CPC, “com o sentido invocado no requerimento de 
 
 15.10.2008, parte XI, nºs 1 a 6” (fls. 88), sendo que, nessa sede, tal norma foi 
 concebida nos seguintes termos:
 
  
 
 “6. A norma da 1ª parte do nº 2 do artigo 754º do CPC, interpretada no sentido 
 de ser aplicável a decisões proferidas em 2ª instância que não têm por objecto 
 decisões da 1ª instância, em processo instaurado em 3.2.1999, infringe o 
 disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente no seu 
 artigo 2º, na medida em que nele se consagra a tutela da confiança e da 
 segurança jurídica inerente ao princípio do Estado de direito democrático.” 
 
 (fls. 8)
 
  
 Sucede, porém, que os despachos recorridos não fundamentaram a rejeição da 
 reclamação do despacho que não admitiu o recurso naquele interpretação 
 normativa, mas antes – e exclusivamente – na circunstância de não se encontrarem 
 preenchidos os requisitos de interposição de recurso de agravo para o Supremo 
 Tribunal de Justiça previstos nos n.ºs 2, 2ª parte, e 3 do artigo 754º, do CPC, 
 ou seja, porque:
 
  
 
 “Ora nem se alega que o acórdão de que se pretende recorrer está em oposição com 
 outro, nem tão pouco se fundamenta o recurso em violação de regras de 
 competência absoluta ou na ofensa do caso julgado.
 Ainda não se ataca a decisão por discordância com o valor da causa. Finalmente a 
 questão não pôs termo ao processo.” (fls. 57)
 
  
 Foram estes os verdadeiros fundamentos de rejeição da reclamação. E, como é bom 
 de ver, não correspondem – de modo algum – à interpretação normativa da 1ª parte 
 do n.º 2 do artigo 754º, do CPC, que o recorrente reputa de inconstitucional.
 
  
 Quanto às diversas normas extraídas dos artigos 688º e 689º, ambos do CPC – 
 melhor supra identificadas nas alíneas a) a e) do Relatório –, importa notar que 
 as decisões recorridas também não as aplicaram enquanto “ratio decidendi”. Pelo 
 contrário, logo no despacho de 07 de Janeiro de 2009, o Vice-Presidente, em 
 representação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, alertava para o 
 reduzido âmbito da sua intervenção, excluindo o conhecimento de questões que não 
 dissessem directamente respeito à admissibilidade do recurso anteriormente 
 interposto:
 
             
 
 “Face ao teor da reclamação que nos foi apresentada adianta-se desde já que os 
 poderes de cognição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação 
 da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso, limitam-se, nos 
 termos dos arts. 688.º e 689.º do CPC, à pronúncia sobre a sua admissibilidade; 
 dai, e por estranhos a esses poderes, não se tomar conhecimento das demais 
 questões suscitadas.” (fls. 56)
 
  
 E – note-se –, mesmo após requerimento de arguição de nulidade daquele despacho, 
 através da qual o ora recorrente invocava uma omissão de pronúncia quanto a tais 
 questões, o Vice-Presidente, em representação do Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça teve oportunidade de esclarecer, através do despacho de 27 de 
 Fevereiro de 2009, que a não apreciação de tais questões não era configurável 
 como “omissão de pronúncia”, uma vez que, naquele sede, apenas poderia 
 conhecer-se de questões relativas à admissibilidade do recurso:
 
  
 
 “Na apreciação do requerimento agora apresentado, a única questão de que cabe 
 conhecer é a suscitada no ponto II, ou seja, a da nulidade imputada ao despacho 
 que indeferiu a reclamação, por omissão de pronúncia.
 
 (…)
 A competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quando aprecia as 
 reclamações, nos termos dos arts. 688.º e 689.º do CPC, apenas se cinge às 
 questões da admissibilidade e da retenção do recurso.
 E mesmo nessas exceptuam-se aquelas cujo conhecimento fique prejudicado pela 
 solução dada a outras (arts. 660.º, n.º 2 e 666.º, n.º 3, ambos do CPC); daí, 
 uma vez que o recurso foi interposto ao abrigo do n.º 1 do art.º 754.º do CPC, e 
 ao entender-se no despacho questionado, que este preceito apenas delimita o 
 
 âmbito do recurso de agravo, houve necessidade de invocar os requisitos exigidos 
 pelo art. 754.º, n.º 2, 2ª parte e 3 do CPC (não alterados pelo Decreto-Lei n.º 
 
 375-A/99, de 20.09) para depois se concluir que a situação dos autos não cabia 
 em nenhuma das excepções aqui contidas.
 Por este motivo, não se tomou conhecimento da questão posta no ponto 6 da 
 reclamação.
 Houve assim pronúncia sobre todas as questões necessárias à decisão da 
 reclamação.” (fls. 73 e 74)
 
  
 Do exposto, resulta que os despachos recorridos nunca aplicaram efectivamente as 
 interpretações normativas reputadas de inconstitucionais pelo recorrente, tendo 
 fundado, a título exclusivo, a rejeição da reclamação deduzida nas normas 
 extraídas da 2ª parte do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 754º do CPC. 
 Independentemente da questão relativa a uma alegada (e pretendida) omissão de 
 pronúncia, certo é que tais decisões não aplicaram tais interpretações 
 normativas, pelo que o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes para 
 sindicar, em sede de recurso de constitucionalidade, o juízo subjacente à opção 
 aplicativa seguida pelo tribunal “a quo”.
 
  
 Como tal, em função do previsto no artigo 79º-C, da LTC, por as normas invocadas 
 pelo recorrente não terem sido aplicadas como “ratio decidendi” das decisões 
 recorridas, fica impedido este Tribunal de conhecer do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, veio o recorrente apresentar o seguinte 
 requerimento:
 
  
 
 «1. No requerimento de interposição do recurso, de 16.3.2009, o recorrente 
 apresentou denúncia crime contra os autores dos despachos recorridos, e reiterou 
 denúncia crime já apresentada nos autos da Reclamação, contra a Relatora no 
 processo de que ela emerge.
 
 2. Tal denúncia foi transmitida ao Ministério Público por efeito da decisão 
 proferida no mesmo despacho em que foi admitido o recurso, isto é, o despacho de 
 
 22.4.2009. 
 
 3. Por força do disposto no artigo 97° do CPC, também aplicável ao presente 
 recurso ex vi o disposto no artigo 69° da LTC, o Relator podia/devia sobrestar 
 na decisão sobre o recurso, ou decidir a questão crime que passou a ser objecto 
 de acção penal por efeito das supra referidas denúncias. Na verdade, dispõe-se 
 no nº 2 daquele artigo 97º, que, caso a suspensão da instância fique sem efeito, 
 o juiz da acção decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz 
 efeitos fora do processo em que foi proferida Sobre esta obrigação legal de 
 decidir a questão criminal prejudicial, escreveu o Prof. Alberto dos Reis: 
 suponhamos que o juiz não ordena a suspensão: não obstante a existência da 
 questão prejudicial de natureza criminal deixa seguir o processo. Isto significa 
 que se propõe decidir, ele próprio, a questão prejudicial (cf. Comentário ao 
 Código de Processo Civil, 1960, Vol. 1º, p.288). Sobre o poder/dever de 
 sobrestar na decisão, até que o tribunal competente se pronuncie, escreveu o 
 Prof. Antunes Varela: Quando, porém, a decisão a proferir na acção dependa da 
 resolução prévia de uma questão do foro criminal (questão prejudicial), o 
 tribunal da causa (civil) pode e deve, em princípio, fazê-lo, atento o interesse 
 que reveste a resolução da questão prejudicial pelo tribunal competente em razão 
 da matéria (cf. Manual de Processo Civil, 2 edição, pp 22 1/2).
 
 4. Dispõe-se no artigo 78°-B, n° 1, da LTC, que compete ao Relator declarar a 
 suspensão da instância quando imposta por lei. Ora, na citada interpretação do 
 Prof. Antunes Varela, sobre a letra do artigo 97° do CPC, a suspensão da 
 instância até que se resolva uma questão prejudicial de natureza criminal é 
 imposta pela lei. Assim, o que o Recorrente esperava fosse decidido pelo Relator 
 no Tribunal Constitucional, era a suspensão da instância até que fossem 
 decididas as questões criminais prejudiciais resultantes das denúncias 
 apresentadas nos autos e que o despacho de 22.4.2009 ordenou fosse transmitida 
 ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 245° do Código 
 de Processo Penal (CPP).
 
 5. As questões criminais ora em investigação no Ministério Público, são, 
 efectivamente, prejudiciais relativamente ao objecto do recurso de 
 constitucionalidade, e são, no processo cível, determinantes da
 a) invalidade/inexistência jurídica/nulidade das decisões recorridas,
 b) do próprio sentido das normas aplicadas nas decisões recorridas,
 c) da inconstitucionalidade desse sentido. 
 
 6. Sumariando aqui, os factos integrantes das denúncias crimes apresentadas nos 
 autos, recorda-se:
 a) As partes nos autos de recurso que subiu à Relação de Lisboa, em 29.9.2003, 
 de que emergem a Reclamação e o Recurso, são apenas, A. e COMISSÃO DO MERCADO DE 
 VALORES MOBILIÁRIOS;
 b) Em 9.2.2006, um terceiro denominado BANCO F., S.A., sem sequer requerer a sua 
 admissão nos autos de recurso, “aparece” neles, a deduzir oposição às pretensões 
 do A.;
 c) Tal conduta abusiva do dito Banco e do seu mandatário foi objecto de 
 impugnação do A.;
 d) A impugnação do A.  não foi objecto de decisão expressa;
 e) O abuso consentido ao dito terceiro continuou a verificar-se;
 f) A omissão de decisão sobre a impugnação do A. à ilícita intervenção do dito 
 terceiro, nos autos do recurso de agravo, foi objecto de arguição de nulidade 
 processual por omissão de acto imposto por lei — a pronúncia sobre os factos do 
 dito terceiro;
 g) As decisões proferidas na Relação sobre questão que só se pôs nessa instância 
 
 — isto é, que não têm por objecto decisões da ia instância — não se encontram 
 abrangidas pelo disposto no artigo 754°, nºs 2 e 3, do CPC;
 h) O recurso interposto de tais decisões, é, na jurisprudência e na doutrina, 
 designado de agravo novo por contraposição ao agravo continuado previsto no 
 artigo 756° do mesmo código;
 i) Esta questão de direito processual é de fácil resolução: invocar o disposto 
 nos nºs 2 e 3 do artigo 754° do CPC, para impedir o acesso do Recorrente ao STJ, 
 constitui acto consciente contra direito para prejudicar o Recorrente e 
 beneficiar o terceiro que abusivamente “apareceu” nos autos, apenas na Relação, 
 e que tem gozado dos “favores” desta e dos Vice-Presidentes do Supremo Tribunal 
 de Justiça;
 j) A invocação das normas dos nºs 2 e 3 do artigo 754° do CPC, manifestamente 
 inaplicáveis segundo a lei, a jurisprudência e a doutrina, no seu sentido 
 literal, são invocadas nas decisões recorridas em termos subsumíveis ao disposto 
 no artigo 369°, nºs 1 e 2, do Código Penal, e 204° da Constituição, como 
 critério decisório inovador. 
 
  
 
 7. A decisão sobre a alternativa prevista no artigo 97° do CPC, não pode deixar 
 de ser tomada antes de qualquer outra que tenha por objecto o requerimento de 
 interposição do recurso, e não pode, essa decisão, deixar de ser notificada ao 
 recorrente para os devidos efeitos legais. Assim, a omissão destes actos é 
 cominada de nulidade pelo disposto no artigo 20 1°, n° 1, do CPC, e determinante 
 de anulação dos termos subsequentes. Pelo que, o Recorrente REQUER ao Relator, o 
 suprimento dessa nulidade e a anulação dos termos subsequentes.
 
 8. Cautelarmente, o Recorrente, ora Arguente de nulidade processual, sublinha, 
 com a devida vénia, que o presente requerimento não constitui reclamação contra 
 
 “decisão sumária”, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 78°-B da LTC, e argui 
 a inconstitucionalidade da norma que dele se possa extrair no sentido de que o 
 Relator pode “convolar” uma reclamação de nulidade processual deduzida ao abrigo 
 das competências legais do Relator, em reclamação para a conferência, por tal 
 norma infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, 
 designadamente nos seus artigos 1°, 2°, 20°, nºs 1 e 4, e 203°. Com efeito, essa 
 norma viola o princípio da autonomia privada que radica no respeito pela 
 dignidade da pessoa humana, e de que deriva o princípio do dispositivo vigente 
 em processo civil e no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 das normas.» (fls. 115 a 117)
 
  
 
 3. O recorrido Banco F., S.A., notificado do referido requerimento, veio 
 responder-lhe nos termos seguintes: 
 
  
 
  
 
 «1
 O Recorrido, louva-se na decisão sumária proferida pela Exma. Conselheira 
 Relatora. Com efeito, 
 
 2
 Tal decisão é clara e isenta de qualquer dúvida — o objecto do Recurso 
 interposto pelo Recorrente, é insusceptível de ser conhecido pelo Tribunal 
 Constitucional, visto que a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, não 
 foi aplicada como fundamento das decisões recorridas. 
 
 3
 Não se vislumbra qualquer omissão de pronuncia sobre as questões suscitadas pelo 
 Recorrente no seu Recurso, o qual também versa sobre alegada omissão de 
 pronúncia que, tal como muito bem decidido na decisão sumária em causa, é 
 insusceptível de ser apreciada em sede de recurso de constitucionalidade. 
 
 4
 O requerimento ao qual se responde, é mais um reprovável expediente dilatório, 
 tendente a obstar ao trânsito em julgado de decisões que são manifestamente 
 desfavoráveis ao Recorrente.»
 
             
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Apesar de dirigir expressamente o requerimento de fls. 115 a 117 à Relatora 
 dos presentes autos, afigura-se evidente que o recorrente apenas pretende 
 colocar em crise a própria decisão sumária proferida, invocando uma pretensa 
 nulidade da mesma (a saber: a alegada omissão de declaração da suspensão da 
 instância, por força do artigo 97º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º, da 
 LTC). Ora, ao contrário do que sucede em processo civil, o n.º 3 do artigo 78º-A 
 da LTC determina que o único meio admissível de impugnação das decisões sumárias 
 
 é a reclamação para a conferência. Tal não significa que, nessa sede, os 
 recorrentes não possam invocar quaisquer nulidades que entendam ter sido 
 praticadas pelo Relator, mas apenas que a apreciação de tais fundamentos de 
 impugnação devam ser apreciadas por um colectivo formado pelo Relator, pelo 
 Presidente ou Vice-Presidente e por outro juiz da respectiva secção.
 
  
 Este tem sido, aliás, o entendimento unânime do Tribunal Constitucional que, 
 para além, de proceder, invariavelmente, à apreciação de alegadas nulidades, em 
 sede de reclamação (a título de exemplo, vejam-se os Acórdãos n.º 431/2000, n.º 
 
 135/2003, n.º 26/2004, n.º 67/2004, n.º 367/2004, n.º 65/2006, complementado 
 pelo Acórdão n.º 282/2006, e n.º 283/2006, disponíveis in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), já teve mesmo oportunidade de frisar que a sede 
 própria para discussão de alegadas nulidades de decisões sumárias proferidas é 
 precisamente a reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do artigo 78º-A, 
 da LTC (assim, ver Acórdãos n.º 541/06 e n.º 709/07, ambos disponíveis in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Assim, sendo restaria saber, face ao uso indevido de um meio processual que não 
 se encontra previsto na lei que rege a tramitação dos recursos perante o 
 Tribunal Constitucional, se a Relatora deveria rejeitar liminarmente tal 
 requerimento – por manifesta ausência de previsão legal – ou se, pelo contrário, 
 tal acto processual poderia ser aproveitado, mediante convolação em reclamação 
 para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 A este propósito, o Acórdão n.º 541/06 já afirmou a seguinte linha de raciocínio 
 que ora se retoma:
 
  
 
 “No caso dos presentes autos, optou‑se, em vez do não conhecimento do “falso 
 pedido de aclaração” com o consequente trânsito em julgado da decisão sumária, 
 pela qualificação do pretenso “pedido de esclarecimento” como “reclamação para a 
 conferência” da mesma decisão, o que ao Tribunal era lícito fazer, já que não 
 está condicionado pela qualificação jurídica feita dessa peça processual pela 
 parte apresentante, em manifesta desconformidade com a sua substância. Trata‑se, 
 no fundo, do cumprimento da regra, emergente do princípio da tutela 
 jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado, que manda privilegiar as 
 decisões de mérito em detrimento das decisões de mera forma, e que corresponde 
 ao dever de os tribunais providenciarem oficiosamente pelo andamento regular e 
 célere do processo (artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – CPC), 
 determinando a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo 
 
 (artigo 265.º‑A do CPC), o que inclui a faculdade de convolação dos meios 
 processuais incorrectamente utilizados (cf., a título de exemplo, o disposto no 
 artigo 688.º, n.º 5, do CPC).
 
             Nesta mesma linha jurisprudencial se inserem, por último, o Acórdão 
 n.º 379/2006, que decidiu tratar como reclamação para a conferência um 
 
 “requerimento de aclaração” de decisão sumária no qual não se apontava nenhum 
 problema de interpretação desta, mas apenas se revelava discordância quanto à 
 afirmação, nela contida, de que não fora definida pelo recorrente qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, e o Acórdão n.º 427/2006, que 
 desatendeu arguição de nulidade do Acórdão n.º 362/2006, arguição fundada em 
 este Acórdão ter decidido como reclamação para a conferência um requerimento 
 designado por “arguição de nulidade” de decisão sumária, referindo o Tribunal 
 que, não obstante tal requerimento não ter sido formalmente designado pelo 
 requerente como “reclamação para a conferência”, a verdade é que, atento o seu 
 conteúdo, era esse o meio processual a que correspondia, sendo, por outro lado, 
 inquestionável, desde logo por força dos princípios da economia e da adequação 
 processuais, que o tribunal que proferiu certa decisão tem o poder‑dever de 
 corrigir a incorrecta qualificação jurídico‑processual de certa pretensão do 
 recorrente, tratando‑a nos quadros da reclamação para a conferência quando, em 
 termos substanciais, apesar de invocadas pretensas ou ficcionadas nulidades, o 
 que se pretende é a pura e simples impugnação da decisão sumária proferida.”
 
  
 Na linha da jurisprudência supra citada, reforça-se que a convolação do 
 requerimento apresentado em reclamação para a conferência insere-se precisamente 
 no pleno exercício dos poderes-deveres constitucionais que foram entregues a 
 este Tribunal e, em especial, do dever de respeito e de implementação do direito 
 de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, necessariamente célere (artigo 
 
 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e que se traduz, no plano infra-constitucional, nos 
 artigos 2º, n.º 1, 265º, n.º 1 e 266º, n.º 1, todos do CPC, aplicáveis “ex vi” 
 artigo 69º da LTC. Deste modo, impõe-se que este Tribunal conheça da questão 
 colocada, mesmo que não tenha sido deduzida – de forma expressa – reclamação 
 para a conferência.
 
  
 
 5. Bem ciente da precedente jurisprudência consolidada neste Tribunal – e, como 
 tal, da inadmissibilidade do pedido que formula, indevidamente dirigido à 
 Relatora nos presentes autos –, o reclamante vem ainda frisar que não pretende 
 que o seu requerimento seja tratado como “reclamação para a conferência”, 
 invocando, “ad cautelam”, a alegada “inconstitucionalidade da norma que dele se 
 possa extrair no sentido de que o Relator pode “convolar” uma reclamação de 
 nulidade processual deduzida ao abrigo das competências legais do Relator, em 
 reclamação para a conferência, por tal norma infringir o disposto na 
 Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 
 
 1°, 2°, 20°, nºs 1 e 4, e 203°” (§ 8., a fls. 117).
 
  
 Vejamos então se tal norma jurídica padece de inconstitucionalidade.
 
  
 Fixando o objecto de apreciação, conforme já supra frisado, a norma jurídica 
 reputada de inconstitucional corresponde à que resulta da interpretação 
 conjugada do artigo 78º, n.º 3, da LTC, e dos artigos 2º, n.º 1, 265º, n.º 1 e 
 
 266º, n.º 1, todos do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, no sentido de 
 que é admissível proceder-se à convolação de um requerimento de arguição de 
 nulidade de decisão sumária dirigido ao Relator que a proferiu numa reclamação 
 para a conferência.
 
  
 Ora, desde logo, é manifesta a improcedência da invocação genérica dos artigos 
 
 1º e 2º da Constituição, dos quais o reclamante retira a contradição entre o 
 princípio da autonomia privada, ínsito na ideia de dignidade da pessoa humana, e 
 a possibilidade de convolação de um requerimento legalmente inadmissível numa 
 reclamação para a conferência, em estrita obediência ao n.º 3 do artigo 78º-A, 
 da LTC. Como é fácil de alcançar, o principio da dignidade da pessoa humana não 
 encerra, de modo algum, um direito a que as partes processuais possam ver 
 apreciados em tribunal – qualquer que ele seja – requerimento cuja 
 admissibilidade se encontra expressamente vedada pela respectiva lei processual. 
 
 
 
  
 Por outro lado, a invocação de uma alegada violação do direito à tutela 
 jurisdicional efectiva (artigo 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP) afigura-se 
 incompreensível. É que, pelo contrário, a convolação de requerimento de arguição 
 de nulidade – legalmente inadmissível – em reclamação para a conferência visa 
 precisamente acautelar que o ora reclamante não ficasse privado de uma decisão 
 de mérito sobre a questão da nulidade processual por si invocada. Ora, na medida 
 em que o requerimento por si apresentado não encontra base legal, qualquer 
 solução que não passasse pela convolação do seu requerimento redundaria, essa 
 sim, numa automática rejeição do seu requerimento – por inexistência de suporte 
 legal –, sem que o Tribunal Constitucional procedesse ao conhecimento do mérito 
 da questão por si colocada.
 
  
 Assim, a interpretação adoptada que extrai da conjugação do artigo 78º, n.º 3, 
 da LTC, e dos artigos 2º, n.º 1, 265º, n.º 1 e 266º, n.º 1, todos do CPC, 
 aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, a possibilidade de convolação do 
 requerimento de arguição de nulidade de decisão sumária em reclamação para a 
 conferência não só não contende com o princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva, como antes o acautela do modo mais intenso e incisivo.
 
  
 Por fim, também não se compreende que o reclamante invoque o artigo 203º da CRP, 
 para colocar em crise a constitucionalidade da interpretação normativa ora 
 acolhida. Não se vislumbra de que modo é que tal interpretação coloca em causa a 
 independência do Tribunal Constitucional – ou de qualquer outro tribunal – e, 
 por outro lado, é precisamente a sujeição deste Tribunal à lei que o impede de 
 conhecer de requerimentos que sejam legalmente inadmissíveis, salvo mediante 
 convolação, já que o único meio processual para impugnar uma decisão sumária é 
 precisamente a reclamação para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A, 
 da LTC.
 
  
 Em suma, para que dúvidas não restem, a interpretação conjugada do artigo 78º, 
 n.º 3, da LTC, e dos artigos 2º, n.º 1, 265º, n.º 1, e 266º, n.º 1, todos do 
 CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, no sentido de que é admissível 
 proceder-se à convolação de um requerimento de arguição de nulidade de decisão 
 sumária dirigido ao Relator que a proferiu numa reclamação para a conferência, 
 não padece de qualquer inconstitucionalidade, razão pela qual se passará a 
 conhecer da única questão que o reclamante aponta como obstáculo ao trânsito em 
 julgado da decisão sumária, ou seja, a sua alegada nulidade.
 
  
 
 6. Afirma então o reclamante que a decisão sumária padece de nulidade, na medida 
 em que o artigo 97º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º, da LTC, e o 
 artigo 78º-B, n.º 1, da LTC, impediria que a Relatora proferisse decisão 
 sumária, sendo aquela obrigada a suspender a instância recursiva “até que fossem 
 decididas as questões criminais prejudiciais resultantes das denúncias 
 apresentadas nos autos e que o despacho de 22.4.2009 ordenou fosse transmitida 
 ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 245° do Código 
 de Processo Penal” (fls. 116).
 
  
 Sucede, porém, que apenas cabe ao Relator “declarar a suspensão da instância 
 quando imposta por lei” (artigo 78º-B, n.º 1, da LTC, com sublinhado nosso). 
 Ora, é por demais evidente que o n.º 1 do artigo 97º, do CPC, aplicável “ex vi” 
 artigo 69º, da LTC, não impõe qualquer dever de suspensão da instância em caso 
 de questão prejudicial de natureza criminal. Pelo contrário, aquele preceito 
 legal limita-se a prever uma faculdade de suspensão da instância (“pode o juiz 
 sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”, com sublinhado 
 nosso), não inibindo a Relatora de proferir decisão sobre a questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 Para além do mais, a questão criminal em causa – a saber, a alegada denegação de 
 justiça por parte do Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação de Lisboa (artigo 
 
 369º, n.º 2, do CP) – nem sequer é configurável como questão prejudicial face 
 aos presentes autos de recurso de constitucionalidade, na medida em que não diz 
 respeito ao sentido normativo que constitui objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade. Razão acrescida para que não houvesse – nem haja – qualquer 
 dever por parte da Relatora nos presentes autos de suspensão da instância, sem 
 que fosse proferida decisão sumária.
 
  
 Como tal, nem sequer seria possível invocar a nulidade da decisão sumária 
 proferida, por pretensa violação do n.º 1 do artigo 201º, do CPC, aplicável “ex 
 vi” artigo 69º, da LTC, na medida em que, nem a lei processual impõe à Relatora 
 um dever de suspensão da instância, nem tão pouco é possível afirmar que a mera 
 denúncia por denegação de justiça, deduzida contra o Juiz-Relator junto do 
 Tribunal da Relação de Lisboa constitua uma verdadeira questão prejudicial 
 relativamente à questão de constitucionalidade apreciada nos presentes autos. 
 Não se verifica, assim, qualquer nulidade da decisão sumária proferida nos 
 autos.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação,
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 
  
 Lisboa, 30 de Julho de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Rui Manuel Moura Ramos