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Processo n.º 606/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
             Acordam, na 3ª Secção, no Tribunal Constitucional
 
  
 
             I. Relatório
 
  
 
 1. O sinistrado A. requereu no Tribunal do Trabalho de Almada, em 25 de 
 Fevereiro de 2009, com fundamento em agravamento das lesões, nova revisão da 
 pensão por acidente de trabalho que lhe havia sido concedida em 9 de Novembro de 
 
 1998 e revista em 5 de Novembro de 2002.
 
             O pedido foi objecto de despacho liminar, proferido em 29 de Maio de 
 
 2009, a autorizar o procedimento do incidente, recusando aplicação à norma do 
 n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Lei dos Acidentes de 
 Trabalho – LAT), que só permite a revisão nos 10 anos posteriores à fixação da 
 pensão, com fundamento em inconstitucionalidade.
 
  
 
             2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório desta decisão, 
 ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da 
 norma a que foi recusada aplicação.
 
  
 
             Neste Tribunal, o Ministério Público apresentou alegações em que, 
 depois de recordar a jurisprudência constitucional a propósito da caducidade do 
 direito de pedir a revisão de pensões por acidentes de trabalho com fundamento 
 em agravamento da incapacidade, conclui nos seguintes termos:
 
  
 
 “1. A norma do n,º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, 
 interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 
 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da 
 pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em 
 agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação 
 inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações 
 da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo 
 sinistrado, é inconstitucional por violação do direito do trabalhador à justa 
 reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
 
 2. Termos em que deveria confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.” 
 
  
 
  
 
             Não houve contra-alegações.
 
  
 II. Fundamentos
 
             3. Com relevância para a questão de inconstitucionalidade, consta da 
 decisão e do conjunto do processo, o seguinte: 
 
  
 
 - Por decisão homologatória proferida em 9 de Novembro de 1998 (a referência que 
 na decisão se faz a 1999 deve-se a mero lapso) foi, com base numa IPP de 6%, 
 fixada ao requerente a pensão anual vitalícia de 39.656$00 (fls. 50 a 53); 
 
 - A pedido do sinistrado procedeu-se à remição da pensão; 
 
 - Em 24 de Janeiro de 2001 o sinistrado apresentou um pedido de revisão da 
 pensão com fundamento em agravamento das lesões (fls. 108); 
 
 - Esse pedido foi deferido por decisão de 5 de Novembro de 2002, tendo-se 
 entendido que a IPP aumentara de 6% para 10% e, consequentemente, fixado a 
 pensão mensal de 26.437$00 a partir de 24 de Janeiro de 2001 (fls. 160); 
 
 - Procedeu-se à remição da “nova” pensão (fls. 172): 
 
 - Em 25 de Fevereiro de 2009, o sinistrado requereu nova revisão, com fundamento 
 em agravamento das lesões. 
 
  
 
             4 O artigo 25.º do novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e 
 doenças profissionais, constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, 
 reproduzindo com ligeiras alterações de pormenor o que constava da Base XXII da 
 Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, dispõe:
 
 “1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado 
 proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que 
 deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou 
 ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações 
 poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a 
 alteração verificada.
 
 2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da 
 fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez 
 por ano, nos anos imediatos.
 
 3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável o 
 disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; 
 mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada 
 ano.”
 
             Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127 e 
 mantidos na Lei n.º 100/97 surgiram da “verificação da experiência médica 
 quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência 
 nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer 
 mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador 
 fixou generosamente em dez anos)” (cf. Carlos Alegre, Regime Jurídico dos 
 Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2.ª edição, Coimbra, 2000, 
 pág. 128).
 
  
 Constitui objecto do recurso a questão de inconstitucionalidade do n.º 2 do 
 artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, interpretada no sentido de 
 consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da 
 data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado 
 por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões 
 sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse 
 prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como 
 provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. 
 
             5. Questão semelhante à que agora se coloca foi apreciada, no 
 domínio da Lei n.º 2127, pelo Acórdão n.º 147/2006 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 64.º vol., p. 669). O Tribunal Constitucional confrontou-se com 
 a compatibilidade da norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 com o direito 
 dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou 
 de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, 
 tendo julgado inconstitucional, por violação deste direito, aquela norma quando 
 
 “interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 
 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da 
 pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em 
 agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação 
 inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido 
 actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões 
 sofridas pelo sinistrado”.
 
             O Tribunal salientou que “na averiguação da conformidade 
 constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na interpretação 
 normativa em apreço, o que está em questão não é qualquer imposição 
 constitucional de uma ilimitada possibilidade de revisão das pensões devidas por 
 acidente de trabalho”, ou seja, não estava “em causa a apreciação de uma 
 eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou de 
 prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por acidente 
 de trabalho seria inconstitucional”. E, após afirmar que “o instituto da revisão 
 das pensões justifica‑se, quer nos casos de pensões por acidentes de trabalho, 
 quer nos casos de pensões por doenças profissionais, pela necessidade de 
 adaptar tais pensões à evolução do estado de saúde do titular da pensão, quando 
 este se repercuta na sua capacidade de ganho”, desenvolveu o aludido Acórdão a 
 seguinte argumentação:
 
 “Assegura‑se assim o direito constitucional do trabalhador à justa reparação – 
 direito previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição –, pois que a 
 revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da 
 fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam, 
 reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram.
 Justificando‑se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões, em atenção à 
 referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do seu titular, 
 o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar algum 
 fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse 
 concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses 
 dez anos.
 Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente – como, aliás, 
 realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a progressão da 
 lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da 
 pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer seja uma 
 doença profissional.
 Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção que 
 considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o 
 sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo 
 preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
 Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não assentar, 
 tal como aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer fundamento 
 racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê o direito 
 dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente 
 de trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59.º, n.º 1, alínea f), 
 da Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face à vítima 
 de doença profissional, no que se refere à reparação.
 Poderia porventura aventar‑se a hipótese de à norma ora em análise estar 
 subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema 
 português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo 
 menos, assentava durante a vigência dessa norma – «numa óptica de 
 responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras» 
 
 (sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças 
 profissionais, veja‑se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas 
 práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, pp. 157‑160).
 Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer fundamento 
 racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do direito do 
 trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério de contenção 
 de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
 Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo ora em análise 
 chegou a sustentar que «seria de todo justo e vantajoso que, em futura alteração 
 da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a possibilidade de revisão» 
 
 (Carlos Alegre, ob. cit., p. 105). Também a propósito de preceito similar da 
 Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor, se defendeu não 
 existirem «razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes de trabalho» 
 
 (Paulo Morgado de Carvalho, «Um olhar sobre o actual regime jurídico dos 
 acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e Desvantagens», 
 in Questões Laborais, ano X, n.º 21, 2003, p. 74 e ss., p. 89).
 Impõe‑se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em apreço – ao 
 considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, 
 contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão 
 devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento 
 superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão 
 de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse 
 prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado 
 como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não tem 
 subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59.º, 
 n.º 1, alínea f), da Constituição.
 Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos 
 trabalhadores à «assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de 
 trabalho ou de doença profissional», não é constitucionalmente aceitável, como 
 refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha 
 
 «fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, 
 inviabilizando‑lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos 
 futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação 
 
 à data fixada na norma objecto do presente recurso», desde que, naturalmente, 
 não se mostre excedido o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por 
 acidente de trabalho ou doença profissional.”
 
  
 
             Juízos de inconstitucionalidade idênticos ao formulado no Acórdão 
 n.º 147/2006, e com adesão à fundamentação neste desenvolvida, foram proferidos 
 no Acórdão n.º 59/2007 e nas Decisões Sumárias n.ºs 390/2008, 470/2008 e 
 
 36/2009, em casos em que, no decurso do prazo de 10 anos após a fixação da 
 pensão inicial, também tinham ocorrido actualizações da pensão inicialmente 
 fixada, na sequência de revisões que demonstraram o agravamento da incapacidade 
 dos sinistrados seus titulares.
 
  
 
             6. As ponderações efectuadas no domínio do anterior regime de 
 revisão das prestações devidas aos sinistrados por modificação da capacidade de 
 ganho são transponíveis para o regime actual. O regime legal mantém-se 
 substancialmente intocado e também, no caso, ocorreu uma revisão intermédia com 
 fundamento em agravamento da incapacidade sobre a qual ainda não decorreram 10 
 anos.
 
             Como se salienta nas alegações do Ministério Público, é para o 
 efeito irrelevante a circunstância de ter ocorrido a remição da pensão 
 anteriormente ao pedido de revisão. É questão já abordada no acórdão n.º 
 
 161/2009, www.tribunalconstitucional.pt, nos seguintes termos, que se 
 acompanham: 
 
  
 
 “Anote‑se, preliminarmente, que a circunstância de, no caso, ter ocorrido 
 remição da pensão previamente à apresentação do pedido de revisão se mostra 
 irrelevante. É que, embora, no domínio da Lei n.º 1942, a jurisprudência se 
 tenha dividido quanto à admissibilidade de revisão de pensões já remidas (cf. 
 José Augusto Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 
 
 2.ª edição, Lisboa, 1983, pp. 118‑119), quer na vigência da Lei n.º 2127, quer 
 na vigência da Lei n.º 100/97, o legislador explicitamente consagrou, nos 
 diplomas regulamentares dessas Leis, a solução de que a remição não prejudica o 
 direito do sinistrado às prestações em espécie, nem o direito a requerer a 
 revisão da sua pensão (artigos 67.º, n.º 1, do Decreto n.º 360/71, de 21 de 
 Agosto, e 58.º, alíneas a) e b), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril)”.
 
  
 
             Assim conclui-se pela confirmação do juízo de inconstitucionalidade 
 constante do despacho recorrido, por violação do direito dos trabalhadores à 
 justa reparação dos acidentes de trabalho.
 
  
 
             III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se: 
 a) Julgar inconstitucional, por violação do direito dos trabalhadores à justa 
 reparação dos acidentes de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea 
 f), da Constituição, a norma do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de 
 Setembro, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo 
 de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a 
 revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento 
 em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a 
 fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido 
 actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões 
 sofridas pelo sinistrado;
 b) Consequentemente, negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão 
 recorrida no que respeita ao juízo de inconstitucionalidade.
 Lx. 27/X/2009
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão