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Processo n.º 709/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A., B., C., D. e marido, E. e marido, F. e marido, G. e H., 
 coligados entre si, e I. e marido J., coligados em outro grupo, todos 
 recorrentes no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade 
 interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que lhes negou a revista, 
 reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária 
 proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do 
 recurso.
 
  
 
             2 – Fundamentando a sua reclamação, diz o primeiro grupo de 
 reclamantes:
 
  
 
 «1. Não há, que se saiba, decisão que expressamente, e com carácter geral, 
 declare que o estatuído no nº 4 do art. 18 17° do Cód. Civil, não é conforme com 
 a CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 
 
 2. Atento isso, e tendo-se em conta não só que, ubi lex non distinguet nec nos 
 distinguire debemos, como também que dura lex est lex, e visto que os Tribunais 
 devem obediência à lei, salvo o respeito devido, que muito é, crê-se que, 
 contrariamente ao mui douto entendimento, vertido na redita decisão sumária, é 
 de conhecer do objecto do recurso. 
 
 3. Tal sucedendo, os cidadãos, em nome de quem os Tribunais administram a 
 justiça, ficarão, de uma vez por todas, a saber, ao certo, se o nº 4 do art. 
 
 1817° do Cód. Civil, não passa, afinal, de letra morta, ficando a coberto dos 
 riscos que as interpretações, todas certamente doutas, mas nem sempre 
 coincidentes, sempre comportam. 
 Termos em que, e mais que doutamente se suprirão, se espera a revogação da 
 redita decisão sumária, com todas as legais consequências, por imperativo de 
 
  
 
             JUSTIÇA!».
 
  
 
             
 
             3 – Por seu lado, o segundo grupo de reclamantes alega:
 
  
 
 «1-    Não têm os ora Reclamantes conhecimento – porventura por insuficiência 
 própria – de algum ACORDÃO (ou DECISÃO equivalente) que haja declarado a 
 inconstitucionalidade do disposto no nº 4 do artigo 1817º do Código Civil. 
 
  
 
 2-      A declaração de inconstitucionalidade de algum dos números do citado 
 artigo não pode implicar que ela produza efeitos em relação aos demais na medida 
 em que, cada um deles, prevê situações distintas e estatui em conformidade com 
 essa distinção. 
 
  
 
 3-      E, salvo o devido respeito por melhor opinião – que sempre será muito – 
 a declaração de inconstitucionalidade não é susceptível de interpretação 
 extensiva ou analógica: haverá que ser expressa e recair sobre a matéria 
 submetida à apreciação pertinente. 
 
  
 
 4-      Daí que, para todos os devidos e leiais efeitos, nomeadamente para a 
 apreciação da matéria em causa em CONFERÊNCIA se dá aqui por reproduzido o teor 
 do Requerimento de interposição de recurso. 
 
  
 
 5-      Só assim se poderá por termo a alguma dúvida que poderá subsistir sobre 
 a (in)constitucionalidade da referida matéria.».
 
  
 
  
 
             4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
 «1 – Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça, encontram-se 
 interpostos, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), dois recursos de 
 constitucionalidade.
 
             Um deles – interposto por I. e marido J. –, “para apreciação da 
 constitucionalidade do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 1817.º do Código 
 Civil”, cuja aplicação consideram ter sido recusada pelo acórdão recorrido.
 
             O outro – interposto por A., B., C., D. e marido, E. e marido, F. e 
 marido, G. e H. –, “com vista à apreciação da constitucionalidade do n.º 4 do 
 artigo 1817.º do Código Civil”, também entendendo que o Tribunal recorrido 
 recusou a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
 
  
 
             2 – A decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 3 de Julho de 2008 – tem o seguinte teor:
 
  
 
 “(...)
 Restam o primeiro e o último dos recursos, ou seja, os recursos de apelação, que 
 têm ambos a ver com uma mesma e única questão, a da pretendida e negada 
 caducidade desta acção, e que podem e devem por isso mesmo ser tratados em 
 conjunto.
 A questão foi colocada pelos réus contestantes de fls. 74 do seguinte modo:
 o investigado RE faleceu em 22 de Setembro de 2002, com 75 anos de idade; 
 a acção de investigação só foi proposta pelo investigante/autor, nascido em 13 
 de Outubro de 1953, em 7 de Junho de 2004; 
 já estava decorrido o prazo do art. 1817º, nº 4 do CCivil;
 
 é de todo em todo irrelevante a prévia instauração da acção de impugnação da 
 perfilhação.
 E pelos réus I. e marido J., que contestaram a fls. 97, assim:
 a acção de investigação deve ser proposta no prazo de dois anos posteriores à 
 maioridade ou emancipação do investigante;
 há décadas que o investigante autor atingiu a maioridade;
 ainda que se pretenda que ele gozava de posse de estado, a acção deveria ter 
 sido proposta no ano posterior ao falecimento do investigado;
 a instauração da acção de impugnação não invalida esta conclusão porquanto 
 deveria, ela mesma, ter sido proposta pelo autor pelo menos no prazo de dois 
 anos após ter atingido a maioridade.
 Respondeu o autor:
 o L., enquanto vivo, sempre tratou o autor como filho;
 em Novembro de 2002, o autor intentou a acção de impugnação de paternidade do 
 seu perfilhante;
 só em 9 de Março de 2004 foi proferida a sentença em tal acção, julgando-a 
 procedente;
 enquanto não foi levada ao registo a procedência dessa acção o autor estava 
 impedido de intentar a acção de investigação;
 só a partir da remoção do obstáculo legal da perfilhação começou a correr o 
 prazo de caducidade da acção de investigação.
 No despacho saneador a 1ª instância julgou improcedente a excepção, 
 
 «corroborando na íntegra a tese do A.  com fundamento em que  não se verifica a 
 caducidade da acção de investigação de paternidade se, mesmo tendo cessado o 
 tratamento como filho há mais de um ano, existindo registo inibitório, foi a sua 
 anulação requerida até ao termo do prazo para propor aquela acção».
 Colocada perante o problema com o primeiro recurso de apelação, a Relação de 
 Guimarães, no acórdão agora sob análise,
 chamando a atenção para a «evolução do quadro jurisprudencial e doutrinal 
 ocorrida na pendência da causa» e especificamente para a «declaração, com força 
 obrigatória geral, da inconstitucionalidade da referida norma  o nº 1 do art. 
 
 1817º do CCivil  o que veio a ser feito pelo Ac. nº 23/2006, de 10 de Janeiro de 
 
 2006, publicado no DR, I série-A de 8/2/06», e considerando que «a tese acolhida 
 da imprescritibilidade na investigação da paternidade (ou maternidade) 
 necessariamente conduz à conclusão de que  fica igualmente prejudicado o prazo 
 de caducidade estabelecido no nº 4 do mesmo artigo», decidiu – sem mais – pela 
 improcedência desse recurso de apelação.
 Ou seja, a evolução doutrinal e jurisprudencial ocorrida de 1998 até aos dias de 
 hoje, 
 e que culminou no acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, de 10 de 
 Janeiro de 2006, publicado no DR, I-A, de 8 de Fevereiro com a declaração da 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 
 do art. 1817º do CCivil, aplicável por força do art. 1873º do mesmo código, na 
 medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, 
 um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das 
 disposições conjugadas dos arts. 16º, nº 1, 36º, nº1 e 18º, nº 2 da Constituição 
 da República Portuguesa, 
 conduziu a que o Tribunal da Relação chegasse directamente à improcedência da 
 excepção de caducidade, dispensando-se da abordagem inicial da questão, centrada 
 nos efeitos e consequências da perfilhação registada do autor como filho de 
 outrem que não o investigado Rui Argentino e da propositura da acção de 
 impugnação dessa perfilhação logo em Novembro de 2002. 
 Faz sentido, faz todo o sentido, porquanto seja qual for a posição que se 
 adoptasse antes do culminar dessa evolução doutrinal e jurisprudencial quanto à 
 questão de saber quais os efeitos da propositura da acção de impugnação da 
 perfilhação inibitória no prazo registado para propor a acção de investigação – 
 ou a assumida no despacho saneador ou a inscrita no acórdão da RC de 13 de 
 Outubro de 1998, CJ, T5, pág.5, aliás subscrita pelo ora Relator – é preciso 
 repensar hoje a questão à luz daquilo que, com força obrigatória geral, foi 
 considerado inconstitucional pelo acórdão TC nº 23/2006.
 E então é preciso dizer que, se bem que este acórdão se tenha limitado a julgar 
 inconstitucional o nº 1 do art. 1817º (aplicável à investigação de paternidade 
 por força do que dispõe o art. 1873º), a verdade é que acentua claramente a 
 ideia da imprescritibilidade das acções de reconhecimento de um estado pessoal, 
 por um indeclinável respeito pelo direito fundamental à identidade pessoal 
 consagrado no nº 1 do art. 26º da Constituição da República.
 Ora a procura da identidade pessoal passa não apenas pela eliminação de uma 
 paternidade que não é mas também pelo reconhecimento do pai cujo seja.
 Não é concebível, 
 em termos do respeito pela Constituição, em termos de garantia desses direitos 
 fundamentais à identidade pessoal, à integridade pessoal, ao desenvolvimento da 
 sua personalidade, que a Constituição consagra e o acórdão nº 23/2006 acentua, 
 que a lei preveja a possibilidade de impugnar uma paternidade registral e não 
 consinta, de seguida, que se investigue a paternidade real atropelada pelo 
 registo não correspondente à realidade biológica.
 De modo que se – como dispõe o art. 1859º, nºs 1 e 2 do CCivil – a perfilhação 
 que não corresponde à verdade é impugnável em juízo a todo o tempo ... pelo 
 perfilhado, o máximo da restrição constitucionalmente admissível a um tal 
 direito seria, para a pessoa que quer não apenas eliminar o pai que não é mas 
 também buscar o pai cujo seja, aquela que limitasse o seu exercício ao tempo em 
 que a acção de investigação poderia ser proposta, começando a correr a partir do 
 trânsito da respectiva decisão o prazo de caducidade da acção de investigação 
 subsequente.
 Ainda que em determinada situação concreta se possa ter como aceitável a solução 
 da caducidade do direito à investigação de paternidade por se entender, em 
 concreto, que a situação se configura de tal modo que é possível valorizar 
 contra o direito à identidade pessoal a segurança jurídica que o decurso do 
 tempo sedimentou, 
 
 é preciso então aceitar que a propositura da acção de impugnação de uma 
 perfilhação que constituía o obstáculo inibitório da propositura daqueloutra 
 acção é em si mesma impeditiva dessa caducidade, nos termos do art. 331º, nº 1 
 do CCivil.
 Transitada a decisão que declare o lugar vazio da paternidade, começaria então a 
 correr o prazo para a propositura da acção de investigação que preenchesse esse 
 mesmo lugar.
 No caso concreto, o caso previsto no nº 4 do art. 1817º do CCivil, o ano 
 posterior ao mencionado trânsito.
 Pode dizer-se, na esteira de Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, 
 Curso de Direito de Família, Volume II, Tomo I, Coimbra Editora, 2006, pág. 243, 
 que é a aplicação analógica do disposto no nº 2 do mesmo art. 1817º.
 Assim se repõe a coerência do texto legal, assim se evita a 
 inconstitucionalidade irremissível da solução que fizesse cair o investigante no 
 vazio da caducidade depois de, no tempo necessário, ter iniciado a remoção do 
 obstáculo posto no caminho da sua identidade pessoal. Da sua integridade 
 pessoal. Do direito ao desenvolvimento da sua personalidade.
 De modo que, à luz do que é hoje o sentido da identidade pessoal, da integridade 
 pessoal, do desenvolvimento da personalidade tal como a Constituição os consagra 
 e o acórdão nº 23/2006 os fixou, não se verifica a caducidade da acção intentada 
 pelo autor/investigante porquanto, no prazo previsto no nº 4 do art. 1817º ele 
 instaurou a acção de impugnação da perfilhação necessária à remoção do obstáculo 
 inibitório da propositura da acção de investigação e, transitada aquela, 
 instaurou esta no ano posterior ao trânsito daquela.
 O que está dito está dito, naturalmente, no pressuposto da constitucionalidade 
 do nº 4 do art. 1817º do CCivil.
 E a pergunta é inevitável:
 será o nº 4 do art. 1817º (como também o nº 3 do mesmo artigo) conforme à 
 Constituição, sendo certo que, em qualquer caso, sempre a ausência de prova dos 
 factos que suportam este(s) “novos” prazo(s) nos poderá reconduzir ao 
 
 “prazo-regra” do nº 1 e nos confrontará com a declaração da 
 inconstitucionalidade deste e a consequente ausência de prazo para a acção?
 Este Supremo Tribunal de Justiça tem-se inclinado para a conclusão de que a 
 declaração de inconstitucionalidade do nº 1 do art. 1817º arrasta 
 necessariamente a inconstitucionalidade das «normas que, como a do nº 4, se 
 limitam a alargar prazos em razão do concurso de pressupostos que a norma geral 
 dispensa  sendo certo que  não concorrendo o pressuposto especial, o prazo da 
 norma geral está exaurido, ou seja, o direito caduca porque a acção não foi 
 instaurada no prazo-regra» – acórdão de 14 de Dezembro de 2006 (Alves Velho), no 
 proc. nº 06A2489. E, no mesmo sentido, os acs. de 31 de Janeiro de 2007 (Borges 
 Soeiro), no proc. nº 06A4303, de 23 de Outubro de 2007 (Mário Cruz), no proc. nº 
 
 07A2736, e de 17 de Abril de 2008 (Fonseca Ramos), no proc. nº08A474, todos em 
 
 www.dgsi.pt/jstj.
 Por nós, não pensamos que seja necessariamente assim. 
 Porque nem sempre o prazo do nº 1 do art. 1817º será um prazo-regra ou prazo 
 geral em relação aos prazos do nº 4 ou do nº 3 do mesmo artigo.
 Basta trazer à colação as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 1871º do CCivil e ver 
 como se pode chegar à paternidade não pela ligação biológica efectivamente 
 provada mas apenas através da presunção de o filho haver sido reputado e tratado 
 como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público ou de 
 existir carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a 
 paternidade.
 Ao menos nestes casos os prazos dos nºs 4 e 3 do art. 1817º não são (ou podem 
 não ser) o alargamento do prazo do nº 1 do art. 1817º mas sim prazos com 
 natureza diferente. 
 Aos quais, pois, a falência do prazo do nº 1 não afectará e cuja 
 
 (in)constitucionalidade haverá de ser apreciada autonomamente e não como 
 consequência directa da declaração de inconstitucionalidade do daquele nº 1 nos 
 termos em que está feita – na medida em que prevê um prazo de dois anos a partir 
 da maioridade do investigante.
 Então é possível e necessário olhar para o disposto do nº 4 do art. 1817º – se o 
 investigante for tratado como filho pelo pretenso pai ... a acção pode ser 
 proposta até um ano posterior à data da morte daquele – e, em sede de 
 fiscalização concreta, naquela situação concreta, um tal dispositivo legal viola 
 o direito fundamental do investigante à sua identidade pessoal ou se representa 
 apenas um condicionamento ou uma restrição, constitucionalmente toleráveis, do 
 seu direito, em nome de outros interesses ou direitos igualmente 
 constitucionalmente assumidos.
 Ora, 
 para alguém que já tem quase 49 anos quando vê morrer o seu pretenso pai com 75 
 anos de idade, não nos parece desproporcionado exigir que em definitivo procure 
 o reconhecimento judicial da identidade pessoal a que tem direito e quer fazer 
 valer, sem alongar no tempo o que o tempo já alongou em demasia.
 Nem nos parece que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos 
 bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, ou seja, não nos 
 parece constituir um abuso de direito, nos termos em que o define o artigo 334º 
 do CCivil, que um autor que sempre foi tratado por todas as pessoas como filho 
 do RE e como tal tem sido reputado pelo público 
 venha, neste tempo, o ano posterior à morte do pretenso pai, pedir o 
 reconhecimento judicial da paternidade de quem 
 d(ess)a gravidez da mãe se confessou autor,
 publicamente, a algumas pessoas das suas relações, sempre se confessou pai do 
 autor, depois de o autor ter casado, o visitava e foi ao seu apartamento.
 Aquilo que em vida do pretenso pai pode tê-lo moralmente inibido de “mexer no 
 assunto” – para não colocar um pai contra a acção judicial de um filho – não 
 pode, à morte do pai, impedir o filho de se identificar na íntegra consigo 
 próprio.
 Nem mesmo a circunstância daquilo a que costuma chamar-se a «caça à fortuna» 
 pode alterar esta visão das coisas.
 Porque essa é uma questão reversível e a mesma «fortuna» – se é que existe – 
 está a ser disputada em pé de igualdade pelo autor e pelos réus, irmãos e 
 sobrinhos do autor; 
 porque o que se pode dizer é que, se «fortuna» houve (ou há), o que sucede é que 
 foi o autor quem perdeu eventuais rendimentos dela durante uma vida inteira;
 porque não é nenhuma surpresa para os réus que apareça a querer herdar quem, 
 durante toda a vida, o seu irmão e tio (e o público em geral) reconheceu como 
 seu filho;
 porque era ao pai, e não ao filho que nascia, que competia ter assumido a 
 responsabilidade (moral, social ...e legal) dos seus actos (biológicos); 
 porque a questão da herança do M., o perfilhante que foi, é com os herdeiros 
 dele, e não aqui, que deve ser tratada.
 
 (...)”.
 
  
 
             3 – Integrando-se o caso sub judicio na esfera normativa delimitada 
 pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e considerando igualmente o disposto no 
 artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
 
  
 
             4 – Como é consabido, cabe recurso para o Tribunal Constitucional 
 das decisões dos Tribunais que “recusem a aplicação de qualquer norma, com 
 fundamento em inconstitucionalidade” (artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da LTC).
 
             No entanto, perscrutando os fundamentos do aresto recorrido, fica 
 claro que a sua ratio decidendi não se louva na recusa de aplicação das normas 
 supra referenciadas, mas numa dada interpretação do regime legal considerado 
 concretamente aplicável ao caso sub judicio. 
 
             Vejamos.
 
             Como resulta dos fundamentos invocados no Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça, a questão decidenda mereceu um tratamento diferenciado 
 daquele que fora sufragado na 2.ª Instância, o qual, apoiado no Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 23/2006, “conduziu a que o Tribunal da Relação 
 chegasse directamente à improcedência da excepção de caducidade, dispensando-se 
 da abordagem inicial da questão, centrada nos efeitos e consequências da 
 perfilhação registada do autor como filho de outrem que não o investigado (...) 
 e da propositura da acção de impugnação dessa perfilhação logo em Novembro de 
 
 2002”.
 
             De facto, os fundamentos decisórios aportados pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça no aresto ora impugnado consubstanciam uma ponderação do regime 
 aplicável in casu “no pressuposto da constitucionalidade do n.º 4 do artigo 
 
 1817.º do Código Civil, considerando mesmo que o juízo de inconstitucionalidade 
 relativo ao n.º 1 desse artigo não se estende ipso facto às “normas que, como a 
 do n.º 4, se limitam a alargar prazos em razão do concurso de pressupostos que a 
 norma geral dispensa”.
 E, na verdade, tal pressuposto vai claramente assumido no resultado 
 interpretativo que o esforço de reflexão metodológica permitiu ao Tribunal 
 alcançar e do qual se colhe a ratio decidendi justificadora do concreto juízo 
 recorrido que se encontra projectada na proposição de que “não se verifica a 
 caducidade da acção intentada pelo autor/investigante porquanto no prazo 
 previsto no n.º 4 do artigo 1817.º ele instaurou a acção de impugnação da 
 perfilhação necessária à remoção do obstáculo inibitório da propositura da acção 
 de investigação e, transitada aquela, instaurou esta no ano posterior ao 
 trânsito daquela”, aceitando assim que “a propositura da acção de impugnação de 
 uma perfilhação que constituía o obstáculo inibitório da propositura daqueloutra 
 acção é em si mesma impeditiva dessa caducidade, nos termos do art. 331.º, n.º 
 
 1, do Código Civil”, razão pela qual se entendeu que o prazo fixado no artigo 
 
 1817.º, n.º 4, do Código Civil, apenas começa a correr a partir do trânsito da 
 acção de impugnação da perfilhação.
 Ora, não subsiste qualquer dúvida de que o arrazoado motivador de tal juízo 
 decisório se encontra alicerçado no pressuposto da determinação do “melhor 
 direito”, para tal considerando os pertinentes parâmetros constitucionais, o 
 que, por seu turno, não constitui recusa de aplicação normativa, tal como sucede 
 nas situações em que o Tribunal na determinação do sentido jurídico-normativo de 
 um critério legal afasta outros resultados interpretativos constitucionalmente 
 censuráveis.
 Por esse motivo, conclui-se que o Tribunal recorrido não recusou, com fundamento 
 em inconstitucionalidade, a aplicação do disposto no artigo 1817.º – seja o 
 disposto no n.º 2 ou no seu n.º 4 – do Código Civil, tendo considerado que a 
 acção fora interposta no prazo aí estabelecido.
 
  
 
 5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar 
 conhecimento do objecto dos recursos de constitucionalidade interpostos.
 
  
 Custas pelos recorrentes, em cada um dos recursos, com taxa de justiça que se 
 fixa em 8 (oito) UCs.».
 
  
 
 5 – O reclamado, autor na acção julgada nas instâncias, não respondeu.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
 6 – Em ponto algum do seu discurso argumentativo, os reclamantes refutam a 
 bondade da fundamentação em que se abonou a decisão sumária: a de que o acórdão 
 recorrido não julgou inconstitucionais os n.ºs 2 e 4 do artigo 1817.º do Código 
 Civil e não recusou a sua aplicação, ao caso concreto, com base nessa sua 
 invalidade.
 O acórdão limitou-se a determinar o sentido normativo de tais preceitos de 
 direito ordinário, de acordo com as regras hermenêuticas que teve por ajustadas, 
 e a aplicar o critério de direito ordinário, assim achado, à decisão da questão 
 de saber se o direito de acção de investigar a paternidade se achava ou não 
 caducado.
 Assim sendo, não tem qualquer sentido as afirmações feitas pelos reclamantes de 
 que inexiste “decisão que tenha julgado expressamente e com carácter geral” a 
 inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil ou de “a 
 declaração de inconstitucionalidade não ser susceptível de interpretação 
 extensiva ou analógica”, querendo eles referir-se à declaração de 
 inconstitucionalidade constante do Acórdão do Tribunal Constitucional, publicado 
 no Diário da República I Série-A, de 8/2/2006.
 
             É que, independentemente das alegadas eventualidades 
 consubstanciarem ou não, necessariamente, uma situação de recusa de aplicação da 
 lei infraconstitucional, com base na sua invalidade constitucional, constata-se 
 que o acórdão recorrido não se baseou em qualquer desses entendimentos.
 
             Temos, pois, de concluir pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
 Lisboa, 10.12.2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos