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Processo n.º 708/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I - Relatório
 
  
 A. interpôs recurso de agravo de 2ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça 
 de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, invocando a existência de 
 oposição de julgados quanto à interpretação nele feita das disposições dos 
 artigos 1131º e 1137º do Código Civil de 1867.
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão de 26 de Junho de 2008, considerou 
 não existir identidade da questão de direito que constituía o pressuposto da 
 contradição de julgados, pelo que, entendendo não verificados os requisitos do 
 n° 2 do art. 754° do Código de Processo Civil, não admitiu o recurso.
 
  
 A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70º, n° 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, 
 pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas dos citados artigos 
 
 1131º e 1137º do Código Civil de 1867.
 
  
 Por decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional (LTC), o relator entendeu ser de não tomar conhecimento do 
 recurso com base nas seguintes ordens de considerações:
 
  
 Decorre do requerimento de interposição do presente recurso que a recorrente 
 imputa a violação de normas e princípios constitucionais à própria decisão 
 recorrida e não a quaisquer normas ou interpretações normativas aplicadas nesta 
 decisão: é o que resulta da leitura do parágrafo (também acima transcrito) no 
 qual a recorrente afirma o seguinte:
 
 “Pelas razões expostas, o Acórdão do STJ […] também violou o princípio do acesso 
 ao direito e aos tribunais (art. 20º, n.º 1 da Constituição da República)”.
 Ora, não possuindo o Tribunal Constitucional competência para apreciar a 
 conformidade constitucional das próprias decisões recorridas, mas apenas a 
 conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas aplicadas 
 nessas decisões (como se extrai do disposto nas várias alíneas do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), é patente que não pode 
 conhecer-se do objecto do presente recurso, por falta de competência deste 
 Tribunal para esse conhecimento.
 A isto acresce que, mesmo que se entendesse que o objecto do presente recurso é 
 constituído por normas ou interpretações normativas – mais precisamente, as dos 
 artigos 1131º e 1137º do Código Civil de 1867, cuja inconstitucionalidade a 
 recorrente suscitou durante o processo -, também não poderia conhecer-se do 
 objecto do presente recurso.
 Com efeito, tendo este recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto 
 processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação 
 normativa cuja conformidade constitucional se pretende que este Tribunal 
 aprecie.
 Sucede que este pressuposto processual não se encontra, no presente caso, 
 preenchido. É que a decisão recorrida – o acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, como resulta do requerimento de interposição do recurso – não aplicou 
 as normas dos artigos 1131º e 1137º do Código Civil de 1867, nas interpretações 
 que a recorrente censurou ao longo do processo, limitando-se, antes, a aplicar a 
 norma do artigo 754º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para concluir que o 
 recurso então interposto não era admissível, em virtude da inexistência de 
 oposição de julgados.
 Não tendo a decisão recorrida aplicado as normas cuja conformidade 
 constitucional a recorrente questionou durante o processo, constata-se que, 
 também por esse motivo, não é possível conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
 É contra esta decisão que a recorrente agora se insurge, mediante  reclamação 
 para a conferência, formulando a final as seguintes conclusões:
 
  
 
 1 - A ora reclamante não tinha o ónus ou o dever processual de interpor recurso 
 de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de 
 Coimbra; nem o podia ter feito, ao abrigo do disposto no artigo 700/2 da Lei de 
 Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, já que este acórdão da 
 
 2ª instância incorporava uma decisão que ainda admitia recurso ordinário (agravo 
 na 2ª instância), pese embora tal recurso estivesse sujeito, desde 1996, aos 
 requisitos exigentes de admissibilidade previstos no artigo 754° do CPC. E a ora 
 reclamante não desejava renunciar a esse último recurso para o STJ. 
 
 2 - A ora reclamante interpôs, desta maneira, esse recurso ordinário dirigido ao 
 STJ, mas esta mais alta instância jurisdicional negou a admissão do recurso. 
 
 3 — Ora, este acórdão recorrido do STJ não pode desligar-se do mérito dos 
 fundamentos que o levaram a não admitir o recurso de agravo em instância, maxime 
 o facto de o acórdão da Relação de Coimbra ter, na perspectiva da ora 
 reclamante, aplicado inconstitucionalmente o disposto no artigo 1131° e 1137° do 
 CC de 1867 ao caso sub iudice, independentemente de, na perspectiva do STJ, não 
 se achar em contradição com outro acórdão proferido no domínio da mesma 
 legislação sobre a mesma questão fundamental de direito. De resto a ora 
 reclamante predispôs-se a juntar certidões autenticadas de mais três acórdãos 
 fundamento, diligência que foi dispensada pelo venerando relator do STJ, criando 
 a convicção de que o recurso de agravo seria admitido. 
 
 4 - A decisão do STJ, cujas normas estão sujeitas a escrutínio de 
 inconstitucionalidade na perspectiva da ora reclamante, não pode deixar de 
 pressupor e de incorporar os fundamentos da decisão proferida pela Relação de 
 Coimbra, que aplicou as normas dos artigo 1131° e 1137°do CC de 1867 cuja 
 inconstitucionalidade já havia sido arguida pela agora reclamante. 
 Essa decisão confirmou, neste outro sentido, a decisão da Relação de Coimbra, 
 constituindo a última das decisões que não admite recurso ordinário; a última 
 das decisões que esgota os recursos ordinários que, no caso, era possível 
 interpor. 
 
 5 — Caso a decisão sumária reclamada, proferida pelo Venerando Conselheiro do 
 Tribunal Constitucional, seja mantida, isso significa que, na prática, deixa de 
 poder recorrer-se para o Tribunal Constitucional das decisões do STJ que não 
 admitem os recursos de agravo em 2ªa instância por falta da verificação dos 
 pressupostos processuais previstos no artigo 754° do CPC. 
 
 6 - A ser adoptada esta solução ínsita na decisão sumária agora reclamada, as 
 partes que não se conformam com as decisões proferidas na instância deverão 
 renunciar à possibilidade de interposição de recurso de agravo para o STJ, 
 interpondo, ao invés, recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 7 — A ser mantida a douta decisão sumária agora reclamada, a reclamante, Ora, 
 A., deveria ter interposto recurso de inconstitucionalidade, em sede de 
 fiscalização concreta, para o Tribunal Constitucional da decisão da Relação de 
 Coimbra que aplicou e interpretou, no caso sub iudice, os artigos 1131º e 1137° 
 do CC de 1867, no sentido em que se faz necessária a especificação por escritura 
 ou auto público dos bens levados para o casamento ou adquiridos na constância do 
 casamento para o efeito de serem considerados bens próprios de um dos cônjuges; 
 caso contrário, tais bens são havidos, sem mais, como bens comuns. 
 
 8 — Só que, o acesso ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização 
 concreta da constitucionalidade, depende do esgotamento dos recursos ordinários, 
 seja por a lei os não prever no caso concreto, seja por já haverem sido 
 esgotados todos os que no caso cabiam. No caso concreto cabia mais um recurso 
 dirigido ao STJ (o agravo na 2ª instância, sujeito embora a requisitos de 
 admissibilidade específicos), diligência que foi promovida pela agora 
 reclamante. Se esse recurso não foi admitido, a decisão de não admissão 
 incorpora a decisão recorrida e os seus fundamentos. 
 
 9 - Não pode ela, reclamante, destarte, ficar prejudicada no seu direito de 
 aceder ao Tribunal Constitucional português — com vista a ver apreciada e 
 julgada a questão da violação do princípio da igualdade entre marido e mulher e 
 do princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais, resultante da concreta 
 interpretação e aplicação feita pelas instâncias do previsto nos artigos 1131° e 
 
 1137° do CC de 1867, conjugada com a recusa da realização de prova respeitante à 
 titularidade dos bens móveis que a inventariada havia adquirido na constância do 
 casamento — pela circunstância de não ter renunciado à faculdade jurídica de 
 interpor recurso de agravo dirigido ao STJ. 
 Aliás, da circunstância de o Conselheiro Relator do STJ não ter esperado pela 
 resposta da Torre do Tombo relativamente a mais três acórdãos que se pretendia 
 juntar resulta a fundada expectativa e confiança da ora reclamante em ver 
 admitido e julgado o referido agravo em 2ª instância. 
 Ao decidir como decidiu a douta decisão sumária de que agora se reclama violou o 
 preceituado no artigo 20º/1 da Constituição da República Portuguesa, bem como o 
 previsto nos artigos 70°/1, alínea b), e n.° 2 do mesmo artigo e, outrossim, o 
 artigo 78°-A, estes últimos da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal 
 Constitucional. 
 Nestes termos, requer-se que a Conferência: 
 
 — Revogue a decisão sumária proferida pelo Venerando Conselheiro relator de não 
 tomar conhecimento do objecto do presente recurso e 
 
 - Admita o presente recurso em sede fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, ordenando a apreciação do seu objecto. 
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II Fundamentação
 
  
 Como resulta com evidência da fundamentação da decisão sumária ora reclamada, há 
 pouco transcrita, foram dois os motivos que conduziram ao não conhecimento do 
 objecto do recurso: (a) a circunstância de não ter sido identificada, no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, uma 
 questão de constitucionalidade normativa, mas ter sido antes imputada a violação 
 de normas e princípios constitucionais à própria decisão recorrida; (b) e, ainda 
 que assim se não entendesse, o facto de a decisão recorrida – o acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso por oposição de julgados - 
 não ter aplicado as normas dos artigos 1131º e 1137º do Código Civil de 1867, 
 cuja constitucionalidade se pretendia ver apreciada, mas apenas a do artigo 
 
 754º, n.º 2, do Código de Processo Civil, para efeito de considerar que não se 
 verificavam os pressupostos da admissão do recurso por oposição de julgados.
 
  
 Sucede que nem no texto da reclamação nem nas respectivas conclusões, a 
 reclamante invoca qualquer razão que possa demonstrar a insubsistência daquele 
 primeiro fundamento, o que desde logo conduz a concluir pela improcedência da 
 reclamação, visto que, ainda que procedessem as considerações quanto ao segundo 
 fundamento, continuaria a verificar-se a ausência de um dos pressupostos do 
 recurso de constitucionalidade, tendo em conta que a imputação da violação de 
 normas ou princípios constitucionais foi feita à própria decisão recorrida e não 
 a quaisquer normas ou interpretações normativas que por ela tenham sido 
 aplicadas.
 
  
 No entanto, em relação ao segundo aspecto que foi analisado na decisão sumária – 
 e que constituiu fundamento subsidiário para se não tomar conhecimento do 
 recurso - a reclamação mostra-se ser também manifestamente improcedente.
 
  
 Pretende a reclamante que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, não tendo 
 admitido, como não admitiu, o recurso por oposição de julgados, não pode deixar 
 de pressupor e de incorporar os fundamentos da decisão proferida pela Relação de 
 Coimbra, que aplicou as normas dos artigos 1131° e 1137° do Código Civil de 1867 
 cuja inconstitucionalidade havia sido arguida durante o processo, assim devendo 
 entender-se que essa decisão do Supremo Tribunal – que foi objecto de recurso 
 para o Tribunal Constitucional – fez também implícita aplicação das referidas 
 normas.
 
  
 A não se seguir este entendimento – continua  a reclamante –, ficaria vedado o 
 recurso para o Tribunal Constitucional relativamente à referida questão de 
 constitucionalidade, visto que, por um lado, o interessado está obrigado a 
 esgotar todos os recursos ordinários que ao caso caibam, e, por outro lado, 
 quando o recurso não seja admitido, fica impedido de colocar a questão perante o 
 Tribunal Constitucional por ela não ter sido expressamente analisada no acordão 
 de não admissão de recurso.
 
  
 Ora, é a todos os títulos evidente que um acórdão de tribunal superior que se 
 limita a não admitir o recurso interposto por considerar não verificados os 
 respectivos pressupostos processuais  - como foi o caso -, não faz qualquer 
 apreciação expressa ou implícita do mérito do recurso, justamente porque não 
 chegou a admiti-lo e, portanto, não se pronunciou sobre as questões que 
 constituíam o seu objecto.
 
  
 Não é possível, por conseguinte, atribuir ao acórdão de não admissão de recurso 
 um qualquer sentido decisório relativamente às questões de fundo que se 
 pretendiam ver apreciadas no recurso. 
 
  
 A decisão de não admissão de recurso poderá, em todo o caso, ser objecto de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, mas apenas no que se refere aos aspectos 
 que nela foram analisados e em relação às normas ou princípios jurídicos que 
 estejam implicados nessa decisão. Tratando-se, no caso, de uma decisão de não 
 admissão de recurso que fora interposto ao abrigo do disposto no artigo 754º, 
 n.º 2, do Código de Processo Civil, com fundamento em conflito de 
 jurisprudência, naturalmente que poderia ser interposto um recurso de 
 constitucionalidade atinente à interpretação que dessa norma tenha sido 
 efectuada pelo tribunal ad quem para efeito de não admitir o recurso.
 
  
 De resto, sendo o recurso de constitucionalidade meramente instrumental, seria 
 de todo inútil uma pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a questionada 
 interpretação dos citados artigos 1131° e 1137° do Código Civil de 1867, 
 porquanto não seria possível obter uma reforma do julgado que tivesse incidência 
 sobre o conteúdo dispositivo da decisão recorrida, que, como se referiu, não 
 chegou sequer a tomar posição sobre a matéria em causa e limitou-se a rejeitar o 
 recurso.
 
  
 Por  outro lado, contrariamente ao que vem afirmado na reclamação, o regime de 
 pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade, mormente no caso do 
 recurso apresentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da 
 LTC, não impede o interessado de impugnar, perante o Tribunal Constitucional, 
 uma decisão judicial anterior quando o recurso dela interposto venha a ser 
 rejeitado.
 
  
 Na verdade, embora o artigo 70º, n.º 2, da LTC imponha o princípio da exaustão 
 dos recursos ordinários, o subsequente artigo 75º, n.º 2, salvaguarda a 
 possibilidade de o recurso, mesmo que para uniformização de jurisprudência, não 
 ter sido admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, permitindo 
 que, nessa circunstância, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional 
 da decisão anterior se conte a partir do momento em que se torne definitiva a 
 decisão que não admite o recurso.
 
  
 A não admissão de um recurso ordinário, não obstante a invocada exigência do 
 esgotamento dos meios processuais que ainda possam ser utilizados no âmbito da 
 mesma ordem jurisdicional, não acarreta, por isso, qualquer constrangimento 
 quando à possibilidade de ver apreciada pelo Tribunal Constitucional uma questão 
 jurídico-constitucional, desde que obviamente se verifiquem todos os demais 
 requisitos processuais do recurso de constitucionalidade.
 
  
 Nestes termos, mostrando-se infundada a reclamação quanto ao único  fundamento 
 da decisão reclamada que foi objecto de impugnação, e não tendo sequer sido 
 discutida a validade de um outro motivo que justificava, por si, o indeferimento 
 do recurso de constitucionalidade, e que nessa decisão foi invocado, é de julgar 
 improcedente a reclamação. 
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em desatender a reclamação.
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão