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Processo 577/09 
 
 
 
 3ª Secção 
 
 
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins 
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I ? RELATÓRIO 
 
 
 
 1. Nos presentes autos em que é recorrente A., Lda. e recorrida a Fazenda 
 Pública, foi interposto recurso de acórdão proferido pela Secção de Contencioso 
 Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 06 de Maio de 2009 (fls. 391 a 
 
 394) para apreciação da constitucionalidade da ?norma contida no art. 152° do 
 CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT, na dimensão normativa encontrada pelo 
 despacho de fls 343 e confirmada pelo douto acórdão de 06 de Maio de 2009, 
 segundo o qual é inadmissível o recurso interposto por oposição de acórdãos 
 entre um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão recorrido) e um 
 Acórdão do Tribunal Central Administrativo (acórdão fundamento)? (fls. 402). 
 
 
 
 2. Notificada para tal pela Relatora, a recorrente produziu alegações, das quais 
 constam as seguintes conclusões: 
 
 
 
 «1. A norma contida no art. 152° do CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT, na 
 dimensão normativa encontrada pelo despacho de fls 343 e confirmada pelo douto 
 acórdão de 06 de Maio de 2009, segundo o qual é inadmissível o recurso 
 interposto por oposição de acórdãos entre um Acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo (acórdão recorrido) e um Acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo (acórdão fundamento) é inconstitucional. 
 
 
 
 2. A inconstitucionalidade da citada norma extraída do art. 152° do CPTA, 
 aplicável ex vi art. 2° do CPPT resulta do facto da mesma consubstanciar uma 
 violação dos mais elementares direitos e garantias que a Constituição confere à 
 ora recorrente. 
 
 
 
 3. Com efeito, no caso em apreço, o acórdão fundamento foi proferido em última 
 instância pelo Tribunal Central Administrativo Norte, dado que, para além da 
 questão de direito, foram suscitadas questões de facto. 
 
 
 
 4. O Acórdão recorrido, por sua vez, não obstante versar sobre a mesma questão 
 de direito, foi proferido pelo STA, dado que o respectivo recurso se fundamenta 
 exclusivamente em matéria de direito. 
 
 
 
 5. Atendendo que no contencioso tributário, o legislador estabeleceu apenas um 
 grau de recurso ordinário (conferindo ao TCA competência para apreciar, em 
 ultima instância, questões de direito) e tendo em conta que os recursos para 
 uniformização de jurisprudência têm por finalidade permitir que situações iguais 
 recebam o mesmo tratamento jurisprudencial, dúvidas não podem subsistir que o 
 legislador quis atribuir aos acórdãos proferidos pelo TCA, em sede de recurso, a 
 mesma dignidade que confere aos acórdãos proferidos pelo STA. 
 
 
 
 6. O que significa que não existe razão legal para diferenciar, no contexto 
 específico do contencioso tributário, os acórdãos anteriormente proferidos pelo 
 TCA em relação aos acórdãos proferidos posteriormente pelo STA, sobre a mesma 
 matéria. 
 
 
 
 7. Estamos, assim, perante uma situação que coloca a ora recorrente numa 
 situação de desigualdade de tratamento, pois perante a mesma questão suscitada, 
 foram proferidas duas soluções diferentes, não podendo a recorrente utilizar o 
 
 único meio que a lei lhe confere para que a decisão ora recorrida possa vir ser 
 alterada no sentido da jurisprudência assente no acórdão fundamento. 
 
 
 
 8. Consubstancia assim uma violação do princípio da igualdade, previsto e 
 tutelado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual 
 todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 
 
 
 
 9. Consubstancia também uma violação ao direito e tutela jurisdicional efectiva, 
 previsto e tutelado no art. 20. ° da Constituição da República Portuguesa, 
 segundo o qual a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais ara 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.» (fls. 432 e 433) 
 
 
 
 3. A Fazenda Pública apresentou as seguintes contra-alegações: 
 
 
 
 «(?) 
 
 
 Não tem, porém, razão a recorrente, como abaixo, mais de espaço, deixaremos 
 provado. 
 
 
 Antes de mais porque a norma que no nosso sistema jurídico faz luz sobre a 
 técnica interpretativa ? o artigo 9° do Código Civil ? dispõe que ?não pode 
 porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na 
 letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente 
 expresso?. Ora o dispositivo posto em crise pela presente recurso, o nº 1 do 
 artigo 152° do CPTA, dispõe: 
 
 
 
 ?As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal 
 Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão 
 impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, 
 quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição. 
 
 
 a) Entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e acórdão anteriormente 
 proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; 
 
 
 b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.? 
 
 
 Daqui decorre, numa primeira leitura, que a oposição relevante para o efeito de 
 interposição de recurso para uniformização de jurisprudência é a que se verifica 
 entre um acórdão do TCA e outro anteriormente proferido ? e transitado em 
 julgado ? pelo mesmo tribunal ou pelo STA; ou entre um acórdão do STA e outro 
 anteriormente proferido ? e transitado, repetimos ? pelo mesmo STA. 
 
 
 
 É tão claro e explícito o sentido da norma posta em crise que o sentido 
 defendido pela Recorrente é manifestamente contra-legem. Claro que será mesmo 
 por isso que ela vem agora pôr a questão da sua pretensa inconstitucionalidade. 
 
 
 Vejamos pois se ela se verifica. 
 
 
 II 
 
 
 Assaca a Recorrente, ao sentido interpretativo dado pelo STA à norma posta em 
 crise, dois vícios geradores de inconstitucionalidade: 
 
 
 i) Violação do princípio da igualdade e 
 
 
 ii) Violação do direito a tutela jurisdicional efectiva 
 
 
 Quanto à violação do princípio da igualdade é óbvio que ele se não verifica. Se 
 alguma desigualdade de tratamento se pode divisar no caso dos autos ela não se 
 verifica entre cidadãos mas sim entre coisas ? acórdãos ? que são efectivamente 
 desiguais na medida em que provêm de entidades distintas, os distintos tribunais 
 que os proferiram. Ora a norma constitucional que consagra o princípio da 
 igualdade não o refere a coisas mas a cidadãos. Ou pretenderá a Recorrente que a 
 interpretação por ela atacada só é feita no seu caso e que outros recorrentes em 
 situação semelhante são tratados diferentemente, beneficiando do sentido 
 interpretativo que a recorrente defende presentemente? Se tal acontecesse, 
 ocorreria violação do princípio da igualdade. Mas a Recorrente não invoca tal e 
 muito menos faz a respectiva prova. Não se verifica, consequentemente, violação 
 do princípio da igualdade ou qualquer descriminação da recorrente em razão dos 
 critérios enunciados no n°2 do mesmo artigo 13° da CRP. 
 
 
 Quanto à violação do direito a tutela jurisdicional efectiva, igualmente se não 
 verifica. Na verdade o acesso à tutela jurisdicional efectiva é mediatizado pelo 
 conjunto dos meios que o sistema jurídico põe à disposição dos cidadãos. Ora o 
 sentido interpretativo extraído pelo tribunal, no acórdão recorrido, da norma 
 posta em crise não inibiu a Recorrente de utilizar vários meios jurisdicionais 
 de tutela dos seus direitos. Não pode, porém o sistema jurídico facultar aos 
 cidadãos um recurso ilimitado de tais meios. 
 
 
 Foi, aliás, a necessidade de racionalizar a utilização de tais meios que levou o 
 legislador a organizar os tribunais hierarquicamente, fixando competências 
 diferenciadas para tribunais de nível diferente, Ora é consabido que o STA é o 
 tribunal de fecho do conjunto do TAFs. E foi para não sobrecarregar o STA que 
 foram criados os TCAs. Daí que estes julguem os recursos que envolvam apreciação 
 da matéria de facto, reservando-se ao STA o julgamento dos recursos que envolvem 
 apenas matéria de direito. A redução dos recursos a duas instâncias não visou 
 tornar iguais os TCAs e o STA mas agilizar a justiça e torná-la acessível a 
 todos os cidadãos, O que vinha sendo problemático com a acumulação de processos 
 no STA. 
 
 
 Nem, pois, o facto de TCAs e STA julgarem em última instância faz deles 
 tribunais iguais e de idêntico nível de decisão, nem a manutenção da relação de 
 hierarquia entre eles implica qualquer inibição de uso de meios de tutela 
 jurisdicional à Recorrente.» (fls. 437 a 440) 
 
 
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II ? FUNDAMENTAÇÃO 
 
 
 
 4. A questão em apreço nos presentes autos apresenta um carácter inovador, face 
 
 à precedente jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o recurso de 
 harmonização de jurisprudência, em sede de Direito Processual Administrativo. 
 Assim é, na medida em que o recorrente reputa de inconstitucional uma 
 interpretação normativa do artigo 152º, n.º 1, do CPTA que exclui a 
 possibilidade de admissão de um recurso para harmonização de jurisprudência 
 quando o ?acórdão fundamento? corresponda a uma decisão proferida por um 
 Tribunal Central Administrativo [TCA], em sede de processo tributário ? e, 
 portanto, com natureza definitiva em função da insusceptibilidade de recurso ? e 
 o ?acórdão recorrido? haja sido proferido pelo STA. 
 
 
 O preceito legal do qual foi extraída a interpretação normativa ora em apreço 
 determina o seguinte: 
 
 
 
 ?Artigo 152º 
 
 
 Recurso para uniformização de jurisprudência 
 
 
 
 1 ? As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal 
 Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão 
 impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, 
 quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição: 
 
 
 a) Entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e acórdão anteriormente 
 proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; 
 
 
 b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. 
 
 
 
 (?)? 
 
 
 Com efeito, do enunciado constante do artigo 152º, n.º 1 do CPTA parece resultar 
 que um acórdão proferido por um TCA apenas pode constituir ?acórdão fundamento? 
 quando o ?acórdão recorrido? haja sido, também ele, proferido por um TCA. Ora, a 
 tramitação processual vertida nos autos recorridos demonstra que o ?acórdão 
 recorrido? foi originariamente proferido pela Secção de Contencioso Tributário 
 do STA, em 17 de Dezembro de 2008 (fls. 293 a 295) e posteriormente 
 complementado por acórdão proferido pelo mesmo Tribunal e Secção, em 11 de 
 Fevereiro de 2009 (fls. 324 a 327-verso), a propósito de um pedido de aclaração 
 formulado pelo ora recorrente. Por sua vez, o ?acórdão fundamento? corresponde a 
 decisão proferida pelo TCA-Norte, em 18 de Dezembro de 2008, no âmbito do Proc. 
 n.º 1751/06.1BEVIS. 
 
 
 Ora, particularmente, em sede de processo tributário ? como é o caso dos autos ? 
 o artigo 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário [CPPT] contém um 
 regime especial de interposição de recurso ordinário, limitando a possibilidade 
 da sua interposição para um tribunal de segunda instância e, como tal, tornando 
 como excepção a possibilidade de interposição de recurso para o STA. O preceito 
 legal em causa estabelece o seguinte: 
 
 
 
 ?Artigo 280º 
 
 
 Recursos de decisões proferidas em processos judiciais 
 
 
 
 1 - Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no 
 prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou 
 embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por 
 qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal 
 Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, 
 caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso 
 Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. 
 
 
 
 (?)? 
 
 
 Face a este último preceito, entende o recorrente que, em processo tributário, 
 sempre que um acórdão proferido por um TCA seja insusceptível recurso para o STA, 
 por não estar em causa matéria exclusivamente relacionada com a aplicação do 
 Direito, aquele primeiro deve ser considerado como definitivo e, como tal, deve 
 ser admitido como possível ?acórdão fundamento?, para efeitos de interposição de 
 recurso de harmonização de jurisprudência. Porém, mais do que isso, entende 
 ainda o recorrente que a interpretação normativa levada a cabo pelo tribunal ?a 
 quo? ? que não admite que acórdão proferido por um TCA seja tido por ?acórdão 
 fundamento? face a um ?acórdão recorrido? proferido pelo STA ? se encontra 
 ferida de inconstitucionalidade, por atentar contra o princípio da igualdade (artigo 
 
 13º, da CRP) e contra o direito fundamental de acesso à Justiça (artigo 20º, n.º 
 
 1, da CRP). 
 
 
 Vejamos, então, se assim é. 
 
 
 
 5. O recurso para uniformização de jurisprudência instituído pelo n.º 1 do 
 artigo 152º do CPTA assenta na verificação do trânsito em julgado, quer do ?acórdão 
 recorrido? quer do ?acórdão fundamento?, enquanto pressuposto processual do 
 mesmo (neste sentido, ver Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 5ª edição, 
 
 2004, p. 395; Mário Aroso de Almeida / Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao 
 Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, 2007, p. 883; 
 Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, 
 in «O Direito», Ano 139.º, 2007, IV, p. 873) e visa solucionar situações de 
 conflito resultantes de contradições sobre a mesma questão fundamental de 
 Direito entre acórdãos de tribunais superiores, de modo a assegurar o tratamento 
 uniforme de situações substancialmente idênticas (Vieira de Andrade, A Justiça 
 Administrativa, cit., p. 396). Consequentemente, a função deste tipo de recurso 
 não assume uma natureza preventiva, visando apenas a resolução de conflitos 
 entre jurisprudência pré-existente (assim, vide Mário Aroso de Almeida / Carlos 
 Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais 
 Administrativos, cit., p. 879). 
 
 
 Importa, porém, aferir quais os critérios efectivamente adoptados pelo 
 legislador para assegurar aquele tratamento uniforme de situações idênticas e, 
 deste modo, impedir a subsistência de incongruências e contradições entre 
 acórdãos divergentes. 
 
 
 Começando pela letra da lei, pode dela extrair-se que a opção do legislador 
 ordinário se encaminhou no sentido de apenas permitir que o ?acórdão fundamento? 
 haja sido proferido por um tribunal situado em instância superior ao do tribunal 
 que proferiu o ?acórdão recorrido? ou, pelo menos, que o ?acórdão fundamento? 
 haja sido previamente proferido pelo mesmo tribunal que proferiu o ?acórdão 
 recorrido? ? seja este último um TCA [artigo 152º, n.º 1, alínea a), do CPTA] ou 
 o STA [artigo 152º, n.º 1, alínea b), do CPTA]. À partida, da letra do preceito 
 legal em causa pode concluir-se que um acórdão proferido por um TCA não pode 
 constituir ?acórdão fundamento?, quando o ?acórdão recorrido? corresponda a 
 decisão proferida pelo STA, tendo, aliás, sido esse o entendimento sufragado 
 pela decisão ora recorrida (em sentido idêntico, ver Vieira de Andrade, A 
 Justiça Administrativa, cit., p. 395; Mário Aroso de Almeida / Carlos Fernandes 
 Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cit., p. 
 
 881; Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso 
 administrativo, cit., p. 872). 
 
 
 Com efeito, em momento algum do enunciado normativo constante das alíneas a) e b) 
 do n.º 1 do artigo 152º do CPTA, se pode extrair qualquer elemento literal que 
 autorize a invocação de um acórdão proferido por um TCA ? ainda que funcionando 
 como última instância de recurso, como sucede por força do n.º 1 do artigo 280º 
 do CPPT ? como ?acórdão fundamento? em recurso de harmonização de jurisprudência 
 interposto contra acórdão proferido pelo STA. Mas configurará tal opção 
 legislativa uma violação do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e do 
 direito fundamental de acesso à Justiça (artigo 20º, n.º 1, da CRP)? 
 
 
 
 6. A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de direito ao recurso 
 jurisdicional ? em todos os ramos do Direito Processual ? é abundante e já 
 logrou a indispensável sedimentação na jurisprudência dos demais tribunais 
 portugueses e na prática judiciária, constituindo hoje uma garantia da segurança 
 jurídica dos próprios cidadãos, enquanto utilizadores dos mecanismos estatais de 
 Administração da Justiça. Ora, a propósito de um (eventual) direito fundamental 
 ao recurso, este Tribunal tem reiterado a afirmação de que não existe qualquer 
 imposição constitucional no sentido de garantir várias instâncias de recurso ou, 
 dito de outro modo, de um direito a um terceiro grau de recurso, mesmo em sede 
 de processo penal. Ilustrativo desse entendimento, cita-se, por comodidade de 
 argumentação, o bem recente Acórdão n.º 551/09, desta mesma 3ª Secção (disponível 
 in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/): 
 
 
 
 «7. O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de 
 que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em 
 processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas 
 também que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um 
 duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na 
 discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à 
 mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis 
 ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado 
 reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos 
 casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa 
 ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) 
 do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que 
 era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da 
 República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso apresenta-se 
 como ?racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o 
 Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como 
 sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o 
 referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver 
 reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por 
 outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação? (citado 
 Acórdão n.º 451/03).» 
 
 
 Esse entendimento é extensível, por maioria de razão ao direito de recurso nos 
 demais ramos do Direito Processual e, em especial no que importa ao presente 
 recurso, em sede de Direito Processual Administrativo e Tributário. Aliás, 
 recentemente, este Tribunal foi confrontado com uma questão que apresenta alguma 
 conexão com a que se aprecia nos presentes autos, qual seja a de determinar se a 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 152º do CPTA suporta uma interpretação que impeça 
 que um acórdão proferido por Secção de Contencioso Administrativo do STA 
 constitua ?acórdão fundamento? de acórdão proferido pelo mesmo Tribunal Superior, 
 mas, desta feita, pela respectiva Secção de Contencioso Tributário. A esse 
 propósito, este Tribunal já teve oportunidade de afastar a inconstitucionalidade 
 de tal interpretação normativa, por duas vezes (cfr. Acórdão n.º 36/09, da 2ª 
 Secção, e Acórdão n.º 69/09, da 1ª Secção, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), 
 com os seguintes argumentos que se extraem do primeiro dos citados arestos: 
 
 
 
 «O Tribunal Constitucional já se debruçou amiúde sobre o fulcro da questão da 
 inconstitucionalidade dos presentes autos ? direito ao terceiro grau de 
 jurisdição ? e concluiu invariavelmente que o direito de acesso à justiça não 
 comporta um irrestrito direito a aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, muito 
 menos por via de recurso extraordinário. 
 
 
 Fê-lo, por exemplo, através do acórdão n.º 247/97, quando emitiu um juízo 
 negativo de inconstitucionalidade a respeito da interpretação normativa que, 
 mesmo em sede de processo criminal, vedava ao arguido o direito ao recurso 
 extraordinário de fixação de jurisprudência em caso de oposição de julgados 
 existente entre um acórdão do Tribunal da Relação e um acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça (DR II Série, 17-5-1997). 
 
 
 Foi então avançado que o princípio constitucional da plenitude das garantias de 
 defesa do arguido, ainda que esteja em causa arguido condenado com uma pena 
 privativa de liberdade, se basta com a garantia de um segundo grau de jurisdição, 
 e que a mera oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito não 
 constitui motivo suficiente para impor ao legislador a previsão de um recurso 
 extraordinário para a fixação de jurisprudência em todas as hipóteses possíveis, 
 a nível de tribunais superiores, de oposição de decisões. 
 
 
 Esse juízo negativo de inconstitucionalidade foi reiterado pelo Tribunal 
 Constitucional a respeito de outras situações de inadmissibilidade de recurso 
 extraordinário para a uniformização de jurisprudência, nomeadamente, nos 
 acórdãos n.º 571/98 (DR II Série, 26-11-1999) e 168/2003 (DR II Série, 26-5-2003). 
 
 
 Esta orientação do Tribunal Constitucional sobre a extensão do direito de acesso 
 aos tribunais e do direito de recurso em processo criminal não sofreu alterações 
 até aos nossos dias, conforme se alcança da leitura do seu recente acórdão n.º 
 
 40/2008 (DR II Série, 28-2-2008), em especial da parte em que se reiterou que: 
 
 
 
 «Ora, relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui reiterado 
 entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP não decorre 
 um direito geral a um duplo grau de jurisdição, como já se explicitou nos atrás 
 parcialmente transcritos Acórdãos n.ºs 489/95 e 1124/96. Como se referiu no 
 Acórdão n.º 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 210/92, 
 
 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 715/96, 328/97, 234/98 e 276/98, 
 e explicitando orientação posteriormente reiterada em numerosos arestos, 
 designadamente nos Acórdãos n.ºs 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 
 
 689/2005, 399/2007 e 500/2007): 
 
 
 
 (...) 
 
 
 Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo?se nele 
 também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? 
 
 
 A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso 
 para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, 
 em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei 
 Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a 
 menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, 
 aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual 
 a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas 
 só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das 
 garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º. 
 
 
 Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído 
 no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões 
 que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, 
 mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos 
 Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão n.º 65/88, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, 
 id., vol. 16.º, p. 505). 
 
 
 Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir 
 ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. 
 
 
 Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro 
 Mendes (Direito Processual Civil, III ? Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), 
 que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o 
 Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do 
 Tribunal Constitucional ? artigo 210.º), terá de admitir?se que «o legislador 
 ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios 
 recursos» (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 9.º, p. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17.º, p. 349). 
 
 
 Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode 
 concluir?se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a 
 faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. 
 Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a 
 existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os citados 
 Acórdãos n.ºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol.. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 
 
 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 605), n.º 24/88 (Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 450/89 (Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307). 
 
 
 O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais 
 condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que 
 tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente 
 reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na 
 conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a 
 faculdade de recorrer.? 
 
 
 Não se vislumbra nenhuma razão para abandonar aqui a referida jurisprudência, 
 mesmo que esteja em causa um alegado caso de oposição de julgados existente 
 entre acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Administrativo e pela 
 Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. 
 
 
 Mesmo na jurisdição administrativa e tributária, até por força de um argumento a 
 fortiori, o direito de acesso aos tribunais e a garantia jurisdicional 
 administrativa não vão além de um segundo grau de jurisdição, conforme já foi 
 reconhecido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 520/2007 (DR II Série, 5-12-2007). 
 
 
 No caso concreto, a sociedade recorrente viu a sua pretensão de impugnação de 
 liquidação tributária ser sucessivamente apreciada e julgada pelo Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Beja e pela Secção de Contencioso Tributário do 
 Supremo Tribunal Administrativo. 
 
 
 
 É assim possível concluir que o direito de acesso aos tribunais e o princípio da 
 plenitude da garantia jurisdicional administrativa foram adequadamente 
 assegurados pelo legislador ordinário e efectivamente gozados pela sociedade 
 recorrente para defesa dos seus direitos.» 
 
 
 Voltando ao caso em apreço, importa afirmar que não cabe ao Tribunal 
 Constitucional determinar qual a interpretação mais adequada das normas ou 
 interpretações normativas cuja inconstitucionalidade é suscitada nos autos, 
 cabendo-lhe apenas se a interpretação adoptada é contrária às normas e 
 princípios ínsitos na Lei Fundamental. 
 
 
 Dito isto, importa frisar que nada na interpretação normativa adoptada permite 
 concluir pela violação do direito de acesso à Justiça. Conforme já supra 
 demonstrado pela jurisprudência citada, não pode pretender-se retirar dos 
 artigos 20º, n.º 1 e 268º, n.º 4, da CRP, qualquer direito fundamental ao 
 recurso para harmonização de jurisprudência, em sede de Direito Processual 
 Administrativo ou Tributário. Mesmo em sede de processo penal, já foi por este 
 Tribunal entendido que o legislador ordinário não se encontra 
 constitucionalmente obrigado a prever um recurso para harmonização de 
 jurisprudência que abranja todas as hipóteses possíveis de contradição de 
 julgados proferidos por tribunais superiores (cfr. Acórdão n.º 247/97, já supra 
 citado). Para além disso, conforme decorre do Acórdão n.º 520/07 (já supra 
 citado), a ora recorrente apenas goza do direito a que a sua questão 
 juridicamente controvertida seja apreciada por um tribunal imparcial e 
 independente e, quando muito, que tal decisão seja reapreciada por um tribunal 
 de segunda instância. Ora, nos autos recorridos, a questão controvertida já foi 
 devidamente apreciada, não por um, mas por dois tribunais: o Tribunal 
 Administrativo e Tributário de Viseu e o TCA-Norte. 
 
 
 Como tal, sendo certo que a interpretação normativa adoptada pelo tribunal 
 recorrido quanto ao n.º 1 do artigo 152º do CPTA não abarca todas as hipóteses 
 possíveis de contradição entre acórdãos proferidos por tribunais superiores, não 
 se justifica considerá-la como inconstitucional, por violação do direito de 
 acesso à Justiça (artigos 20º, n.º 1 e 268º, n.º 4, ambos da CRP). 
 
 
 
 7. O mesmo se diga quanto à invocada inconstitucionalidade por violação do 
 princípio da igualdade (artigo 13º da CRP). 
 
 
 Pretende a recorrente que a circunstância de a mesma ter instaurado duas acções 
 tributárias que foram alvo de decisões divergentes, relativamente à mesma 
 questão jurídica, implica um tratamento desigual, por não lhe ser possível 
 lançar mão do mecanismo de harmonização de jurisprudências previsto no n.º 1 do 
 artigo 152º do CPTA. Não tem, porém, razão a recorrente. 
 
 
 O princípio da igualdade não impede a adopção de opções legislativas que 
 envolvam um tratamento diferenciado de situações diferenciadas, nem tão pouco 
 impede a diferenciação de soluções jurídicas aplicáveis a situações aproximadas, 
 desde que objectivamente justificadas e adequadas e necessárias ao fim que se 
 pretende prosseguir. Dito de outro modo: o princípio da igualdade impõe uma 
 verdadeira proibição de arbítrio, ou seja, exige que a opção legislativa assente 
 num fundamento racional (assim, ver a mero título de exemplo, Acórdãos n.º 39/88, 
 n.º 188/90 e n.º 98/01). Ora, ainda que se admitisse que a interpretação 
 normativa reputada de inconstitucional pudesse comportar um tratamento 
 diferenciado de situações similares, sempre seria evidente que tal diferenciação 
 assenta num critério objectivo e racional, in casu a restrição do mecanismo de 
 harmonização de julgados a decisões tomadas por um tribunal superior situado na 
 mesma instância ou em instância superior. Assim, os argumentos da recorrente não 
 seriam procedentes. 
 
 
 Pelo exposto, também não se vislumbra que a interpretação normativa acolhida 
 pela decisão recorrida seja inconstitucional. 
 
 
 III ? DECISÃO 
 
 
 Pelos fundamentos expostos, decide-se não conceder provimento ao recurso. 
 
 
 Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro. 
 
 
 Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Vítor Gomes 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Gil Galvão