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Processo n.º 470/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 22 de Junho de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto de recurso por ela interposto para o Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 das alíneas b) e f) (esta por referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 
 [LTC], contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Fevereiro de 
 
 2009, que negou provimento a recurso por ela deduzido contra o despacho do 3.º 
 Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, de 19 de Maio de 2008, 
 que rejeitou liminarmente o incidente de prestação de caução por ela deduzido 
 por apenso à execução para entrega de coisa certa contra ela movida por B. e C..
 
             De acordo com o complemento ao requerimento de interposição de 
 recurso, a recorrente pretende que se aprecie «a violação dos artigos 3.º e 13.º 
 da Constituição da República Portuguesa, 28.º e 35.º do Decreto‑Lei n.º 385/88, 
 de 25 de Outubro, e 668.º do Código de Processo Civil, questão de 
 inconstitucionalidade e legalidade levantada pela recorrente no recurso de 
 indeferimento de incidente de caução na oposição à execução».
 
             O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal da 
 Relação do Porto, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende‑se que o 
 recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão 
 sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da 
 LTC.
 
  
 
             2. A admissibilidade de recurso interposto – como o presente – ao 
 abrigo das alínea b) e f) (esta por referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade e de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado 
 haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar 
 obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão 
 recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões 
 normativas arguidas de inconstitucionais ou ilegais (por violação de lei com 
 valor reforçado) pelo recorrente.
 
  
 
             2.1. Ora, nenhuma questão dessa natureza foi suscitada pela 
 recorrente nas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação do 
 Porto, do seguinte teor:
 
  
 
             «1. A agravante nos presentes autos intentou acção de preferência 
 nos termos do artigo 28.º do Decreto‑Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, acção 
 que foi julgada e provada procedente, pelo que, nos termos da mesma e em 3 de 
 Março de 2004, procedeu ao depósito do valor de 49 380,99 € (Doc. 1), relativo 
 ao valor dos bens sobre que exerceu a preferência, em cumprimento do previsto no 
 artigo 28.º do regime do arrendamento urbano, sob pena de caducidade do direito 
 e do arrendamento.
 
             2. Posteriormente, vieram os agora agravados intentar a acção 
 contra a agravante, baseando o seu pedido na sanção prevista na lei para o 
 preferente abstencionista.
 
             3. Nos termos da douta sentença, foi retirada a preferência.
 
             4. A agravante deduziu oposição.
 
             5. E deduziu também incidente de caução.
 
             6. O requerimento de suspensão de execução mediante prestação de 
 caução pode ocorrer em qualquer altura da fase de oposição à execução,
 
             7. não carecendo de ser deduzido no próprio articulado da oposição.
 
             8. A suspensão da execução pode obter‑se por duas vias,
 
             9. mediante a prestação espontânea de caução:
 
             10. a) Na própria execução, a todo o tempo,
 
             11. ou
 
             12. b) No recurso da decisão proferida em 1.ª instância quanto à 
 oposição.
 
             13. A prestação de caução espontânea da caução não prejudica o 
 exequente.
 
             14. A não prestação de caução, em consequência da interposição do 
 recurso, não preclude o direito do executado, por se estar no domínio do agravo 
 e lhe aproveitar o regime geral consignado no artigo 47.º, n.º 4, do CPC.
 
             15. A interpretação dos factos e da lei acolhida em Tribunal violou 
 os princípios legais aplicáveis.
 
             16. O aliás douto despacho violou o disposto nos artigos 47.º, n.º 
 
 4, 818.º e 988.º do CPC.
 
             17. O que interessa, portanto, é que fique assegurada ao exequente, 
 através da caução, a realização efectiva do seu crédito.
 
             18. Desde que essa garantia seja dada, através de qualquer meio 
 idóneo (artigo 623.º, n.º 1, do CC), o seguimento da execução deixa de 
 justificar‑se.
 
             19. Considerando esse papel funcional da caução, o tempo para a sua 
 efectivação, como garantia especial da obrigação do opoente, não tem qualquer 
 limite, desde que não ultrapasse a vida da própria oposição.
 
             20. O requerimento de suspensão da execução, mediante prestação de 
 caução, pode, assim, ocorrer em qualquer altura da fase da oposição à 
 execução, não carecendo de ser deduzido no próprio articulado de oposição.
 
             21. É este o entendimento generalizado da doutrina e da 
 jurisprudência – v. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 
 
 3.º, pág. 327; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 3.ª edição, pág. 
 
 137; acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Abril de 1999, Colectânea de 
 Jurisprudência, ano XXIV, tomo II, pág. 117; e acórdão do STJ, de 16 de 
 Dezembro de 1987, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, pág. 408.
 
             22. Assim, enquanto não estiver definitivamente decidida a 
 oposição, o executado/opoente poderá requerer a suspensão da execução.
 
             23. É que, a final, a opoente deduziu incidente de prestação de 
 caução, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 818.º, n.º 1, isto é, 
 para obter a suspensão da execução.
 
             24. E a oposição respeita a todo o objecto da execução.
 
             Conclusões:
 
             – A meritíssima Juiz a quo abstém‑se de conhecer do pedido 
 incidental;
 
             – Por outro lado, retira da lei pensamento legislativo que não tem 
 na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, pois a caução pode ser 
 requerida em qualquer estado da oposição;
 
             – Por fim, resulta claro que a Meritíssima Juiz a quo não 
 fundamenta o seu douto despacho nos termos legais;
 
             – Usa da arbitrariedade e não confere à sua decisão um mínimo de 
 certeza jurídica e clara definição dos princípios jurídicos que a regem:
 
             – O incidente da caução aplica‑se à execução para entrega de coisa 
 certa.»
 
  
 
             Como é patente, nesta peça processual a recorrente não suscitou 
 nenhuma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (por violação de lei 
 com valor reforçado) normativas, limitando‑se a imputar directamente à decisão 
 judicial então recorrida a violação de normas de direito ordinário.
 
  
 
             2.2. E, consequentemente, o acórdão ora recorrido não se pronunciou 
 
 – nem tinha que se pronunciar, por falta de adequada suscitação – sobre qualquer 
 questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por violação de lei com 
 valor reforçado, tendo a decisão de improvimento do recurso sido sustentada nas 
 seguintes considerações:
 
  
 
             «II. Das certidões juntas aos autos resultam os seguintes 
 elementos:
 
             A execução para entrega de coisa certa de que os presentes autos são 
 dependência fundou‑se em sentença já transitada em julgado à data da 
 instauração da execução.
 
             A requerente deduziu oposição à execução, que foi indeferida 
 liminarmente por despacho proferido na mesma data do despacho recorrido.
 
             Do despacho de indeferimento liminar da oposição à execução foi 
 interposto recurso para este Tribunal.
 
             III. As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da 
 alegação da agravante (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC) – são as 
 seguintes:
 
             – Se a decisão recorrida carece de fundamentação;
 
             – Se o incidente de prestação de caução com vista à suspensão da 
 execução deve prosseguir os seus termos apesar de a oposição à execução ter 
 sido liminarmente indeferida por despacho ainda não transitado em julgado.
 
             1. Falta de fundamentação da decisão recorrida.
 
             A recorrente veio dizer que a decisão recorrida não se encontra 
 fundamentada nos termos legais (embora sem explicar porquê), pelo que se mostra 
 arguida a nulidade da decisão.
 
             As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que 
 vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do artigo 668.º do CPC – diploma a que 
 pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem.
 
             Nos termos daquele normativo, é nula a sentença quando: a) não 
 contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de 
 direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a 
 decisão; d) o juiz deixe de pronunciar‑se sobre questões que devesse apreciar ou 
 conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em 
 quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
 
             Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos 
 de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre 
 a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou 
 ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da 
 razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer 
 porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado 
 
 (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder 
 jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia 
 conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria 
 conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor 
 que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte 
 afectada.
 
             A nulidade da falta de fundamentação prevista na alínea b) do n.º 1 
 do citado artigo 668.º está relacionada com o comando do artigo 659.º, n.º 2, 
 que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e 
 indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
 
             Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de 
 fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de 
 direito, gera aquela nulidade. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada 
 afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita‑a ao risco de ser revogada ou 
 alterada em recurso, mas não produz nulidade. Pese embora alguns autores 
 duvidem da constitucionalidade da norma do artigo 668.º, n.º 1, quando 
 interpretada naquele sentido.
 
             No caso, a M.ma Juíza a quo explicou, com apoio em jurisprudência, 
 que a rejeição do incidente de prestação de caução se ficou a dever ao facto de 
 a oposição ter sido liminarmente indeferida, não podendo, assim, a requerente 
 obter a suspensão da execução, ainda que viesse a ser interposto recurso da 
 decisão de indeferimento liminar.
 
             A fundamentação da decisão recorrida é sucinta, mas existe, pelo 
 que, face ao que acima expusemos, não enferma a decisão da nulidade a que se 
 reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º.
 
             2. Prestação de caução e suspensão da execução.
 
             A redacção do artigo 818.º introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 199/2003, de 10 de Setembro, inovou em relação ao regime anterior no que 
 respeita ao efeito do recebimento da oposição à execução, dispensando a 
 prestação de caução para efeitos de suspender a execução nos casos em que não 
 há citação prévia do executado (cf. n.º 2).
 
             A diversidade de regimes justifica‑se porque nos casos em que não há 
 lugar à citação prévia do executado já foi efectuada a penhora (cf. artigo 
 
 812.º‑A, n.º 1) e, portanto, o crédito exequendo já está garantido por essa 
 penhora que ainda pode ser reforçada ou substituída (artigo 818.º, n.º 2), não 
 carecendo de ser ‘duplamente’ garantido pela caução.
 
             Em consonância com tal solução, passou a haver sempre citação prévia 
 do executado nas execuções que não têm por finalidade o pagamento de uma 
 quantia certa e em que, portanto, não há, ab initio, que penhorar bens ao 
 executado, ou seja, nas execuções para entrega de coisa certa (artigo 928.º, 
 n.º 1) e para prestação de facto (artigos 933.º, n.º 2, 939.º, n.º 1, e 940.º, 
 n.º 2).
 
             Foi, por isso, eliminado o n.º 2 do artigo 928.º, que permitia que a 
 execução para entrega de coisa certa fundada em sentença se iniciasse com a 
 entrega judicial da coisa, sem citação prévia do executado, por remissão 
 expressa para o formalismo previsto nos artigos 924.º e seguintes.
 
             Nos termos do n.º 1 do actual artigo 928.º, a execução para entrega 
 de coisa certa inicia‑se com a citação do executado para, no prazo de 20 dias, 
 fazer a entrega ou opor‑se à execução.
 
             Sendo assim, na execução para entrega de coisa certa fundada em 
 sentença, o recebimento da oposição apenas suspende a execução se: a) o 
 executado prestar caução (artigo 818.º, n.º 1); b) a oposição tiver por 
 fundamento benfeitorias a que o executado tenha direito (artigo 929.º, n.ºs 1, 2 
 e 3).
 
             Aplica‑se ainda à execução para entrega de coisa certa a norma do 
 n.º 4 do artigo 47.º: ainda que o executado não tenha deduzido oposição, pode 
 sempre prestar caução com vista à suspensão da execução se esta se tiver 
 fundado em sentença ainda não transitada em julgado, isto é, em sentença da qual 
 tenha sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo (cf. o n.º 1 do 
 mesmo preceito).
 
             Já ressalta do que acima dissemos que a caução é uma garantia 
 
 (artigo 623.º do Código Civil) que se destina a pôr o exequente a coberto dos 
 riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, no caso de ser deduzida 
 oposição à execução, garantindo‑lhe a satisfação do seu direito caso a oposição 
 venha a improceder.
 
             Como se diz no acórdão da Relação de Lisboa, de 17 de Abril de 2008, 
 com a prestação de caução pelo executado procurou‑se obter um justo equilíbrio 
 entre, por um lado, os interesses do exequente, que pretende a satisfação 
 coerciva, em prazo razoável, do direito de crédito, e, por outro, os interesses 
 do devedor, a quem assiste o direito de se opor, designadamente, à execução do 
 património, garantindo‑se a eficiência do processo executivo.
 
             Sendo aquela a função da caução, a sua prestação só tem como efeito 
 a suspensão da execução após o recebimento da oposição – como resulta da letra 
 do n.º 1 do artigo 818.º e da inserção sistemática do preceito na sequência do 
 artigo 817.º, onde estão previstos os termos da rejeição e do recebimento da 
 oposição.
 
             Se a oposição à execução não chega a ser recebida, sendo 
 liminarmente rejeitada por qualquer um dos fundamentos previstos no n.º 1 do 
 artigo 817.º, não há que suspender a execução, e, consequentemente, não tem 
 qualquer utilidade a prestação de caução, que, caso já tenha sido requerida, 
 não deve ser admitida.
 
             Tem razão a requerente quando diz que a prestação de caução com 
 vista à suspensão da execução pode ser requerida em qualquer estado da oposição 
 até à decisão definitiva desta; mas tal pressupõe que a oposição foi recebida e 
 se encontra a seguir os termos subsequentes (cf. n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 817.º).
 
             A solução não é diferente pelo facto de ter sido interposto recurso 
 do despacho que indeferiu liminarmente a oposição.
 
             Embora esse recurso (de agravo – artigos 234.º‑A, n.º 2, e 923.º) 
 tenha efeito suspensivo (artigo 740.º, n.º 1), suspende apenas a marcha dos 
 autos de oposição até que seja decidido, não se estendendo o alcance desse 
 efeito ao processo de execução. Por via da admissão do recurso com efeito 
 suspensivo, a oposição à execução continua a ser oposição não recebida.
 
             Por isso, mesmo que recorra do despacho de indeferimento liminar da 
 oposição, o executado não pode obter a suspensão da execução prestando caução.
 
             Nos presentes autos, não é manifestamente caso de aplicação do n.º 4 
 do artigo 47.º, já que a execução se fundou em sentença transitada em julgado.
 
             A oposição deduzida pela requerente também não se fundou em 
 benfeitorias, pois que não foi pedida qualquer quantia a esse título (cf. n.º 2 
 do artigo 929.º).
 
             A requerente só poderia, assim, suspender os termos da execução se, 
 deduzindo oposição, prestasse caução ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 
 
 818.º – o que requereu.
 
             Porém, como a oposição à execução foi liminarmente indeferida nos 
 termos do n.º 1 do artigo 817.º, não pode a requerente ser admitida a prestar 
 caução a fim de obter a suspensão da execução, apesar de ter interposto recurso 
 do despacho de indeferimento liminar da oposição.
 
             Como se disse, o efeito suspensivo de tal recurso teve apenas a 
 virtualidade de suspender os termos da oposição à execução, que continua a ser 
 oposição não recebida, não abrangendo a execução.
 
             Bem andou, pois, a M.ma Juíza a quo em rejeitar o incidente de 
 prestação de caução.
 
             Improcedem, assim, as conclusões da agravante, pelo que há que negar 
 provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida.»
 
  
 
             3. Como inequivocamente resulta do precedentemente exposto, no 
 presente processo, a recorrente nunca suscitou, perante o tribunal recorrido, 
 em termos processualmente adequados, uma questão de inconstitucionalidade ou de 
 ilegalidade (por violação de lei com valor reforçado) normativas, isto é, nunca 
 imputou a uma norma de direito ordinário (ou a uma interpretação normativa 
 extraída desse direito e identificada com o mínimo de precisão) a violação de 
 normas ou princípios constitucionais ou a violação de uma lei com valor 
 reforçado (que a recorrente jamais indicou qual fosse).
 
             E, consequentemente, o acórdão recorrido não fez aplicação de 
 qualquer norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade (por violação de lei 
 com valor reforçado) tivesse sido arguida pela recorrente, pelo que o presente 
 recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu 
 objecto.
 
  
 
             4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no artigo 
 
 78.º‑A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
 
  
 
                         1.2. Os fundamentos da reclamação apresentada pela 
 recorrente foram por ela sintetizados nas seguintes conclusões:
 
  
 
             “O entendimento vertido no douto despacho recorrido da Lei do 
 Arrendamento Rural – artigo 28.º – é inconstitucional, violando os artigos 3.º 
 e 13.º da CRP.
 
             Efectivamente, viola os princípios da igualdade e legalidade na 
 aplicação que faz do artigo 28.º do regime do arrendamento rural.
 
             Por outro lado, viola os princípios legais consagrados na lei, 
 artigos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Código Civil.
 
             Abstém‑se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei, 
 conferindo aos agravados direitos que não resultam da letra da lei e que 
 manifestamente prejudicam a agravada.
 
             Não procurando interpretar a lei e o porquê do estabelecimento do 
 prazo de 30 dias para depósito do preço estabelecido no artigo 28.º do regime do 
 arrendamento rural.
 
             Por outro lado, retira da lei pensamento legislativo que não tem na 
 letra da lei um mínimo de correspondência verbal quando exige que a agravante 
 notifique os agravados para depositarem o preço e só o façam quando a agravante 
 lhe entregue os bens, esquecendo que o arrendamento se mantém em vigor e que 
 podem existir razões para a agravante exercer o direito de retenção.
 
             Resulta, pois, claro que o direito dos agravados caducou por falta 
 do cumprimento da lei.
 
             Os agravados deveriam ter depositado o preço 30 dias após o trânsito 
 em julgado da sentença de 22 de Junho de 2007.
 
             Por fim, resulta claro que a Meritíssima Juiz a quo não fundamenta o 
 seu douto despacho nos termos legais.
 
             Usa da arbitrariedade e não confere à sua decisão um mínimo de 
 certeza jurídica e clara definição dos princípios jurídicos que a regem.
 
             A agravante usa nos fundamentos alegados na oposição as condições 
 previstas no artigo 814.º do CPC.
 
             O que acontece é que a Meritíssima Juiz a quo decide de mérito, sem 
 dar oportunidade à agravante de utilizar todos os procedimentos normais de um 
 processo para fazer jus aos fundamentos que invoca e colocá‑los perante o 
 contraditório de uma audiência de julgamento.
 
             A Meritíssima Juiz a quo não indefere liminarmente a oposição.
 
             Ela toma sobre ela uma posição a que chama indeferimento liminar.
 
             Não existe título executivo.
 
             A sentença dada à execução não tem a virtualidade de «despejar» a 
 agravante dos prédios constantes do arrendamento de que é titular.
 
             O título é inexequível.
 
             Existe causa prejudicial.
 
             A denúncia do contrato de arrendamento feito pelos agravados para 
 exploração directa é objecto de acção já intentada pela agravante.
 
             A sua procedência tem eficácia ex tunc.
 
             O despejo põe em causa a subsistência da agravante, diminuindo 
 totalmente os seus proventos e essa diminuição não pode ser compensada com novo 
 arrendamento.
 
             Atente‑se à provecta idade da agravante e o arrendamento ser o seu 
 
 único meio de subsistência.
 
             Título executivo é a sentença ou o seu translado, o que não se 
 verifica in casu – artigo 47.º do CPC.
 
             E superveniente verifica‑se a caducidade do direito dos agravados 
 pelo não depósito do valor dos prédios em que a agravante preferiu.
 
             A Meritíssima Juiz a quo viola o dever de julgar e o dever de 
 obediência à lei.
 
             A inconstitucionalidade foi devidamente alegada nas peças 
 processuais e durante o processo.
 
             Viola a douta decisão do Exmo. Juiz Conselheiro Relator os artigos 
 
 20.º e 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, 660.º, n.º 2, 
 
 664.º, 668.º, n.º 1, alíneas b) e d), e 669.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Civil.
 
             Nestes termos, nos de direito e com o sempre mui douto suprimento de 
 V. Ex.as, deve a douta decisão do Ex.mo Juiz Conselheiro que não conhece do 
 presente recurso ser revogada e substituída por outra que conheça do mesmo, 
 seguindo-se os ulteriores termos legais até final.”
 
  
 
                         1.3. Os recorridos não apresentaram resposta.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão ora reclamada considerou o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional inadmissível (o que determinou o não 
 conhecimento do seu objecto) face à constatação de a recorrente nunca ter 
 suscitado, perante o tribunal recorrido, em termos processualmente adequados, 
 uma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (por violação de lei com 
 valor reforçado) normativas, isto é, nunca ter imputado a uma norma de direito 
 ordinário (ou a uma interpretação normativa extraída desse direito e 
 identificada com o mínimo de precisão) a violação de normas ou princípios 
 constitucionais ou a violação de uma lei com valor reforçado (que a recorrente 
 jamais indicou qual fosse).
 
                         O fundamento da decisão de não conhecimento do recurso 
 não é, em rigor, atacado pela reclamante, que jamais indicou os locais onde 
 teria suscitado, perante o tribunal recorrido, em termos processualmente 
 adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou qualquer 
 questão de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, nunca tendo 
 identificado qual seria esta lei como valor reforçado.
 
                         Na presente reclamação, a reclamante continua a imputar 
 directamente às decisões judiciais das instâncias, em si mesmas consideradas, a 
 errada interpretação e aplicação de normas de direito ordinário, fazendo 
 assentar neste “erro” a violação dos princípios da igualdade e legalidade na 
 aplicação da lei, para além de as considerar desprovidas de fundamentação, tudo 
 questões inidóneas para integrar o objecto do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, pelo que, sem necessidade de considerações complementares, se 
 impõe o indeferimento da reclamação.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 30 de Julho de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos