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Processo nº 667/2009
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 
             Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 I Relatório
 
  
 
 1.  O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da 
 Constituição da República Portuguesa e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, 
 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que 
 o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das normas 
 constantes do n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea c) do n.º 2 
 do mesmo artigo 2.º do Decreto 343/X da Assembleia da República, recebido na 
 Presidência da República no dia 28 de Julho de 2009 para ser promulgado como 
 lei.
 
  
 
             O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta, em 
 síntese, a seguinte fundamentação:
 
  
 A)
 Quanto à norma constante do n.º i) da alínea j) 
 do n.º 1 do artigo 2.º
 
  
 
 –   Ao prever, como instrumento de política urbanística, um regime de venda 
 forçada, a norma prevista no n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º cria uma 
 nova forma de privação de propriedade privada, na medida em que afecta com 
 efeitos ablativos a liberdade de gozo e de transmissão da mesma;
 
 –   Revestindo o direito de propriedade privada natureza análoga a direitos, 
 liberdades e garantias, o mesmo só pode ser restringido nos casos expressamente 
 previstos na Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP [por lapso 
 ter-se-á referido o n.º 1 do artigo 18.º];
 
 –   Este último preceito é violado pela referida norma, na medida em que a 
 Constituição não prevê que o direito de propriedade privada possa ser sujeito a 
 essa forma de restrição;
 
 –   Porquanto, ao dispor, no n.º 4 do artigo 65.º, sobre a política de ocupação, 
 uso e transformação de solos urbanos, a Constituição prevê unicamente a figura 
 da expropriação por utilidade pública como instrumento de privação da 
 propriedade privada apto à satisfação de fins de utilidade pública urbanística;
 
 –   Ou seja, por se estar perante uma norma constitucional típica, que contém um 
 numerus clausus, é vedado ao legislador vir restringir o direito de propriedade 
 privada, com fundamento em utilidade pública urbanística, através de qualquer 
 outro instrumento que não a expropriação por utilidade pública;
 
 –   Assim sendo, apenas se poderia sustentar a não inconstitucionalidade da 
 norma sindicada, com fundamento em violação da norma do n.º 2 do art. 18.º da 
 Constituição, na hipótese de se considerar que, por possuir elementos de 
 identidade com o instituto da expropriação, na qualidade de instrumento de 
 política urbanística, o instituto da venda forçada cabe, por analogia, na 
 previsão do n.º 4 do artigo 65.º da CRP;
 
 –   Simplesmente, para tanto seria necessário verificar-se uma relação de 
 homologia entre os dois instrumentos de política urbanística, nomeadamente 
 quanto: a) à consecução do fim de utilidade pública que devem prosseguir; b) às 
 garantias inerentes ao processo indemnizatório que lhes subjaz;
 
 –   No que respeita ao primeiro requisito, seria necessário que, tal como sucede 
 com a expropriação, i) a venda forçada implicasse uma prévia declaração de 
 utilidade pública do bem sujeito a essa venda coactiva e ii) acautelasse, no 
 respectivo procedimento, o preenchimento efectivo do fim de interesse público 
 urbanístico que subjaz à reabilitação;
 
 –   Sucede, porém, que, em virtude de a norma habilitante ora sindicada omitir a 
 exigência de prévia declaração de utilidade pública individualizada, não podendo 
 a mesma retirar-se sequer implicitamente das duas remissões feitas para o Código 
 das Expropriações, a mesma cria um meio de privação forçada da propriedade por 
 razões urbanísticas sem garantir que a legislação delegada consagre tal regime;
 
 –   Porque tal omissão tem como efeito que o Governo possa optar por não exigir 
 a prévia declaração de utilidade pública do bem sujeito a venda forçada, nos 
 mesmos termos que regem o instituto das expropriações (artigos 1.º e 13.º do 
 Código das Expropriações), deixa de poder sustentar-se a tese segundo a qual o 
 instituto da venda forçada possuiria elementos de identidade com o instituto da 
 expropriação, na qualidade de instrumento de política urbanística, cabendo, por 
 analogia, na previsão do n.º 4 do artigo 65.º da Constituição;
 
 –   Assim, a norma habilitante viola o disposto no n.º 4 do artigo 65.º 
 conjugado com o artigo 13.º da Constituição ao mesmo tempo que viola o n.º 2 do 
 artigo 165.º da Constituição conjugado com essas mesmas disposições;
 
 –   Além de que, ainda no que respeita ao primeiro requisito (utilidade 
 pública), deve considerar-se duvidoso que o instituto da venda forçada garanta a 
 prossecução dos fins de utilidade pública urbanística, num nível idêntico ao da 
 expropriação, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º da CRP;
 
 –   A dúvida resulta, em primeiro lugar, da circunstância de, ao passo que, no 
 processo de expropriação, o bem é afectado a fins de utilidade pública, sendo 
 reconhecido o direito de reversão quando essa afectação não ocorra, já na venda 
 forçada, o bem não deflui para o património público; com efeito, esta venda 
 forçada processa-se entre entidades privadas, não se logrando assegurar a 
 reversão da propriedade para o anterior titular se os novos adquirentes não 
 cumprirem a obrigação de reabilitação, prevendo a lei, para tal caso, nova venda 
 forçada, o que cria um quadro desigualitário e diverso em relação ao regime da 
 expropriação, seja quanto à garantia do interesse público seja quanto à 
 salvaguarda dos direitos dos proprietários;
 
 –   A desigualdade existente entre a expropriação e a venda forçada decorre, em 
 segundo lugar, do facto de, ao passo que bens objecto de expropriação que sejam 
 incluídos no domínio privado da Administração apenas podem ser cedidos em 
 propriedade plena a privados, por força de acordo directo ou concurso, mediante 
 um exigente procedimento de escolha do co-contratante que salvaguarde o 
 interesse público, o mesmo não se verificar relativamente a bens objecto de 
 venda forçada em hasta pública onde a garantia do interesse público se encontra, 
 comparativamente, diminuída;
 
 –   No que respeita ao segundo requisito, de cuja verificação depende a 
 sustentabilidade da tese segundo a qual o instituto da venda forçada possuiria 
 elementos de identidade com o instituto da expropriação, na qualidade de 
 instrumento de política urbanística, cabendo, por analogia, na previsão do n.º 4 
 do artigo 65.º da Constituição, requisito esse relacionado com as garantias 
 inerentes ao processo indemnizatório, argumenta-se que a norma impugnada não 
 logra garantir, na definição do sentido da autorização legislativa, o imperativo 
 da plenitude e da contemporaneidade da indemnização ou compensação do 
 proprietário, por identidade de razão com o critério de justiça material que, de 
 acordo com o Tribunal Constitucional (Ac. do TC n.º 174/95), deve pautar a 
 indemnização atribuída em sede de expropriação por utilidade pública;
 
 –   Assim, a norma habilitante viola o disposto no n.º 2 do artigo 62.º 
 conjugado com o artigo 13.º da Constituição ao mesmo tempo que viola o n.º 2 do 
 artigo 165.º da Constituição conjugado com essas mesmas disposições.
 
  
 B)
 Quanto à norma constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º
 
  
 
 –   A norma sindicada intenta definir o sentido e a extensão da autorização 
 legislativa concedida ao Governo no que respeita ao regime jurídico aplicável à 
 denúncia ou suspensão do arrendamento para demolição ou realização de obras de 
 remodelação ou restauro profundos e, ainda, à actualização das rendas na 
 sequência de obras com vista à reabilitação.
 
 –   Ao determinar o sentido e extensão da autorização legislativa em termos tais 
 que nela se prevê a possibilidade de exclusão do dever de o senhorio indemnizar 
 ou realojar o arrendatário sempre que a demolição for necessária por força da 
 degradação do prédio, incompatível com a sua reabilitação e geradora de risco 
 para os respectivos ocupantes ou decorra de plano municipal do ordenamento do 
 território, a norma sindicada exibe uma elevada densidade paramétrica, na medida 
 em que condiciona significativamente a discricionariedade do diploma autorizado;
 
 –   Com efeito, é a própria norma delegante a determinar: a) que os seus 
 destinatários serão os arrendatários, não só porque se reporta ao efeito 
 indemnizatório gerado por efeito da denúncia do contrato de arrendamento, mas 
 também pelo facto de a expressão “indemnização ou realojamento” ser formulada em 
 alternativa quanto à configuração das formas de compensação que pretende 
 excluir, só podendo as mesmas respeitar a arrendatários; b) que a exclusão 
 peremptória da indemnização assume carácter excepcional em relação à regra geral 
 da compensação do arrendatário cujo contrato seja denunciado, radicando essa 
 excepção em quatro pressupostos bem precisos: degradação da mesma fracção ou 
 edifício, incompatibilidade com a sua reabilitação, risco para os ocupantes e 
 plano municipal de ordenamento do território que imponha a demolição; c) que no 
 sentido e âmbito da autorização se encontram ausentes cláusulas relativas ao 
 
 âmbito temporal de eficácia do diploma autorizado;
 
 –   São, ao todo, quatro os fundamentos de inconstitucionalidade invocados, a 
 saber: a) violação do n.º 3 do art. 18.º por a norma suprimir, sem justificação 
 material plausível e sempre que se verifiquem os pressupostos nela previstos, o 
 núcleo ou conteúdo essencial do próprio direito à indemnização, alargado aos 
 arrendatários expropriados por força da conjugação do n.º 2 do artigo 62.º com o 
 artigo 13.º da CRP, na medida em que esse direito indemnizatório consiste num 
 direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias; b) violação de 
 uma dimensão autónoma do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) ao 
 discriminar negativamente os arrendatários em relação aos proprietários, no que 
 respeita ao direito de ambos serem indemnizados nos termos do n.º 2 do artigo 
 
 62.º da CRP; c) violação do n.º 2 do artigo 18.º da CRP na parte em que impõe 
 como requisito de uma lei restritiva a observância do princípio da 
 proporcionalidade tanto na sua dimensão de necessidade quanto na de 
 proporcionalidade em sentido estrito; d) violação do princípio da protecção da 
 confiança, enunciado no artigo 2.º da CRP, ao permitir que as situações e 
 posições jurídicas dos actuais arrendamentos possam ser afectadas por uma medida 
 imprevisível com efeitos retrospectivos de conteúdo altamente desfavorável, 
 frustrando as legítimas expectativas desses titulares em serem compensados pelos 
 efeitos da expropriação;
 
 –   No que respeita ao primeiro fundamento invocado, começa por afirmar-se que o 
 direito à indemnização do arrendatário em caso de expropriação do bem arrendado 
 por utilidade pública está previsto em lei ordinária, nomeadamente nas normas 
 dos nºs 1 e 2 do artigo 9.º e do artigo 30.º do Código das Expropriações (as 
 quais dão continuidade a regimes legais análogos sobre esta matéria);
 
 –   Decisivo é, contudo, saber se esse direito do arrendatário consagrado em lei 
 ordinária tem, igualmente, arrimo constitucional como direito fundamental, pois 
 só nesse caso faria sentido impugnar a constitucionalidade da norma que autoriza 
 o Governo a derrogar o disposto no Código das Expropriações, tendo em vista a 
 exclusão do direito do arrendatário expropriado a justa indemnização;
 
 –   Sobre essa matéria importa assinalar que o Tribunal Constitucional 
 reconheceu, inequivocamente, a dimensão constitucional do direito do 
 arrendatário a justa indemnização, considerando que o n.º 2 do artigo 62.º da 
 CRP, conjugado com o princípio da igualdade enunciado no artigo 13.º da CRP, 
 atribuiria a titularidade desse direito, não apenas aos proprietários 
 expropriados, mas também a outros titulares de ónus ou direitos reais que 
 recaiam sobre o bem expropriado, como será o caso a) dos titulares do direito ao 
 arrendamento não habitacional, considerando o Tribunal Constitucional que o 
 princípio da justa indemnização “sendo aplicável, desde logo, à expropriação do 
 direito de propriedade, vale, também, seguramente, para a expropriação do 
 direito ao arrendamento comercial e industrial ou destinado ao exercício de 
 profissões liberais”, tendo fundamentado esta extensão numa “igualdade” entre os 
 diversos titulares de posições jurídicas activas sobre o bem expropriado em face 
 dos danos e perdas resultantes da ablação expropriativa (Ac. TC n.º 37/91); b) 
 dos titulares do direito ao arrendamento rural (Ac. TC n.º 306/94); c) dos 
 titulares do direito ao arrendamento urbano, tendo o Tribunal Constitucional 
 julgado, com fundamento numa argumentação homóloga, a inconstitucionalidade de 
 norma que configurara um limite indemnizatório inadequado e não conferira ao 
 arrendatário do bem expropriado a faculdade de optar entre a percepção de 
 indemnização e o direito a ser realojado (Ac. TC n.º 381/99);
 
 –   Torna-se, assim, possível configurar o direito fundamental dos arrendatários 
 de prédios ou fracções a uma justa indemnização sempre que o respectivo contrato 
 de arrendamento seja denunciado em consequência de um acto de expropriação por 
 utilidade pública;
 
 –   A configuração desse direito faz-se com base na conjugação do princípio do 
 Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP) com a regra construída a 
 partir do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) que alarga, aos 
 arrendatários, o âmbito subjectivo de previsão do direito previsto no n.º 2 do 
 artigo 62.º da CRP;
 
 –   Ora, o direito de propriedade privada, consagrado no artigo 62.º da CRP 
 reveste uma natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, devendo 
 aplicar-se às restrições que lhe sejam determinadas os limites previstos no 
 artigo 18.º da Constituição para as leis restritivas desses mesmos direitos;
 
 –   Um elemento do direito de propriedade consagrado no n.º 2 do artigo 62.º é a 
 garantia de o seu titular não ser dela arbitrariamente privado e de ser 
 indemnizado em caso de desapropriação, pelo que, tendo o Tribunal Constitucional 
 alargado a aplicação desse princípio da justa indemnização à expropriação do 
 direito ao arrendamento (Ac. TC n.º 37/91), este último direito tem também, por 
 identidade de razão, natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, 
 sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 18.º da CRP;
 
 –   Além de que, nos acórdãos referidos, o Tribunal Constitucional julgou a 
 desconformidade de disposições legislativas que antecederam o Código das 
 Expropriações em vigor, com o n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, não pelo 
 facto de essas disposições excluírem o direito à indemnização dos arrendatários, 
 mas pela circunstância de o quantum indemnizatório ou o quid compensatório que 
 as mesmas normas previam ser insuficiente ou fixado arbitrariamente;
 
 –   Por ser ainda mais restritiva na afectação negativa do direito à 
 indemnização do que as disposições que foram julgadas inconstitucionais nos 
 referidos acórdãos, na medida em que fere, em termos ablativos, o próprio núcleo 
 ou conteúdo essencial desse direito, ao excluir a atribuição de qualquer tipo de 
 indemnização ou compensação, sempre que se verifiquem, em abstracto, os quatro 
 pressupostos específicos nela previstos, sem que seja possível descortinar, 
 relativamente a cada um dos quatro pressupostos, um fundamento material razoável 
 que justifique o critério de não indemnizar ou compensar, a norma sindicada 
 viola o n.º 3 do artigo 18.º por força da conjugação do n.º 2 do artigo 62.º com 
 o artigo 13.º da CRP;
 
 –   Não são razoáveis os pressupostos, porquanto a demolição fundada em 
 degradação da fracção ou edifício, incompatibilidade com a sua reabilitação, 
 risco para os ocupantes e plano municipal de ordenamento do território, decorre 
 de factores que, por regra, não são imputáveis à conduta do arrendatário;
 
 –   Mesmo admitindo que em situações de degradação e de risco do imóvel poderia 
 ser justificável a exclusão do direito a indemnização, no caso de esses factores 
 serem imputáveis ao arrendatário, verifica‑se que a norma sindicada, por a estes 
 se não cingir como único fundamento de expropriação não compensada, é 
 sobreinclusiva, não deixando margem de discricionariedade ao diploma autorizado 
 para proceder a distinções e, assim, acautelar situações atendíveis;
 
 –   O requerente entende que a norma viola ainda uma dimensão autónoma do 
 princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) ao discriminar negativamente os 
 arrendatários em relação aos proprietários, no que respeita ao direito de ambos 
 serem indemnizados nos termos do n.º 2 do artigo 62.º da CRP;
 
 –   O requerente entende ainda que, por se estar perante um direito fundamental 
 de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe, portanto, 
 aplicável o artigo 18.º da CRP, ainda que o Tribunal não acolha o entendimento 
 segundo o qual a norma sindicada viola o n.º 3 do artigo 18.º na parte em que 
 proíbe que o legislador fira o conteúdo ou núcleo essencial de direitos, 
 liberdades e garantias, a mesma, atentos os efeitos compressivos que decorreriam 
 da sua natureza de lei-pressuposto de outras leis, viola o n.º 2 do artigo 18.º 
 na parte em que impõe ao legislador o dever de limitar qualquer restrição ao 
 necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos;
 
 –   A exclusão do direito à indemnização não assegura, de forma equilibrada, a 
 concordância prática entre o direito a uma compensação devida em razão do 
 expressivo sacrifício imposto ao arrendatário cujo arrendamento é denunciado e a 
 salvaguarda de um interesse constitucionalmente protegido, qual seja o interesse 
 público em expropriar, o qual é feito prevalecer em termos desnecessários e 
 desmesurados sobre o primeiro;
 
 –   Tanto assim é que nenhum dos fundamentos constantes da norma sindicada e que 
 parametrizam o interesse público em ditar a expropriação justifica materialmente 
 a ablação da mesma indemnização ou do realojamento compensatório;
 
 –   O princípio da proporcionalidade enunciado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP é 
 igualmente violado na dimensão de “justa medida” ou de proporcionalidade em 
 sentido estrito, porquanto a exclusão do direito à indemnização se afigura 
 excessiva, arbitrária e desmesurada para alcançar o interesse público 
 pretendido, na medida em que deixa os arrendatários expropriados sem habitação e 
 sem compensação financeira pelo despejo, não logrando, quer o fim da 
 expropriação, quer os seus pressupostos, justificar semelhante efeito;
 
 –   O requerente entende, por último, que, por não consagrar uma disposição 
 transitória que salvaguarde os antigos arrendamentos e que restrinja a aplicação 
 do diploma autorizado apenas aos arrendamentos celebrados depois da sua entrada 
 em vigor ou aos edifícios e fracções que apenas após a sua entrada em vigor 
 sejam qualificados como degradados, incompatíveis com a sua reabilitação, em 
 risco para os ocupantes e desconformes com plano municipal de ordenamento de 
 território, e, portanto, permitir que as situações e posições jurídicas dos 
 actuais arrendamentos possam ser afectadas por uma medida imprevisível com 
 efeitos retrospectivos de conteúdo desfavorável que retire aos seus titulares o 
 direito a indemnização ou a realojamento em caso de expropriação fundada nos 
 quatro pressupostos examinados, a norma sindicada ofende o princípio da 
 protecção da confiança, subsumível ao princípio do Estado de direito democrático 
 
 (artigo 2.º da CRP), pois frustra inadmissível e exorbitantemente as legítimas 
 expectativas desses titulares em perceberem uma indemnização ou compensação que 
 lhes é garantida pela legislação em vigor;
 
 –   Reúnem-se, assim, os pressupostos necessários à invocação da ofensa ao 
 princípio da protecção da confiança (artigo 2.º da CRP), à luz da jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional (Acórdãos TC nºs 287/90, 307/90 e 24/98), dado que a) 
 os arrendatários são frustrados nas suas expectativas legítimas em serem 
 indemnizados por força de denúncia do seu contrato de arrendamento decorrente de 
 expropriação, já que esse direito resulta não apenas do Código das Expropriações 
 em vigor, mas também de anterior legislação em matéria de expropriações, havendo 
 fundadas expectativas na sua continuidade, na medida em que a protecção 
 constitucional ao referido direito foi reconhecida pela jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional (Ac. TC n.º 381/99); b) a norma sindicada implica uma 
 alteração inesperada e súbita do ordenamento, já que em termos razoáveis a mesma 
 não poderia ser antecipada, tendo abalado o investimento de confiança dos 
 arrendatários dos imóveis degradados, em risco, desconformes com imperativos de 
 reabilitação ou com planos municipais de ordenamento do território, em serem 
 ressarcidos em caso de expropriação; c) a eliminação pura e simples do direito 
 indemnizatório ou de realojamento nas quatro situações constitui um sacrifício 
 que, pelo seu carácter desrazoável, excessivo e desnecessário à luz do interesse 
 público que preside à decisão expropriativa, revela ser “intolerável, arbitrário 
 e demasiado opressivo” (Ac. do TC n.º 303/90) na derrogação das expectativas 
 legítimas do titular do arrendamento quanto à percepção de uma justa 
 compensação.
 
  
 
             O Presidente da República requer o pedido de fiscalização de 
 constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 
 35.º
 Atenta a fundamentação das dúvidas de constitucionalidade expostas no presente 
 pedido, venho requerer ao Tribunal Constitucional que aprecie a 
 constitucionalidade da norma constante do n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 
 
 2.º do Decreto 343/X, da Assembleia da República:
 a)       Com fundamento na criação de uma nova forma de privação de propriedade 
 privada fundada em utilidade pública urbanística que não é autorizada pela 
 Constituição e que restringe um direito de natureza análoga aos direitos, 
 liberdades e garantias fora dos casos expressamente previstos na Lei 
 Fundamental, violando a norma constante do n.º 4 do artigo 65.º conjugada com o 
 n.º 2 do artigo 18.º da Constituição;
 b)      Em alternativa ao pedido anterior, com fundamento em eventual violação 
 da norma constante do n.º 2 do artigo 165.º da Constituição e, ainda, da norma 
 do n.º 4 do artigo 65.º conjugada com o artigo 13.º da CRP na medida em que a 
 norma sindicada definiu, de forma insuficiente, o sentido e extensão da 
 autorização legislativa, pois não acautelou que o novo instituto de venda 
 forçada por razões urbanísticas garantisse a prossecução do fim de utilidade 
 pública e do carácter justo do processo indemnizatório em termos idênticos à 
 expropriação por utilidade pública.
 
  
 
 36.º
 Também por força da ordem de razões oportunamente exposta, venho, ainda, 
 requerer a fiscalização da constitucionalidade da norma constante da alínea c) 
 do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto, com fundamento em violação:
 a)         Da norma do n.º 3 do artigo 18.º da CRP, dado que suprime, sem 
 justificação material plausível, o núcleo ou conteúdo essencial do próprio 
 direito à indemnização alargado aos arrendatários expropriados por força da 
 conjugação do n.º 2 do artigo 62.º com o artigo 13.º da CRP e com o artigo 2.º 
 da CRP;
 b)        Em alternativa ao pedido formulado na alínea precedente, da norma 
 constante do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, por ofensa ao princípio da 
 proporcionalidade que deve vincular o conteúdo das leis restritivas de direitos 
 análogos a direitos, liberdades e garantias;
 c)         Do disposto no artigo 13.º da CRP (princípio da igualdade) ao 
 discriminar negativamente os arrendatários em relação aos proprietários, no que 
 respeita ao direito de ambos serem indemnizados nos termos do n.º 2 do artigo 
 
 62.º da CRP;
 d)        Do princípio da protecção da confiança, enunciado no artigo 2.º da CRP 
 ao permitir que as situações e posições jurídicas dos actuais arrendatários 
 possam ser afectadas por uma medida imprevisível com efeitos retrospectivos de 
 conteúdo altamente desfavorável, frustrando as legítimas expectativas desses 
 titulares em serem compensados pelos efeitos da expropriação.
 
  
 
  
 
 2.  O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 29 de Julho de 2009 e o 
 pedido foi admitido na mesma data.
 
  
 
  
 
 3.  Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, o Presidente da Assembleia da República veio apresentar resposta 
 na qual oferece o merecimento dos autos.
 
  
 
 4. Apresentado e discutido o memorando a que se refere o nº 2 do artigo 58.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, cumpre decidir de acordo com a orientação que 
 então se fixou. 
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 A)
 O contexto das questões
 
  
 
 5.  As questões de constitucionalidade que, por este meio, são colocadas ao 
 Tribunal reportam-se, como decorre do relato que acabou de fazer-se, ao Decreto 
 nº 343/X da Assembleia da República, enviado ao Presidente da República para ser 
 promulgado como lei. 
 O Decreto da Assembleia contém duas distintas autorizações legislativas 
 endereçadas ao Governo, a serem cumpridas através da emissão de decretos‑lei 
 autorizados nos termos conjugados dos artigos 165.º (nºs 2 a 4) e 198.º, n.º 1, 
 alínea b) da Constituição. 
 Destina-se a primeira a autorizar a aprovação, pelo Governo, do “regime jurídico 
 da reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana e dos edifícios nestas 
 situados” (artigo 1.º, alínea a) do Decreto); destina-se a segunda a autorizar 
 que o Governo aprove “o regime de denúncia ou suspensão do contrato de 
 arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro 
 profundos e da actualização de rendas na sequência de obras com vista à 
 reabilitação” (artigo 1.º, alínea b) do Decreto). Como o regime identificado 
 nesta segunda autorização legislativa já foi objecto de regulação por parte do 
 Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, do seu cumprimento decorrerá – como 
 aliás se explicita no proémio do Decreto – a alteração do referido diploma 
 governamental. 
 Sustenta o requerente que são inconstitucionais duas “normas” constantes do 
 artigo 2.º do Decreto: a ínsita no seu n.º 1, alínea j), n.º i) – que é relativa 
 
 à primeira autorização concedida, tendente à aprovação do “regime jurídico da 
 reabilitação urbana” – e a ínsita no seu n.º 2, alínea c), relativa à 
 autorização para aprovação do “regime de denúncia ou suspensão do contrato de 
 arrendamento”. Tanto uma como outra integram a definição, levada a cabo pelo 
 Decreto, do sentido e extensão das autorizações concedidas. Por outro lado, 
 tanto em relação a uma como a outra invoca o requerente a existência de vícios 
 de inconstitucionalidade substancial ou material.
 Assim sendo, importa antes do mais saber se e em que medida 
 poderá o Tribunal pronunciar-se, em sede de controlo preventivo de 
 constitucionalidade, sobre “normas” constantes de um decreto da Assembleia que 
 pretende ser habilitante de futura actuação legislativa do Governo. 
 A questão merece ser colocada, a título de questão prévia, se se tiver 
 especialmente em conta a incidência do pedido e a natureza dos seus fundamentos: 
 podem as “normas” que definem o sentido de uma autorização legislativa (ainda 
 não promulgada) ser tidas, por razões materiais ou substanciais, como contrárias 
 
 à Constituição?
 
  
 
  
 B)
 Problema prévio
 
  
 
 6.  As autorizações legislativas – e, desde logo, as concedidas pela Assembleia 
 ao Governo, nos termos dos artigos 165.º e 198.º da Constituição – não contêm em 
 princípio disciplina que possa incidir directa e imediatamente na vida das 
 pessoas. Como habilitam o legislador governamental a emitir normas em matérias 
 que, não fora a habilitação, permaneceriam na reserva de competência do 
 Parlamento, fica o cumprimento da disciplina que nelas se contém – e, logo, a 
 sua plena eficácia externa, ou a sua capacidade para conformar definitivamente 
 domínios materiais de regulação – dependente da emissão de decreto-lei 
 autorizado, emissão essa que pode não ocorrer. Da habilitação parlamentar 
 decorre, para o executivo, um poder (mas não um dever) de regulação quanto aos 
 domínios para que foi habilitado, poder esse que, por definição, não é de 
 exercício necessário. Assim é que a autorização caduca, caso o órgão habilitado 
 se mantenha inerte durante o período da sua vigência (artigo 165.º, n.º 2), ou 
 caso, entretanto, desapareçam habilitante e habilitado (idem, n.º 4). 
 Tal não impede, porém, que se considere que as autorizações legislativas contêm 
 normas, cognoscíveis pelo Tribunal nos termos do artigo 278.º da Constituição. A 
 doutrina, já suficientemente justificada nos Acórdãos nºs 107/88 (Diário da 
 República, Iª série, n.º 141, pp. 2516) e 64/91 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), compreende-se antes do mais pela obsolescência 
 da teoria dualista do conceito de “norma”, que pretenderia que não teriam 
 efeitos normativos os chamados actos internos do Estado, nos quais se incluiriam 
 aqueles que se “limitassem” a alterar as posições relativas dos órgãos 
 estaduais, operando sobre a ordenação das suas competências. Uma tal concepção, 
 que confinava o reconhecimento da força normativa de um acto estadual à sua – 
 assim entendida – “eficácia externa”, tinha como pressuposto uma representação 
 do Estado categorialmente oposta à da sociedade, segundo a qual seria 
 naturalmente indiferente a esta última tudo o que se passasse, “apenas”, no 
 interior da organização estadual. Como não é seguramente essa a representação 
 que a CRP acolhe, nada impede que se reconheça que as normas sobre a produção de 
 normas, ainda no sentido estrito de normas de competência (como são desde logo 
 aquelas que, emanadas pelo Parlamento, autorizam o Governo a legislar sobre as 
 matérias enunciadas no artigo 165.º), se incluem sem dificuldade no conceito de 
 
 “norma” que, nos termos da Constituição, é objecto do controlo de 
 constitucionalidade, seja ele preventivo ou sucessivo. 
 As normas contidas nas autorizações legislativas não são, no entanto, apenas 
 normas de competência. Não se limitam a habilitar o Governo a legislar sobre 
 domínios da vida social que, sem a autorização, permaneceriam na esfera 
 reservada à normação parlamentar. Se o fossem, naturalmente que o controlo da 
 sua constitucionalidade, a efectuar pelo Tribunal, se teria que confinar a 
 razões de índole formal-competencial, visto que os únicos parâmetros 
 constitucionais aplicáveis (porque os únicos existentes) seriam tão somente os 
 respeitantes ao recorte do âmbito externo da habilitação concedida. Não é 
 todavia assim que as coisas se passam face ao disposto no n.º 2 do artigo 165.º 
 da Constituição. Decorre com efeito do preceito constitucional que, para além do 
 recorte externo do âmbito da competência concedida pela autorização ao Governo – 
 ou seja, para além da definição do seu objecto, extensão e duração –, a norma 
 habilitante deve ainda fixar o sentido a seguir pela legislação eventualmente 
 subsequente do Governo. Fixar o sentido do futuro decreto-lei autorizado 
 significa pré-determinar ou condicionar, através da identificação de princípios, 
 orientações ou directivas que não poderão deixar de ser cumpridos, o conteúdo 
 essencial das posteriores escolhas legislativas governamentais. Assim, as 
 autorizações não contêm só normas de competência. Contêm ainda normas materiais 
 regulativas ou orientadoras da futura acção governativa, normas materiais essas 
 que poderão, desde logo e pelo seu teor, “infringir o disposto na Constituição 
 ou os princípios nela consignados” (artigo 277.º, n.º 1 da CRP). Ao Tribunal 
 Constitucional cabe, por isso, e naturalmente, sindicar os eventuais vícios de 
 inconstitucionalidade que, por razões de índole substancial ou material, possam 
 vir a afectar estas normas orientadoras da futura actuação governativa, tudo 
 justificando – como se deixou claro no Acórdão n.º 107/88 – que o controlo da 
 constitucionalidade se faça antes da promulgação do decreto da Assembleia como 
 lei de autorização. 
 
             
 
  
 
 7.  Resta saber se este juízo – feito pelo Tribunal quanto às normas 
 autorizadoras que fixam o sentido da posterior, e eventual, legislação 
 governamental – não terá ele próprio limites, atentas as circunstâncias em que 
 se desenvolve e que condicionam a sua possibilidade. Em que casos poderá vir a 
 concluir-se, sem margem para dúvida, que serão desde logo inconstitucionais as 
 normas contidas em autorizações legislativas que pré‑condicionam as futuras 
 escolhas legislativas governamentais, de tal modo que se considere que o vício 
 de inconstitucionalidade radica na própria autorização, não podendo deixar de 
 transmitir-se, consequencialmente, ao decreto-lei autorizado? Tendo em conta que 
 este último ainda não existe, pois que a autorização ainda não foi cumprida –, 
 não podendo por isso o Tribunal formular um juízo em que se confrontem, tanto as 
 orientações materiais que foram fixadas pelo habilitante parlamentar à actuação 
 do Governo, quanto o modo do seu desenvolvimento ou concretização por parte do 
 decreto-lei autorizado –, terá que concluir-se que só será possível a obtenção 
 de um juízo de inconstitucionalidade, autónoma e exclusivamente reportado às 
 normas materiais de indirizzo contidas na autorização, em qualquer uma das 
 seguintes situações. 
 Primeira, em caso de insuficiência ou deficit do sentido autorizativo que foi, 
 ou não, fixado. Pode, com efeito, suceder que a autorização não cumpra, nesta 
 parte, a imposição decorrente do n.º 2 do artigo 165.º da CRP, por não conter 
 ela própria, ou com o grau de densidade que é exigível, as normas materiais 
 regulativas da futura actuação governativa. 
 Segunda, em caso de determinação indevida do sentido autorizativo que foi 
 fixado. Pode também acontecer que as normas materiais reguladoras da futura 
 acção do Governo tenham uma densidade tal que se torne evidente, antes mesmo 
 ainda da sua futura concretização em decreto autorizado, que elas pré-determinam 
 a actuação governamental de um modo necessariamente inconstitucional. Neste 
 caso, note-se, lesada será, directa e imediatamente, a norma constitucional 
 pertinente ratione materiae, e não a norma, contida no n.º 2 do artigo 165.º, 
 que modela as condições de concessão de uma válida habilitação legislativa.
 
  
 
  
 
 8.  O Tribunal já disse (nomeadamente no Acórdão n.º 358/92, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) em que é que consiste a primeira das situações 
 enunciadas, ou em que condições poderá concluir-se que são inconstitucionais as 
 normas contidas em autorizações legislativas por, em contradição com o disposto 
 no n.º 2 do artigo 165.º da CRP, serem elas deficitárias ou insuficientes quanto 
 
 à fixação do sentido a seguir pelo eventual, e futuro, decreto-lei autorizado. 
 Para além da possibilidade, radical, de ausência absoluta, na norma habilitante, 
 de qualquer indirizzo material que oriente a actuação governamental, o sentido 
 de uma autorização legislativa será insuficiente sempre que as orientações ou 
 directivas endereçadas ao Governo não atingirem, pelo seu conteúdo, um grau 
 exigível de densidade ou determinação. Para estes efeitos, considerou o Tribunal 
 que a questão de saber quando – ou a partir de que “momento” – teria uma 
 autorização legislativa atingido o grau exigível de determinabilidade de sentido 
 se deveria resolver tendo em conta três critérios ou três perspectivas 
 cumulativas. Em primeiro lugar, e da perspectiva do habilitante, deveria a 
 autorização ser suficientemente clara de modo a que dela se depreendesse quais 
 teriam sido as decisões básicas, tomadas pelo Parlamento, quanto à estruturação 
 essencial da disciplina jurídica que viria a ser, definitivamente, conformada 
 pelo Governo. Em segundo lugar, e da perspectiva do habilitado, deveria a 
 autorização ser suficientemente clara de modo a que através dela se pudesse vir 
 a distinguir entre as matérias sobre as quais impenderia, quanto ao Governo, uma 
 vinculação (não lhe sendo deixado em relação a elas qualquer espaço de liberdade 
 de conformação legislativa), e as matérias em que o legislador governamental 
 deteria, ainda, alguma margem de discricionariedade conformadora. Em terceiro 
 lugar, e na perspectiva do cidadão, deveria a autorização legislativa ser 
 suficientemente clara de modo a que a partir dela se pudesse vir a prever, 
 mediante o programa normativo a preencher pelo decreto-lei autorizado, qual o 
 sistema básico de direitos e obrigações que decorreria da nova disciplina 
 jurídica, finalizada por acção governamental. 
 Todos estes critérios – disse-se ainda no referido Acórdão – foram inspirados 
 pela jurisprudência constitucional alemã quanto à interpretação do artigo 80.º 
 da Lei Fundamental de Bona, cujo teor, influenciando a primeira revisão da CRP, 
 terá estado na origem da actual redacção do n.º 2 do artigo 165.º. Com efeito, 
 na sua primeira versão, a Constituição portuguesa não continha (ao contrário de 
 outras, como a Constituição espanhola ou italiana) qualquer menção à necessidade 
 de as delegações legislativas parlamentares fixarem, antecipadamente, o sentido 
 a seguir pelo órgão delegado quanto à disciplina jurídica das matérias objecto 
 da delegação. Posto que a menção foi introduzida pela primeira revisão 
 constitucional tendo em conta, especialmente, o regime previsto no artigo 80.º 
 da Constituição alemã, foi naturalmente que o Tribunal se inspirou na 
 jurisprudência que, interpretando este último artigo, acabou por concluir quando 
 
 – ou com o auxílio de que critérios – se poderia entender que uma autorização 
 legislativa teria atingido o grau de determinabilidade, ou de suficiência, 
 constitucionalmente exigível. (veja-se, quanto a este ponto, acórdão citado, § 
 
 7).
 Não se contesta agora a bondade desta inspiração. No entanto, deve dizer-se que, 
 sendo diferentes os regimes constitucionais alemão e português quanto à 
 distribuição de competências legislativas entre Parlamento e Governo, o modo de 
 aplicação, a casos concretos, dos critérios atrás definidos não poderá deixar de 
 ter em conta as especialidades da ordem constitucional portuguesa. Entre nós, o 
 regime das autorizações legislativas deve ser lido no contexto de uma ordem 
 constitucional que, atribuindo ao Governo, diferentemente do que sucede na 
 Alemanha, poder legislativo próprio (artigo 198.º, n.º 1, alínea a)), concebe as 
 
 “delegações” de competências parlamentares que são endereçadas a este último 
 também como partilhas de responsabilidades, justificadas em função da 
 especificidade de matérias a regular e fundadas numa especial relação de 
 confiança entre habilitante e habilitado. Que essa “relação de confiança” marca, 
 entre nós, o regime das autorizações legislativas prova-o o facto, já atrás 
 referido, de as mesmas caducarem com a dissolução do Parlamento, com o termo da 
 legislatura ou com a demissão do Governo – ou seja, com o desaparecimento de um 
 certo e concreto habilitante e com o desaparecimento de um certo e concreto 
 habilitado. Assim sendo, os critérios atrás definidos, e pensados para uma ordem 
 constitucional diversa, nestes termos, da nossa, terão que ser utilizados tendo 
 em conta a especial configuração que assume, face à CRP, a ordem geral de 
 distribuição de competências entre legislador parlamentar e legislador 
 governamental. 
 
  
 
  
 
 9.  Resta determinar em que condições poderá concluir-se que é inconstitucional 
 uma norma contida em autorização legislativa por conter ela, não um deficit, mas 
 uma determinação indevida do sentido da delegação. Tal ocorrerá sempre que se 
 puder demonstrar que a disciplina jurídica básica a seguir pelo futuro 
 decreto-lei autorizado, e fixada pelo acto de autorização, contém princípios, 
 directivas ou orientações materiais que se mostram já, e por si mesmos – ou 
 seja, independentemente da concretização futura e eventual que deles se vier a 
 fazer –, directamente lesivos de regras ou princípios constitucionais autónomos, 
 e autónomos face às condições procedimentais que determinam a validade do acto 
 de habilitação. 
 A demonstração requer vários testes, todos eles interligados. Como a autorização 
 não detém, por si só, uma eficácia normativa plena – estando tal eficácia 
 dependente de emissão, incerta, do decreto-lei autorizado –, é necessário que se 
 prove que, não obstante tal facto, a inconstitucionalidade radica logo na 
 própria norma autorizativa, comunicando-se consequencialmente às normas que 
 vierem a constar do decreto-lei autorizado. Tal só sucederá nos casos em que o 
 sentido da autorização detiver, pelo seu conteúdo, um tal grau de densidade 
 regulativa que dele se exclua a possibilidade de uma eventual normação 
 governamental que seja conforme à Constituição. Por outras palavras, tal 
 ocorrerá nos casos em que os princípios, directivas ou orientações endereçadas 
 ao Governo pelas normas da autorização ostentarem uma eficácia normativa plena 
 quanto à produção da própria inconstitucionalidade, por não poderem deixar de 
 implicar normação ulterior que, a existir, será necessariamente – e por causa 
 desses princípios – ela também inconstitucional.
 E não se diga que sempre a apreciação da inconstitucionalidade do 
 decreto‑autorizado poderia não apenas incidir sobre vícios próprios mas também 
 ter por objecto vícios que radicassem, desde logo, na norma habilitante. Sendo 
 certo que tal possibilidade existe – visto que não estaria vedado ao Tribunal, 
 ao apreciar a norma autorizada, conhecer de todos os vícios de que esta 
 padecesse, incluindo aqueles radicados na própria norma habilitante –, seria, em 
 todo o caso, um non sequitur daí extrair a impossibilidade de apreciação 
 autónoma da inconstitucionalidade desta última.
 
  
 A análise que se segue terá em conta estes critérios, ou testes, relativos à 
 possibilidade de um juízo de inconstitucionalidade que incida sobre as normas 
 constantes de autorizações legislativas que fixem o sentido a seguir pela 
 legislação governamental autorizada.
 
  
 
  
 C)
 Da norma constante do n.º i), alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto da 
 Assembleia
 
  
 
 10.  Sustenta antes do mais o requerente que é inconstitucional 
 a norma constante do n.º i), alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto da 
 Assembleia.
 Sob a epígrafe sentido e extensão, dispõe do seguinte modo o n.º 1 do artigo 2.º 
 do Decreto:
 
  
 
 1. A autorização legislativa referida na alínea a) do artigo anterior quanto ao 
 regime jurídico da reabilitação urbana e dos edifícios nestas situados, tem o 
 seguinte sentido e extensão:
 
 (...)
 j)   Estatuir instrumentos específicos de política urbanística, designadamente, 
 expropriação, venda ou arrendamento forçado, e constituição de servidões, nos 
 casos em que os proprietários não cumpram o dever de reabilitação dos seus 
 edifícios ou fracções e, em concreto: 
 i)   Estabelecer um regime de venda forçada ou de expropriação de edifício ou 
 fracção, se o proprietário violar a obrigação de reabilitar ou alegar que não 
 pode ou não quer realizar as obras e trabalhos necessários, devendo o edifício 
 ou fracção ser avaliado nos termos previstos no Código das Expropriações e, 
 tratando-se de venda forçada, vendido em hasta pública a quem oferecer melhor 
 preço, garantindo-se, no mínimo, o valor de uma justa indemnização, e se 
 dispuser a cumprir a obrigação de reabilitação no prazo inicialmente 
 estabelecido para o efeito, contado da data da arrematação, beneficiando o 
 proprietário de todas as garantias previstas no Código das Expropriações, com as 
 devidas adaptações.
 
  
 Decorre deste texto o seguinte. A primeira autorização legislativa contida no 
 Decreto da Assembleia, e relativa à aprovação governamental do regime jurídico 
 da reabilitação urbana (proémio do n.º 1), dispõe, quanto ao seu sentido, ou 
 seja, quanto às regras básicas a seguir, futuramente, pelo legislador 
 governamental, que:
 
    (I)  Haverá instrumentos específicos de política urbanística;
 
   (II)  Entre eles contar-se-ão, designadamente, a expropriação, a constituição 
 de servidões e a venda ou arrendamento forçados;
 
 (III)  Tais instrumentos serão aplicáveis caso os proprietários não cumpram o 
 dever de reabilitação dos seus edifícios ou fracções;
 
 (IV)  Mais especificamente, caso os proprietários violem a obrigação de 
 reabilitar ou aleguem que não podem ou querem realizar as obras ou trabalhos 
 necessários, estará o legislador governamental habilitado a estabelecer um 
 regime de venda forçada ou de expropriação do edifício ou fracção;
 
   (V)  Caso em que o referido edifício ou fracção será avaliado nos termos 
 previstos no Código das Expropriações e,
 
 (VI)  Tratando-se de venda forçada, vendido em hasta pública a quem oferecer 
 melhor preço e se dispuser a cumprir a obrigação de reabilitação no prazo 
 inicialmente estabelecido para o efeito, contado da data da arrematação;
 
 (VII) Beneficiando o proprietário de todas as garantias previstas no Código das 
 Expropriações, com as devidas adaptações, garantindo-se, no mínimo, o valor de 
 uma justa indemnização.
 
  
 
             Face a este regime, assim enunciado, é desde já possível 
 caracterizar os traços essenciais do instituto da venda forçada que, a par do 
 instituto da expropriação, é aqui desenhado como instrumento possível de 
 política urbanística.
 
             Tanto a expropriação quanto a venda forçada são agora previstas como 
 meios de reacção do ordenamento jurídico ao incumprimento, por parte dos 
 proprietários, dos deveres urbanísticos que sobre eles impendem. Na verdade, o 
 legislador governamental está habilitado a estabelecer um regime de venda 
 forçada ou de expropriação de edifício ou fracção caso o seu proprietário 
 incumpra as obrigações de realização de obras ou de reabilitação. É de assinalar 
 que, sendo este o pressuposto do recurso, pelo Estado, a um ou a outro meio, o 
 particular que se veja nestes casos sujeito a expropriação, ou compelido a venda 
 forçada, tem, antes da imposição da medida coactiva referente ao bem de que é 
 titular, a seguinte opção: ou suportar o sacrifício de realizar as obras 
 necessárias para efeitos de reabilitação urbanística, com o investimento que tal 
 implica, ou suportar o sacrifício de perda da titularidade do bem, com a 
 correspondente compensação. De todo o modo, caso o proprietário escolha a 
 primeira opção, o “sacrifício” de realização de obras não será, prima facie, 
 contrário ao seu próprio interesse, dado que redundará em valorização do bem de 
 que é titular.
 
             Todos estes traços serão, face ao modelo atrás desenhado, comuns 
 tanto à venda forçada quanto à expropriação, enquanto instrumentos de política 
 urbanística. Contudo – e é este o ponto que interessa salientar –, 
 diferentemente do que sucede com a expropriação, o bem objecto de venda forçada 
 permanecerá disponível no comércio jurídico, a ele podendo aceder todo e 
 qualquer particular que se disponha a cumprir os deveres pertinentes, não sendo, 
 portanto, a sua titularidade transferida para o domínio do Estado. Daqui decorre 
 que, na venda forçada, a “compensação” do sacrifício do proprietário advirá 
 desde logo do preço obtido na venda em hasta pública, a que acrescerá, sendo 
 caso disso – ou seja, caso o preço não corresponda ao valor do bem, avaliado nos 
 termos do Código das Expropriações –, indemnização.
 
  
 
 11.  Alega o requerente que será inconstitucional este regime, na parte em que 
 prevê a possibilidade de adopção, por parte do legislador governamental, do 
 instituto da venda forçada enquanto instrumento de política urbanística. 
 A alegação sustenta-se num argumento essencial. O argumento é o que segue:
 A Constituição não se refere, expressamente, à hipótese da existência, no 
 ordenamento infraconstitucional, do instituto da venda forçada. No entanto, ele 
 só poderia vir a ser adoptado pelo legislador ordinário (como instrumento de 
 política urbanística) caso houvesse expressa autorização constitucional, e isto 
 por duas razões fundamentais. Primeira, porque o n.º 4 do artigo 65.º da 
 Constituição só prevê, enquanto “instrumento de privação da propriedade apto à 
 satisfação de fins de utilidade pública urbanística”, o instituto da 
 expropriação. A previsão é exauriente porque fixa, a propósito desta matéria e 
 nesta sede, um numerus clausus ou um princípio de tipicidade. Na previsão 
 esgotante da norma constitucional não está expressamente contemplado o instituto 
 da venda forçada: a previsão resume-se ao, e esgota-se no, instituto da 
 expropriação. Segunda, porque o instituto da venda forçada é uma restrição ao 
 direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição), na sua dimensão de direito 
 análogo aos direitos, liberdades e garantias. Assim, a admissibilidade da 
 restrição dependeria sempre de expressa menção constitucional, nos termos 
 conjuntos do n.º 2 do artigo 18.º e do artigo 17.º da CRP. Como essa expressa 
 menção – à venda forçada – não consta do texto constitucional, a restrição será, 
 face a ele, inadmissível.
 Analisemos, então, estes argumentos.
 
  
 Antes do mais, deve dizer-se que, de acordo com o entendimento perfilhado pelo 
 requerente, ocorrerá aqui – e para usar terminologia adoptada antes, nos pontos 
 
 7 e 9 da fundamentação – inconstitucionalidade pelo “excesso”, ou pela 
 determinação indevida, do sentido da autorização legislativa. Como se sustenta 
 que a norma em causa, constante do decreto habilitante, ao prever a 
 possibilidade de adopção do instituto da venda forçada como instrumento de 
 política urbanística, é inconstitucional por violação directa dos preceitos 
 fundamentais atrás referidos – e é-o desde logo, ou seja, independentemente do 
 modo como o decreto-lei autorizado vier (se vier) a concretizar o sentido da 
 habilitação que lhe foi concedida –, subjacente à argumentação apresentada está 
 a afirmação segundo a qual o regime constante do artigo 2.º do Decreto detém uma 
 densidade de regulação tal que lhe deve ser associada a capacidade para 
 produzir, directa e imediatamente, efeitos normativos inconstitucionais.
 No entanto, certo é que o mesmo regime, com os traços essenciais que atrás lhe 
 assinalámos, deixa ao legislador governamental espaços livres de conformação 
 futura. Não se sabe, por exemplo, em que tipos ou categorias de intervenção 
 urbanística poderá vir a ser adoptado o instituto da venda forçada; se a sua 
 previsão terá ou não natureza subsidiária; se o processo de venda em hasta 
 pública será, ou não, objecto de regulação especial; quais os incentivos e 
 apoios financeiros que serão, concretamente, postos à disposição dos 
 proprietários que devam proceder a obras de reabilitação.
 
 É, pois, no contexto de um regime não fechado de previsão do recurso ao 
 instituto da venda forçada como instrumento de política urbanística que se 
 convoca a pronúncia do Tribunal. E a convocação é feita nos seguintes termos. 
 Diz-se que tal previsão pré-condiciona, de modo inconstitucional, todas as 
 escolhas futuras do legislador governamental porque ela será só por si, e “em 
 abstracto” – isto é, sem qualquer confronto com o regime jurídico final que 
 resultará do cumprimento da autorização legislativa – lesiva do disposto, quer 
 no n.º 4 do artigo 65.º da CRP, quer no n.º 1 do seu artigo 62.º, este último 
 lido em conjugação com os artigos 18.º, n.º 2, primeira frase, e 17.º.
 Não parece, porém, que assim seja.
 
  
 
  
 
 12.  Desde logo, não parece que a disposição contida no n.º 4 do artigo 65.º da 
 Constituição vise instituir um numerus clausus, ou um princípio de tipicidade, 
 quanto à adopção das medidas necessárias à satisfação de fins de utilidade 
 pública urbanística, só admitindo por isso, e quanto a essas medidas, o recurso 
 pelo legislador ordinário ao instituto da expropriação.
 O preceito constitucional não pode ser lido fora do contexto em que se insere. E 
 próprio desse contexto é todo o domínio relativo à habitação e urbanismo, 
 domínio esse onde se articulam, enquanto expressão do cumprimento de tarefas 
 fundamentais do Estado (artigo 9.º), políticas públicas tendentes a assegurar o 
 planeamento e a ordenação do território; a defesa do ambiente e da qualidade de 
 vida; a preservação do património urbano, enquanto parte do património cultural 
 português. Sobretudo, ao associar a política da habitação às políticas públicas 
 de governo do território, o artigo 65.º deixa bem claro que estas últimas fazem 
 parte das prestações comunitárias que são devidas para que se possa garantir, a 
 cada um, o “direito a uma habitação adequada”. Intenção inicial do seu n.º 4 é 
 chamar às responsabilidades deste governo tanto o Estado, quanto as regiões 
 autónomas, quanto as autarquias locais: todos estes entes agirão, 
 designadamente, através dos meios aí previstos. Longe, portanto, de um qualquer 
 princípio de tipicidade ou de numerus clausus estará assim a estrutura de uma 
 norma constitucional como esta, que, ao invés de “fechar”, ou de prever de forma 
 exauriente e esgotante meios de actuação dos poderes públicos, visa pelo 
 contrário enquadrar políticas prestativas complexas, e, por definição, abertas. 
 Não decorre assim do texto do n.º 4 do artigo 65.º que o instituto da 
 expropriação seja o único instrumento que, para fins de satisfação de utilidade 
 pública urbanística, a Constituição autorize.
 Tal como não decorre do seu artigo 62.º, e do direito nele “garantido”, que a 
 venda forçada, por não estar expressamente prevista na Constituição, seja, só 
 por isso, um meio de política urbanística que o legislador ordinário estará, em 
 todo o caso, proibido de utilizar.
 
 É certo que o Tribunal tem dito, em jurisprudência constante (e vejam-se, entre 
 outros, os Acórdãos nºs. 44/99; 329/99; 205/2000; 263/2000; 425/2000; 187/2001; 
 
 57/2001; 391/2002; 139/2004; 159/2007, todos eles disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), que sendo afinal a “propriedade” um pressuposto 
 da autonomia das pessoas, não obstante a inclusão do direito que lhe corresponde 
 no título respeitante aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, 
 alguma dimensão terá ele que permita a sua inclusão, pelo menos parcial, nos 
 clássicos direitos de defesa, ou, para usar a terminologia da CRP, em alguma da 
 sua dimensão será ele análogo aos chamados direitos, liberdades e garantias. 
 Que assim é demonstra-o, afinal, a própria História do constitucionalismo, em 
 que a defesa da propriedade ocupou sempre um lugar central: no plano individual, 
 contra as investidas arbitrárias dos poderes públicos no património de cada um; 
 no plano colectivo, quanto à própria possibilidade da existência de uma 
 sociedade civil diferenciada do Estado, e assente autonomamente na apropriação 
 privada de uma ampla gama de bens que permita o estabelecimento de relações 
 económicas à margem do poder político.
 Resta saber qual a dimensão da garantia constitucional da propriedade que 
 acolherá assim um radical subjectivo, que, pela sua estrutura, será análogo a um 
 direito, liberdade e garantia. Ora, e quanto a esta matéria, decorrem da 
 jurisprudência do Tribunal alguns pontos firmes, que poderão ser sintetizados 
 como seguem. O primeiro ponto firme é o da não identificação entre o conceito 
 civilístico de propriedade e o correspondente conceito constitucional: a 
 garantia constitucional da propriedade protege – no sentido que a seguir se 
 identificará – os direitos patrimoniais privados e não apenas os direitos reais 
 tutelados pela lei civil, ou o direito real máximo. O segundo ponto firme é o da 
 dupla natureza da garantia reconhecida no artigo 62.º, que contém na sua 
 estrutura tanto uma dimensão institucional-objectiva quanto uma dimensão de 
 direito subjectivo. O terceiro ponto firme dirá respeito ao âmbito desta última 
 dimensão, de radical subjectivo, que irá incluída na estrutura da norma 
 jusfundamental. A esta dimensão pertence, precisamente como direito “clássico” 
 de defesa, o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade senão por 
 intermédio de um procedimento adequado e mediante justa compensação, 
 procedimento esse especialmente assegurado no n.º 2 do artigo 62.º. Para além 
 disso – e como se disse no Acórdão n.º 187/2001, § 14 – “a outras dimensões do 
 direito de propriedade, essenciais à realização do Homem como pessoa (…), poderá 
 também, eventualmente, ser reconhecida natureza análoga à dos direitos, 
 liberdades e garantias”.
 Análise mais demorada exigirá agora a natureza, atrás referida, da garantia 
 constitucional da propriedade enquanto garantia de instituto, objectivamente 
 considerada.
 
  Na verdade, a “garantia” que vai reconhecida no n.º 1 do artigo 62.º tem uma 
 importante dimensão institucional e objectiva, que se traduz, antes do mais, em 
 injunções dirigidas ao legislador ordinário. Por um lado, e negativamente, 
 estará este proibido de aniquilar ou afectar o núcleo essencial do instituto 
 infraconstitucional da “propriedade” (nos termos amplos atrás definidos). Por 
 outro lado, e positivamente, estará o mesmo legislador obrigado a conformar o 
 instituto, não de um modo qualquer, mas tendo em conta a necessidade de o 
 harmonizar com os princípios decorrentes do sistema constitucional no seu 
 conjunto. É justamente isso que decorre da parte final do n.º 1 do artigo 62.º, 
 em que se diz que “a todos é garantido o direito à propriedade privada (..) nos 
 termos da Constituição.”
 Assim, e apesar de a redacção literal do preceito constitucional não conter, 
 como é frequente em direito comparado, uma referência expressa às funções que a 
 lei ordinária desempenha enquanto instrumento de modelação do conteúdo e limites 
 da “propriedade”, em ordem a assegurar a conformação do seu exercício com outros 
 bens e valores constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa remissão 
 para a lei se deve considerar implícita na “ordem de regulação” que é endereçada 
 ao legislador na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, e que o vincula a definir 
 a ordem da propriedade nos termos da Constituição. Tal vinculação não será, 
 portanto, substancialmente diversa da contida, por exemplo, no artigo 33.º da 
 Constituição espanhola (“É reconhecido o direito à propriedade privada (…). A 
 função social desse direito limita o seu conteúdo, em conformidade com as 
 leis.”); no artigo 42.º da Constituição italiana (“A propriedade privada é 
 reconhecida e garantida pela lei, que determina o seu modo de aquisição, gozo e 
 limites com o fim de assegurar a [sua] função social (…)”; no artigo 14.º da Lei 
 Fundamental de Bona (“A propriedade e o direito à herança são garantidos. O seu 
 conteúdo e limites são estabelecidos pela lei (...). O seu uso deve servir ao 
 mesmo tempo os bens colectivos”.
 Embora a Constituição lhe não faça uma referência textual, existirá portanto, e 
 também entre nós, uma cláusula legal da conformação social da propriedade, a que 
 aliás terá aludido desde sempre a jurisprudência constitucional, ao dizer que 
 
 “[e]stá tal direito de propriedade, reconhecido e protegido pela Constituição, 
 na verdade, bem afastado da concepção clássica do direito de propriedade, 
 enquanto jus utendi, fruendi et abutendi – ou na fomulação impressiva do Código 
 Civil francês (…) enquanto direito de usar e dispor das coisas de la manière la 
 plus absolue (...). Assim, o direito de propriedade deve, antes do mais, ser 
 compatibilizado com outras exigências constitucionais” (referido Ac. n.º 
 
 187/2001, § 14, citando anterior jurisprudência).
 As obrigações, legalmente impostas aos proprietários de edifícios ou fracções, 
 de realização de obras de reabilitação urbanística não são mais do que o 
 resultado da necessária compatibilização – a efectuar pelo legislador ordinário 
 
 – entre o direito de propriedade e outras exigências ou valores constitucionais. 
 Já atrás identificámos alguns desses valores, decorrentes aliás das tarefas 
 fundamentais do Estado definidas no artigo 9.º da CRP: a protecção e valorização 
 do património urbano, enquanto parte do património cultural português; a 
 promoção da qualidade de vida, através da efectivação dos direitos ambientais e 
 da modernização das estruturas sociais; a promoção e desenvolvimento harmonioso 
 de todo o território nacional. Assim sendo, e ao conceder ao Governo a 
 habilitação necessária para que sejam determinados “os direitos e obrigações de 
 proprietário e de titulares de outros direitos, ónus ou encargos relativamente 
 aos edifícios a reabilitar, consagrando o dever de reabilitação como um dever de 
 todos os proprietários de edifícios ou fracções”, o artigo 2.º, n.º 1 do Decreto 
 da Assembleia está ainda a cumprir as funções próprias da conformação social da 
 propriedade, que cabem, especialmente, ao legislador.
 Questão diversa é no entanto a de saber se o instituto da venda forçada – 
 previsto, como atrás se salientou, como consequência do incumprimento dos 
 deveres de reabilitação urbanística – compartilha ainda desta natureza meramente 
 conformadora do conteúdo da propriedade, ou se será, em relação a ela, algo de 
 diferente, operando (mais do que uma conformação), uma verdadeira restrição de 
 posições jusfundamentais dos proprietários. Ora, quanto a este ponto, será 
 difícil sustentar-se não estarmos aqui perante verdadeiras restrições.
 Na verdade, ao prever a possibilidade de se vir a impor, aos proprietários 
 inadimplentes, a venda em hasta pública de edifício ou fracção, o n.º i) da 
 alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto da Assembleia está também a 
 autorizar que o direito fundamental que aqueles proprietários detêm – o direito 
 
 à não privação da propriedade, assegurado pelo artigo 62.º da CRP – venha a ser 
 restringido. Para todos os efeitos, o instituto da venda forçada implica a 
 imposição de transmissão a outrem do bem de que se é titular, e, por isso mesmo, 
 naturalmente, a sua perda.
 Nessa medida, e porque a posição jusfundamental que assim é afectada detém 
 estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias, será indiscutivelmente 
 aplicável a qualquer acto legislativo que a restrinja o regime próprio dos 
 limites das restrições, definido no artigo 18.º da Constituição.
 Relevaria no entanto de uma concepção excessivamente estreita entender que, por 
 a Constituição se não referir, textualmente, ao instituto da venda forçada, o 
 limite enunciado em primeiro lugar no n.º 2 do artigo 18.º – a necessidade de 
 autorização constitucional expressa para restringir – teria sido, no caso, e 
 desde logo, incumprido, assim se condenando, e sem ulterior indagação, a escolha 
 do legislador ordinário. Para além da questão de saber qual o sentido que, em 
 geral, deva hoje ser conferido à primeira frase do n.º 2 do artigo 18.º – e, 
 quanto a este ponto, veja-se Jorge Reis Novais, As Restrições aos Direitos 
 Fundamentais não Expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003 – 
 parece certo, antes do mais, que autorização constitucional para restringir se 
 não identifica com necessidade de referência textual explícita a um certo e 
 determinado instituto a adoptar pelo legislador ordinário, referência essa que 
 teria que constar do articulado da CRP. Como nenhuma constituição é apenas um 
 texto, a autorização que a Constituição portuguesa confere para que um certo e 
 determinado direito venha a ser, por lei, restringido, não pode ser entendida 
 assim, nesses apertados termos, como uma estrita exigência de textualidade.
 Ora, no caso, o que é verdade é que a Constituição autoriza que o direito de 
 cada um à não privação da propriedade seja restringido, desde que a restrição se 
 justifique por razões de interesse público, se efectue por intermédio do 
 procedimento devido em Direito e inclua, para o afectado, a devida compensação. 
 O que confere inteligibilidade e sentido a esta autorização, assim recortada, 
 não é apenas o facto de a ela se referir textualmente a Constituição, no n.º 2 
 do artigo 62.º. Conferem-lhe também inteligibilidade e sentido as próprias 
 razões materiais que, na ordem constitucional, sustentam a sua existência. E 
 essas razões, já o vimos, são sobretudo aquelas que se prendem com a necessária 
 harmonia e equilíbrio, a estabelecer por lei, entre os interesses dos 
 proprietários e outros valores e interesses constitucionalmente protegidos. 
 Sendo precisamente essas as razões substanciais que justificam ainda a restrição 
 prevista no n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto 343/X – e não 
 decorrendo do regime nela contido que se habilite o Governo a instituir um 
 
 “meio” ablatório da propriedade  que não prossiga o interesse público; que se 
 não realize no quadro de um procedimento devido em Direito; que não seja 
 acompanhada da devida compensação –, nenhumas razões há para que se entenda que 
 a escolha do legislador ordinário merece censura constitucional, apenas pelo 
 facto de a menção à venda forçada não constar, textualmente, do articulado da 
 CRP.
 A tudo isto acresce o que já se disse no Acórdão n.º 491/2002 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) “[o] Tribunal Constitucional tem  (…) afastado a 
 ideia de que os únicos actos «ablativos» do direito de propriedade (os quais 
 configuram a restrição máxima que esse direito pode sofrer) consentidos pela 
 Constituição sejam os previstos no artigo 62º, nº 2, desta última. Pode haver 
 outros, inclusive no interesse de privados: ponto é que encontrem cobertura ou 
 justificação constitucional.”
 
  
 
 13.  Quanto a esta norma, contida no n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º 
 do Decreto, apresenta ainda o requerente um argumento “alternativo” a sustentar 
 a tese da inconstitucionalidade. Assenta basicamente tal argumento no seguinte 
 raciocínio.
 A admitir que o instituto da venda forçada pudesse apresentar traços de 
 identidade com o instituto da expropriação, tais traços de identidade não são de 
 todo o modo garantidos pelo sentido da autorização legislativa. Com efeito, a 
 autorização não assegura, nem que os fins de utilidade pública urbanística sejam 
 prosseguidos pelo instituto de venda forçada do mesmo modo por que são 
 prosseguidos pelo instituto da expropriação, nem que as garantias 
 indemnizatórias dos particulares sejam cumpridas, através da venda forçada, do 
 mesmo modo por que são cumpridas através do instituto da expropriação. 
 No primeiro grupo de insuficiências, que são imputadas ao sentido da autorização 
 legislativa – essas mesmas que não asseguram que os fins de utilidade pública 
 sejam assegurados do mesmo modo tanto na venda forçada quanto na expropriação – 
 contam-se, no essencial e segundo o requerente: (i) a ausência de previsão, a 
 propósito do procedimento da venda forçada, de uma prévia declaração de 
 utilidade pública do bem sujeito à venda coactiva; (ii) a natural ausência, no 
 instituto da venda forçada, do direito de reversão (que garantiria, que, caso o 
 fim público de reabilitação dos imóveis não viesse a ser cumprido pelo 
 adquirente em hasta pública, o bem objecto de transmissão coactiva defluiria 
 para o património público); (iii) a diferença de regimes entre a expropriação e 
 a venda forçada quanto à cedência de bens (objecto das “afectações coactivas”) a 
 privados. É que no instituto expropriatório tal cedência só se verificaria em 
 situações tais que salvaguardariam o interesse público, o mesmo não acontecendo 
 com a venda forçada.
 Por seu turno, e no segundo grupo de insuficiências que são imputadas ao sentido 
 da autorização legislativa – essas outras que não assegurariam 
 que a venda e a expropriação fossem idênticas quanto às garantias 
 indemnizatórias dos particulares afectados – contam-se, no essencial, segundo o 
 requerente, quer o “facto” de a autorização legislativa não assegurar que a 
 indemnização a conferir ao proprietário em caso de venda forçada venha a ser, 
 tal como o é a concedida em processo expropriatório, uma indemnização plena; 
 quer o “facto” de a mesma autorização não assegurar que tal indemnização venha a 
 ser, tanto na venda quanto na expropriação, contemporânea do “acto ablativo” da 
 propriedade.
 Face a estes argumentos – que se resumiram ao que parece, na óptica do 
 requerente, ser essencial – conclui o pedido que, no âmbito desta sua formulação 
 alternativa, se considere que é inconstitucional a norma da autorização, que 
 prevê a existência de venda forçada como instrumento possível de política 
 urbanística, por violação dos artigos 13.º, 62.º, n.º 2, 65.º n.º 4 e 165.º, n.º 
 
 2, da Constituição.
 
  
 
  
 
 14.  Perpassam em todo este discurso razões de índole muito diferente, que não 
 podem deixar de ser distinguidas.
 Antes do mais, as razões que justificam que se convoque, a propósito da norma 
 sob juízo, a violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP). É evidente 
 que são desiguais entre si o instituto da expropriação e o instituto da venda 
 forçada. No entanto, tal desigualdade só se tornará em algo constitucionalmente 
 censurável se se provar que os proprietários sujeitos a venda forçada virão a 
 ser – seguramente apenas quando for, e se for, aprovado o decreto-lei autorizado 
 
 – destinatários de um regime jurídico injustificadamente diverso daquele que é 
 aplicável aos expropriados.
 Para o requerente, a prova de que assim é já está feita. Mas já está feita por 
 duas razões que não devem ser entre si confundidas.
 
  
 Uma, é a razão que se prende com a tese da “tipicidade” ou do numerus clausus 
 que, relativamente aos instrumentos de política urbanística, estaria inserta no 
 n.º 4 do artigo 65.º da CRP. O requerente volta agora a sustentar esta tese, 
 para a aplicar ao argumento segundo o qual, sendo o instituto da venda forçada 
 inevitavelmente diverso do instituto da expropriação (nomeadamente por não poder 
 naturalmente integrar a reversão, ou por implicar, ao contrário da expropriação, 
 relações entre privados), tal diversidade seria desde logo, constitucionalmente 
 censurável. A bem dizer, este argumento não é novo face ao que já se analisou 
 antes. Mais do que fundado numa autónoma violação do princípio da igualdade 
 
 (artigo 13.º da CRP), é-lhe subjacente a ideia de que a norma da autorização 
 legislativa será inconstitucional por “excesso” ou determinação indevida de 
 sentido, por prever, como instrumento de política urbanística, um meio que a 
 Constituição exclui. Como a exclusão estaria fundamentada, ainda, nessa leitura 
 do nº 4 do artigo 65º que já atrás se refutou – e que pretenderia que no 
 preceito constitucional estaria consagrado, enquanto instrumento “típico” de 
 política urbanística, apenas e tão somente a expropriação por utilidade pública 
 
 – ao problema se não regressará.
 
  
 Outra, é a razão que se prende com a tese da insuficiência de sentido da 
 autorização legislativa. É esta tese que o requerente apresenta, de forma nova, 
 neste seu pedido subsidiário, quer quando invoca a violação do artigo 165.º, n.º 
 
 2 da CRP, quer quando sustenta (frequentemente de modo cumulativo) a não 
 previsão, no decreto de autorização, de garantias ou de procedimentos que nele 
 deveriam ter sido necessariamente incluídos – nomeadamente, quanto à 
 
 “contemporaneidade” ou “plenitude” da indemnização, que a autorização 
 legislativa não lograria assegurar, ou quanto à declaração prévia de utilidade 
 pública do bem objecto de venda forçada, que a norma sob juízo também não 
 chegaria a prever.
 No entanto, e como se deixou claro no ponto 8, não é nesta acepção que deve ser 
 compreendida a deficiência, constitucionalmente censurável, do sentido de uma 
 autorização legislativa. Já se demonstrou por que razão não pode dizer-se que a 
 Constituição excluiu a venda forçada como instrumento possível da política de 
 urbanismo. Uma vez demonstrada a possibilidade constitucional da previsão, no 
 contexto da norma sob juízo, do instituto, nada, de acordo com os critérios 
 atrás expostos, permite concluir que se esteja, in casu, perante uma autorização 
 deficitária quanto à determinabilidade do seu sentido. São suficientemente 
 claras as decisões básicas que o habilitante tomou, quanto à definição do 
 conteúdo essencial a seguir pela futura, e eventual, legislação governamental. 
 Fica também claro, face ao regime agora impugnado, qual o espaço de liberdade de 
 conformação que deterá o legislador autorizado. Finalmente, e na perspectiva dos 
 particulares, é suficientemente claro o programa normativo, contido na 
 autorização legislativa, que, a ser cumprido pelo decreto‑autorizado, produzirá 
 consequências directas e imediatas na modelação dos direitos e deveres das 
 pessoas. Sobretudo numa ordem constitucional como a nossa, que pressupõe um 
 certo modelo de partilha de responsabilidades legislativas entre Parlamento e 
 Governo, nada permite concluir que a norma autorizativa não tenha atingido o 
 grau exigível de determinação de sentido.
 Questão diferente é a de saber se, como afinal, sustenta, no essencial, o 
 requerente, o instituto da venda forçada – tal como vem delineado na autorização 
 legislativa – é inconstitucional por, quanto ao interesse público, não garantir 
 que sejam satisfeitos os fins próprios das políticas urbanísticas; e, quanto aos 
 interesses privados, não garantir que à afectação dos bens corresponda uma justa 
 indemnização, conforme impõe o disposto no artigo 62.º, n.º 2 da CRP.
 Nem um nem outro argumento colhem, todavia, perante o modelo de regime que vem 
 consagrado no artigo 2.º do Decreto.
 Dele se não pode depreender que, em abstracto, a venda forçada seja um quid 
 inadequado à prossecução dos valores próprios das políticas urbanísticas. Ao 
 Tribunal não cabe apreciar a “adequação” ou o mérito das políticas públicas 
 adoptadas pelo legislador: cabe-lhe apenas emitir juízos sobre aquelas que, nos 
 termos da Constituição, sejam censuráveis. E nada, quanto a este ponto, permite 
 que se estabeleça um juízo de censura constitucional, pois que nada prova que a 
 
 “venda forçada” seja inepta, ou inadequada, à realização dos fins especiais da 
 reabilitação urbana.
 Do mesmo modo, do regime contido no artigo 2.º do Decreto se não pode depreender 
 que, nos casos em que o preço do imóvel obtido através da venda em hasta pública 
 se revele inferior ao montante em que o mesmo foi avaliado, nos termos do Código 
 das Expropriações, não venha a ser conferida ao particular, através de 
 indemnização, a compensação devida quanto à parte restante. Sustenta o 
 requerente, quanto a este ponto, que “a norma sindicada não logra garantir na 
 definição do sentido da autorização legislativa o imperativo da plenitude e da 
 contemporaneidade da indemnização ou compensação do proprietário”. Longe de se 
 estar aqui perante uma injunção ao legislador autorizado, nada impede que este 
 
 último venha a salvaguardar, em conformidade com a Constituição, as garantias 
 jurídicas dos particulares.
 
  
 Tanto basta para que o Tribunal se não pronuncie pela inconstitucionalidade da 
 norma contida no n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto 343/X da 
 Assembleia.
 
  
 
  
 D)
 Da norma constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º 
 do Decreto da Assembleia
 
  
 
 15. Alega por fim o requerente que é ainda inconstitucional a norma constante da 
 alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto 343/X da Assembleia, que dispõe como 
 segue:
 
  
 
 2. A autorização legislativa referida na alínea b) do número anterior quanto ao 
 regime jurídico aplicável à denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento 
 para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, nos 
 termos do nº 8 do artigo 1103.º do Código Civil, e à actualização de renda na 
 sequência de obras com vista à reabilitação tem o seguinte sentido e extensão:
 
      (…)
 
      c)      Definir que não há lugar a indemnização ou realojamento pela 
 denúncia do contrato de arrendamento quando a demolição seja necessária por 
 força da degradação do prédio, incompatível tecnicamente com a sua reabilitação 
 e geradora de risco para os respectivos ocupantes ou decorra de plano municipal 
 de ordenamento do território.
 
  
 Como decorre do texto – e como já se tinha assinalado antes, no § 4 – a norma 
 agora impugnada insere-se na segunda autorização legislativa contida no Decreto 
 
 343/X, destinada a conceder ao Governo a habilitação necessária para a definição 
 do regime jurídico aplicável à denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento 
 para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos (e, 
 sendo caso disso, à consequente actualização da renda).
 A autorização, assim definida quanto ao seu objecto, é parte de um sistema de 
 regulação que inclui desde logo o disposto, hoje, na alínea b) do artigo 1101.º 
 do Código Civil. Com efeito, e de acordo com a actual redacção deste último 
 preceito, o senhorio pode, nos contratos de duração indeterminada, denunciar o 
 arrendamento “para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro 
 profundos”. O Código não definiu, contudo, e para estes casos, o regime da 
 denúncia, optando por remeter a sua regulação para “legislação especial” (artigo 
 
 1103.º, n.º 8). Visto que tal “legislação” consta já do Decreto-Lei n.º 
 
 157/2006, de 8 de Agosto, a autorização que, nesta matéria, a Assembleia concede 
 ao Governo tem ainda como finalidade tornar possível a primeira alteração ao 
 regime fixado pelo referido Decreto-Lei. Isto mesmo se depreende, aliás, da 
 alínea b) do artigo 1.º do Decreto 343/X.
 
 É, pois, neste contexto, que o artigo 2.º do Decreto fixa o sentido que deverá 
 ser seguido pelo legislador habilitado, quando este vier a definir o regime 
 aplicável, nas situações atrás identificadas, à “denúncia ou suspensão do 
 contrato de arrendamento”. Releva, para o que agora importa, sobretudo o 
 disposto nas alíneas a) a c) do referido artigo 2.º. Diz-se aí, basicamente, o 
 seguinte.
 Em primeiro lugar, que fica o Governo habilitado a prever que o senhorio possa 
 denunciar o contrato de arrendamento ou suspender a sua execução, caso pretenda 
 demolir o edifício ou realizar nele obras de remodelação ou restauro profundos 
 
 (alínea a);
 Em segundo lugar, que fica o Governo habilitado a prever que, em caso de 
 denúncia do contrato (para remodelação, restauro, ou demolição) seja o senhorio 
 obrigado, mediante acordo com o arrendatário, ou a indemnizar este último ou a 
 garantir o seu realojamento (alínea b);
 Em terceiro lugar, que fica o Governo habilitado a prever que não haja lugar a 
 indemnização ou realojamento, caso: (i) a denúncia do contrato pressuponha a 
 demolição do prédio e (ii) seja necessária essa mesma demolição, [por força do  
 estado de degradação última do prédio, ou por decorrência de plano municipal de 
 ordenamento do território] (alínea c).
 Entende o requerente que é inconstitucional este último sentido da habilitação 
 legislativa, na medida em que, nele, se autoriza que o Governo venha a excluir – 
 nas situações atrás identificadas – o dever do senhorio de indemnizar ou 
 realojar o arrendatário. São quatro os fundamentos de inconstitucionalidade 
 invocados.
 Antes do mais, diz-se que a norma contida na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do 
 Decreto viola o conteúdo essencial do direito fundamental à indemnização que é 
 consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da CRP. Do mesmo passo – e porque este 
 direito fundamental detém natureza análoga à dos direitos, liberdades e 
 garantias – sustenta-se que a afectação do seu conteúdo essencial contraria o 
 disposto no n.º 3 do artigo 18.º da Constituição. Depois, alega-se que, se assim 
 se não entender – isto é, se se não entender que a norma do Decreto lesa o 
 conteúdo essencial do direito à indemnização – de todo o modo não poderá deixar 
 de concluir-se que ela contém uma restrição desproporcionada desse mesmo 
 direito, contrariando por isso (por inadequação do meio restritivo ao fim por 
 ele prosseguido, e por lesão do teste da proporcionalidade em sentido estrito) o 
 disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. A seguir, 
 invoca-se ainda a lesão autónoma do princípio da igualdade (artigo 13.º), por 
 sempre implicar a norma um tratamento discriminatório dos inquilinos face aos 
 senhorios “no que respeita ao direito de ambos serem indemnizados nos termos do 
 n.º 2 do artigo 62.º da CRP”. Finalmente, convoca-se para o caso a violação do 
 princípio da protecção da confiança, decorrente da ideia de Estado de direito 
 consagrada no artigo 2.º da Constituição, por permitir a norma sob juízo que as 
 situações e posições jurídicas dos actuais arrendatários possam vir a ser 
 afectadas por uma medida imprevisível, que, produzindo, in pejus, efeitos 
 retrospectivos, frustrará as legítimas expectativas dos mesmos em serem 
 compensados por cessação do contrato de arrendamento. 
 
  
 
 16. Toda esta fundamentação parte de uma premissa inicial que contém duas 
 asserções básicas estreitamente interligadas: o regime (primeira asserção) 
 previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto comporta uma excepção 
 não justificada face ao regime geral, que prevê, como regra, o dever que impende 
 sobre o senhorio de compensar ou indemnizar o arrendatário em casos de denúncia 
 do contrato de arrendamento para demolição. Assim (segunda asserção), deve esta 
 excepção ser entendida como uma “expropriação do direito ao arrendamento”. 
 
 É por partir desta premissa inicial, deste modo articulada, que o requerente 
 invoca para o caso, e desde logo, a violação conjunta do disposto no n.º 2 do 
 artigo 62.º e do n.º 3 do artigo 18.º da CRP. 
 Sucede, porém, que são contadas as circunstâncias em que o artigo 2.º do Decreto 
 prevê que o senhorio possa não vir a ser obrigado a indemnizar ou realojar o 
 inquilino. Na verdade, tal ocorrerá só quando o mesmo senhorio denunciar o 
 contrato de arrendamento por necessidade e urgência de demolição do prédio. 
 Parece ser, de facto, de necessidade e de urgência [de demolição] que se trata, 
 quando se identifica o grau de deterioração do edifício que reentra na 
 fattispecie da norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º: grau tal que torna 
 impossível a reabilitação do prédio e que torna arriscada, para as pessoas, a 
 sua ocupação. Para além destas situações, o senhorio denuncia o contrato de 
 arrendamento – sem assegurar, ele próprio, a indemnização ou realojamento do 
 inquilino – quando a necessidade da demolição decorra de plano municipal de 
 ordenamento do território. Todas estas circunstâncias, contadas, têm a uni-las 
 uma característica comum. Em todas elas ocorre a necessidade de destruição do 
 prédio, necessidade essa que, pela própria natureza das coisas e em virtude do 
 desaparecimento do local arrendado, não permite que se continue a assegurar ao 
 arrendatário o gozo deste último, de acordo com o fim que havia sido 
 convencionado.
 Esta situação específica, tornando inelutável a cessação do contrato de 
 arrendamento por força de circunstâncias objectivas, justifica que se não 
 imponha aqui ao senhorio um dever de indemnização do inquilino: para todos os 
 efeitos, a acção de denúncia do contrato, a interpor pelo primeiro, radica em 
 fundamentos outros que não a sua livre vontade de pôr termo à relação 
 arrendatícia. Cai assim pela base a premissa inicial que sustentou toda a 
 argumentação do recorrente. Sendo certo que não ocorre, no caso, nenhuma 
 
 “expropriação do direito ao arrendamento” em que seja indevidamente excepcionada 
 a compensação devida pelo senhorio, não se vê por que razão violaria a norma sob 
 juízo “o núcleo essencial” do direito consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da CRP, 
 lesando‑se, por isso, e do mesmo passo, o limite às restrições dos direitos, 
 liberdades e garantias inscrito na parte final do n.º 3 do artigo 18.º. 
 Improcedendo este fundamento de inconstitucionalidade, improcede também a 
 invocação da violação do princípio da igualdade, com ele estreitamente 
 interligado. 
 Quanto à lesão dos princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança, 
 também alegada pelo requerente, não se vê como conferir‑lhe razão. Da própria 
 justificação, já atrás encontrada, para a não previsão do direito do inquilino a 
 ser indemnizado ou realojado decorre que tal medida se não mostra inadequada, 
 desnecessária ou “excessiva”, em sentido estrito. Por outro lado, e atendendo à 
 natureza da norma sob juízo, nada impedirá que o legislador habilitado venha a 
 cumprir, através da introdução de regimes transitórios que eventualmente se 
 venham a mostrar necessários, as exigências próprias do princípio da protecção 
 da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição.
 A tudo isto acresce que, independentemente das compensações que, eventualmente 
 previstas noutros locais da ordem jurídica, possa vir a ter, nestas 
 circunstâncias extremas, o inquilino – e que decorrerão de um direito geral à 
 reparação de danos inserto no artigo 2.º da CRP – uma coisa parece certa: 
 enquanto norma habilitante de autorização legislativa, que fixa o sentido a 
 seguir no futuro pelo legislador habilitado, a norma contida na alínea c) do n.º 
 
 2 do artigo 2.º do Decreto não lesa por si só – e ao prever a inexistência de 
 indemnização ou realojamento do inquilino nas circunstâncias nela identificadas 
 
 – quaisquer normas ou princípios constitucionais. Atenta a razão de ser que 
 justifica tal inexistência, nenhum parâmetro constitucional a pode, desde já, 
 condenar.
 
  
 III Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal :
 a)    Não se pronuncia pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º i) 
 da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto 343/X da Assembleia da República
 b)   Não se pronuncia pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) 
 do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto 343/X da Assembleia da República.
 
  
 Lisboa, 13 de Agosto de 2009
 Maria Lúcia Amaral
 José Borges Soeiro
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 Maria João Antunes
 Benjamim Rodrigues
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Mário Torres
 Gil Galvão
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos