 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 937/09
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
  
 
               Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
             
 I - Relatório   
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o 
 Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do 
 objecto do recurso, nos seguintes termos:
 
 «1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são 
 recorrentes A. e B. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, foi interposto recurso de 
 constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações 
 posteriores, adiante designada LTC).
 Após convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, os 
 recorrentes vieram esclarecer que pretendem a apreciação da 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 412.º do CPP, “interpretada no 
 sentido de que a ausência da prova gravada não prejudica os direitos de defesa 
 dos arguidos”.
 
 2. Independentemente de saber se a interpretação enunciada tem cariz normativo 
 ou se foi suscitada em termos processualmente adequados perante o tribunal 
 recorrido, o certo é que o acórdão recorrido não aplicou a norma em causa, com a 
 interpretação reputada inconstitucional pelos recorrentes.
 A esse respeito afirma-se, nomeadamente, o seguinte no Acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, ora recorrido: «(..) É hoje entendimento unânime que a 
 imperceptibilidade do conteúdo das gravações (ou de parte das gravações), 
 constitui hoje uma nulidade sanável. (…)Tal nulidade deve ser arguida, mediante 
 requerimento, no prazo de dez dias a contar da data da audiência (…).Ora, os 
 arguidos/recorrentes não arguiram, tempestivamente, através de requerimento, 
 qualquer nulidade perante o Tribunal de 1.ª Instância, antes tendo suscitado o 
 problema da imperceptibilidade da gravação das suas declarações e do depoimento 
 da testemunha acima identificada, a título de “questão prévia”, apenas em sede 
 de motivação de recurso.»
 Acrescenta-se, ainda, no referido acórdão que, embora se admita que as gravações 
 em causa nos autos possam conter deficiências que condicionem a sua completa 
 inteligibilidade, as gravações que foram mencionadas pelos recorrentes no 
 recurso, correspondem a três depoimentos (as declarações dos próprios 
 recorrentes e um depoimento de uma testemunha, agente da PSP) que estão 
 transcritos no acórdão da 1.ª instância e “cujo teor os recorrentes não põem em 
 causa”. Por último, diz-se no acórdão recorrido que os factos para que releva o 
 depoimento de tal testemunha (descritos no acórdão ora recorrido) são factos 
 
 “confessados pelos recorrentes” e que estes não põem em causa no recurso para a 
 Relação. Conclui o acórdão recorrido que «a repetição de tais depoimentos, 
 transcritos no Acórdão proferido e confessados pelos arguidos, não têm qualquer 
 relevo para o apuramento da verdade dos factos não contendo qualquer matéria 
 controvertida, tratando-se pois, caso se procedesse à sua repetição, de um acto 
 inútil e dilatório.»
 Do exposto resulta que o acórdão recorrido não aplicou, como sua ratio 
 decidendi, a norma do artigo 412.º, n.º 4, do CPP, com a interpretação que os 
 recorrentes consideram inconstitucional.
 
 3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não 
 conhecer do objecto do recurso [….]»
 
  
 
 2. Notificados da decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
 
 «[…]1- Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão ao douto despacho 
 reclamado. 
 
 2- Em primeiro lugar, os acórdãos da primeira e da segunda instância recorridos 
 aplicaram a contrario a norma do n.º 4 do art.º 412.º do CPP.       
 
 3- Com o efeito, o entendimento desses dois arestos consubstanciam que a 
 ausência de prova gravada não prejudica os direitos de defesa dos arguidos. 
 
 4- Aliás, a posição sobre a imperceptibilidade do conteúdo das gravações 
 expressa no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa viola, na perspectiva dos 
 arguidos, o preceituado no n.° 4 do art.º 412.° do CPP. 
 
 5- Na verdade, o interesse para arguir a referida nulidade insanável afere-se no 
 momento do conhecimento do mérito da causa, ou seja, só depois da prolacção da 
 sentença e/ ou acórdão. 
 
 6- Por outro lado, a transcrição dos três depoimentos em causa resultou da 
 apreciação crítica do tribunal a quo, fixando os factos que considerou 
 relevantes para a boa decisão da causa. 
 
 7- Ora sucede que, os arguidos recorrentes pretendiam invocar no seu recurso 
 factos que consideravam importantes para fundamentar o seu recurso tendo que 
 socorrer-se dos suportes digitais. 
 
 8-  Não o podendo fazer o seu direito de defesa foi manifestamente preterido. 
 Nestes termos, requer a V. Exa se digne admitir a presente reclamação, 
 seguindo-se os demais termos legais.»
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional 
 apresentou resposta nos termos seguintes:
 
 «[…]1º
 A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2º
 Na verdade, não consta expressamente da decisão recorrida, nem dela se extrai 
 minimamente, que aí foi feita uma aplicação da norma do artigo 412.º, n.º 4, do 
 CPP, na dimensão cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada: 
 ou seja, “no sentido de que a ausência de prova gravada não prejudica os 
 direitos de defesa”.
 
 3º
 Aliás, na reclamação agora apresentada, o recorrente apenas questiona o então 
 decidido quanto ao grau de perceptibilidade de algumas gravações, referindo 
 ainda os vícios que pode enfermar uma tal decisão.
 
 4º
 
 É evidente que esta é uma questão diferente da que foi invocada, não se 
 revestindo, sequer, de qualquer conteúdo normativo que pudesse constituir 
 objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do 
 objecto do recurso com fundamento no facto de o acórdão recorrido não ter 
 aplicado a norma em causa com a interpretação reputada inconstitucional pelos 
 recorrentes, ou seja, de não ter adoptado, como sua ratio decidendi, uma 
 interpretação do artigo 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, no sentido de 
 que “a ausência da prova gravada não prejudica os direitos de defesa dos 
 arguidos”.
 A presente reclamação em nada contraria esta conclusão, que, aliás, resulta 
 clara dos trechos do acórdão recorrido nela transcritos.
 Os reclamantes limitam-se a imputar vícios à própria decisão recorrida, o que, 
 como salienta o Ministério Público, é questão diferente da que foi invocada, não 
 se revestindo, sequer, de qualquer conteúdo normativo que pudesse constituir 
 objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos