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Processo n.º 215/10 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
 
 
  
 
 1. A. foi condenado no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial da Maia, como 
 autor de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 
 
 105º n.º 1 e n.º 5 Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001 de 5 
 de Junho) e artigos 30º n.º 2 e 79º do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses 
 de prisão. A execução da pena foi suspensa, subordinada à condição de, no prazo 
 máximo de 5 anos, pagar à administração fiscal a quantia de € 405.506,95. 
 Por acórdão de 19 de Outubro de 2009, a Relação do Porto – tribunal ad quem o 
 arguido recorrera – confirmou a decisão, negando provimento ao recurso 
 interposto. Inconformado, o arguido pretendeu recorrer desse aresto para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, mas o Relator não admitiu a pretensão, com 
 fundamento nos artigos 400º n.º 1 alíneas e) e f) e 432º n.º 1 alínea b) do 
 Código de Processo Penal. 
 Mantendo-se inconformado com o acórdão de 19 de Outubro, A. pretendeu então 
 recorrer para o Tribunal Constitucional, com invocação da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC). Mas o recurso também não 
 lhe foi admitido, desta vez com fundamento em extemporaneidade, nos termos do 
 n.º 1 do artigo 75º da aludida LTC.
 
 É deste despacho que o interessado reclama no Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do n.º 4 do artigo 76º da LTC, nos seguintes termos:
 
  
 A., arguido e recorrente nos autos, notificado do despacho que indeferiu o 
 requerimento de interposição do recurso, ao abrigo do art. 76.º, n.º 4, da Lei 
 n.º 13-A/98, de 26-02, vem apresentar reclamação para o Tribunal Constitucional 
 com os fundamentos seguintes: 
 Por despacho de fls. 291, o recurso para o Tribunal Constitucional apresentado 
 pelo arguido não foi admitido com fundamento na sua extemporaneidade à luz do 
 art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 13-A/98, de 26-02. Ora, salvo o devido respeito, 
 não pode o arguido aceitar tal decisão. 
 Com efeito, estipula o art. 75.º, n.º 4, da referida Lei, o seguinte: 
 
 “Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, 
 que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo 
 para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna 
 definitiva a decisão que não admite recurso.” 
 Ora, a notificação do despacho que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça foi expedida em 12 de Janeiro de 2010. 
 Assim, só decorrido o prazo de 10 dias para eventual reclamação/aclaração desse 
 despacho, a decisão do Tribunal da Relação do Porto se tomou definitiva. 
 Considerando que a notificação se presume feita no 3.º dia útil posterior ao do 
 registo e os 3 dias de multa em que os actos ainda podem ser praticados, só em 
 
 28 de Janeiro de 2010 a decisão do Tribunal da Relação do Porto se tomou 
 definitiva. 
 Deste modo, por força do art. 75.º, n.º 4, da referida Lei, só depois dessa data 
 se iniciou o prazo de 10 dias a que se refere o art. 75.º , n.º 1, da mesma Lei. 
 
 
 Pelo que o recurso para o Tribunal Constitucional apresentado em 01 de Fevereiro 
 de 2010 foi apresentado em tempo. 
 Ainda, salvo o devido respeito, também não colhe o argumento de que a decisão 
 recorrida era insusceptível de recurso para o supremo Tribunal de Justiça “ope 
 legis”. 
 Isto porque, necessariamente a insusceptibilidade de recurso em todos os casos é 
 
 “ope legis”. 
 Ao não admitir o recurso, o despacho recorrido violou o disposto no art. 75.º, 
 da referida Lei. 
 Termos em que deve a presente reclamação proceder e, em consequência, o recurso 
 para o Tribunal Constitucional ser admitido, seguindo-se os termos legais.
 
  
 Foi ouvido o representante do Ministério Público neste Tribunal.
 
  
 
 2. Apura-se que por despacho proferido em 11 de Janeiro de 2010, o Relator na 
 Relação do Porto indeferiu o requerimento de interposição do recurso que o 
 recorrente pretendia interpor para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 
 
 19 de Outubro de 2009 daquela Relação.
 Este despacho foi notificado ao recorrente por carta registada endereçada ao seu 
 mandatário em 12 de Janeiro de 2010. Em 1 de Fevereiro de 2010 o recorrente 
 apresentou na processo o seguinte requerimento:
 
  
 
 (...) arguido e recorrente nos autos, notificado a fls…, não se conformando com 
 o teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, vem muito respeitosamente 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos seguintes:
 
 1.º
 O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1, do art. 70.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção em vigor.
 
 2.º
 Pretende-se que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do 
 art. 14.º, n.º 1 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), ou a 
 interpretação que dela se faça no sentindo de se considerar admissível a 
 subordinação da suspensão da pena de prisão a que o recorrente foi condenado ao 
 cumprimento de um dever manifestamente impossível para ele (que, como tal, é 
 equivalente a uma pena de prisão efectiva) e fora do condicionalismo previsto no 
 art. 51.º, n.º 2 do Código Penal.
 
 3.º
 Tal interpretação viola o art. 32.º n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, e, portanto, o principio da proporcionalidade plasmado neste 
 preceito. 
 
 4.º
 Relativamente à peça processual em que a questão da inconstitucionalidade foi 
 suscitada, a inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso que o 
 recorrente interpôs para o Tribunal da Relação do Porto. 
 
  
 Termos em que se requer que o presente recurso seja admitido, seguindo-se os 
 termos legais.
 
  
 Tal requerimento foi indeferido na Relação do Porto, por despacho do Relator 
 proferido em 4 de Fevereiro de 2010, do seguinte teor:
 
  
 
 (...) A decisão recorrida foi proferida em 19 de Outubro de 2009. 
 Nos termos do artigo 75º n.º 1 da Lei n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro, o prazo de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias, sendo que a 
 decisão recorrida era insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça 'ope legis'.
 Assim, porque manifestamente extemporâneo, não admito o recurso interposto a 
 fls. 289, para aquele Egrégio Tribunal.
 
  
 
 3. A presente reclamação submete ao Tribunal a questão de saber se o recurso que 
 A. pretendeu interpor para o Tribunal Constitucional, com invocação da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, e que lhe não foi 
 admitido com fundamento em extemporaneidade, reúne globalmente as condições para 
 ser conhecido. Na verdade, por força do disposto no n.º 4 do artigo 77º da LTC, 
 a decisão que o Tribunal proferir «não pode ser impugnada e, se revogar o 
 despacho de indeferimento, faz caso julgado quanto à admissibilidade do 
 recurso», circunstância que obriga a verificar se todos os requisitos de que a 
 LTC faz depender a admissibilidade do recurso, ocorrem no caso.
 Tal como se deixou relatado, o recurso não foi admitido, na Relação, por se 
 haver entendido que fora interposto depois de esgotado o prazo de que o 
 recorrente dispunha para esse efeito. O despacho não revela, no entanto, os 
 momentos exactos que, do ponto de vista processual, permitiram tal conclusão. 
 Admite-se, no entanto, que a Relação considerou que o momento a partir do qual 
 se abrira para o interessado a oportunidade de recorrer para o Tribunal 
 Constitucional era o da notificação do despacho de 11 de Janeiro de 2010, pelo 
 qual foi indeferido o requerimento de interposição do recurso que o recorrente 
 pretendia interpor para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 19 de 
 Outubro de 2009 daquela Relação. Tal entendimento harmoniza-se com o disposto no 
 n.º 2 do artigo 75º da LTC, que prevê: «2. Interposto recurso ordinário, mesmo 
 que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento 
 em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal 
 Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não 
 admite recurso.» 
 Daqui decorre, todavia, que o prazo de 10 dias (cf. n.º 1 do mesmo preceito) se 
 conta do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso 
 ordinário. Ora, a decisão que não admitiu o dito recurso é o transcrito despacho 
 do Relator proferido em 11 de Janeiro, notificado por carta expedida a 12 do 
 mesmo mês; o momento em que a mesma se tornou definitiva é aquele em que já não 
 pode ser impugnada por reclamação para o presidente do tribunal superior, o que 
 aconteceu depois de transcorrido o respectivo prazo, isto é, em 25 de Janeiro de 
 
 2009. O que revela que, interposto o recurso em 1 de Fevereiro seguinte, o acto 
 foi praticado dentro do prazo de 10 dias de que dispunha o recorrente para esse 
 efeito.
 Não pode, em suma, manter-se o fundamento da rejeição do recurso.
 
  
 
 4.  Nos termos da invocada alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso 
 para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma 
 cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. 
 O recorrente pretende ver apreciada, no recurso, a questão da conformidade 
 constitucional da norma, retirada do artigo 14.º n.º 1 do Regime Geral de 
 Infracções Tributárias (RGIT), com o sentido de se «considerar admissível a 
 subordinação da suspensão da pena de prisão a que o recorrente foi condenado ao 
 cumprimento de um dever manifestamente impossível para ele (que, como tal, é 
 equivalente a uma pena de prisão efectiva) e fora do condicionalismo previsto no 
 artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal.»
 Perante a Relação, o recorrente invocara a 'inconstitucionalidade' do artigo 14º 
 n.º 1 do aludido RGIT quando permite 'a condição de suspensão da execução fixada 
 na douta sentença recorrida', por ser 'manifesto que não é razoável exigir ao 
 arguido a condição imposta, tanto mais que lhe é impossível de cumprir'. 
 Pode por isso, entender-se que a norma impugnada, a enunciada no requerimento de 
 interposição do recurso, corresponde grosso modo à questão de 
 inconstitucionalidade suscitada perante o tribunal recorrido, a Relação do 
 Porto, questão que se apresenta ancorada na ideia de que o não cumprimento da 
 condição da suspensão da execução da pena determina necessariamente o 
 cumprimento da pena de prisão efectiva. 
 Todavia, não basta tal coincidência, pois a função instrumental do recurso exige 
 que a norma impugnada haja sido efectivamente aplicada na decisão recorrida. 
 Sobre o problema, diz-se nessa decisão:
 
  
 
 (...) 
 Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação 
 não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente 
 decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11.º, n.º 7, do 
 RJIFNA, bem como do n.º  2 ao artigo 14.º do RGIT, a revogação é sempre uma 
 possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado (supra, 
 
 10.4.). 
 Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e 
 proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, e no 
 artigo 14.º do RGIT”. 
 Como em dado momento se refere no Ac. do T.C. n.º 596/99, de 2/11, in D.R., II 
 Série, n.º 44, de 22/2/2000, pág. 3600, “.., em certos casos, a suspensão da 
 execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as 
 finalidades da punição se a ela – suspensão da execução – se associar a 
 reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação 
 de garantia de pagamento) da indemnização devida”. 
 Assim sendo, a condicionada suspensão da execução da pena de prisão determinada 
 pelo tribunal recorrido, porque “ope legis”, não é passível de qualquer censura 
 pois que não implica a derrogação do princípio consagrado no nosso sistema penal 
 de que a falta de cumprimento das condições da suspensão não determina 
 automaticamente a revogação desta, antes impondo a lei ao juiz que averigúe do 
 carácter culposo desse incumprimento e que, mesmo verificando a existência de 
 culpa (sem o que a revogação não é possível), considere a possibilidade de 
 aplicação de alguma das legalmente previstas soluções alternativas à revogação, 
 só se determinando tal revogação nas situações de acentuada gravidade 
 expressamente previstas na lei penal (cf. art. 55.º e 56.º do C.P.). 
 A restrição derivada da obrigatoriedade da imposição da condição do pagamento 
 aplica-se a todo e qualquer arguido condenado pelos referidos crimes em pena de 
 prisão suspensa na sua execução, sendo tal suspensão decidida nos termos do art. 
 
 50.º do Cód. Penal, necessariamente atendendo às específicas condições de cada 
 um, relativamente aos parâmetros que este preceito legal obriga sejam 
 considerados na formulação do exigido juízo de prognose sobre a adequação e a 
 suficiência da suspensão relativamente à realização das finalidades de prevenção 
 geral e especial da pena a aplicar. 
 
 (...)
 
  
 Ora, na alegação do recorrente, designadamente na parte em que suscita a questão 
 de inconstitucionalidade, e na qual é possível isolar uma determinação de 
 natureza normativa, retira-se sem dificuldade a alegação de que seria 
 inconstitucional a norma que admita a subordinação da suspensão da pena de 
 prisão a que o recorrente foi condenado ao cumprimento de um dever  impossível 
 de cumprir o que seria, no fundo, equivalente a uma pena de prisão efectiva, por 
 ser, afinal, obrigatório o cumprimento dessa pena de prisão.
 Todavia, a Relação do Porto não aplicou a norma com esse sentido; conforme 
 resulta do trecho acima citado e designadamente no ponto em que se afirma      
 que «o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da 
 suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal 
 para o qual remetia o artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, bem como do n.º  2 ao 
 artigo 14.º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a 
 revogação não dispensa a culpa do condenado». Tais considerações revelam que a 
 Relação não adoptou o impugnado entendimento normativo, segundo o qual, o não 
 cumprimento da condição da suspensão da execução da pena determina 
 necessariamente o cumprimento da pena de prisão. Por essa razão, não pode dar-se 
 como verificado o requisito essencial do recurso: a de estar impugnada a norma 
 que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida.
 
  
 
 5. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, não admitindo o 
 recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 20 de Abril de 2010
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão