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Processo n.º 915/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
       Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
 
 
                         1. Por despacho do Vice‑Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça (STJ), de 23 de Setembro de 2008, foi indeferida reclamação deduzida 
 por A. e B. contra o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de 
 Coimbra, de 24 de Junho de 2008, que não havia admitido recurso de agravo por 
 eles interposto para o STJ. O indeferimento da reclamação assentou na seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “I. Os réus A. e outra interpuseram recurso de agravo para este 
 Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que manteve o 
 despacho do Ex.mo Desembargador Relator que indeferira o requerimento por eles 
 apresentado no qual arguíram a nulidade processual do acórdão de fls. 177 e 
 seguintes, por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
 
             No despacho proferido em 24 de Junho de 2008 pelo Ex.mo 
 Desembargador Relator, foi referido que quer se entenda a decisão de que se 
 pretende recorrer como complemento do acórdão de fls. 177 e seguintes, quer como 
 decisão autónoma, o recurso não é admissível. No primeiro caso por do acórdão de 
 fls. 177 e seguintes ter sido interposto recurso para o STJ, que não foi 
 admitido, e, no segundo caso, por não se verificarem as situações previstas nos 
 n.ºs 2 e 3 do artigo 754.º do CPC.
 
             Desse despacho reclamam os recorrentes, sustentando, além do mais, 
 que o recurso de agravo deve ser admitido, por o acórdão da Relação não ter sido 
 proferido sobre decisão da 1.ª instância; suscitam também a 
 inconstitucionalidade do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, quando 
 interpretado no sentido de que não cabe agravo para o STJ de decisão‑surpresa 
 da Relação sobre questão processual, nunca antes suscitada no processo, 
 impeditiva da reponderação da decisão de fundo da 1.ª instância.
 
             A parte contrária pugna pelo improvimento da reclamação.
 
             II. Cumpre apreciar e decidir.
 
             O acórdão questionado manteve o despacho do Ex.mo Desembargador 
 Relator que indeferira o requerimento apresentado pelos ora reclamantes a fls. 
 
 201, no qual arguíram a nulidade processual do acórdão de fls. 177 e seguintes, 
 por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
 
             Do acórdão de fls. 177 e seguintes já tinha sido interposto recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, que não fora admitido por despacho do Ex.mo 
 Desembargador Relator.
 
             Deste despacho houve reclamação para o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça, que a indeferiu, e, posteriormente, recurso para o 
 Tribunal Constitucional. Significa isto que o acórdão sobre o qual recaiu o 
 referido requerimento de fls. 201 ainda não transitou em julgado.
 
             Sucede, porém, que a situação em causa não é subsumível na previsão 
 da norma do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, a contrario, por respeitar a 
 acórdão proferido sobre recurso vindo da 1.ª instância.
 
             Quanto à inconstitucionalidade imputada ao artigo 754.º, n.º 2, 1.ª 
 parte, do CPC, refere‑se que a mesma não se verifica, por o direito à tutela 
 judicial efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, se bastar, em princípio, 
 com uma instância única (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 261/2002, de 18 de Junho de 2002).
 
             III. Pelo exposto, indefere‑se a presente reclamação.”
 
  
 
                         2. Notificados deste despacho, os reclamantes 
 apresentaram, em 9 de Outubro de 2008, endereçado ao Conselheiro Presidente do 
 STJ, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), referindo como decisões recorridas os acórdãos do Tribunal 
 da Relação de Coimbra, de 19 de Dezembro de 2007 e de 22 de Abril de 2008, os 
 despachos do Desembargador Relator dessa Relação, de 12 de Fevereiro de 2008 e 
 de 24 de Junho de 2008, e o despacho do Conselheiro Vice‑Presidente do STJ, de 
 
 23 de Setembro de 2008, acima transcrito, pretendendo ver apreciada a 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), da “interpretação dos artigos 664.º, 754.º e 3.º do CPC no 
 sentido de permitirem ao Tribunal da Relação proferir, sem prévia audição das 
 partes sobre os respectivos fundamentos de direito, decisão definitiva de 
 inadmissibilidade dum requerimento ou articulado superveniente, quando nem as 
 partes, em 1.ª ou em 2.ª instância, formularam qualquer dúvida sobre a sua 
 admissibilidade nem o tribunal de 1.ª instância conheceu oficiosamente essa 
 questão, tendo apenas julgado de mérito”.
 
  
 
                         3. Em 15 de Outubro de 2008, o Conselheiro 
 Vice‑Presidente do STJ proferiu o seguinte despacho:
 
  
 
             “No respeitante ao recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional, através do requerimento de fls. 138 e seguintes, admite‑se o 
 mesmo, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1, 
 
 72.º, n.º 2, 75.º, 75.º‑A, 76.º e 78.º, n.º 4, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, actual redacção, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 
 
 754.º, n.º 2, do CPC, na interpretação normativa que lhe foi dada na decisão que 
 apreciou a reclamação.
 
             Quanto à inconstitucionalidade imputada aos artigos 3.º e 664.º, 
 ambos do CPC, não nos compete pronunciar sobre a admissibilidade do recurso ora 
 interposto para o Tribunal Constitucional nesta parte, atento o disposto no 
 artigo 76.º, n.º 1, da LTC, mas sim ao Tribunal da Relação de Coimbra por ser à 
 sua decisão (e não à proferida aquando do conhecimento da reclamação do despacho 
 que não admitiu o recurso) que vem assacada a aplicação de normas consideradas 
 inconstitucionais.
 
             Competirá aos recorrentes submeter oportunamente esta questão ao 
 referido tribunal, se assim o entenderem.”
 
  
 
                         4. Apresentaram então os reclamantes a seguinte 
 reclamação, endereçada ao Tribunal Constitucional:
 
  
 
             “A. e outra, nos autos à margem contra C., tendo sido notificados do 
 douto despacho de 15 de Outubro de 2008 de S. Ex.ª o Venerando Conselheiro 
 Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que admitiu o recurso constitucional, 
 mas considerando que o admitiu só em parte, pois considerou que «quanto à 
 inconstitucionalidade imputada aos artigos 3.º e 664.º, ambos do CPC, não nos 
 compete pronunciar sobre a admissibilidade do recurso ora interposto para o 
 Tribunal Constitucional nesta parte», vêm apresentar a seguinte
 RECLAMAÇÃO
 A)
 
             1 – Proferido o acórdão de 19 de Dezembro de 2007, a parte arguiu 
 uma nulidade processual nele cometida ou praticada, consistente na violação do 
 princípio do contraditório e aplicação inconstitucional do artigo 3.º, n.º 3, do 
 CPC.
 
             Tal nulidade processual e aplicação de norma inconstitucional não é 
 assacada à 1.ª instância (Torres Novas), que ali não foram praticadas.
 
             O vício da nulidade processual e inconstitucionalidade foi gerado, 
 nasceu, teve origem apenas ali naquela decisão de 19 de Dezembro de 2007 da 
 Relação.
 
             É, pois, certo que tal acórdão da Relação não foi proferido sobre 
 qualquer nulidade processual e inconstitucionalidade praticadas na 1.ª 
 instância em Torres Novas.
 
             Da nulidade e da inconstitucionalidade cometidas por aquele acórdão 
 da Relação houve ali a respectiva arguição, que foi indeferida pelo relator.
 
             Reclamou então a parte para a Conferência, reiterando a arguição de 
 nulidade processual e de inconstitucionalidade e pedindo que sobre o despacho 
 do relator recaísse acórdão.
 
             Foi então proferido o acórdão de 22 de Abril de 2008, que indeferiu 
 as arguições de nulidade e inconstitucionalidade. É bom de ver que este acórdão 
 não foi proferido sobre decisão da 1.ª instância: tais arguições jamais foram 
 imputadas, claro está, à 1.ª instância e foram‑no apenas à Relação.
 
             2 – Na sua reclamação para S. Ex.ª o Presidente do Supremo (do 
 despacho que não admitiu o agravo) os reclamantes disseram:
 
             arguíram a nulidade processual (do acórdão de 19 de Dezembro de 
 
 2007) «desde logo suscitando – o que ora mantêm – que, não sendo reconhecida, 
 estaria a entender‑se e aplicar‑se o artigo 3.º, n.º 3, do CPC dum modo que o 
 colocaria em conflito com o direito constitucional, por violação do princípio 
 do contraditório.
 
             Os reclamantes mantêm aqui – na presente reclamação para S. Ex.ª o 
 Presidente do Supremo – a afirmação de que a interpretação e aplicação do 
 artigo 3.º, n.º 3, fazem este conflituar, nos termos que indicaram, com o 
 direito constitucional.»
 
             «4 – Os reclamantes mantêm que o acórdão de 19 de Dezembro de 2007 
 proferiu uma decisão‑supresa e que foi feita uma interpretação e aplicação da 
 norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC que põe esta em colisão com o direito 
 constitucional.
 
             A fim de não alongarem a exposição da presente reclamação pedem 
 vénia a S. Ex.ª o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo para aqui dar por 
 reproduzida a alegação da inconstitucionalidade como a suscitaram no 
 requerimento inicial de arguição de nulidade e mantiveram na conclusão da 
 reclamação para a Conferência.»
 
             «Pedem a S. Ex.ª que considere o teor do requerimento de arguição de 
 nulidade e o teor da reclamação para a Conferência, dispensando os reclamantes 
 de aqui os verter e de assim avantajarem desnecessariamente estes autos (n.º 
 
 8).»
 
             A questão da nulidade cometida no acórdão de 19 de Dezembro de 2007 
 vem, desde a primeira reacção dos recorrentes, decidida assim:
 
             – essa nulidade não existiu;
 
             – se tivesse existido, não podia ser apreciada em recurso porque 
 recurso não cabe.
 
             Foi esta a posição do despacho de 12 de Fevereiro de 2008, que 
 indeferiu a nulidade; foi também a do acórdão de 22 de Abril de 2008, que 
 decidiu «manter o (esse) despacho reclamado» para a Conferência.
 
             Foi também por isso que o recurso do acórdão de 22 de Abril de 2008 
 não foi admitido pelo despacho do Relator de 24 de Junho de 2008.
 
             E foi essa questão que foi colocada na reclamação para S. Ex.ª o 
 Presidente do Supremo que, portanto, ao confirmar a não admissão do recurso, 
 necessariamente tomou a posição de não reconhecer a nulidade e a 
 inconstitucionalidade arguida e suscitada relativa aos artigos 3.º, n.º 3, e 
 
 664.º. Esta decisão, pressuposta ou implícita no douto despacho recorrido de 23 
 de Setembro de 2008, não poderá deixar de ser considerada.
 
             Na verdade, a questão que esse despacho decidiu foi colocada assim: 
 cabe recurso de agravo para o STJ porque houve uma nulidade e 
 inconstitucionalidade cometidas pela Relação.
 
             Ao decidir – aliás, salvo o muito devido respeito, mal – que «a 
 situação em causa» respeita «a acórdão proferido sobre recurso da 1.ª 
 instância», o despacho de 23 de Setembro de 2008 de S. Ex.ª o Presidente do 
 Supremo não avalia, explicitamente, mas devia ter avaliado, a questão suscitada 
 da inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
 
             Efectivamente, o que estava (está) em causa é uma decisão‑surpresa 
 relevando de aplicação de norma inconstitucional e para avaliação ou 
 consideração dessa matéria da nulidade de decisão‑surpresa, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, o referido despacho tinha de ter considerado 
 explicitamente esta questão devidamente suscitada.
 
             Mas não será porque o despacho do Presidente do Supremo não aprecia 
 expressamente, apenas implicitamente a indeferindo, a questão da 
 inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 3, que a parte poderá ver vedado o 
 recurso de inconstitucionalidade.
 
             O despacho decidiu que não ocorreu a nulidade – doutro modo tinha de 
 ter admitido o recurso – e ao ter assim decidido teve necessariamente de ter 
 pressuposta a improcedência da arguição de inconstitucionalidade do artigo 3.º, 
 n.º 3, decorrente de decisão‑surpresa.
 
             Não poderá dizer‑se que, para não admitir o recurso, o despacho não 
 avaliou da regularidade da aplicação da norma do artigo 3.º, n.º 3; e ao não 
 ter reconhecido a nulidade – condição de não ter admitido o recurso – sancionou 
 o entendimento de não ter havido aplicação inconstitucional do artigo 3.º, n.º 
 
 3, do CPC.
 
             Consequentemente, o recurso de constitucionalidade não poderá deixar 
 de ter abrangência a esta norma e à sua aplicação que foi causa da nulidade 
 cometida.
 
             3 – Dizer que o acórdão de 22 de Abril de 2008 da Relação foi 
 proferido sobre decisão da 1.ª instância não faz, pois, qualquer sentido. O 
 acórdão de 22 de Abril de 2008 da Relação foi proferido sobre a arguição da 
 nulidade processual e inconstitucionalidade cometidas na Relação.
 
             Deste acórdão entende a parte que cabe recurso para o Supremo. E o 
 objecto essencial deste recurso consiste exactamente em saber se a Relação 
 cometeu a nulidade e inconstitucionalidade arguidas ou não. O que se trata de 
 discutir no Supremo são precisamente essa nulidade e inconstitucionalidade.
 
             Constitui notável equívoco a afirmação do despacho recorrido, de 23 
 de Setembro de 2008, de que o acórdão de 22 de Abril de 2008 foi proferido sobre 
 recurso vindo da 1.ª instância, sendo, pelo contrário, evidente que dele cabe 
 recurso ordinário que tem precisamente por objecto o conhecimento da 
 inconstitucionalidade, desta forma postergado pela omissão desse despacho que 
 devia tê‑la considerado, pois que devidamente colocada na reclamação que foi 
 apresentada e que o despacho indevidamente ignorou.
 
             A boa interpretação e aplicação do artigo 754.º, n.º 2, ao caso dos 
 presentes autos depende precisamente da interpretação e aplicação e da 
 conformidade constitucional da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, cuja 
 verificação se toma necessária, doutro modo ficando inconsistente aquela 
 questão.
 
             É por isso que os reclamantes não podem de modo nenhuma estar de 
 acordo em que o douto despacho de S. Ex.ª o Venerando Presidente do Supremo não 
 contém, ao menos implícita, uma decisão sobre a inconstitucionalidade do artigo 
 
 3.º, n.º 3. Pois se é este exactamente o cerne da arguida nulidade processual!
 
             4 – Quando o despacho de 23 de Setembro de 2008, que não admitiu o 
 recurso, considera que não cabe agravo por certo entende que não foi cometida 
 nulidade – no acórdão de 19 de Dezembro de 2007 – e o artigo 3.º, n.º 3, não foi 
 ali aplicado em contradição com o direito constitucional.
 
             É que se a nulidade é ali praticada, na elaboração da decisão 
 daquele acórdão de 19 de Dezembro de 2007, então o agravo cabia para o Supremo. 
 
 É patente que tal questão – não audiência da parte – foi ali originada, não 
 vindo, essa questão, da 1.ª instância. Por conseguinte, o referido despacho de 
 
 23 de Setembro de 2008 pressupõe uma interpretação dos artigos 3.º, n.º 3, e 
 
 664.º que releva de violação do direito de acesso à justiça, pois que não 
 permite um único recurso numa situação em que o Código, o legislador, entende 
 conferir o direito a um recurso.
 
             É que da aplicação conjugada dos artigos 754.º, n.º 2, 664.º e 3.º, 
 n.º 3, do CPC veio a resultar ficar impedida a apreciação constitucional 
 precisamente da norma cuja aplicação constitucional originou a nulidade 
 processual cometida pela Relação.
 
             Os recorrentes entendem assim que a apreciação da 
 constitucionalidade dos artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do CPC não poderá deixar de 
 constituir objecto do presente recurso de constitucionalidade.
 
             5 – A questão de inconstitucionalidade não poderá, no presente 
 recurso, ser desconjuntada espartilhada, como no despacho ora reclamado, quando 
 foi assim suscitada:
 
             «Entendeu a Relação, não só que podia oficiosamente considerar, sem 
 discussão prévia entre as partes, a questão da admissibilidade do articulado (ou 
 requerimento) superveniente apresentado pelos réus, mas também que a decisão de 
 inadmissibilidade por ela proferida não é impugnável em recurso para o STJ. Com 
 isto, negou à parte vencida a possibilidade de, quer ex ante, quer ex post, pôr 
 em causa o entendimento da Relação, o que inequivocamente viola o princípio do 
 contraditório.
 
             Entendeu assim:
 
             – Que podia, ao abrigo do artigo 664.º do CPC, julgar oficiosamente 
 a questão levantada sem dar às partes a possibilidade de previamente sobre ela 
 se pronunciarem;
 
             – Que, decidida a questão, o artigo 754.º do CPC impedia a parte 
 vencida de recorrer para o STJ.
 
             Do jogo combinado destas duas interpretações envolvendo os artigos 
 
 3.º, n.º 3, 664.º e 754.º, n.º 2, resulta, pois, que o direito de os réus, 
 contra quem a decisão foi tomada, se pronunciarem sobre a questão levantada foi 
 inteiramente postergado.
 
             A interpretação é inconstitucional.
 
             Aliás, a inconstitucionalidade reside, fundamentalmente, em ignorar 
 a proibição da decisão‑surpresa, negando o direito à discussão ex ante, pelo que 
 o artigo 664.º do CPC tem sempre de ser conjugado com o artigo 3.º, n.º 3, do 
 CPC e o direito à audição das partes tem, como vimos, de ser sempre assegurado 
 previamente. Mas esta violação, que de qualquer modo se verificaria mesmo que se 
 concedesse seguidamente o direito ao recurso para o STJ, torna‑se mais grave, 
 porque definitiva, quando este recurso é negado. A violação perpetrada é 
 totalmente insustentável. Cfr. Parecer do Prof. Lebre de Freitas junto aos 
 autos.»
 
             A questão constitucional assim suscitada não pode depois ser 
 restringida à apreciação apenas do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, separando‑a 
 da conjugação com os artigos 3.º, n.º 3, e 664.º e amputando assim a questão da 
 constitucionalidade como foi suscitada.
 
             6 – Despacho de fls. 455, de 24 de Junho de 2008:
 
             «A. e B. vêm, a fls. 280, interpor recurso da decisão de fls. 273 e 
 seguintes – douto acórdão de 22 de Abril de 2008 – que (confirmando o despacho 
 do relator de fls. 221 e seguinte) indeferiu a arguida nulidade processual (sic) 
 do acórdão de fls. 177 e seguintes – o acórdão de 19 de Dezembro de 2007 –, por 
 violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.»
 
             Indefere‑se.
 
             O recurso para o Supremo foi interposto do acórdão que indeferiu a 
 
 ‘nulidade por violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC’.
 
             E foi este recurso do acórdão que S. Ex.ª o Presidente do Supremo 
 não admitiu, sendo certo que a inconstitucionalidade lhe foi suscitada, nos 
 mesmos precisos termos que à Conferência na Relação.
 
             Foi aqui, neste último despacho de S. Ex.ª o Presidente do Supremo, 
 que ficou consolidada, consumida, definitivamente impedida a apreciação da 
 questão constitucional – cf. Acórdão n.º 378/94 do Tribunal Constitucional. É, 
 pois, desta decisão o recurso constitucional sobre as normas dos artigos 3.º, 
 n.º 3, 664.º e 754.º, n.º 2.
 
             A norma do artigo 70.º, n.º 3, da LTC abrange as reclamações que 
 tenham obrigatoriamente de se pronunciar sobre norma aplicada simultaneamente 
 pela decisão recorrida e pelo despacho reclamado (Cons. Fernando Amândio 
 Ferreira, infra, B) I).
 
             Para apreciar da admissibilidade ou não do agravo, o douto despacho 
 recorrido, de 23 de Setembro de 2008, teve, necessária e obrigatoriamente, de 
 considerar implicitamente a nulidade e inconstitucionalidade suscitadas 
 cometidas em 2.ª instância.
 
             7 – Quando o despacho recorrido, de 23 de Setembro de 2008, 
 considera que «a situação não é subsumível na previsão da norma do artigo 
 
 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, a contrario», está implicitamente a negar o 
 vício da decisão‑surpresa, praticada na Relação, resultante da aplicação 
 inconstitucional do artigo 3.º, n.º 3, que daria, no caso, lugar à admissão de 
 agravo.
 
             Essa questão de constitucionalidade foi colocada na reclamação que, 
 assim decidida, contém implícito o juízo de não inconstitucionalidade da 
 decisão‑surpresa praticada pela Relação, ao decidir por uma questão nova nunca 
 antes suscitada e sem prévia audiência das partes que jamais a previram nem 
 discutiram.
 
             Não poderá, pois, considerar‑se que o despacho de 23 de Setembro de 
 
 2008 se limitou a aplicar o artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, sem que contenha 
 implícita uma pronúncia de não inconstitucionalidade do referido artigo 3.º, n.º 
 
 3, do CPC.
 
             É este o entendimento dos recorrentes, pois todo o processado e a 
 arguição de inconstitucionalidade provém exactamente daí, da aplicação dessa 
 norma, que, em tais termos admitida, a coloca em colisão com as normas e 
 princípios constitucionais invocados na sucessivamente suscitada 
 inconstitucionalidade.
 
             É absolutamente evidente que o acórdão de 19 de Dezembro de 2007 
 cometeu uma nulidade por ter proferido decisão‑surpresa numa aplicação da norma 
 do artigo 3.º, n.º 3, do CPC que a fere de inconstitucionalidade, aliás já 
 declarada noutro processo e referenciada na sucessiva suscitação de 
 inconstitucionalidade nestes autos.
 
             Seria injusto que, perante o imediato e sempre continuado apelo ao 
 direito a um processo equitativo e ao direito constitucional, viesse a 
 concluir‑se pela manutenção da decisão assente na violação da Constituição. Os 
 direitos constitucionais fundamentais devem ser atendidos.
 
             A decisão a impugnar para o Tribunal Constitucional é, pois, a de S. 
 Ex.ª. o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo, de 23 de Setembro de 2008, 
 com a indicada abrangência aos artigos 3.º, n.º 3, 664.º e 754.º, n.º 2, 1.ª 
 parte.
 B)
 
             Mas se, por inverosímil hipótese, fosse considerado que a decisão a 
 impugnar é o acórdão de 22 de Abril de 2008, então, subsidiariamente, os 
 recorrentes pedem que os presentes autos de reclamação sejam remetidos ao 
 Tribunal da Relação de Coimbra para conhecimento, que requerem, pelo Venerando 
 Relator, do interposto recurso de constitucionalidade, na parte respeitante aos 
 artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do CPC, que S. Ex.ª o Venerando Conselheiro 
 Presidente do STJ decidiu não conhecer, apreciando a esse propósito os motivos e 
 fundamentos do recurso de constitucionalidade interposto, que, em tal caso, 
 pedem vénia para dar por reproduzidos.
 
             Será esta, em tal caso, a solução adequada já que:
 
             I – Expõe o Cons. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em 
 Processo Civil, 2008, págs 362‑363:
 
             «os recursos (constitucionais) só cabem de decisões que não admitam 
 recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos 
 os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência 
 
 (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
 
             (...)
 
             A noção de recurso ordinário está aqui tomada em sentido amplo, 
 abrangendo, nos termos do n.º 3 do artigo 70.º da LTC, (...) as reclamações 
 para o tribunais superiores, nos casos de não admissão do recurso (artigo 688.º 
 do CPC), bem como as reclamações dos despachos dos relatores para a conferência 
 
 (artigo 700.º, n.º 3, do CPC).
 
             Isto sem prejuízo de o recurso para o TC ser interposto da decisão 
 recorrida, se a reclamação for julgada infundada e não se tiver pronunciado 
 sobre a norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo de 
 que cuidou, em último lugar, aquela decisão. Então, uma vez julgada sem êxito a 
 reclamação, baixarão os autos, onde se encontre o requerimento de interposição 
 de recurso para o TC, ao tribunal inferior, para se pronunciar sobre a 
 admissibilidade desse recurso (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).
 
             Sendo as coisas assim, uma razão de economia processual impõe uma 
 interpretação restritiva da norma do n.º 3 do artigo 70.º da LTC, na parte em 
 que alude às reclamações para os tribunais superiores, para apenas abranger as 
 que tenham obrigatoriamente de se pronunciar sobre norma aplicada 
 simultaneamente pela decisão recorrida e pelo despacho reclamado, apesar de 
 arguida de inconstitucionalidade no processo. Se a norma arguida de 
 inconstitucionalidade apenas for aplicada na decisão recorrida, não se torna 
 obrigatória, em vista à viabilização do recurso para o TC, a reclamação para o 
 tribunal superior do despacho que não admite o recurso; diversamente, por 
 analogia com o que se dispõe nos n.ºs 2 e 4 do artigo 70.º da LTC, deve o 
 recorrente, na sequência do despacho de não admissão do recurso, e por se 
 considerarem esgotados os recursos ordinários, interpor directamente recurso 
 para o TC da decisão negativa de inconstitucionalidade, sem se socorrer da via 
 intermédia da reclamação para o tribunal superior, sendo o recurso interposto 
 no prazo do n.º 2 do artigo 75.º da LTC.»
 
             II – No STJ, o relator, por despacho, julgou findo um recurso pelo 
 não conhecimento do seu objecto. O recorrente dirigiu então reclamação ao 
 Presidente do STJ, quando a devia ter dirigido para a conferência. Apesar 
 disso, a conferência julgou a reclamação que foi dirigida ao Presidente (Acórdão 
 de 15 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, Proc. 08B017).
 
             III – Igual solução foi adoptada no Acórdão do STJ, de 8 de Julho de 
 
 2003, www.dgsi.pt, Proc. 0252243:
 
             «I – Tendo sido deduzida indevidamente reclamação para o Presidente 
 do Supremo Tribunal de Justiça de despacho do relator que não tomou 
 conhecimento do objecto do recurso, o tribunal poderá sanar oficiosamente o 
 erro da parte quanto ao procedimento utilizado, por aplicação do disposto no 
 artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, convolando essa reclamação em 
 reclamação para a conferência.»
 
             IV – Na Relação de Lisboa, o Relator não admitiu um recurso. Os 
 recorrentes reclamaram para a conferência, quando o meio adequado era a 
 reclamação para o Presidente do STJ. O acórdão do STJ, de 26 de Novembro de 
 
 1996, apreciando o caso, veio a decidir que:
 
             «A indevida formulação da reclamação prevista no artigo 700.º, n.º 
 
 3, do CPC67, por ser caso da prevista no artigo 688.º do mesmo Código, 
 traduz‑se em simples irregularidade processual que pode e deve ser objecto de 
 rectificação por algum dos meios aludidos nos artigos 193.º ou 477.º, n.º 1, do 
 citado Código.»
 
             Este acórdão ponderou que «a divergência quanto ao destinatário da 
 reclamação constitui simples irregularidade formal, susceptível de rectificação 
 oficiosa ou de convite à parte para o fazer ...».
 
             Portanto, a reclamação não foi dirigida ao Presidente do STJ, mas 
 deve ser por este conhecida.
 
             V – Na Relação do Porto, a parte, discordando de um despacho do juiz 
 relator, dele interpôs agravo, quando devia ter reclamado para a conferência.
 
             Rejeitado ali (na Relação) o agravo, o STJ veio a revogar esta 
 decisão e ordenou que o requerimento de interposição do recurso (de agravo) 
 prossiga os trâmites legais da reclamação para a conferência, nos termos do 
 artigo 700.º, n.º 3, do CPC.
 
             Entendeu que a norma do artigo 688.º, n.º 5, pode ser aplicada 
 analogicamente, por não ser de natureza excepcional (acórdão do STJ, de 29 de 
 Janeiro de 2008, www.dgsi.pt, Proc. 07A4443).
 
             VI – O acórdão do STJ, de 2 de Abril de 2008, www.dgsi.pt, Proc. 
 
 0754650, decidiu que «I – A circunstância de a peça alegatória do recurso de 
 revista não vir formalmente endereçada aos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça 
 
 – vinha encabeçada com a asserção ‘Venerandos Juízes Desembargadores do 
 Tribunal da Relação de Évora’ – não implica por si só o não conhecimento da 
 impugnação».
 
             VII – Acórdão n.º 515/96 do Tribunal Constitucional:
 
             Defere reclamação e ordena a remessa dos autos para ser proferido 
 despacho sobre o requerimento de interposição do recurso pela entidade 
 competente.
 
             «I – A circunstância de a reclamação contra despacho de rejeição do 
 recurso de constitucionalidade ser dirigida ao Presidente do Tribunal 
 Constitucional e não ao próprio Tribunal não obsta à apreciação da mesma, visto 
 que aquela entidade representa o Tribunal e preside às sessões das respectivas 
 sessões.
 
             II – De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 76.º da Lei do 
 Tribunal, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar 
 a admissão do recurso de constitucionalidade; o Tribunal decidiu já, no Acórdão 
 n.º 3/96, que, proferido despacho de rejeição do recurso por juiz incompetente 
 em razão de matéria, devem os autos ser submetidos à entidade competente para 
 apreciação do requerimento de interposição, antes de ser apreciada a 
 reclamação.»
 
             Relatado pelo Cons. Armindo Ribeiro Mendes, apreciou e decidiu a 
 seguinte situação, sumariamente descrita:
 
             Um arguido interpôs recurso de inconstitucionalidade de decisão do 
 Presidente do Supremo.
 
             Dirigiu e apresentou o requerimento de interposição ao Juiz da 10.ª 
 Vara Criminal de Lisboa, «sem prejuízo da correspondente subida ao Supremo 
 Tribunal de Justiça se tal for entendido de acordo com o artigo 76.º ainda da 
 mesma lei».
 
             O Juiz da 10.ª Vara Criminal indeferiu o requerimento, com o 
 fundamento de não ter sido suscitada uma questão de constitucionalidade, nos 
 autos, pelo recorrente.
 
             Contra este indeferimento do recurso de inconstitucionalidade reagiu 
 o recorrente por meio de reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça.
 
             Esta reclamação foi indeferida pelo Juiz da 10.ª Vara, por estar 
 dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
 
             Requereu então o recorrente a rectificação, devendo considerar‑se a 
 reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal Constitucional, mas o Juiz 
 indeferiu o requerimento por a considerar intempestiva e a reclamação ter de 
 ser dirigida ao Tribunal Constitucional (e não ao Presidente do Tribunal 
 Constitucional).
 
             A Relação veio a revogar esta última decisão, ordenando a remessa da 
 reclamação ao Presidente do Tribunal Constitucional.
 
             Aqui chegada a reclamação, o Acórdão decidiu que a circunstância de 
 a reclamação estar dirigida ao Presidente do Tribunal Constitucional, e não ao 
 próprio Tribunal, «não pode obviar à apreciação da reclamação» e, após 
 considerar que «é manifesto que a rejeição do recurso de constitucionalidade 
 foi determinada por magistrado incompetente em razão da matéria», determinou 
 
 «que os presentes autos de reclamação sejam remetidos ao Supremo Tribunal de 
 Justiça para serem submetidos ao Senhor Presidente desse Alto Tribunal para os 
 legais efeitos».
 
             VIII – No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 502/2003, um 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade de decisão do 
 Presidente do STJ foi dirigido ao Tribunal Judicial de Olhão e por este 
 remetido ao Presidente do STJ, que o admitiu, vindo depois a ser alegado no 
 Tribunal Constitucional.
 
             IX – No STJ, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, que não foi admitido pelo relator. Reclamou então para o 
 Presidente do STJ, quando o devia ter feito para o Tribunal Constitucional 
 
 (artigo 76.º, n.º 4, da LTC).
 
             O Presidente do STJ não conheceu da reclamação, mas remeteu‑a para o 
 Tribunal Constitucional.
 
             Apesar de não lhe estar dirigida, o Tribunal Constitucional conheceu 
 da reclamação (Acórdão n.º 587/2003, em www.dgsi.pt).
 
             X – Acórdão do STJ, de 16 de Fevereiro de 2006 (www.dgsi.pt, Proc. 
 
 06B346):
 
             «1. Por virtude do disposto nos artigos 199.º, n.º 1, 687.º, n.º 3, 
 
 2.ª parte, e 702.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, o normativo do n.º 
 
 5 do artigo 688.º do mesmo diploma não se configura como excepcional, antes se 
 traduzindo na concretização de um princípio geral.
 
             2. Inexiste, por isso, o obstáculo previsto no artigo 11.º do Código 
 Civil de aplicação analógica do disposto no artigo 688.º, n.º 5, do Código de 
 Processo Civil à situação em que a parte erra no meio processual de impugnação 
 do despacho do relator.
 
             3. Se o impugnante interpuser recurso do despacho do relator da 
 Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, em vez de reclamar dele para a 
 conferência, deve aquele magistrado mandar seguir o requerimento de 
 interposição do recurso sob a tramitação própria de reclamação para a 
 conferência.»
 
             XI – Acórdão do STJ, de 6 de Julho de 2006 (www.dgsi.pt):
 
             O despacho de aperfeiçoamento acentua o princípio da cooperação que, 
 hoje, é basilar no processo civil – artigos 266.º, 519.º, 519.º‑A, n.º 1, 535.º, 
 
 569.º, n.º 1, alínea a), 569.º, n.º 2, 612.º, n.º 1, 645.º, n.º 1, v. g.. A 
 omissão desse dever é sancionada (artigo 456.º, n.º 2, alínea c)).
 
             Tem por objectivo a justa composição do litígio, de forma eficaz e 
 célere.
 
             Por isso a lei processual admite, e incentiva, o aperfeiçoamento de 
 articulados (sem qualquer distinguo entre o corpo e a parte conclusiva ...).
 
             Aliás, o n.º 2 do artigo 265.º do Código citado contém uma regra 
 geral que conduz à consagração do convite ao aperfeiçoamento.
 
             XII – O acórdão do STJ, de 15 de Dezembro de 2005 (www.dgsi.pt), 
 declarou‑se incompetente em razão da hierarquia e ordenou a remessa dos autos à 
 Relação de Coimbra por ser a competente.
 
             XIII – Também os Acórdãos do STJ, de 19 de Maio de 2005, 26 de 
 Fevereiro de 2004 e 30 de Março de 2000, entre outros, não tendo competência 
 para o conhecimento de determinadas matérias, remeteram para a Relação o seu 
 conhecimento.
 
             XIV – «A prevalência do fundo sobre a forma é uma opção declarada no 
 Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro. Segundo consta do preâmbulo, há 
 necessidade ‘de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e 
 de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como meio de ser alcançada a 
 verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um 
 estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a 
 justiça …’» (Ronnie Preuss Duarte, Garantia de Acesso à Justiça – Os Direitos 
 Processuais Fundamentais, Coimbra Editora, 2007, pág. 73).
 
             Assim, estando efectivamente admitida, porquanto necessária, uma 
 actividade interpretativa no papel da densificação dos direitos fundamentais 
 processuais, tem‑se como inequívoco que o intérprete deve pautar a sua actuação 
 por duas condicionantes, ambas apontadas por Canotilho, quais sejam: (1) a 
 procura de um resultado que seja constitucionalmente «justo», mediante a adopção 
 de um procedimento (método) racional e controlável e (2) a fundamentação também 
 de forma racional e controlável.
 
             O relevante é proceder com o recorte do âmbito de protecção do 
 direito de acesso à justiça, identificando‑se das suas emanações e, logo em 
 seguida, repetir o método com cada uma destas irradiações, precisando 
 individualmente a esfera de protecção de cada um dos direitos fundamentais 
 procedimentais implícita ou explicitamente contemplados na Constituição (Idem, 
 pág. 134).
 
             Uma interpretação da norma do n.º 1 do artigo 76.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional que conduzisse, na situação dos presentes autos, à não 
 admissão do recurso, tendo por efeito a perda do direito fundamental ao recurso, 
 revelaria estar aquela norma em colisão com o disposto no artigo 280.º da 
 Constituição.
 
             Nestes termos e nos mais de direito, deverá a presente reclamação 
 ser julgada procedente.”
 
  
 
                         5. O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “Incumbe ao recorrente o ónus de identificar claramente qual a 
 decisão que pretende impugnar perante este Tribunal Constitucional e endereçar o 
 respectivo requerimento de interposição ao órgão jurisdicional que a proferiu, 
 de modo a que este possa exercer, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 28/82, o poder‑dever de admitir ou rejeitar tal recurso.
 
             No caso dos autos, é patente que tal ónus não se mostra 
 adequadamente cumprido, já que o requerimento de interposição do recurso foi 
 dirigido ao Presidente do STJ – que havia dirimido a reclamação deduzida – e não 
 ao relator que, no Tribunal da Relação, teria procedido à pretendida aplicação 
 inconstitucional das normas, questionadas pelo recorrente: nestas 
 circunstâncias, não cabia evidentemente ao Presidente do Supremo admitir ou 
 rejeitar o recurso de constitucionalidade interposto, cabendo naturalmente tal 
 tarefa, por inteiro, ao relator do processo na Relação – e cumprindo 
 naturalmente ao recorrente suprir, por sua atempada iniciativa, o erro 
 originalmente cometido.
 
             Não é, deste modo, passível de censura a decisão reclamada, que se 
 limita a considerar que – face ao citado artigo 76.º, n.º 1 – só o autor da 
 decisão recorrida dispõe de competência para apreciar o recurso reportado à 
 decisão por ele proferida.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         6. Na presente reclamação, apesar da sua prolixidade, 
 pode considerar‑se que os reclamantes pretendem contestar quer a parte do 
 despacho do Vice‑Presidente do STJ, de 15 de Outubro de 2008, que limitou o 
 
 âmbito do recurso (admitido) contra o seu despacho de 23 de Setembro de 2008 à 
 apreciação da questão da inconstitucionalidade da interpretação e aplicação 
 neste feita do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, quer a parte daquele despacho que 
 considerou não caber ao seu autor, atento o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da 
 LTC, pronunciar‑se sobre a admissibilidade do recurso interposto de decisões 
 proferidas no Tribunal da Relação de Lisboa, a propósito das quais foram 
 suscitadas as questões da inconstitucionalidade de determinadas interpretações 
 dos artigos 3.º e 664.º do CPC.
 
                         Mas em nenhuma dessas vertentes a reclamação merece 
 acolhimento.
 
                         Resulta claramente do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, que é 
 ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida que cabe apreciar a admissão 
 do respectivo recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que não compete 
 obviamente ao Presidente do STJ (ou ao seu Vice‑Presidente, actuando em sua 
 substituição ou por sua delegação) apreciar a admissibilidade de recursos de 
 constitucionalidade tendo por objecto diversas decisões (quer acórdãos, quer 
 despachos do Desembargador Relator) do Tribunal da Relação de Lisboa.
 
                         Por outro lado, é patente que, no despacho de 23 de 
 Setembro de 2008, a única norma aplicada, como ratio decidendi, pelo 
 Vice‑Presidente do STJ foi a do n.º 2 do artigo 754.º do CPC, no segmento em que 
 declara que “não é admitido recurso de acórdão da Relação sobre decisão da 1.ª 
 instância”. Apreciar a inconstitucionalidade desta norma quando aplicada a 
 situações em que o acórdão da Relação, apesar de proferido em recurso de decisão 
 da 1.ª instância, teria conhecido oficiosamente, com alegada violação do 
 princípio do contraditório, de pretensa “questão nova”, é questão que caberá no 
 
 âmbito do recurso admitido, sem necessidade de nele incluir as questões de 
 inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do 
 CPC, as quais, por respeitarem directamente à procedência do recurso das 
 decisões da Relação, são estranhas à questão da admissibilidade deste recurso, e 
 só desta questão (da admissibilidade do recurso de agravo para o STJ) se ocupou 
 o despacho do Vice‑Presidente do STJ, de 23 de Setembro de 2008. As questões de 
 inconstitucionalidade reportadas aos artigos 3.º, n.º 3, e 664.º do CPC, na 
 interpretação e aplicação deles feita pelas decisões do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, terão o seu lugar adequado de apreciação no âmbito do recurso que os 
 recorrentes venham a interpor dessas decisões para o Tribunal Constitucional, 
 através de requerimento endereçado ao tribunal que as proferiu, e que venha a 
 ser admitido, quer por esse tribunal (artigo 76.º, n.º 1, da LTC), quer pelo 
 Tribunal Constitucional.
 
                         Anote‑se, por último que, tendo sido proferido, em 21 de 
 Abril de 2008, pelo Presidente do STJ, despacho a indeferir reclamação contra o 
 despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de 
 Fevereiro de 2008,      que não admitira recurso de revista, daquele despacho 
 foi interposto, pelos ora reclamantes, recurso para o Tribunal Constitucional, 
 que foi admitido, por despacho de 10 de Julho de 2008, apenas para conhecimento 
 da questão de constitucionalidade reportada ao artigo 754.º, n.º 2, do CPC, mas 
 já não quanto às questões de constitucionalidade reportadas aos artigos 3.º e 
 
 664.º do mesmo Código, tendo sido deduzida reclamação, ao abrigo do artigo 76.º, 
 n.º 4, da LTC, quanto a esta última parte do referido despacho. Tal reclamação 
 foi indeferida pelo Acórdão n.º 508/2008, de 22 de Outubro de 2008, e o recurso 
 do despacho de 21 de Abril de 2008, na parte em que foi admitido, foi julgado 
 improcedente pela Decisão Sumária n.º 509/2008, de 12 de Novembro de 2008, que 
 reputou manifestamente infundada a questão da inconstitucionalidade, face aos 
 artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, da norma do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª 
 parte, do CPC (na redacção resultante do Decreto‑Lei n.º 375‑A/99, de 20 de 
 Setembro), interpretada no sentido de que não cabe recurso de agravo para o STJ 
 de decisão da Relação, proferida sobre recurso vindo da 1.ª instância, ainda que 
 tal decisão tenha conhecido oficiosamente de uma questão nova.
 
  
 
                         7. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pelos reclamantes, fixando‑se a taxa de justiça 
 em 20 (vinte) unidades de conta.
 
                         Remetam‑se, de imediato, cópias do presente acórdão ao 
 Supremo Tribunal de Justiça (cf. fls. 35‑38) e para junção ao Proc. n.º 950/2008 
 desta 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
 Lisboa, 16 de Dezembro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos