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Processo n.º 153/2009 
 
 
 
 3.ª Secção 
 
 
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I 
 
 
 Relatório 
 
 
 
 1. A. e B., casados entre si, vieram impugnar junto do Tribunal Administrativo e 
 Fiscal de Lisboa o acto de indeferimento de reclamação graciosa do acto 
 tributário de liquidação de IRS relativo ao ano de 2003, no valor de ? 575,57, 
 praticado pela Administração Fiscal, pedindo a sua anulação. 
 
 
 Ao fazê-lo, e na parte que releva para o presente recurso de constitucionalidade, 
 os impugnantes suscitaram a questão da inconstitucionalidade da norma constante 
 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.º 215/89, de 1 de Julho e republicado pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de 
 Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Novembro, 
 interpretada no sentido de o benefício fiscal aí previsto bem como o respectivo 
 limite de dedução à colecta respeitarem ao montante total depositado em cada ano 
 por agregado familiar, aplicando-se tal limite à situação de duas pessoas, 
 casadas entre si, que, ao longo do ano, foram efectuando depósitos em duas 
 contas poupança-habitação diferentes de que cada um é titular. 
 
 
 Alegaram os impugnantes que a norma, assim interpretada, viola o princípio da 
 igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, 
 porquanto dela decorre que o mesmo limite de dedução à colecta se aplica a um 
 sujeito passivo que declare os seus rendimentos individualmente e a dois 
 sujeitos passivos que declarem o seu rendimento conjuntamente. 
 
 
 Da interpretação efectuada pela Administração Fiscal decorreria igualmente que, 
 enquanto a dois contribuintes não casados, titulares, cada um deles, de uma 
 conta poupança-habitação, é dada a possibilidade de, individualmente, deduzir à 
 colecta o limite legalmente estabelecido, aos mesmos dois contribuintes, uma vez 
 casados entre si, seria vedado parte desse benefício, ficando a dedução limitada 
 a apenas uma dessas contas ou a metade do valor máximo legalmente estabelecido 
 para cada uma delas. Com isso, estar-se-ia a privilegiar os sujeitos passivos 
 solteiros relativamente aos sujeitos passivos casados. 
 
 
 O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial improcedente, 
 mantendo o acto tributário de liquidação do IRS, relativo ao ano de 2003. 
 
 
 Ao apreciar a questão de constitucionalidade suscitada pelos impugnantes, o 
 tribunal afirma o seguinte: 
 
 
 Acresce, ainda, que a questão controvertida se prende com benefícios fiscais, 
 cujo conceito nos é dado pelo art. 2°, n° 1 do EBF. Segundo esta regra, ?consideram-se 
 benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de 
 interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria 
 tributação?. Cabe, então, perguntar, no caso do benefício em análise, que 
 interesses extrafiscais relevantes são esses? 
 
 
 A resposta é-nos dada pelo preâmbulo do Dec.-Lei n° 382/89, já supra mencionado, 
 onde se refere que: 
 
 
 
 ?A aquisição de habitação própria constitui um importante motivo de poupança das 
 famílias. (...) 
 
 
 Assumindo, no presente enquadramento macro?economico, especial relevância o 
 reforço da poupança, entendeu o Governo associar esse reforço à satisfação de um 
 objectivo fundamental das famílias: o acesso à habitação. As contas poupança?habitação 
 constituem um instrumento particularmente adequado à conciliação daqueles fins. 
 
 (...) 
 
 
 
 (...) Na nova configuração, as CPHs oferecem as seguintes vantagens aos seus 
 titulares: 
 
 
 Dois benefícios fiscais em IRS: 
 
 
 Isenção de IRS quanto aos juros activos: 
 
 
 Dedução, até a importância de 240 000$, à matéria colectável, para efeitos de 
 IRS, das entregas feitas em cada ano: (...)? 
 
 
 Ora, a habitação dos cônjuges, pelo facto de haverem contraído matrimónio, 
 deverá ser una. 
 
 
 
 É o que dispõe o art. 1672° do Código Civil, que estatui que os cônjuges estão 
 reciprocamente vinculados pelos deveres de (...) coabitação (...)? e 1673°, n° 2, 
 que dispõe no seu n° 2 que ?salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges 
 devem adoptar a residência da família?, os quais, agora nos lermos do n° 1 do 
 mesmo artigo, ?(...) devem escolher de comum acordo a residência da família, (...)?. 
 
 
 Ora, como os saldos das contas poupança-habitação só podem ser mobilizados nos 
 termos previstos no art. 5°, do Dec.-Lei n° 27/2001. de 3-2, o qual se refere à 
 habitação própria e permanente. Habitação própria e permanente, quando reportada 
 a sujeitos passivos casados entre si, só pode respeitar, obviamente, a uma única 
 habitação, a um local de residência. Também por este argumento parece não 
 restarem dúvidas que cada agregado familiar (maxime, o dos impugnantes) apenas 
 poderá movimentar os saldos daquelas contas quando em causa estiver a sua (deles) 
 habitação própria e permanente. Será aqui que se descortinará o interesse 
 jurídico extra?fiscal relevante que justifica o beneficio fiscal. 
 
 
 Conclui-se, desta forma, que os limites às deduções à colecta do IRS consagrados 
 no art. 18°, n° 1 do EBF operam por agregado familiar e operam, assim, em 
 qualquer caso. De resto, a necessidade de adquirir habitação é transversal a 
 todos os agregados familiares que constituem a sociedade. Logo, os incentivos à 
 aquisição da mesma (que assim se configurará como ?habitação própria?) serão 
 dirigidos, eles também, a todos esses agregados. Assim, também por agregado há?de 
 ser o modo de operar desses benefícios fiscais. 
 
 
 A necessidade de habitação não reveste, de resto, maior intensidade pelo facto 
 de um ?núcleo familiar? ser composto por uma só pessoa ou por mais, reporta-se a 
 todos eles. 
 
 
 Por tudo isto se conclui que o beneficio fiscal consagrado no art. 18°. n° 1 do 
 EBF se destina a incentivar a aquisição dc habitação própria e permanente do 
 agregado familiar. 
 
 
 Pelo que, ao operar o mesmo sobre as deduções a admitir a cada um desses 
 agregados, independentemente do número de pessoas que o constituam, o mesmo não 
 viola, ao contrário do defendido pelos impugnantes, o princípio da igualdade 
 plasmado no art. 13° da CRP. Limita-se, isso sim, a dar igual tratamento a uma 
 também igual ideia de apoio à aquisição de casa própria que é destinada a todos, 
 sejam agregados familiares, sejam a um sujeito passivo sem agregado. 
 
 
 Assim, não poderão deixar de falecer os argumentos aqui invocados pelos 
 impugnantes. 
 
 
 
 2. Dessa decisão vieram A. e B. interpor o presente recurso de 
 constitucionalidade. 
 
 
 Através dele pretendem os recorrentes ?[?] ver apreciada a inconstitucionalidade, 
 suscitada nos autos da sua petição inicial, da interpretação dada ao artigo 18º 
 do Estatuto dos Benefícios Fiscais nessa decisão, por violar o artigo 13º da 
 Constituição da República Portuguesa?. 
 
 
 Notificados para o efeito, os recorrentes vieram apresentar as suas alegações, 
 concluindo do seguinte modo: 
 
 
 
 1ª O artigo 18° do EBF, na redacção dada pela Lei n.° 32-B/2002, de 30 de 
 Novembro, não estabelece limites diferentes consoante se trate de contribuintes 
 casados ou solteiros. 
 
 
 
 2ª Não resulta dessa disposição que o limite legalmente dedutível de ? 575,57, 
 para as entregas feitas em cada ano em contas poupança-habitação, se refira ao 
 agregado familiar dos contribuintes casados. 
 
 
 
 3ª Uma interpretação do artigo 18° do EBF no sentido vertido na decisão 
 recorrida discrimina entre contribuintes casados que sejam titulares, 
 separadamente, de duas contas poupança-habitação, e contribuintes não casados ou 
 separados judicialmente de pessoas e bens que sejam igualmente titulares, 
 separadamente, de duas contas poupança-habitação. 
 
 
 
 4ª Uma tal posição, ao entender que o limite legalmente dedutível estabelecido 
 no art.° 18° do EBF é único para dois contribuintes, titulares de duas contas 
 poupança?habitação diferentes, pelo simples facto de serem casados e integrarem 
 o mesmo agregado familiar, é claramente inconstitucional, violando o princípio 
 da igualdade consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa. 
 
 
 
 5ª Não distinguindo a letra da lei entre sujeitos passivos casados e sujeitos 
 passivos solteiros, dela resulta necessariamente que confere igual benefício a 
 uns e a outros. 
 
 
 
 6ª A igualdade de tratamento para sujeitos passivos casados e não casados 
 expressamente estipulada num dado beneficio fiscal, como é o n.° 2 do art.° 21° 
 do EBF, não permite inferir a contrario sensu um tratamento desigual no caso de 
 contas poupança-habitação. 
 
 
 
 7ª A interpretação mais conforme ao texto constitucional, só pode ser a que 
 concede aos contribuintes casados um benefício idêntico ao concedido aos 
 contribuintes não casados ou separados judicialmente de pessoas e bens. 
 
 
 Notificada para o efeito, a Fazenda Pública, na qualidade de recorrida, não 
 apresentou contra-alegações. 
 
 
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II 
 
 
 Fundamentos 
 
 
 Delimitação do objecto do recurso 
 
 
 
 3. Impugnam os recorrentes, tanto no requerimento de interposição do recurso 
 quanto nas alegações produzidas no Tribunal, a constitucionalidade do disposto 
 no artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, considerado no seu conjunto. 
 No entanto, aplicada pela decisão recorrida foi apenas a 
 norma contida no nº 1 do mesmo artigo, interpretada no sentido segundo o qual o 
 benefício fiscal aí previsto ? o decorrente das chamadas ?contas poupança-habitação? 
 
 ? respeitar ao montante total depositado em cada ano por agregado familiar, 
 independentemente do facto de, individualmente tomado, cada membro do agregado 
 ser ele próprio titular da respectiva ?conta?. 
 
 
 Assim, é com esta extensão e limite que o Tribunal julgará a questão de 
 constitucionalidade que lhe foi colocada. 
 
 
 Questão de constitucionalidade 
 
 
 
 4. Importa, desde logo, assinalar que não compete ao Tribunal Constitucional 
 tomar posição sobre a correcção ou incorrecção da interpretação normativa 
 efectuada na decisão recorrida, designadamente sobre se, no plano do direito 
 infra-constitucional, a correcta interpretação a fazer do n.º 1 do artigo 18.º 
 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, EBF) é a que é defendida pela 
 Administração Fiscal, e acolhida pelo tribunal a quo, ou antes a que é 
 sustentada pelos recorrentes. 
 
 
 Ao Tribunal compete apenas decidir sobre a conformidade da interpretação 
 normativa, assim efectuada, com a Constituição. 
 
 
 Na versão aplicada na decisão recorrida, o n.º 1 do artigo 18.º do EBF dispunha 
 que: 
 
 
 
 1. Para efeitos de IRS, são dedutíveis à colecta, nos termos e condições 
 previstos no artigo 78.º do respectivo Código, 25% das entregas feitas em cada 
 ano para depósito em contas poupança-habitação, com o limite de ? 575, 57, desde 
 que o saldo seja mobilizado para os fins previstos no n.º 1 do artigo 5.º do 
 Decreto-Lei n.º 27/2001, de 3 de Fevereiro, e se mostrem decorridos os prazos 
 ali estabelecidos. 
 
 
 Tal preceito vem estabelecer como benefício fiscal, na modalidade de dedução à 
 colecta, a poupança efectuada para um dos fins previstos no n.º 1 do artigo 5.º 
 do Decreto-Lei n.º 27/2001, de 3 de Fevereiro, fins esses que têm em comum o 
 facto de a poupança dever ser aplicada no acesso a habitação própria e 
 permanente. Este último corresponde ao interesse público extrafiscal relevante 
 que justifica o benefício fiscal. 
 
 
 
 É perante tal enquadramento que deve ser colocada a questão de 
 constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso, designadamente a 
 de saber se é conforme à Constituição, face ao princípio da igualdade consagrado 
 no seu artigo 13.º, a dimensão interpretativa do n.º 1 do artigo 18.º do EBF 
 aplicada na sentença recorrida, nos termos da qual o limite aí previsto se 
 aplica ao montante total depositado em cada ano por agregado familiar. 
 
 
 No entender dos recorrentes existe violação do princípio da igualdade por se 
 verificar uma diferenciação de tratamento entre a situação a que se encontram 
 sujeitos dois contribuintes, casados entre si, e a dos demais contribuintes, 
 diferenciação da qual resulta uma redução significativa do benefício fiscal por 
 sujeito passivo na primeira situação. 
 
 
 Já o Tribunal a quo é do entendimento segundo o qual a aplicação do mesmo limite 
 
 às duas situações, ou seja considerar-se indiferenciadamente o agregado familiar 
 no seu conjunto (qualquer que seja a sua composição) para efeitos de atribuição 
 do benefício fiscal, não viola o princípio da igualdade. A argumentação 
 expendida baseia-se, fundamentalmente, no facto de o benefício fiscal em causa 
 consistir em um instrumento de incentivo à poupança para efeitos de acesso a 
 habitação própria e permanente. Ora, partilhando dois cônjuges uma única 
 habitação ? e consistindo, de resto, tal partilha, em um dever dos cônjuges, nos 
 termos do artigo 1672.º do Código Civil ? não será seguramente desrazoável ou 
 arbitrário que os incentivos fiscais para efeitos de acesso a habitação própria 
 e permanente sejam justamente os mesmos, quer seja o ?agregado familiar? 
 composto por uma só pessoa, quer seja ele composto por duas pessoas, entre si 
 casadas e cada uma delas titular da respectiva ?conta-habitação?. 
 
 
 
 É de acompanhar a fundamentação da decisão recorrida. 
 
 
 Conforme o Tribunal tem dito, em jurisprudência de tal modo 
 constante que se dispensa agora a enunciação exaustiva dos lugares 
 em que foi enunciada ? vejam-se apenas, e a título de exemplo, 
 os Acórdãos nºs 232/2003, 442/2007 e 620/2007 (disponíveis em www.tribunalconsittucional.pt) 
 
 ? só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as 
 escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se 
 prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não 
 encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, 
 tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se 
 prosseguem. 
 
 
 Entendem os recorrentes que tal ocorre no caso concreto, pois que se torna 
 incompreensível, à luz do sistema constitucional, que seja diferente o regime do 
 benefício fiscal em causa, quer seja aplicado a ?agregados familiares? compostos 
 por uma só pessoa, quer seja aplicada a ?agregados familiares? compostos por 
 duas pessoas, casadas entre si, e cada uma delas titulares da respectiva ?conta 
 poupança-habitação?. 
 
 
 Não lhes assiste, contudo, razão. 
 
 
 A correlação existente entre o benefício fiscal em causa e o interesse público 
 de acesso a habitação própria e permanente que o motiva consubstancia um 
 fundamento material bastante para tratar diferentemente a situação de dois 
 sujeitos passivos que, ainda que sejam titulares, cada um deles, de contas 
 poupança-habitação, estejam casados entre si, e a situação dos demais 
 contribuintes, não se revelando materialmente infundado, irrazoável ou 
 arbitrário um regime de que resulte uma redução desse benefício fiscal por 
 sujeito passivo na primeira situação. O fundamento está tanto na própria 
 finalidade que o benefício fiscal prossegue, quanto no facto de os sujeitos 
 passivos do imposto, que, casados entre si, dele [do benefício] sejam titulares, 
 deverem, nos termos da lei civil, partilhar a mesma habitação. 
 
 
 Assim, aplicar o limite ao agregado familiar, independentemente do número de 
 pessoas que o constituam e não, individualmente, a cada sujeito passivo, 
 corresponde a uma opção livre do legislador, inexistindo, portanto, 
 relativamente à norma sub judicio, qualquer violação do princípio da igualdade 
 consagrado no artigo 13.º da Constituição. 
 
 
 III 
 
 
 Decisão 
 
 
 
 5. Pelo exposto, e com estes fundamentos, decide-se: 
 
 
 a) Não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 18.º do 
 Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de 
 Julho e republicado pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, na redacção 
 que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Novembro, interpretada no 
 sentido de o benefício fiscal aí previsto, bem como o respectivo limite de 
 dedução à colecta, respeitarem ao montante total depositado em cada ano por 
 agregado familiar; 
 
 
 b) Consequentemente, negar provimento ao recurso; 
 
 
 c) Condenar os recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta. 
 
 
 Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010. 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Vítor Gomes 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins 
 
 
 Gil Galvão