 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 448/09 
 
 
 
 2.ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano 
 
 
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 Relatório 
 
 
 Nos autos de impugnação de aplicação de coima n.º 39/08.8TTBRR, do Tribunal de 
 Trabalho do Barreiro, interpostos pela A., S.A., após realização da audiência de 
 julgamento, foi proferida sentença, com a seguinte conclusão: 
 
 
 
 ?a) declaro ilegal e inconstitucional a norma vertida na al. e) do nº 3 do 
 artigo 12º na versão constante da Declaração de Rectificação nº 21/2009 de 18 de 
 Março de 2009 e como tal decido não a aplicar ao presente caso; 
 
 
 b) declaro extinto o procedimento contra-ordenacional quanto à prática da contra-ordenação 
 prevista no artigo 671º do Código de Trabalho anterior à Lei nº 07/2009 contra a 
 recorrente?. 
 
 
 O Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal Constitucional, nos 
 termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da C.R.P., por nela se ter recusado 
 a aplicação da declaração de rectificação nº 21/2009, de 18 de Março de 2009, 
 com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 
 
 Apresentou alegações em que concluiu do seguinte modo: 
 
 
 
 ?1. A Lei nº 74/98, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 2/2005, de 24 
 de Janeiro, nº 26/2006, de 30 de Junho e nº 42/2007, de 24 de Agosto, define e 
 circunscreve rigorosamente o âmbito em que podem ser feitas rectificações aos 
 diplomas legais. 
 
 
 
 2. Subjacente a tal quadro jurídico está a garantia de que, por meios ínvios, 
 não se alterem diplomas ? fora dos requisitos constitucionais e legais. 
 
 
 
 3. A Declaração de Rectificação nº 21/2009, ao proceder às ?correcções? nos 
 termos em que o fez, ?recuperando? matéria contra-ordenacional que deixara de 
 vigorar no ordenamento jurídico por força da Lei nº 7/2009, viola os princípios 
 da não retroactividade da lei penal (e contra-ordenacional), da segurança 
 jurídica e da igualdade, decorrentes da Constituição da República Portuguesa (artigos 
 
 13º, 29º, nºs 1, 3 e 4). 
 
 
 
 4. Nestes termos, deve julgar-se inconstitucional a norma vertida na alínea a), 
 do nº 3 do artigo 12º do Código do Trabalho na versão constante da Declaração de 
 Rectificação nº 21/2009, de 18 de Março de 2009, mantendo-se o juízo de 
 inconstitucionalidade feito pelo Tribunal a quo, com as consequências legais.? 
 
 
 A recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: 
 
 
 
 ?I. Com o Ministério Público se conclui que «[a] Lei nº 74/98, com as alterações 
 introduzidas pelas Leis nº 2/2005, de 24 de Janeiro, nº 26/2006, de 30 de Junho 
 e nº 42/ 2007, de 24 de Agosto, define e circunscreve rigorosamente o âmbito em 
 que podem ser feitas rectificações aos diplomas legais». 
 
 
 II. Com o Ministério Público se conclui que «subjacente a tal quadro jurídico 
 está a garantia de que, por meios ínvios, não se alterem diplomas - fora dos 
 requisitos constitucionais e legais». 
 
 
 III. Mais se conclui que uma vez que, a coberto de uma rectificação, se está a 
 alterar a lei, é violado o artigo 161º, alínea c), da Constituição, sendo certo 
 que o carácter inovador da pretensa rectificação obrigaria a um processo 
 legislativo que não ocorreu, o que conduz à inexistência jurídica do acto de 
 rectificação. 
 
 
 IV. Com o Ministério Público se conclui que «[a] Declaração de Rectificação nº 
 
 21/2009, ao proceder a ?correcções? nos termos em que o fez, ?recuperando? 
 matéria contra-ordenacional que deixara de vigorar no ordenamento jurídico por 
 força da Lei nº 7/2009, viola os princípios da não retroactividade da lei penal 
 
 (e contra-ordenacional), da segurança jurídica e da igualdade, decorrentes da 
 Constituição da República Portuguesa (artigos 13º, 29º, nºs 1, 3 e 4)?. 
 
 
 V. Com o Ministério Público se conclui que «deve julgar-se inconstitucional a 
 norma vertida na alínea a), do n.º 3, do artigo 12º do Código do Trabalho na 
 versão constante da Declaração de Rectificação nº 21/2009, de 18 de Março de 
 
 2009, mantendo-se o juízo de inconstitucionalidade feito pelo Tribunal a quo, 
 com as consequências legais». 
 
 
 
 * 
 
 
 Fundamentação 
 
 
 
 1. Da delimitação do objecto do recurso 
 
 
 Na sentença recorrida escreveu-se que se recusava a aplicação, com fundamento em 
 inconstitucionalidade da norma vertida na al. e) do nº 3 do artigo 12º, na 
 versão constante da Declaração de Rectificação nº 21/2009 de 18 de Março de 2009. 
 
 
 Conforme resulta da fundamentação desta sentença, o artigo 12.º ali referido 
 pertence ao Código de Trabalho, na versão dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de 
 Fevereiro, e a alínea do n.º 3 deste artigo, cuja aplicação se recusou foi a 
 alínea a), resultando a referência à alínea e) de um simples lapso de escrita. 
 
 
 O Ministério Público interpôs recurso desta desaplicação normativa, a qual 
 incide sobre a redacção daquela alínea a), do n.º 3, do artigo 12.º, conferida 
 pela Declaração de Rectificação nº 21/2009, de 18 de Março de 2009, e não sobre 
 toda esta Declaração de Rectificação, pelo que importa reduzir o objecto do 
 recurso à norma cuja aplicação a sentença recorrida efectivamente recusou. 
 
 
 Assim, deve neste recurso ser fiscalizada a constitucionalidade da norma 
 constante da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.º, do Código do Trabalho, na 
 redacção conferida pela Declaração de Rectificação nº 21/2009 de 18 de Março de 
 
 2009. 
 
 
 
 2. Do mérito do recurso 
 
 
 Nos presentes autos estava em causa a prática pela recorrida de uma contra-ordenação 
 pela violação do disposto nos artigos 273.º, n.º 1, e 671.º, nº 1, ambos do 
 Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. 
 
 
 No referido artigo 273.º, n.º 1, dispunha-se que ?o empregador é obrigado a 
 assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os 
 aspectos relacionados com o trabalho?. E o artigo 671.º, n.º 1, estatuía que ?constitui 
 contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artigo 273.º, na alínea b) 
 do nº 1 do artigo 274.º e nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 275.º?. 
 
 
 O primeiro dos citados preceitos consagrava um dever do empregador nas relações 
 laborais, enquanto o segundo tipificava como contra-ordenação muito grave a 
 violação desse dever. 
 
 
 O artigo 12.º, n.º 1, a), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, revogou a 
 referida Lei n.º 99/2003, tendo, contudo, o n.º 3, do mesmo artigo, excepcionado 
 que ?a revogação dos preceitos a seguir referidos do Código do Trabalho, 
 aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, produz efeitos a partir da 
 entrada em vigor do diploma que regular a mesma matéria: a) Artigos 272.º a 312.º, 
 sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, acidentes de trabalho e doenças 
 profissionais, na parte não referida na actual redacção do Código?. 
 
 
 No dia 18 de Março de 2009 foi publicada a Declaração de Rectificação nº 21/2009, 
 na qual se declarou que a Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a 
 revisão do Código do Trabalho, publicada no Diário da República, 1ª Série, n.º 
 
 30, de 12 de Fevereiro de 2009, havia saído com inexactidões que importava 
 rectificar. Assim, e em conformidade com esta declaração de rectificação, e ao 
 que aqui nos interessa, ?na alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º, ?Norma 
 revogatória?, onde se lê: ?a) Artigos 272.º a 312.º, sobre segurança, higiene e 
 saúde no trabalho, acidentes de trabalho e doenças profissionais, na parte não 
 referida na actual redacção do Código;?deve ler -se: ?a) Artigos 272.º a 280.º e 
 
 671.º, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, na parte não referida na 
 actual redacção do Código??. 
 
 
 Nos termos da Lei nº 74/98, de 11 de Novembro (sobre a publicação, a 
 identificação e formulário de diplomas), dispõe o artigo 5.º, o seguinte: 
 
 
 
 ?1 ? As rectificações são admissíveis exclusivamente para correcção de lapsos 
 gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para correcção 
 de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto 
 de qualquer diploma publicado na 1.ª série do Diário da República e são feitas 
 mediante declaração do órgão que aprovou o texto original, publicada na mesma 
 série. 
 
 
 
 2 ? As declarações de rectificação devem ser publicadas até 60 dias após a 
 publicação do texto rectificando. 
 
 
 
 3 ? A não observância do prazo previsto no número anterior determina a nulidade 
 do acto de rectificação. 
 
 
 
 4 ? As declarações de rectificação reportam os efeitos à data da entrada em 
 vigor do texto rectificado.? 
 
 
 Se a redacção original da Lei n.º 7/2009 revogava imediatamente a tipificação, 
 como contra-ordenação, da inobservância pelo empregador do dever de assegurar 
 aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos 
 relacionados com o trabalho, constante do Código do Trabalho de 2003, a redacção 
 resultante da rectificação operada com a Declaração n.º 21/2009 diferia essa 
 revogação para momento posterior (quando entrasse em vigor o novo diploma que 
 iria reger essa matéria), mantendo entretanto vigente a punição, como contra-ordenação, 
 da violação daquele dever do empregador. 
 
 
 Conforme resulta do debate parlamentar que antecedeu a aprovação da referida 
 Declaração (vide a acta n.º 84/X148, da Comissão Parlamentar de Trabalho, 
 Segurança Social e Administração Pública, acessível em www.parlamento.pt), a 
 mesma visou colmatar um esquecimento do legislador da lei rectificada e não 
 corrigir qualquer lapso material de redacção ou erro na publicação, pelo que se 
 traduziu no preenchimento duma lacuna legislativa involuntária, visando manter a 
 tipificação duma determinada conduta como contra-ordenação após essa tipificação 
 ter sido eliminada por lapso legislativo. 
 
 
 Na verdade, considerando os efeitos retroactivos das Declarações de Rectificação 
 
 (artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro), verificamos que, no 
 presente caso, a rectificação da redacção da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.º, 
 da Lei n.º 7/2009, resulta na manutenção em vigor, sem qualquer hiato, da 
 tipificação como contra-ordenação constante do artigo 671.º, n.º 1, do Código de 
 Trabalho de 2003, das condutas previstas no seu artigo 273.º, n.º 1, apesar da 
 revogação genérica deste diploma efectuada pelo artigo 12.º, n.º 1, a), da Lei n.º 
 
 7/2009, de 12 de Fevereiro. 
 
 
 Sendo a segurança jurídica um dos fins do Estado de direito democrático (artigo 
 
 2.º, da C.R.P.), ?a actuação dos poderes públicos, incluindo o poder legislativo, 
 deve ser sempre uma actuação antevisível, calculável e mensurável. Num Estado de 
 direito as pessoas devem saber com o que contam. As relações entre o poder e os 
 seus destinatários têm por isso que ser fundadas a partir da ideia segundo a 
 qual o comportamento dos poderes públicos deve ser um comportamento confiável.? 
 
 (Maria Lúcia Amaral, em ?A forma da República. Uma introdução ao estudo do 
 direito constitucional?, pág. 178, da ed. de 2005, da Coimbra Editora). 
 
 
 Neste sentido, para que as pessoas devam saber com o que contam, as normas 
 jurídicas não devem, em princípio, ter efeito retroactivo. 
 
 
 Correspondendo a esta ideia, o artigo 29.º, da C.R.P., proíbe que a lei possa 
 qualificar e punir como crime factos passados, impedindo-se, assim, que o poder 
 legislativo do Estado possa atingir de forma arbitrária, abusiva e direccionada 
 a liberdade, a segurança e outros direitos fundamentais dos cidadãos. 
 
 
 Esta proibição estende-se a outros domínios do direito sancionatório, 
 nomeadamente ao direito de mera ordenação social, impondo a não retroactividade 
 das leis que tipifiquem certas condutas como contra-ordenações (vide, neste 
 sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em ?Constituição da República 
 Portuguesa anotada?, vol. I, pág. 498, da ed. de 2007, da Coimbra Editora). 
 
 
 Constituiria uma violação da confiança legítima que as pessoas devem depositar 
 na ordem jurídica a punição como contra-ordenação de comportamentos ocorridos 
 anteriormente à sua tipificação legal. 
 
 
 Ninguém pode agir em conformidade ou de acordo com o direito se este não for 
 atempadamente cognoscível, pelo que uma punição daqueles comportamentos 
 constituiria um abuso intolerável do Estado. 
 
 
 Contudo, neste caso, não é esse o efeito retroactivo da norma impugnada. 
 
 
 Ela não determina a punição de conduta ocorrida em época em que a lei não a 
 tipificava como contra-ordenação, uma vez que o acto imputado ao arguido neste 
 processo foi praticado quando o artigo 671º, n.º 1, do Código do Trabalho de 
 
 2003, estava em vigor. 
 
 
 Ela repõe a punição como contra-ordenação daquela conduta, após o legislador ter 
 afastado o seu sancionamento contra-ordenacional, retroagindo essa reposição ao 
 momento desse afastamento, mantendo, assim, sem qualquer interrupção, tal sanção. 
 
 
 Aqui o efeito retroactivo da lei não determina a punição de um facto praticado 
 anteriormente à sua tipificação como contra-ordenação, mas elimina a descontra-ordenação 
 de uma determinada conduta efectivada pelo legislador em data posterior à 
 prática do facto. 
 
 
 Ora, vigorando em matéria contra-ordenacional, tal como em matéria penal, no 
 domínio da sucessão de leis, a regra da imposição da aplicação da lei mais 
 favorável (artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82), em obediência a uma 
 ideia de desnecessidade de intervenção destes instrumentos sancionatórios, o 
 acto legislativo de descontra-ordenação compromete o Estado perante os cidadãos, 
 no sentido de que já não serão sancionados os respectivos comportamentos, mesmo 
 que praticados em data em que tal punição se encontrava prevista na lei. 
 
 
 E este compromisso não pode ser quebrado, apesar do Estado verificar que se 
 equivocou ao abandonar o sancionamento como contraordenação daquelas condutas, 
 em defesa da fiabilidade da actividade de um Estado de direito democrático. 
 
 
 Ora, da redacção rectificada da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.º, da Lei n.º 
 
 7/2009, resulta a manutenção em vigor, sem qualquer hiato, da tipificação como 
 contra-ordenação constante do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2003, 
 das condutas previstas no seu artigo 273.º, n.º 1, retirando, assim, qualquer 
 efeito à descontra-ordenação operada pela redacção primitiva do referido artigo 
 
 12.º, n.º 1 a) e n.º 3, a), o que viola o principio da segurança jurídica, 
 inerente ao modelo de Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º, 
 da C.R.P.. 
 
 
 Por este motivo, deve ser julgado improcedente o recurso, confirmando-se a 
 declaração de inconstitucionalidade da decisão recorrida. 
 
 
 
 * 
 
 
 Decisão 
 
 
 Pelo exposto, decide-se: 
 
 
 a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica, 
 inerente ao modelo do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º, da 
 C.R.P., a norma constante da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.º, do Código do 
 Trabalho, na redacção conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009, de 
 
 18 de Março de 2009. 
 
 
 b) E, consequentemente, confirmar o juízo de inconstitucionalidade adoptado na 
 decisão recorrida, negando desta forma provimento ao recurso. 
 
 
 
 * 
 
 
 Sem custas. 
 
 
 Lisboa, 28 de Setembro de 2009 
 
 
 João Cura Mariano 
 
 
 Benjamim Rodrigues 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Rui Manuel Moura Ramos