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Processo n.º 381/05
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na .ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em 
 que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), do Acórdão daquele Tribunal da Relação, de 3 de Março de 
 
 2005.
 Esta decisão negou provimento ao recurso, confirmando a sentença condenatória 
 proferida pelo 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, em 2 de Abril de 2003, 
 que condenou a ora recorrente como autora de um crime previsto e punido pelo 
 artigo 24º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro.
 
  
 
 2. A ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo sido 
 proferida decisão sumária, em 22 de Junho de 2005, ao abrigo do disposto no 
 artigo 78º-A, nº 1, da LTC. Foi então decidido não conhecer do objecto do 
 recurso, com os fundamentos que importa agora destacar:
 
  
 
 “(...) da análise do teor da decisão recorrida decorre não ter esta aplicado a 
 norma que a recorrente, após convite ao aperfeiçoamento do requerimento de 
 interposição de recurso, vem identificar como aquela cuja inconstitucionalidade 
 pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
 Independentemente de saber se a recorrente identificou nos autos um concreto 
 sentido normativo (através da referência às normas constantes do art. 3.º do 
 Decreto-Lei n.º 240/94, de 22 de Setembro e do art. 24.º, n.º 1 al. c) do 
 Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, quando interpretado no sentido de ser 
 directamente aplicável à utilização de gorduras e óleos para fritura de géneros 
 alimentícios mediante a utilização do critério fixado no n.º 1 da Portaria n.º 
 
 1135/95, de 15 de Setembro), resulta seguro que, na decisão recorrida, não foi 
 aplicada tal norma.
 De facto, a condenação da arguida em primeira instância decorreu da subsunção do 
 seu comportamento ao teor do artigo 24º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 
 
 28/84, de 20 de Janeiro, como fica demonstrado pela seguinte passagem:
 
  
 
 ‘A arguida A. constituí-se autora material do crime de que vinha acusada punível 
 com pena de prisão de um a 18 meses e multa não inferior a 50 dias.
 Com efeito o artº 24º nº 1 al.c) referido aos artºs 81º e 82º do Dlei 28/84 de 
 
 20.1 responsabiliza criminalmente a pessoa que tiver a responsabilidade pela boa 
 conservação de géneros alimentícios destinados ao consumo público (…).
 Pelo exposto (…)
 Julga-se a acusação procedente por provada no que diz respeito a arguida A. E 
 CONDENA-SE A MESMA COMO AUTORA DE UM CRIME P.P. PELO ARTº 24º Nº 1 AL. C) DO 
 Dlei 28/84 na pena de dois meses de prisão, substituídos por igual tempo de 
 multa e em 60 dias de multa, ou seja na multa global de 120 dias à taxa diária 
 de 2 €, ou subsidiariamente em 80 dias de prisão’ (itálico aditado).
 
  
 O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou e reiterou tal entendimento, de forma 
 expressa, reconduzindo a condenação da recorrente apenas ao regime previsto no 
 Decreto-Lei nº 28/84:
 
  
 
 ‘Os critérios do ilícito penal - desvalor da acção proibida, desvalor do 
 resultado lesivo e identificação do bem jurídico tutelado encontram-se nas 
 normas dos artigos 24.º, n.º 1, alínea c), e 81 n° 1 - a) e 82 n° 2 - c) do 
 Decreto-Lei n.º28/84 (aprovado mediante autorização legislativa da Assembleia da 
 República). Tais critérios hão-de ser compreendidos a partir da ideia de 
 utilização de aditivos que afectem a pureza dos produtos alimentares. A 
 disciplina ínsita na portaria é apenas uma concretização do critério legal, 
 através da enumeração de substâncias e situações susceptíveis de afectar e 
 adulterar a pureza dos produtos. Mas tal disciplina não documenta nenhum 
 critério autónomo de ilicitude. (consiste apenas numa aplicação de conhecimentos 
 técnicos).
 Na verdade, o artigos 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º28/84 contêm já um critério 
 determinado de ilicitude e orienta suficientemente os destinatários da norma 
 quanto às condutas que são efectivamente proibidas’.
 
  
 Não se encontra, pois, na decisão recorrida, qualquer cisão, nos termos 
 apontados pela recorrente, entre a norma de comportamento e a norma que contém a 
 concreta ameaça penal, identificando antes apenas como aplicável o regime do 
 Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro. Importa, pois, concluir, neste tocante, 
 pela não aplicação, pela decisão recorrida, da norma cuja inconstitucionalidade 
 foi suscitada durante o processo.
 
  
 
 2. Acresce que não se mostra observado o disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea 
 b), e 72º, nº 2, da LTC. De facto, a norma que a recorrente pretendeu 
 identificar na resposta ao convite ao aperfeiçoamento – que delimita o objecto 
 do presente recurso – não encontra correspondência na peça processual na qual a 
 recorrente, face à exigência contida na parte final do nº 2 do artigo 75º-A da 
 LTC, afirma ter suscitado a questão de inconstitucionalidade. Alegou ali a 
 recorrente:
 
  
 
 ‘ 8) Acresce o facto de se tratar de uma norma penal em branco, pois trata-se 
 claramente de um crime de perigo comum com uma descrição incompleta do facto 
 típico, que faz referência à violação de regras legais regulamentares ou 
 técnicas, com cisão entre a norma de comportamento (in casu, a Portaria n.º 
 
 1135/95, de 15-9) e a norma que contém a concreta ameaça penal (in casu, o art. 
 
 24.º do D.L. n.º 28/84, de 20-1), com a determinação dos pressupostos de facto 
 da aplicação da norma penal feita por outra instância normativa, de nível 
 inferior.
 
 9) O legislador sentiu a necessidade de criar uma disciplina específica para a 
 questão, criando uma norma sancionatória (art. 3.º da referida Portaria), sem a 
 devida autorização legislativa.
 
 10) Há assim uma violação do princípio da legalidade criminal e 
 inconstitucionalidade da norma, por violação da reserva de lei estabelecida no 
 art. 165.º n.º 1 al. c) da CRP, que impede normas penais em branco, quer na 
 vertente de reserva do controlo democrático, quer na sua vertente de reserva de 
 segurança’ (itálico aditado).
 
  
 A questão de inconstitucionalidade aqui enunciada – aquela que foi suscitada 
 durante o processo – não corresponde, como resulta do confronto com a resposta 
 ao aperfeiçoamento, à questão de saber se 
 
  
 
 ‘as normas constantes do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 240/94, de 22 de Setembro e 
 do art. 24.º, n.º 1 al. c) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, quando 
 interpretado no sentido de ser directamente aplicável à utilização de gorduras e 
 
 óleos para fritura de géneros alimentícios mediante a utilização do critério 
 fixado no n.º 1 da Portaria n.º 1135/95, de 15 de Setembro’,
 são inconstitucionais por 
 
 ‘violação de reserva de Lei prevista no art. 165, n.º al. c) da CRP e dos 
 princípios da legalidade e tipicidade penais’ (itálico aditado).
 
  
 Para além de ressaltar de imediato a menção a uma norma anteriormente não 
 referida (o artigo 3º do Decreto-Lei nº 240/94, de 22 de Setembro), existe entre 
 as duas enunciações uma desconformidade que impõe um outro motivo de não 
 conhecimento do objecto do recurso: a recorrente não suscitou, durante o 
 processo, a questão de inconstitucionalidade que agora pretende que o Tribunal 
 aprecie”.
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos 
 do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, por entender que:
 
  
 
 “ (…) a aplicação da Portaria invocada no acórdão recorrido (Portaria n.º 
 
 1135/95, de 15-9), que surge ao abrigo e para regulamentação e concretização de 
 um diploma (o Decreto-Lei n.º 240/94, de 22-9) que nada tem a ver com a norma 
 incriminatória constante do Decreto-Lei 28/84, de 22-1, viola os princípios 
 constitucionais invocados, sendo certo que apenas a “norma sancionatória” 
 constante do art. 3.º daquele D.L. 240/94, aprovado sem a necessária autorização 
 legislativa, faz a ligação entre a referida Portaria e o D.L. 28/84, conforme se 
 defendeu (concede-se que talvez sem a necessária clareza) nas alegações de 
 recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que, nos termos do n.º 3 do 
 art. 78.º-A da LTC, vem reclamar para a Conferência”.
 
  
 
 4. Notificado da reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal 
 respondeu nos termos que se seguem:
 
  
 
 “1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 – Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso”.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 Na decisão sumária que é objecto da presente reclamação conclui-se pelo não 
 conhecimento do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que 
 não se verificam dois requisitos do recurso de constitucionalidade que a 
 recorrente pretendeu interpor (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da 
 LTC): a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja 
 constitucionalidade é questionada pela recorrente e a suscitação de tal questão 
 de inconstitucionalidade durante o processo.
 Por um lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Março de 2005, 
 não aplicou a norma que a recorrente identifica no requerimento de interposição 
 de recurso para o Tribunal Constitucional, bem como a norma que consta da peça 
 processual indicada como aquela em que foi suscitada a questão de 
 inconstitucionalidade; por outro, a questão de inconstitucionalidade que vem 
 formulada naquele requerimento não foi suscitada durante o processo.
 Ora, da presente reclamação nada resulta que possa contrariar o anteriormente 
 decidido, não tendo a reclamante demonstrado que se verificam os mencionados 
 requisitos do recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor. 
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie a reclamante.
 
  
 
  
 Lisboa, 21 de Setembro de 2005
 
  
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício